打印全文
Processo nº 867/2012
Data do Acórdão: 25JUL2013


Assuntos:

Caso julgado
Repetição do julgamento


SUMÁRIO

Nos termos do disposto no artº 629º/4 do CPC, quando tiver sido parcialmente anulada a decisão de facto pela segunda instância e esta não se puder substituir ao tribunal de primeira instância para decidir, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão de facto que não esteja viciada.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 867/2012


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I
A, intentou a acção executiva para pagamento de quantia certa contra B, acção essa que corre os seus termos no Tribunal Judicial de Base sob nº CV3-96-0001-CAO-E.

Serve de base à execução como título executivo uma sentença de 1ª instância proferida em 13JUL2007 nos autos da acção ordinária nº CV3-96-0001-CAO.

Por despacho da Exmª Juiz a quo, foi liminarmente indeferida a execução nos termos seguintes:

  O R. vem agora pedir executar parte da sentença proferida anteriormente em 13 de Julho de 2007.
  Por acórdão do Processo n.º 33/2008, de 19 de Março de 2009, foi revogada a decisão nos exactos termos consignados no Acórdão, e decidiu após novo julgamento sobre a matéria de facto em contradição, proferir nova decisão.
  Na sentença proferida em 31 de Julho de 2010, foi decidido:
  "Absolvo o R. dos primeiro e terceiro pedidos, na quantia de MOP3673200.00 e MOP765000.00, respectivamente;
  Condeno o R. a pagar à A. as despesas despendidas na correcção das obras, cuja quantia será liquidada em execução de sentença;
  Julgo improcedente a reconvenção deduzida pelo R. contra a A., absolvendo-a de todos os pedidos reconvencionais.".
  O R. desistiu o recurso interposto em 15/11/2010.
  Compulsados os elementos dos autos, entendo que já foi proferida sentença sobre a reconvenção após novo julgamento e o R. desistiu do seu recurso, o R. não pode vir agora pedir executar a sentença anteriormente proferida. Pelo exposto, indefiro a execução por falta de título executivo nos termos dos artigos 12.°, 394.° e 375.° do CPC.
  Notifique e D.N.

Inconformado com o indeferimento liminar, veio o exequente interpor dele o recurso, pedindo e concluindo que:

1. B instaurou, contra ora Recorrente, uma acção declarativa de condenação tendo pedido a condenação do Réu no seguinte; (1) restituição da quantia de MOP$3.673.200.00 (lapso, uma vez que a soma aritmética do valor dos três contratos é de MOP$3.637.200.00), correspondente ao preço dos três contratos de empreitada celebrados entre as partes, acrescida dos respectivos juros vincendos, desde a citação até integral pagamento; (2) pagamento de todas as despesas a realizar pela Autora, B, para correcção dos alegados defeitos das obras, cujo montante deverá ser relegado para execução de sentença, por não ser possível, à data concretizar tal valor; (3) pagamento das multas correspondentes ao facto de ter ultrapassado os prazos limite para conclusão dos contratos de empreitada, no total de MOP$765.000.00.
2. Em reconvenção, o ora Recorrente, pediu a condenação da Autora, B, nos seguintes pedidos; (1) pagamento da quantia de MOP$1.548.206.54, correspondente à quantia em falta nos três contratos de empreitada, suas alterações e obras adicionais, acrescidos de juros até integral e efectivo pagamento; (2) pagamento do montante de MOP$35.000.00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
3. Por sentença proferida no dia 13 de Julho de 2007, foi a acção julgada parcialmente procedente por provada, decidindo-se absolver o Réu, ora Recorrente, dos 1.º e 2.° pedidos e condená-lo no 3.° pedido, consistente no pagamento das multas correspondentes ao facto de ter ultrapassado os prazos limite para conclusão dos contrato de empreitada, no total de MOP$765.000.00, tendo a Reconvenção também sido julgada parcialmente procedente por provada, tendo-se decidido condenar a Autora, B, a pagar os preços das obras em falta, cujo apuramento foi relegado para liquidação em execução de sentença e absolvê-la dos restantes pedidos.
4. Inconformadas com o douto acórdão, ambas as partes recorreram do mesmo, recurso que veio a ser distribuído no Tribunal de Segunda Instância, com o n.º 33/2008, o qual no dia 19 de Março de 2009, se pronunciou apenas sobre quatro questões, (1) violação do art.º 562.° do Código de Processo Civil; (2) cumprimento defeituoso; (3) erro na apreciação da prova; e, (4) contradição dos factos dados como provados.
5. Relativamente às três primeiras questões o Tribunal ad quem entendeu indeferir as pretensões das partes, por não se verificarem os vícios invocados.
6. Pronunciou-se ainda o Tribunal ad quem que tendo o ora Recorrente admitido ter recebido MOP$1.810.563.30 do primeiro contrato e MOP$1.567.315.76 dos 2.° e 3.° contratos, deveria ter sido dado como provado que a Autora pagou MOP$3.377.881.06, tendo consequentemente, decidido considerar tal quantia como provada.
7. No que diz respeito à 4.a questão - a contradição dos factos dados como provados - referiu o Tribunal que se havia dado simultaneamente como provado que os contratos previam prazos para a conclusão das obras e que os mesmos não previam tais prazos, que o Réu excedeu os prazos para a conclusão das obras acordadas, e que o mesmo Réu não os excedeu, tendo-se dado como provado que o Réu ficou a aguardar a entrega do local onde devia proceder à execução das obras por atrasos da Autora, e por outro lado que o Réu atrasou as obras sem ter oferecido qualquer justificação.
8. Pelo que decidiu que se impunha a anulação do julgamento nessa parte e o reenvio do processo para novo julgamento sobre a matéria de facto em contradição, ou seja, com a renovação da prova limitada ao 3.° pedido da Autora.
9. Reenviado o processo para realização do novo julgamento, o Tribunal decidiu julgar todos os pedidos outra vez, absolvendo o Réu dos 1.º e 3.° pedidos e condenando-o, no 2.° pedido, a pagar à Autora as despesas despendidas na correcção das obras, relegando a liquidação do montante para execução de sentença.
10. Pedido este que havia sido julgado improcedente no primeiro acórdão, por não se terem provado factos que fundamentassem a resolução ou restituição, e que Tribunal de Segunda Instância, claramente, havia mantido.
11. Na única parte em que o julgamento deveria ter sido repetido, decidiu o Tribunal que as partes “não Lograram provar quais as datas de conclusão e entrega das obras (…) faltando, assim, elementos para se determinar se as obras foram ou não entregues dentro do prazo convencionado,” pelo que veio a ser julgado improcedente, donde se conclui que caíram todos os pedidos da Autora, B.
12. Mantendo-se a condenação da Autora, B, no pedido reconvencional, no sentido de pagar os preços das obras em falta, cujo apuramento foi relegado para liquidação em execução de sentença, anteriormente transitado em julgado.
13. Desde que se verifiquem os pressupostos previstos no n.º 1 do art.º 629. o do Código de Processo Civil, o Tribunal de Segunda Instância pode alterar a decisão do Tribunal de Primeira Instância sobre a matéria de facto, devendo proceder ao reenvio em caso contrário.
14. A primeira parte do n.º 4 do mesmo artigo estipula que o Tribunal de Segunda Instância pode anular a decisão proferida na Primeira Instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto, caso não constem do processo todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto.
15. Estipula-se no n.º 4, in fine, do art.º 629.0 do Código de Processo Civil que “a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.”
16. O Tribunal a quo ao condenar o Réu, ora Recorrente, a pagar à Autora as despesas despendidas na correcção das obras, relegando a liquidação do montante para execução de sentença extravasou o objecto do reenvio, delimitado apenas pela matéria referente ao prazo para conclusão das obras contratadas, com ofensa do caso julgado.
17. Igualmente, ao indeferir a execução instaurada pelo ora Recorrente contra a Autora, B, com fundamento em que a sentença proferida em 31 de Junho de 2010 na sequência do reenvio, julgou improcedente a reconvenção deduzida pelo Réu, aqui Recorrente, o douto Tribunal a quo, extravasou igualmente a matéria em que lhe era permitido julgar de novo, com manifesta ofensa do caso julgado.
18. O caso julgado constitui urna excepção dilatória de conhecimento oficioso, conforme se vê pela al. j) do art.º 413.° e art." 414.°, ambos do Código de Processo Civil.
19. Conforme dispõe o n.º 1 do art.º 574.° do Código de Processo Civil "Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele”, estipulando-se no n.° 1 do art.° 580.° do Código de Processo Civil que “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que transitou em julgado em primeiro lugar. “
20. Por essa razão, o ora Recorrente executou a sentença proferida no dia 13 de Julho de 2007, com as limitações impostas pelo Acórdão proferido no Processo n.º 33/2208, pelo Tribunal de Segunda Instância, na parte em que condenou a ali Autora, B, no pagamento dos montantes em falta nos contratos de empreitada celebrados.
21. Tendo as matérias acabadas de expor transitado em julgado nos termos que acima ficaram expostos, não podia o douto Tribunal a quo ter proferido nova decisão sobre as mesmas e tendo-o feito, é aplicável o n.º 1 do art.º 580.° do Código de Processo Civil, ou seja, deve ser cumprida a decisão transitada em julgado em primeiro lugar, pelo que, consequentemente, deve ser revogada a decisão recorrida, por ter indeferido liminarmente a execução com fundamento em falta de título executivo, por ofensa de caso julgado.
22. O douto Tribunal a quo violou o art.º 414.°, o n.º 1 do art.º 574, n.º 1, o n.º 1 do art.º 576.º, o art.º 580.º e o n.º 4 do art.º 629.º, todos do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser declarado procedente, por provado e, em consequência, deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, só assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.


Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Cumpre apreciar.

II

A única questão levantada nesta lide recursória é a de saber a parte da sentença que serve de título executivo foi revogada pelo Acórdão do TSI proferido em 19MAR2009, no processo nº 33/2008.

Assim, é bom elencar aqui a matéria de facto assente e com relevância à boa apreciação e decisão da questão:

* B, ora recorrida, propôs uma acção declarativa de condenação com o processo ordinário contra A, ora recorrente, concluindo e pedindo que a acção fosse julgada procedente e na consequência:

a) fosse o Réu condenado na restituição de todas as importâncias pagas pela Autora, antecipadamente a título de preço pela realização das obras constantes dos contratos de subempreitada, as quais foram orçamentadas em MOP$2,017,200.00 para o primeiro contrato, de MOP$650,807.00 para o segundo contrato e de MOP$969,193.00 para o terceiro contrato, perfazendo-se o total de MOP$3,673,200.00 (três milhões, seiscentos e setenta e três mil e duzentas patacas) acrescida dos juros vencidos a partir da data de citação e até integral pagamento;
b) fosse o Réu condenado no pagamento de todas as despesas a realizar pela Autora tendo em vista à realização das necessárias e acima referidas obras de correcção e cujo o montante exacto será posteriormente apurado em execução de sentença; e
c) fosse o Réu condenado no pagamento das multas correspondentes ao facto de ter, em muito, ultrapassado os prazos-limites que tinha acordado em cumprir e que, à razão de MOP$5.000,00 por dia para cada contrato perfazem, no seu total, o montante de MOP$765,000.00.


* Citado o Réu A, contestou e deduziu reconvenção pedindo que se julgasse improcedente a acção por não provada e que se julgasse o pedido reconvencional procedente, com a condenação da Autora B no pagamento a ele a quantia de MOP$1.548.206,54, por conta dos contratos outorgados em 13ABR1994 e 20AGO1994, respectivamente, e das respectivas alterações e obras novas, acrescido de juros legais vencidos e vincendos até ao efectivo e integralmente pagamento;

* Por sentença da 1ª instância proferida em 13JUL2007 nos autos da acção ordinária nº CV3-96-0001-CAO, tanto a acção como a reconvenção foram julgadas parcialmente procedentes e em consequência:

1. condenar o Réu a pagar à Autora as multas correspondentes ao facto de ter, ultrapassado 51 dias sobre os prazos-limites que tinha acordado em cumprir e que, à razão de MOP$5.000,00 por dia para cada contrato perfazem, no seu total, o montante de MOP$765,000.00;
2. absolver o Réu dos restantes pedidos.
3. condenar a Autora a pagar o R. os preços das obras em falta a liquidar na execução da sentença;
4. absolver a Autora dos restantes pedidos reconvencionais.

* Inconformados, do assim decidido recorreram a Autora B e o Réu A;

* Com esses recursos da sentença subiu um outro recurso interlocutório anteriormente interposto pelo Réu A;

* No seu recurso da sentença final, pediu a Autora B que fosse anulado o julgamento efectuado e determinar-se a feitura de novo julgamento e imputou à sentença a quo o vício da violação do art. 562º, nº 1 e 2 do C.P.C.M.;

* Por sua vez, o Réu A pediu que

a) revogada a douta sentença recorrida no segmento em que conclui pela verificação de atrasos nas obras da responsabilidade do R. e o condena ao pagamento, a esse título, da multa global de MOP$765,000.00, absolvendo-se o R.; ou, quando assim se não entenda
b) anulada a douta sentença recorrida.”;

* Por Acórdão do TSI proferido em 19MAR2009, no processo nº 33/2008, foi julgado improcedente o recurso interlocutório e decidindo os recursos finais nos termos seguintes:

- o R., ora recorrente, dedica parte das suas alegações de recurso e conclusões à matéria do "cumprimento defeituoso" das obras; (cfr., concl. 2.ª a 7.ª).
Porém, como o próprio também reconhece, o pedido que assentava em tal causa de pedir foi julgado improcedente, (por se ter considerado caduco o direito da A. à sua indemnização), não nos parecendo assim de considerar o mesmo recorrente com interesse processual para recorrer quanto a tal segmento decisório.
- Nesta conformidade, resta ver se a decisão da matéria de facto padece de "erro na apreciação da prova" e "contradição", que, no fundo, são os restantes fundamentos dos recursos em apreciação.
Quanto ao "erro na apreciação da prova".
Vale a pena aqui recordar o preceituado no art. 599º do C.P.C.M., onde se estatui que:
“1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.°”
  E, apreciando, cabe desde logo dizer que como fundamento do assacado "erro na apreciação de prova", não foram invocados "meios probatórios gravados".
  Por sua vez, os documentos pelas partes juntos aos autos são meras fotocópias e suas traduções que, por assim ser, não impunham que se desse como provada ou não provada determinada matéria, não nos parecendo que por aí se possa declarar ter havido qualquer erro na apreciação da prova.
  Ainda, e em sede da questão, mostra-se de consignar o que segue.
  Alegava a A. que tinha efectuado o pagamento de toda a obra da R., num total de MOP$2,017,200.00 + MOP$650,807.00 + 969,193.00; (cfr., art. 29° e 30° da p.i., a fls. 8).
  E contestando agora o valor dado como provado, de MOP$1,1l8,270.97, vem dizer que assim não devia ser em virtude do que consta do documento de fls. 245 dos autos.
  Ora, há que referir que tal documento constitui também uma "fotocópia" à qual não estava o Tribunal a quo vinculado a decidir em conformidade com o que nela consta.
  Todavia, há ainda que ter em conta que na sua contestação, alegou o R. que: "relativamente ao 1 ° contrato, a A. apenas pagou o montante de MOP$1.810.563.30 patacas atenta, nomeadamente, a documentação junta á p.i. pela A. (vide, doc. nºs 6 e suas alíneas), (...) e, relativamente ao 2°e 3º contratos, cujo custo global foi fixado de MOP$1.620.000,00 patacas, a A. igualmente liquidou parte do seu preço, ou seja, MOP$1.567.315.76 patacas", (cfr., art.ºs 179º e 180° da contestação a fls, 175), sendo que da soma de tais quantias pagas resulta a de MOP$3.377.881,06.
  Nesta conformidade, tendo o R. admitido o pagamento por parte do A. deste montante, constata-se que tal quantia devia ter sido dada como provada, o que ora se decide.
  Resolvida que assim parece ficar a questão do "erro", avancemos.
  Quanto à alegada "contradição" .
  Cremos que a mesma existe.
  Na verdade, deu-se simultâneamente como provado que os contratos previam prazos para a conclusão das obras e que os mesmos não previam tais prazos, que o R. excedeu os prazos para a conclusão das obras acordadas, e que o mesmo R. não os excedeu e, tendo-se também dado como provado que o R. ficou a aguardar a entrega do local onde devia proceder à execução das obras por atrasos da A., adequado não nos parece que se devesse dar, simultaneamente, como provado, que o R. atrasou as obras, sem ter oferecido qualquer justificação.
  Nesta conformidade, e atento ao disposto no art, 629°, n° 4 do C.P.C.M., impõe-se a anulação do julgamento na parte em questão, para, após novo julgamento, e atento ao consignado, se decidir em conformidade.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar improcedente o recurso interlocutório pelo R. interposto, e, na parcial procedência dos recursos da sentença, revoga-se a decisão recorrida nos exactos termos consignados, devendo-se, após novo julgamento sobre a matéria de facto em contradição, proferir nova decisão.

* Baixados os autos à primeira instância, foi realizado o novo julgamento e foi proferida a nova sentença em 31JUL2010 com o dispositivo do teor seguinte:

Tudo exposto e nos fundamentos acima descritos, julgo parcialmente procedente a acção ordinária intentada pela A. B (A.) contra o R. A Peter, e:
- Absolvo o R. dos primeiro e terceiro pedidos, na quantia de MOP$3.673.200,00 e MOP$765.000,00, respectivamente;
- Condeno o R. a pagar à A. as despesas despendidas na correcção das obras, cuja quantia será liquidada em execução de sentença;
Julgo improcedente a reconvenção deduzida pelo R. contra a A., absolvendo-a de todos os pedidos reconvencionais.

* Servindo-se, como título executivo, da sentença proferida em 13JUL2007 nos autos da acção ordinária nº CV3-96-0001-CAO, na parte que condenou a Autora B a pagar ao Réu A os preços das obras em falta a liquidar na execução da sentença, o Réu A intentou contra a Autora B a presente execução da sentença sob a forma sumária.

Inteirados do que se passou com as partes, já estamos em condições de avançar.

Conforme se vê no seu texto, o Acórdão do TSI proferido em 19MAR2009, no processo nº 33/2008, determinou que:

* a alteração da matéria de facto, a pedido da Autora B, na parte que diz respeito ao valor total das quantias que a Autora pagou ao Réu por conta dos três contratos, ou seja, alterando a quantia de MOP$1.118.270,97 indicada no facto dado provado no ponto 8 (na pág. 14 do texto da sentença, ora a fls. 70v dos p. autos) para a quantia de MOP$3.377.881,06 – vide a pág. 28 do Acórdão do TSI, ora a fls. 91v. dos p. autos;

* a anulação do julgamento da matéria de facto na parte que diz respeito à existência ou não dos prazos para a conclusão das obras, ao facto de o Réu ter ou não excedido os prazos para a conclusão das obras e a existência ou não da causa justificativa, imputável à Autora B, do atraso na execução das obas pelo Réu A; e

* a repetição pelo Tribunal a quo do julgamento da parte da matéria de facto anulada.

Após a repetição do julgamento, não ficaram provadas as datas de conclusão e entrega das obras objecto dos três contratos de subempreitada.

Ora, nos termos do disposto no artº 629º/4 do CPC, quando tiver sido parcialmente anulada a decisão de facto pela segunda instância e esta não se puder substituir ao tribunal de primeira instância para decidir, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão de facto que não esteja viciada.

Como vimos, o Acórdão do TSI alterou a matéria de facto no que diz respeito à quantia total que a Autora B pagou ao Réu A por conta dos três contratos de subempreitada e anulou a matéria de facto na parte que diz respeito à existência ou não dos prazos para a conclusão das obras, ao facto de o Réu ter ou não excedido os prazos para a conclusão das obras e a existência ou não da causa justificativa, imputável à Autora B, do atraso na execução das obas pelo Réu A.

Assim, já transitou em julgado a parte da sentença de 13JUL2007 que tendo julgado parcialmente procedente a reconvenção, condenou a Autora a pagar ao Réu os preços das obras em falta a liquidar na execução da sentença, dado que esta condenação não tem o seu fundamento de facto na parte considerada viciada pelo TSI no seu Acórdão de19MAR2009.

Qualquer que seja o dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal após a repetição do julgamento da questão de facto, essa condenação não pode ser abalada sob pena da violação do caso julgado, nos termos do disposto no artº 574º/1 do CPC, à luz do qual transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 416.º e seguintes, sem prejuízo do disposto sobre os recursos de revisão e de oposição de terceiro.

É verdade que a nova sentença, também já transitada em julgado, do Tribunal a quo após a repetição do julgamento decidiu julgar totalmente improcedente a reconvenção.

Portanto, co-existem no mesmo processo a duas decisão antagónicas sobre a mesma questão, ambas transitadas em julgado.

Então, Quid juris?

A propósito desse tipo de situações que não devem acontecer mas podem acontecer, o nosso legislador já teve o cuidado de a regular devidamente no artº 580º do CPC, que reza:

1. Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que transitou em julgado em primeiro lugar.
2. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.

Em face desse comando legal, é de cumprir a condenação constante na primeira sentença de 13JUL2007.

E consequentemente não é de manter o despacho de indeferimento liminar por falta de título executivo.

O que fica decidido supra conduz necessariamente à improcedência do pedido da condenação da litigância de má fé do Réu, formulado pela Autora recorrida nas suas contra-alegações, com fundamento no alegado abuso do seu direito de recorrer.

Quanto às questões, suscitadas pela Autora, sobre a alegada apresentação tardia das certidões das duas sentenças do TJB e de um Acórdão do TSI, a Autora não tem razão uma vez que estes documentos existem com certeza nos autos principais por onde correm por apenso a presente execução e que a intenção de juntar as tais certidões por parte do Réu ora recorrente não é mais do que facilitar este Tribunal de recurso a perceber a história das coisas.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedente o recurso interposto pelo Réu, determinando a revogação do despacho recorrido e a prossecução dos autos.

Custas pela recorrida, do recurso e dos incidentes.

Registe e notifique.

RAEM, 25JUL2013

Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Ac. 867/2012-18