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Processo nº 586/2012
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 11 de Julho de 2013

ASSUNTO:
- Vício de violação de lei

SUMÁRIO:
- É de anular, por vício de violação de lei, o acto que aplicou uma sanção contratual por excesso de emissão de HCI com base simplesmente no valor médio diário de emissão bruto, sem, no entanto, tomar em consideração a dedução legal prevista no nº 11 do artº 11 da Directiva 2000/76/CE, a cuja aplicação contratualmente a Administração se vinculou.
O Relator,










Processo nº 586/2012
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 11 de Julho de 2013
Recorrente: Consórcio A - Incineração de Resíduos de Macau
Entidade Recorrida: O Senhor Chefe do Executivo

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Consórcio A - Incineração de Resíduos de Macau, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 18/04/2012, pelo qual se determinou aplicar-lhe uma multa de MOP$87,500.00, concluíndo que:
1. O programa de Concurso indica claramente que a operação da CIRS deve ser conduzida pelas Recorrentes em conformidade com as normas da Directiva, no que representa uma auto-vinculação da Administração às regras da Directiva, a que está obrigada a obedecer na actuação administrativa relativa ao Contrato, nomeadamente quanto ao acto recorrido, cuja prática tem que cumprir com a Directiva;
2. A Cláusula 19ª do Contrato permite, no âmbito da discricionariedade da Administração, a aplicação de uma multa contratual de MOP$87,500.00 em caso de violação dos limites de emissões previstos na Directiva, e caso as Recorrentes (i) não apresentem justificação para tal violação ou (ii) a justificação apresentada não seja aceite pela Administração;
3. O acto recorrido é violador de normas expressas aplicáveis ao Contrato, nomeadamente as da Directiva, bem como do Contrato, e é ainda como violador de princípios basilares da relação da Administração com os particulares, maxime as de boa-fé, previstas no Artigo 8° do Código do Procedimento Administrativo;
4. Com efeito, e no que tange à interpretação e aplicação da Directiva, resulta evidente que esta exige a dedução dos valores dos intervalos de confiança previstos no Artigo 11° No. 11 da Directiva e Anexo III da mesma, dedução essa que, de acordo com o próprio acto recorrido, não foi feita;
5. Mais ainda, é patente que, ao contrário do contido no Documento No. 9, em cujo teor o acto recorrido se escora no que toca às suas considerações sobre o alegado incumprimento das Recorrentes das normas da Directiva no caso vertente, o CEMS da CIRS não tem um grau de incerteza de zero, operando antes dentro do intervalo de confiança de 95% fixado pela Directiva;
6. Nos termos do Artigo 11° No. 11 da Directiva, "Os valores médios a intervalos de 30 e de 10 minutos devem ser determinados durante o periodo de funcionamento efectivo (excluindo os periodos de arranque e de paragem em que não sejam incinerados residuos), a partir dos valores medidos depois de subtraido o valor do intervalo de confiança referido no ponto 3 do anexo III.", sendo que esta subtracção se deve fazer em todos os valores indicados;
7. Mais ainda, dispõe o Anexo III No. 3 que "A nivel do valor-limite diário de emissões, os valores dos intervalos de confiança de 95 % de cede resultado medido não deverão ultrapassar as seguintes percentagens dos valores-limite de emissão.", sendo que, no que toca às emissões de HCI, esta percentagem é de 40% do valor limite diário de 10 mg/m3, ou seja, 4 mg/m3;
8. Da conjugação das referidas normas da Directiva, resulta patente que ao valor medido de HCI de 11.1 mg/m3 em 17 de Fevereiro deverá ser deduzido o valor do intervalo de confiança de 95%, in casu 4 mg/m3; quer nos termos da Directiva, quer considerando que o próprio acto recorrido reconhece que o valor de 11.1 mg/m3 não foi objecto de qualquer dedução, pelo que o valor validado e relevante para efeitos de determinação de cumprimento com as normas da Directiva e consequente determinação da aplicação da multa prevista no Contrato que foi aplicada pelo acto ora recorrido é de 6.7 mg/m3;
9. Sendo este valor de 6.7 mg/m3 inferior ao limite de emissões de HCI de 10 mg/m3 previsto na Directiva, resulta evidente que as Recorrentes não violaram os limites de emissões da Directiva, pelo que não cometeram a infracção prevista na Cláusula 19 No. 1 c) do Contrato;
10. Assim, o acto recorrido Incorre numa violação da Directiva - a cujas normas se auto-vinculou em sede concursal e contratual- , maxime do Artigo 11°, parágrafo 11 da mesma, conjugada com o seu Anexo III, porquanto não leva em linha de conta as fórmulas e métodos de cálculo do valor de emissões, em função das quais se afere o limite de emissões permitido e potencial infracção ao nível do Contrato,
11. E viola o Contrato, maxime a Cláusula 19.1 (c) do mesmo na medida em que aplica uma multa contratual numa situação que, de facto e de iure, não o permite.
12. Circunstâncias que consubstanciam o vício de violação de lei, que constitui fundamento de anulação do acto recorrido nos termos e para os efeitos do disposto no Artigo 21 No. 1 d) do Código do Processo Administrativo Contencioso.
13. Quanto assim não se entenda - o que não se concebe ou concede - certo é que o acto recorrido viola ainda o princípio da boa-fé, expressamente consagrado no Artigo 8° do Código do Procedimento Administrativo, pelo que sempre seria exigível a sua anulação nessa base;
14. Com efeito, e malgrado as reservas suscitadas pelas Recorrentes em algumas das reuniões regulares com a DSPA sobre a operação da C/RS, aquela exigiu que as Recorrentes incinerassem desperdícios de PVC com um conteúdo médio de cloro de 57% na CIRS, que foi concebida para incinerar desperdício com conteúdos máximos de cloreto entre os 0.75% e os 1.07%;
15. As Recorrentes deram conta destas reservas, bem como do impacto das enormes quantidades de PVC que a DSPA enviou para incineração na CIRS, ao contrário do alegado no Ponto 3.2 (b) Relatório que fundamenta o acto recorrido;
16. Assim, é patente que foi a própria DSPA que, ao ignorar os apelos e avisos das Recorrentes sobre a falta de adequação da CIRS para a incineração daqueles resíduos, bem como as explicações verbais por parte das Recorrentes de que esta incineração causaria um risco de aumento de emissões de HCI, quem colocou as Recorrentes na alegada situação de violação dos limites previstos na Directiva e concomitante alegada violação do disposto no Contrato, que, como já se demonstrou supra, em todo o caso não existiu;
17. Assim, ao sancionar as Recorrentes - no exercício de poderes discricionários - com a aplicação da multa constante do acto recorrido por uma alegada infracção contratual que, a ter existido, foi propiciada pela DSPA, malgrado as reservas das Recorrentes, violou o acto recorrido o princípio da boa-fé, previsto no Artigo 8° do Código do Procedimento Administrativo;
18. No entanto, ao potenciar, com a sua conduta, a alegada infracção por parte das Recorrentes, nos termos explanados supra, estava a Administração então adstrita a não aplicar qualquer multa nos termos do Contrato.;
19. Assim, o acto recorrido está inquinado, também por esta via, por violação de lei, posto que viola o princípio da boa-fé contido no Artigo 80 do Código do Procedimento, no que constitui novo fundamento de anulação do acto recorrido nos termos do Artigo 21° No. 1 d) do Código de Processo Administrativo Contencioso. ;
20. Nos termos do Contrato, nomeadamente da sua Cláusula 19ª, No. 5, a Administração, em caso de falta de pagamento de multa contratual dentro do prazo fixado, goza da faculdade de deduzir o valor da multa (i) da caução definitiva prestada pelas Recorrentes nos termos e para os efeitos da Cláusula 7ª do Contrato ou (ii) do valor de remuneração mensal fixado Contrato;
21. Antecipando que, em face da recusa de pagamento da multa aplicada pelo acto recorrido, a Administração lance mão dos referidos mecanismos, Não podem deixar as Recorrentes de pugnar pela devolução do valor de MOP$87.5000.00, indicado no acto recorrido como sendo a multa aplicável, seja por via da sua reintegração na caução definitiva, ou por via de reembolso às Recorrentes na sua remuneração mensal nos termos do Contrato após decisão favorável nos presentes autos;
22. Montante esse a que devem acrescer juros legais desde a data de liquidação indevida da multa pela Administração até data do seu integral reembolso.
23. Em suma, o acto recorrido padece, não de uma, mas de duas violações de lei, cada uma delas idónea a, de per se, justificar a anulação do acto recorrido:
a. Por um lado, o vício de violação de lei resultante da violação por parte do acto recorrido de normas da Directiva, nomeadamente as do Artigo 110, parágrafo 11 e Anexo III, bem como violação das normas do Contrato, nomeadamente da Cláusula 19ª No. 1 c) do mesmo, porquanto aplica uma multa contratual sem que tenha havido violação da norma jurídica que a enquadra e, concomitantemente, da norma contratual que pune a violação;
b. Novo vício de violação de lei, por violação do princípio da boa-fé, previsto no Artigo 8° do Código do Procedimento Administrativo, porquanto, no exercício de poderes discricionários - o de aplicação da multa contratual - aplicou a multa por uma alegada infracção que, a existir, foi por si potenciada.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 179 a 216 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Recorrente e a Entidade Recorrida apresentaram alegações facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “O n.º1 do art.53º do CPAC dispõe: Na contestação, deve a entidade recorrida deduzir, por forma articulada, toda a matéria relativa à defesa, indicar os factos cuja prova pretende fazer, juntar todos os documentos destinados a demonstrar a verdade dos factos alegados e, quando seja caso disso, apresentar rol de testemunhas ou requerer outros meios de prova. E o n.º5 do art.68º deste diploma prevê expressamente que a entidade recorrida e os contra-interessados podem suscitar, nas alegações, novas questões que obstem ao conhecimento do recurso.
Interpretando o n.º3 do referido art.68º em harmonia com o art.23º do CPAC e ainda com art.409º do CPC, podemos ter por certo que depois da contestação, a entidade recorrida só pode deduzir meios de defesa que sejam superveniente.
Nesta linha de consideração, inclinamos a entender que não devem ser atendidos todos os fundamentos aduzidos pela entidade recorrida nas suas alegações de fls.260 a 277 dos autos, que não sejam supervenientes por extemporaneidade.
Note-se que o teor dos documentos de fls.278 a 282 dos autos são idênticos ao dos apresentados pelas recorrentes (vide. os de fls.100, 102 a 105, 78 a 313 dos autos), e o documento de fls.287 a 313 coincide, na parte essencial, com o de fls.109 a 113 dos autos. Deste modo, não se divisa razão ponderosa da pretendida desentranha.
Na óptica da entidade recorrida, o documentos n.º3 de fls.283 a 286 foi apresentado «para referência» e como «informação adicional, sobre os valores das emissões de HCI, a 18 de Fevereiro de 2011», e o n.º5 visa a demonstrar a capacidade da “CIRS”. Não nos aparece a pertinência destes documentos, pelo que poderão ser desentranhados.
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Na petição e nas alegações, as recorrentes assacaram, de forma reiterada, o vício de violação de lei, traduzido em violar o art.11º n.º11 da Directiva n.º2000/76/CE e do Contrato, maxime a Cláusula 19.1 (c) do mesmo na medida de aplica uma multa contratual numa situação que, de facto e de iure, não o permite (encontrando-se o desenvolvimento nas 4ª a 12ª conclusões da petição).
Antes de tudo, importa realçar que a percentagem de 40% prevista no n.º3 do Anexo III da aludida Directiva constitui o limite máximo, no sentido de não dever nem poder ser ultrapassada pelos valores dos intervalos de confiança de 95% de cada resultado medido, a nível de valor-limite diário de emissão.
De qualquer maneira, parece-nos crível a explanação constante do documento de fls.132 a 133 dos autos – a Resposta dada pela «B, Ltd.» à Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental sobre assunto de «DCS Emission Data Values Issue».
O que nos leva a entender que em 17/02/2011, o valor médio diário de emissão de HCI atingiu a 11.1mg/Nm3, estando efectivamente acima do limite de 10mg/Nm3 estipulado na a) do Anexo V da referida Directiva n.º2000/76/CE, deste modo, infringiu a Cláusula 19.1 (c) do Contrato.
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Líquido e certo é que no período compreendido das 9h43 às 19h22 de 17/02/2011, às CIRS foram transportadas totalmente 12.2 toneladas de resíduos de PVC proveniente da ETAR de Taipa (doc. de fls.100 dos autos), e o nível de emissão de HCI na unidade de incineração n.º5 mantinha-se continuamente elevado desde 20h50 até às 23h20 daquele dia (doc. de fls.102 a 105 dos autos). O que faz crer que as 12.2 toneladas de resíduos de PVC foram incineradas no período de 20h50 às 23h20.
As recorrente não fornecem prova convincente de que elas fossem impostas a concluir/acabar, dentro de 17/02/2011, a incineração das 12.2 toneladas de resíduos, podendo a incineração ser faseada nos dias subse-quentes em conformidade com a exigência da técnica.
Nestes termos, sem pôr em dúvida os esforços e diligências das recorrentes para controlar a emissão de HCI, não se descortina, no caso sub judice, que o acto questionado nestes autos infrinja o princípio de boa fé consagrado no CPA.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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  Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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II – Factos
É assente a seguinte factualidade com base nas provas testemunhal e documental existente nos autos e no respectivo PA:
1. C – Consultores de Engenharia e Gestão, S.A., D – Consultores de Engenharia e Gestão, Limitada, E Environmental Services Corporation e CTCI Corporation são empresas, locais uma, internacionais outras, que se dedicam ao ramo da engenharia e ambiente.
2. No exercício da sua actividade, apresentaram-se ao concurso público lançado pelo Gabinete de Desenvolvimento de Infraestruturas da RAEM, para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau" (o "Concurso").
3. Para o efeito, e nos termos do respectivo programa de concurso, formaram o consórcio "A - Incineração de Resíduos de Macau" (doravante o "Consórcio"), ora Recorrente, ao qual foi, a final, atribuído o projecto objecto do Concurso.
4. Em conformidade com as normas do Decreto-Lei 63/85/M, o Consórcio e o Governo da RAEM, representado nesse acto pelo Sr. Cheong Sio Kei, Director da Direcção de Serviços de Protecção Ambiental da RAEM (doravante "DSPA"), celebraram, em 14 de Maio de 2010, o "Contrato para Operação e Manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau" (doravante o "Contrato").
5. Nos termos do Contrato, nomeadamente na Cláusula 8 (g) do mesmo, o Consórcio em referência está obrigado a observar determinadas regras no tratamento de emissões de gases poluentes gerados no curso da operação da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau (doravante "CIRS"),
6. Normas essas que, in casu, são as constantes da Directiva 2000/76/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Dezembro de 2000 relativa à incineração de resíduos, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 28 de Dezembro de 2000, No. L332/91 (doravante "a Directiva"), cuja aplicabilidade ao Contrato e à operação da CIRS foi determinada no Ponto 5.1 c) das Condições Gerais do Concurso, bem como no ponto 3.3 (b) das Condições Especiais.
7. Mais ainda, nos termos da Cláusula 19 1 (c) do Contrato, a violação dos limites de emissão de gases poluentes - violação a determinar nos termos da Directiva - implica a aplicação de uma pena ao Consórcio no montante de MOP$87,500.00.
8. A DSPA solicitou ao Consórcio A – Incineração de Resíduos de Macau para proceder-se à incineração de grandes quantidades de um desperdício de Palie/ore to de Vinil (vulgarmente conhecido por PVC) na CIRS, proveniente da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Taipa.
9. O Consórcio A – Incineração de Resíduos de Macau alertou à DSPA que a grande quantidade de PVC enviada para incineração podia por em risco o nível de emissões, pelo que pediu verbalmente que enviasse, de forma fraccionada, as PVC em causa, a fim de prevenir o excesso de emissão de HCI.
10. No dia 29 de Abril de 2011, a DSPA, através do Ofício nº. 1192/086/CGIA/2011, informou o Consórcio de que, na data de 17 de Fevereiro de 2011, a linha de incineração nº. 5 da CIRS havia excedido o valor médio diário limite de emissões de Cloreto de Hidrogénio (doravante "HCI"), fixadas nos termos do Ponto II.1.1. C do Anexo II à Directiva em 10 mg/m3.
11. Naquele dia, no período compreendido das 9h43 às 19h22, foi enviada 12 toneladas de PVC para incineração.
12. O valor médio registado nessa data havia sido de 11.1 mg/m3, que é um valor bruto registado no Sistema de Controlo de Distribuição (DCS), computado a partir dos valores médios a intervalo de 1 minuto, sem qualquer dedução ou adição de outros valores.
13. O Consórcio, na missiva com referência nº. A-11025, datada de 25 de Fevereiro de 2011, informou a DSPA de que havia existido um problema com as emissões de HCI, devido ao pedido por parte da DSPA para proceder-se à incineração de grandes quantidades de um desperdício de Palie/ore to de Vinil (vulgarmente conhecido por PVC) na CIRS, proveniente da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Taipa.
14. Além disso, na data de 9 de Maio de 2011, emitiu ainda a carta com referência nº A-11079, chamando atenção da DSPA, entre os outros, o facto de que as medições das emissões de HCI não haviam levado em linha de conta as normas da Directiva, maxime o seu artº 11º, nº 11 e Anexo III, porquanto os valores indicados se tratavam de valores aos quais não haviam sido aplicadas as deduções exigidas pela Directiva.
15. Em resposta, a DSPA informou de que os valores registados não estariam sujeitos a qualquer redução nos termos da Directiva por duas razões, a saber:
a) De acordo com a B, LTD (MHI) – entidade que instalou a maquinaria da CIRS –, os valores registados no sistema da CIRS reflectem os valores finais de emissão; e
b) A MHI declarou que os níveis de incerteza na medição eram zero, pelo que não haveria lugar a qualquer subtracção dos valores indicados na Directiva.
16. Por despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 18/04/2013, foi determinado aplicar ao Consórcio A – Incineração de Resíduos de Macau uma multa no valor de MOP$87.500,00 por excesso de emissão de HCI.
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III – Fundamentação:
I. Questão prévia:
A Entidade Recorrida juntou, no âmbito das alegações facultativas, 5 documentos.
Devidamente notificada, o Recorrente vem suscitar a sua inadmissibilidade, por não serem documentos que visam provar novos factos supervenientes.
Cumpre agora decidir.
Nos termos do nº 1 do artº 55º do CPAC, toda a matéria de defesa deve ser deduzida na contestação, após a qual só são admissíveis as matérias de defesa que sejam supervenientes.
Paralelamente, o artº 450º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPAC, prevê que “Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes” e “Se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em primeira instância, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pode oferecer com o articulado”.
No entanto, se os documentos destinados a provar factos posteriores supervenientes, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, já podem ser oferecidos em qualquer estado do processo (cfr. artº 451º, nº 2 do CPCM).
No caso em apreço, os documentos juntos não são supervenientes, nem destinados a provar factos posteriores supervenientes, pelo que a junção dos mesmos aos autos no âmbito das alegações facultativas não é legalmente admissível.
Nesta conformidade, é de se ordenar o seu desentranhamento e a sua devolução à Entidade Recorrida.
II. Do mérito da causa:
O Recorrente entende que o acto recorrido padece do vício de violação de lei, resultante tanto da errada aplicação da Directiva 2000/76/CE e das normas contratuais como da violação do princípio da boa-fé.
1. Da errada aplicação da Directiva e das normas contratuais:
Para o Recorrente, ao valor médio de emissão de HCI registado no dia 17/02/2011 (11,1mg/m3) há-de fazer a dedução legal prevista no nº 11 do artº 10º da Directiva 2000/76/CE e o acto recorrido, ao concluir pela existência de excesso de emissão de HCI, decidindo, assim, aplicar-lhe uma multa no valor de MOP$87.500,00, sem tomar em conta a dedução legal prevista na Directiva, padece de vício de violação de lei, o que gera a sua anulação.
Quid iuris?
Segundo a Directiva 2000/76/CE, o limite do valor médio diário de emissão de HCI é de 10mg/m3 (Anexo V da Directiva).
Como é calculado o valor médio diário de emissão?
Nos termos do nº 11 do artº 11º da Directiva, esse valor é calculado a partir dos valores médios de emissão a intervalos de 30 e de 10 minutos, os quais são determinados durante o período de funcionamento efectivo (excluindo os períodos de arranque e de paragem em que não sejam incinerados resíduos), a partir dos valores medidos depois de subtraído o valor do intervalo de confiança referido no ponto 3 do anexo III.
O valor do intervalo de confiança referido no ponto 3 do anexo III da Directiva para o caso de HCI é de 40%.
Ficou provado que a emissão média diária de HCI no dia 17/02/2011 era de 11,1mg/m3, que é um valor puro registado no Sistema de Controlo de Distribuição (DCS), computado a partir dos valores médios de emissão a intervalo de 1 minuto, sem haver qualquer dedução ou adição de outros valores.
A Entidade Recorrida, no recurso hierárquico interposto pelo Recorrente, defendeu que os valores registados não estariam sujeitos a qualquer redução nos termos da Directiva porque de acordo com a B, LTD (MHI) – entidade que instalou a maquinaria da CIRS –, os valores registados no sistema da CIRS reflectem os valores finais de emissão e os níveis de incerteza na medição eram zero.
Nos presentes autos, vem defender que “É da responsabilidade única (o sublinhado e realçado são nossos) do Recorrente, empresa especializada, neste tipo de actividade, efectuar correctamente a interpretação da “Directiva”, sendo condição fundamental à boa prestação de serviços, objecto do “Contrato”, nomeadamente, o de fornecer os dados de emissões, em conformidade, com o estipulado pela norma europeia aplicável”, daí que a Administração não tem qualquer obrigação de confirmar se os dados fornecidos pelo Recorrente estão ou não correctos, podendo simplesmente, com base nos mesmos, aplicar automaticamente a sanção contratualmente prevista (v. alegações facultativas de fls. 272 e 273.).
Não é possível acolher toda a posição da Entidade Recorrida.
É certo que o Recorrente tem a referida responsabilidade, mas isto não exime a responsabilidade do órgão administrativo responsável da fiscalização.
É regra basilar do direito sancionatório de que compete à entidade sancionadora provar a existência dos elementos constitutivos da infracção.
Não excluímos a hipótese de que sanciona com base nos dados fornecidos pela própria parte, mas isto não quer dizer que a entidade sancionadora deixa de haver por isso qualquer obrigação de averiguar se os dados fornecidos correspondem ou não à verdade, cuja dúvida é suscitada pela sancionada quer no âmbito do recurso hierárquico necessário, quer nos presentes autos.
Aliás, o próprio Recorrente, em data muito anterior à do acto impugnado, informou a DSPA que os valores fornecidos não tinham levado em conta a dedução legal prevista na Directiva (facto provado nº 14). Portanto, o argumento agora utilizado no presente recurso de que a Administração se serviu simplesmente do valor fornecido pelo Recorrente inicialmente não pode servir de razão para justificar a tese da defesa do acto impugnado, já que não podia ele desconhecer sobre se o valor registado era bruto ou se já era final após a dedução.
Salvo o devido respeito, entendemos que não só o Recorrente tem a obrigação de conhecer as regras da Directiva para uma boa prestação de serviços adjudicados. O órgão administrativo responsável pela fiscalização também tem a mesma obrigação para garantir o bom cumprimento do contrato de adjudicação.
No caso em apreço, é a própria Directiva – a cuja aplicação contratualmente a Administração se vinculou – que prevê a forma como é determinado o valor médio diário de emissão, nos termos do qual há-de subtrair do valor medido o valor do intervalo de confiança referido no ponto 3 do anexo III, que é de 40% para o caso de HCI, pelo que ainda que os níveis de incerteza na medição pelo sistema da CIRS sejam zero, não se pode deixar de cumprir a referida disposição legal na determinação do valor médio diário de emissão.
Ora, subtraído 40% ao valor registado de 11,1mg/m3, temos um valor inferior ao limite legal previsto da Directiva (10mg/m3).
Assim, é de concluir pela procedência do presente recurso contencioso com verificação do vício da violação de lei do acto recorrido por recusa da aplicação do nº 11 do artº 11º da Directiva 2000/76/CE.
2. Da violação do princípio da boa-fé
Na óptica do Recorrente, a conduta da DSPA, e, por extensão, da Entidade Recorrida, violou o princípio da boa-fé, legalmente previsto no artº 8º do CPA, já que foi a própria DSPA quem potenciou o cometimento da alegada infracção (excesso de emissão de HCI), enviando uma grande quantidade de PVC para incineração, bem sabendo que tal iria aumentar a emissão de HCI, ou seja, a alegada infracção resulta da criação e da imposição por parte da DSPA.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão nesta parte.
É de registar a boa vontade de colaboração por parte do Recorrente em ajudar a Administração incinerar os desperdícios de PVC.
Mas isto não significa que a Entidade Recorrida tenha procedido com má-fé ao aplicar-lhe uma multa contratual por excesso de emissão de HCI.
É certo que foi a DSPA quem incumbiu ao Recorrente a incineração dos desperdícios de PVC e que foram enviadas, no dia 17/02/2011, no período compreendido das 09h43 às 19h22, 12 toneladas de desperdícios de PVC para incineração.
Contudo, não existe qualquer elemento nos autos que permite concluir que a DSPA exigiu que aquelas 12 toneladas de PVC tinham de ser incineradas no mesmo dia.
Como bem notou o Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste Tribunal que a incineração daquelas 12 toneladas de PVC podia “ser faseada nos dias subsequentes em conformidade com a exigência técnica”, a fim de evitar o excesso de emissão de HCI.
Pelo exposto, não deixará de se julgar improcedente este argumento de recurso.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão:
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso contencioso interposto e, consequentemente, anular o acto recorrido.
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Custas pela Entidade Recorrida, que goza da isenção subjectiva.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 11 de Julho de 2013.


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Ho Wai Neng Mai Man Ieng
(Relator) (Estive presente)
(Magistrado do M.oP.o)

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José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
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