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Recurso nº 218/2008
Requerente: A

Requerido: Secretário para a Economia e Finanças(經濟財政司司長)





Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
A, com sede Macau, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º xxx (SO) vem, ao abrigo do disposto na alínea 25º do Código de Processo Administrativo e Contencioso, interpor recurso contencioso do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 27 de Fevereiro de 2008, exarado na Informação nº 033/NAJ/SM/2008, que indeferiu, no recurso hierárquico do despacho do Director dos Serviços de Finanças de 14 de Setembro de 2007 que indeferiu o seu pedido de manutenção da isenção de pagamento do Imposto sobre veículo motorizados, referente ao veículo de marca Xxx, de modelo S350 com a matrícula MK-83-xx
1. O acto recorrido dada a ausência de motivação e fundamentação de facto e de direito, ofende o conteúdo essencial do direito fundamental de contraditar com o que é anulável. Cfr. artº 113º a 115º e 122º n.º 2 alínea f) do C.P.A.;
2. O acto recorrido erra nos pressupostos de facto, pois nenhum motivo existe para não conceder a manutenção da isenção do pagamento do imposto sobre veículos motorizados ao veículo de marca Xxx, modelo S350, com a matrícula MK-83-xx;
3. Pelo que, também por este motivo, o referido acto deverá ser anulado.

Citada a entidade recorrida, veio esta, tendo deduzido várias excepções que tinha sido objecto da apreciação, alegando essencialmente o seguinte:
I. O presente recurso contencioso tem por objecto a anulação do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 27/02/2008, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pela recorrente em 22/10/2007 por falta de objecto, dada a inexistência de qualquer acto que tivesse indeferido o pedido de isenção relativamente à transmissão do veículo a que corresponde a Licença de Importação n.º 015024/2007.
II. A utilidade de recurso contencioso relaciona-se com a possibilidade de, em execução de sentença através da supressão dos efeitos jurídicos anulados, ser reintegrada a ordem jurídica violada ou a reposição da situação actual hipotética.
III. O efeito jurídico dos factos articulados pela recorrente não poderão proceder porque o provimento do recurso contencioso de anulação, com os fundamentos decorrentes desses mesmos factos, não tem a virtude de alcançar o efeito pretendido, posto que permanecerá imutável a situação jurídica da recorrente no que concerne às isenções em sede de Imposto sobre Veículos Motorizados.
IV. Inexiste o invocado vício de falta de fundamentação, atendendo a que o despacho recorrido claramente esclarece a recorrente do conteúdo decisório do acto recorrido, fornecendo os elementos factuais que lhe permitem compreender a decisão tomada e indicando a forma prevista na Lei para proceder à substituição do veículo com problemas mecânicos e requerer a isenção para a aquisição do veículo novo.
V. O acto recorrido não assentou na afectação do automóvel com a matrícula MK-83-xx a uma finalidade diferente daquela que fundamentou a isenção concedida em 2005 e não pressupôs que existisse transmissão desse veículo para terceiro, pelo que inexiste o invocado erro sobre os pressupostos de facto.
VI. Toda a argumentação que consta da petição inicial vem sustentada em factos que a entidade recorrida e a sua mandatária sabem não corresponderem aos subjacentes ao despacho recorrido que decidiu sobre o pedido formulado no recurso hierárquico tentando, com tal conduta, obter sucesso na pretensão deduzida perante o Tribunal de Segunda Instância, cuja falta de fundamento não deviam ignorar.
VII. A conduta da recorrente e da sua mandatária, de dedução de pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, de alteração da verdade dos factos e consequente uso manifestamente reprovável do presente meio processual, com vista a impedir a descoberta da verdade, constituem litigância de má-fé, nos termos previstos nas alíneas a), b) e d) do n.º 2 do artigo 385º do CPC, requerendo-se a condenação da recorrente e da sua mandatária, nos termos previstos no n.º 1 da mesma norma, tudo com as legais consequências.
    E finalmente, para além de entender que deve o presente recurso ser julgado improcedente, em virtude da inexistência de qualquer ilegalidade do acto recorrido, mantendo-se, em consequência o acto praticado em 27/02/2008, pediu que seja a recorrente e a sua mandatária condenadas em litigância de má-fé, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 385º e seguintes do Código de Processo Civil.

Só a entidade recorrida apresentou a alegações facultativas nos seus precisos termos na peça processual apresentada.

O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou o seu douto parecer que se transcreve o seguinte:
“Vem a “Agência de Viagens e Turismo Macau Vocation, Lda” impugnar o despacho de 27/2/08 do Secretário para a Economia e Finanças que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão do director dos Serviços de Finanças de 14/9/07 que indeferira a sua pretensão consistente na utilização da isenção de IVM concedida em 4/7/05 ao veículo com a matrícula “MK-83-xx” num outro veículo novo com as mesmas características, a que corresponde a licença de importação n.º 015024/07, assacando-lhe vícios de falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto.
Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão, derivando esta asserção do facto simples de que, analisado o procedimento e o alegado pela recorrente se pode concluir que a mesma não compreendeu ou não quis compreender o verdadeiro alcance do decidido e da relevância dessa decisão quanto aos seus direitos e interesses, pelo menos da forma como a mesma os configura.
Sustenta a recorrente ter delimitado o seu recurso hierárquico, e passamos a citar (pontos 11 e 14 da respectiva P.I.): “à parte do despacho proferido pelo Sr. Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a manutenção de isenção do pagamento do Imposto sobre Veículos Motorizados para o referido automóvel de marca Xxx, modelo S 350, de matrícula MK-83-xx, com o fundamento de que o mesmo ao ser devolvido à empresa vendedora e enviado para Hong Kong consubstancia um acto de transmissão de veículo para terceiro, com alteração da finalidade que fundamentou a isenção de imposto em 2005”.
Ora, não foi, manifestamente, disso que se tratou, melhor dizendo, a “repescagem” desse segmento argumentativo do parecer a que o mencionado despacho anuiu não invalida que o cerne da decisão proferida, a matéria abordada, em resposta, aliás, a solicitação da interessada nesse sentido, tivesse sido outra bem diversa.
Como a entidade recorrida bem acentua, do que se tratou foi de pedido da recorrente no sentido da transferência da isenção concedida a um determinado veículo, para a utilizar noutro, sendo que, a partir do indeferimento dessa pretensão, não se questionou o benefício fiscal concedido prèviamente à viatura em questão, designadamente indeferindo ou mantendo a isenção do IVM concedida em 2005.
Daí que a entidade recorrida tenha indeferido o recurso hierárquico apresentado, com fundamento na inexistência do indeferimento que vinha arguido e consequente impossibilidade de apreciação da impugnação da recorrente, por falta de objecto.
Não se vê, pois, que, ao decidir dessa forma, aquela entidade se tenha estribado em fatos que não correspondam à verdade, à realidade: esta é a de que inexistiu qualquer decisão de indeferimento ou manutenção de isenção de IVM, mas tão só indeferimento da pretensão da “transferência” dessa isenção para um outro veículo, sendo também certo que dos pareceres a que o acto anuiu e se estribou se colhem com clareza, suficiência e congruência, as razões de facto e de direito que conduziram à decisão e conclusão de ausência de objecto na reclamação da recorrente, ficando um cidadão médio perfeitamente ciente dessas razões, afigurando-se-nos, porém, não se poder, sem mais, concluir que a diferente percepção do externado pelo acto (como parece acontecer com a recorrente) e utilização argumentativa a esse propósito corresponda a voluntária alteração da verdade dos factos ou uso manifestamente reprovável deste meio processual com vista a impedir a descoberta da verdade, por forma a justificar a almejada condenação daquela por litigância de má fé.
Seja como for, não se descortinando a ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”

Cumpre conhecer.
Foram colhidos vistos legais.

Conhecendo.
Consideram-se assentes os seguintes factos:
a. Em 18/07/2007, a recorrente apresentou na Direcção dos Serviços de Finanças requerimento no qual são relatados problemas técnicos ocorridos com o veículo da marca Xxx modelo S350 L A/T de 5 assentos (matrícula MK-83-xx e Licença de Importação nº 012197/2005), e o acordo alcançado junto da Agência vendedora para a substituição deste veículo por um outro da mesma marca mas de outro modelo. Informa igualmente que o Xxx S350 irá ser devolvido à Agência vendedora que o enviará para Hong-Kong. Indica, seguidamente, os dados do novo veículo a adquirir para a pretendida substituição – marca Xxx, modelo S550 2WD A/T VE, com o Número de Identificação de Veículo (VIN) WDDNG71X57A142263 e número de motor 27396130146628, a quo corresponde a Licença de Importação nº 015024/2007. Requer, a final, a utilização da isenção reconhecida em 2005 para a transmissão deste novo veículo.
b. Em 14/09/2007, por despacho da Directora dos Serviços de Finanças é indeferido este pedido na medida em que o facto relatado pela contribuinte, no que concerne à devolução do veículo antigo à vendedora e sua remessa para Hong Kong, consubstancia uma transmissão para terceiro com alteração de finalidade que fundamentara a isenção concedida em 2005. Por isso, foi a contribuinte notificada do procedimento que deveria seguir:
- liquidar o Imposto sobre Veículos Motorizados devido à data da aquisição do veículo a substituir (2005) e,
- apresentar um pedido autónomo de isenção pela transmissão do novo veículo, com a Licença de Importação nº 015024/2007.
c. Em 19/09/2007, foi este despacho notificado à contribuinte, através do Ofício nº 555/RFM/DOI/NVT-IVM/VM/2007.
d. Em 25/09/2007, é apresentado pela contribuinte um pedido de isenção de IVM relativo à transmissão do veículo da marca Xxx, modelo S550 2WD A/T VE, o Número de Identificação de Veículo (VIN) WDDNG71X57A142263, número de motor 27396130146628 a que corresponde a Licença de Importação nº 015024/2007.
Este pedido e isenção foi deferido, por despacho do Sr. Subdirector dos Serviços datado de 09/10/2007.
e. Em 10/10/2007, é notificado o acto de reconhecimento de isenção à contribuinte, através do Oficio nº I683/RFM/DOI/NVT-IVM/AL/2007.
f. Em 22/10/2007, é apresentado no Gabinete do Sr. Secretário para a Economia e Finanças o recurso hierárquico ora em análise.
g. Por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 27 de Fevereiro de 2008, cujo teor se consta da notificação dirigida à ora recorrente das fls 20 a 26, que se dá por integralmente reproduzido, foi o recurso hierárquico indeferido.1
A recorrente assacou contra a decisão recorrida por dois vícios: o de falta de fundamentação do acto administrativo e o do erro nos pressupostos dos factos.
Vejamos.
   1. Falta de fundamentação
   Como resulta expressamente das conclusões, para o recorrente, o acto recorrido enfermou do vício de forma por falta de fundamentação, afirmando que se verificou uma “ausência de motivação e fundamentação de facto e de direito, ofende o conteúdo essencial do direito fundamental de contraditar com o que é anulável (Cfr. artº 113º a 115º e 122º n.º 2 alínea f) do C.P.A.)”
   De facto, o recorrente entendeu que no caso concreto, não existiu fundamentação que permitisse à recorrente entender, porque motivo não foi mantida a isenção do pagamento do imposto sobre veículos motorizados ao veículo Xxx, … .
   No acto recorrido, na parte da apreciação, teceu-se efectivamente o seguinte fundamento:
   “Na verdade a recorrente, no recurso hierárquico, formula o seu pedido de anulação por referência a um hipotético acto de indeferimento de isenção de Imposto sobre Veículos Motorizados, relativo a um pedido de isenção pela transmissão do veículo da marca Xxx, modelo S550 2WD A/T VE, com o Número de Identificação de Veículo (VIN)WDDNG71X57A142263, número de motor 27396130146628, a que corresponde a Licença de Importação nº 015024/2007.
   É este o veículo a que reporta a impugnação necessária formulada, embora a sua mandatária tenha erradamente identificado o veículo relativamente ao qual a sua constituinte havia requerido o aludido benefício. Tal erro da mandatária é manifestamente identificável, atendendo aos documentos que junta para prova do alegado, principalmente o DOC. 13 que corresponde ao facto por nós enunciado supra, na alínea a), que respeita ao veículo com a Licença de Importação nº 015024/2007.
   Tendo a transmissão deste veículo sido objecto de um pedido de isenção apresentado pela recorrente em 25/09/2007, isenção reconhecida por despacho do Sr. Subdirector destes Serviços de 9 de Outubro de 2007, é manifesta a impossibilidade de apreciação da impugnação da recorrente, por falta de objecto, acrescendo a manifesta desconformidade dos factos alegados no recurso com a realidade dos mesmos.
   Mais acresce ao que se afirmou que, contrariamente ao alegado pela mandatária da recorrente no seu recurso, o veículo da marca Xxx, modelo S350 L A/T de 5 assentos, com a matricula MK-83-xx e Licença de Importação nº 012197/2005, se mantém ao serviços da recorrente, atendendo a que a sua matricula não foi cancelada, de acordo com a certidão da Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis (cfr. Anexo I à presente informação) e print da consulta efectuada no site do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, em 12 de Fevereiro de 2008, ao Registo da Frota Automóvel (cfr. Anexo II à presente informação) mantendo-se também em vigor a isenção que foi reconhecida pela sua transmissão por despacho da Subdirectora destes Serviços datado de 04/07/2005.”
   Daí, como é óbvio, o recorrente confundiu a fundamentação com os fundamentos do acto.
   Se não vejamos.
   Como se sabe, o artigo 114º do Código de Procedimento Administrativo impõe ao acto administrativo o dever de fundamentação, e, esta dita fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo embora consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integral do respectivo acto – nº 1 do artigo 115º do CPA, sem conter obscuridade, contradição, de modo a esclarecer por forma clara e suficiente a motivação do acto, sob pena de o acto ser considerado pela falta de fundamentação – artigo 115º nº 2.
   Ou seja, nestes termos constituem requisitos da fundamentação os seguintes:2
   a) Indicação dos motivos de facto e de direito;
   b) Indicação expressa (embora sucinta) dos fundamentos;
   c) Clareza (sem obscuridade);
   d) Suficiência; e
   e) Congruência (sem contradição)
   Na fundamentação, a Administração indicará qual o regime ou disciplina jurídica (premissa maior) que tem por aplicável no caso concreto, com a indicação dos factos que tem por ocorridos (premissa menor) e que o levaram de acordo com as razões de direito invocadas a praticar aquele acto (conclusão).
   Podemos afirmar que esta exigência da fundamentação se traduz em requisito formal do acto administrativo, de modo a ser exigível uma fundamentação expressa, clara, suficiente e sem contradição.
   Ensina o Prof. Vieira de Andrade, “o conteúdo da fundamentação expressa exigida pela dimensão formal do dever não é, portanto, o de uma qualquer declaração do agente sobre as razões do acto, assim como não é a ausência total de menção dos fundamentos a única modalidade de vício de forma por incumprimento desse dever. O conteúdo da declaração fundamentadora não pode ser o de um qualquer enunciado, há-de consistir num discurso aparentemente capaz de fundar uma decisão administrativa.”3.
    Quer isto dizer que a fundamentação assume uma dimensão formal e autónoma relativamente aos verdadeiros fundamentos da decisão: a fundamentação é um “requisito de forma” e os fundamentos são um “requisito de fundo” ou “requisito substancial”. O legislador ao impor a fundamentação expressa e suficiente de alguns dos seus actos, afastou-se destas opiniões substancialistas, optando, sem quaisquer equívocos, por uma construção formalista, que dá relevância autónoma ao dever formal de fundamentação.4
    Na prática, quer nas jurisprudência deste Tribunal de Segunda Instância quer do Tribunal de Última Instância, (Vide entre outros, respectivamente, de 9 de Dezembro de 2004 do Processo nº 235/2004 e de 6 de Dezembro de 2002 do processo nº 14/2002) a exigida fundamentação formal da decisão não corresponde necessariamente à fundamentação material relativa à legitimidade da própria decisão, i. e. os fundamentos de facto e de direito como menção constitutiva do acto administrativo não se confundem com o fundamento material do mesmo, fundamentação formal essa que se apresenta uma plurifuncionalidade que visa não só a tradicional protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, mas sobretudo a maior prudência e objectividade no processo conducente à tomada decisão e a correcção e justeza desta, satisfazendo, deste modo, o interesse público da legalidade e até juridicidade das actividades administrativas, bem como a compreensão do sentido decisório pelo próprio destinatário e o público em geral, evitando a potencial conflitualidade.
    E o acto recorrido que optou pela referência da informação dada pela entidade da hierarquia inferior, indeferindo o recurso hierárquico apresentado, com fundamento na inexistência do indeferimento que vinha arguido e consequente impossibilidade de apreciação da impugnação da recorrente, por falta de objecto, fundamentação essa que, tal como acima transcrita, sendo embora sucinta, não padeceu da insuficiência, pois para um homem médio, é compreensível o que foi fundamentado, na sua motivação de facto e de direito.
   Não se verifica assim o vício de falta, nem de insuficiência, de fundamentação.
   
   Passamos então a apreciar a seguinte questão.
   
   2. Erro nos pressupostos de facto
Nesta parte, o recorrente alegou, impugnando o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, que a entidade recorrida, ao indeferir o seu pedido com fundamento de que o recorrente afectara o veículo a uma finalidade diferente e transmitia a um terceiro, incorreu no vício de erro nos pressuposto de facto, uma vez que o recorrente não tinha assim feito.
Vejamos.
Sabemos que os pressupostos constituem os requisitos de validade do acto administrativo e são precisamente as circunstâncias, as condições de facto e de direito de que depende o exercício de um poder ou competência legal, a prática de um acto administrativo.
Um acto administrativo válido pressupõe satisfação dos seguintes requisitos:
- A determinação ou escolha dos pressupostos do acto. A indicação vinculada e discricionária dos pressupostos. As noções vagas e os conceitos técnicos.
- A ocorrência dos factos que constituem o pressuposto do acto administrativo.
- Os factos realmente ocorridos devem subsumir-se no pressuposto indicado na lei ou escolhido pelo órgão.5
   In casu, está em causa uma isenção do imposto sobre veículo motorizado previsto no Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados.
   Prevê o artigo 6º deste Regulamento que:
   “Artigo 6º (Isenções reais)
   1. Estão igualmente isentas do imposto previsto no presente Regulamento as transmissões de veículos motorizados novos destinados a:
   1) Transporte colectivo de passageiros, de lotação não inferior a quinze lugares, com exclusão do condutor, adquiridos para uso exclusivo de empresas concessionárias de transportes colectivos;
   2) Transporte colectivo de deficientes;
   3) Transporte individual de deficientes com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, desde que, no caso de automóveis ligeiros, estes sejam de modelo utilitário e cilindrada não superior a 1 600 centímetros cúbicos;
   4) Transporte exclusivo de alunos de estabelecimentos de ensino, de lotação não inferior a quinze lugares, com exclusão do condutor;
   5) Transporte comercial de passageiros em automóveis ligeiros, vulgarmente designados por táxis;
   6) Ensino da condução;
   7) Utilizações técnicas específicas, desde que não sejam susceptíveis de uso para transporte de passageiros, nomeadamente prontos-socorros, camiões de recolha de lixo, veículos de combate a incêndios, ambulâncias, automóveis-grua, automóveis-escada, betoneiras, "dumpers", empilhadoras, escavadoras e cilindros;
   8) Transporte exclusivo de carga;
   9) Transporte de passageiros para uso exclusivo na actividade de agências de viagens e turismo ou de empreendimentos declarados de utilidade turística, desde que o respectivo movimento o justifique;
   10) Transporte de passageiros ou mercadorias exclusivamente dentro do perímetro do Aeroporto Internacional de Macau;
   11) Transporte de valores, em que sejam adquirentes empresas de segurança que se encontrem devidamente inscritas, para efeitos fiscais, nesse ramo de actividade.
   2. Estão ainda isentas do imposto previsto no presente Regulamento as transmissões de veículos motorizados novos que utilizem exclusivamente energias alternativas aos combustíveis derivados do petróleo.
   3. As isenções previstas na alínea 3) do n.º 1 e no n.º 2 não podem ser gozadas pelo mesmo beneficiário relativamente a mais do que um veículo em cada cinco anos, salvo no caso de acidente de que resultem danos irreparáveis, de furto ou de outro motivo de força maior que conduza à perda ou destruição do veículo em circunstâncias atendíveis e devidamente comprovadas perante os serviços competentes do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais.
   4. Estão exceptuadas do disposto no número anterior as pessoas colectivas ou equiparadas relativamente aos veículos previstos no n.º 2.”
   Como podemos ver, no acto recorrido, inclusive o acto do recurso hierárquico, ao decidir, a entidade esclareceu que os factos alegados pelo recorrente não correspondiam à realidade: não inexistiu qualquer decisão de indeferimento ou manutenção de isenção de IVM, mas tão só o indeferimento da pretensão da “transferência” da mesma isenção de um veículo para um outro veículo, o que não se permite o benefício da isenção do referido imposto nos termos do artigo 6º ora citado.
   A entidade não errou os pressupostos de facto, ao contrário, fez correctamente a subsunção dos factos e a consequente aplicação do direito.
   Afigura-se ser também manifestamente improcedente o recurso nesta parte.
   
   3. Litigância de má fé
   Quanto ao pedido deduzido pela entidade recorrida da condenação no litigância de má fé do recorrente, alegando que:
   “Tendo em conta tudo aquilo que se enunciou nos artigos 78º a 119º da presente contestação (para cujo conteúdo se remete a fim de evitar a sua repetição) constata-se que, em vários pontos da petição de recurso, são proferidas afirmações relativas a factos que não correspondem à realidade, verificando-se mesmo a sua ostensiva alteração, face ao que consta do procedimento administrativo subjacente ao despacho ora em litigo.
Artigo 122º
   Afirma a recorrente, no presente recurso:
a) que o acto recorrido é de indeferimento do pedido de manutenção da isenção de IVM referente ao veículo com a matrícula MK-83-xx (cfr. artigo 7.º da petição de recurso);
b) que havia delimitado o recurso hierárquico à parte do despacho que indeferiu a manutenção da isenção de IVM para o veículo com a matrícula MK-83-xx (cfr. artigo 11º da petição de recurso);
c) que iria contra todos os demais factos e argumentos expostos no recurso hierárquico que se impugnasse a parte do despacho que deferiu a isenção de IVM ao novo veículo a adquirir pela recorrente (cfr. artigo 12.º da petição de recurso).
Artigo 123.º
   As afirmações da recorrente que enunciámos supra encerram uma manifesta e inequívoca intenção de alterar a verdade dos factos relevantes para a Decisão da causa, mediante uma argumentação sustentada em factos que sabe não corresponderem aos subjacentes ao despacho recorrido que decidiu sobre o pedido formulado no recurso hierárquico, com vista a tentar obter sucesso na sua pretensão,
Artigo 124.º
   Manifestamente fazendo do processo um uso manifestamente reprovável numa tentativa de impedir a descoberta da verdade,
Artigo 125.º
   O que traduz litigância de má-fé nos termos previstos nas alíneas b) e d) do n.º 2 do artigo 385.° do CPC.
Artigo 126.º
   Igualmente se verifica uma manifesta intenção, por parte da recorrente, na dedução de uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar porque,
Artigo 126.º
   Sendo evidente que se mantém a isenção reconhecida em 2005 ao veículo com a matrícula MK-83-xx e,
Artigo 127.º
   Do qualquer acto revogatório da mesma pela Administração Tributária e, inexistindo qualquer um dos factos previstos no artigo 12.º do RIVM (que determinaria a caducidade da isenção) ou no artigo 8.º (que determinaria a cessação automática desse beneficio),
Artigo 128.º
   Únicas situações previstas na Lei susceptíveis de fundamentar um pedido da manutenção da isenção, pela recorrente/contribuinte e, por último,
Artigo 129.º
   Inexistindo qualquer pedido na sua manutenção sobre o qual se tivesse pronunciado, em sede de recurso hierárquico a entidade recorrida,
Artigo 130.º
   Bem sabia a recorrente e a sua mandatária que, nesta sede, deduziam pretensão sem qualquer fundamento, o que traduz litigância de má-fé nos termos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 385.º do CPC.
Artigo 131º
   Pelo que se requer seja a recorrente condenada em litigância de má-fé, ao abrigo do disposto no artigo 385.º e ss. do CPC, bem como a sua mandatária,
Artigo 132º
   Dada a evidente responsabilidade desta última na alteração de factos subjacentes às decisões tomadas pela Administração, no que concerne às isenções que por reunirem os pressupostos legais, a sociedade recorrente viu reconhecidas e que a I. Advogada não podia deixar de conhecer, atendendo aos conhecimentos jurídicos que apenas ela, para o efeito, possui.
   Ao que respondeu o recorrente, que se alegou que:
- A entidade recorrida alega que “a recorrente altera a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, ante uma argumentação sustentada em factos que sabe não corresponderem aos subjacentes ao despacho recorrido que decidiu sobre o pedido formulado no recurso hierárquico, com vista a tentar obter sucesso na sua pretensão, manifestamente fazendo do processo um uso manifestamente reprovável numa tentativa e impedir a descoberta da verdade.
- Ora, na P.I. (artº 9º e ss) do presente recurso referiu-se que: “no recurso hierárquico apresentado foi, por lapso da ora recorrente, incorrectamente indicada a marca do veículo que irá ser substituído e a delimitação da parte do despacho que se recorria pois,
- Como se pode verificar pelos documentos juntos aos autos, a recorrente referia-se, efectivamente, ao automóvel de marca Xxx S350, e não a um veículo automóvel da marca BMW modelo 740 LI.
- E, tal como se pode constatar pela análise dos restantes fatos articulados a recorrente delimitou o seu recurso hierárquico à parte do despacho proferido pelo Sr. Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a manutenção da isenção do pagamento do Imposto sobre Veículos Motorizados para o referido automóvel de marca Xxx modelo S350, de matrícula MK83-xx.
- Na verdade, não teria qualquer razão de ser, e iria contra todos os demais factos e argumentos expostos no recurso hierárquico, que se impugnasse a parte do despacho que deferiu a isenção do pagamento do imposto sobre Veículos Motorizados ao novo veículo a adquirir pela recorrente, da marca Xxx e modelo S550.
- Ora, face à transcrição dos factos alegados pela recorrente na P.I. do seu recurso, verifica-se que não houve qualquer intenção de alterar a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa e, consequentemente, não foi feito qualquer uso reprovável do processo nem nenhuma tentativa de impedir a descoberta da verdade.
- Por outro lado, acresce que, face à demora da resolução da situação contributiva em discussão nos presentes autos a recorrente, por não poder fazer uso do veículo danificado, Xxx de modelo S350, foi forçada a manter o mesmo ainda na sua propriedade, aguardando a decisão do presente recurso e,
- Por necessitar urgentemente de um veículo para o transporte dos seus clientes, adquirir imediatamente o veículo de marca Xxx, modelo S550 (ao qual foi já concedida a isenção do pagamento do imposto sobre os Veículos Motorizados).
- Ou seja, a demora suscitada pelo indeferimento do requerido pela recorrente (manutenção da isenção do, pagamento do imposto sobre veículos motorizados quanto ao veículo Xxx S350, uma vez que de acordo com o entendimento da recorrente o facto deste ser devolvido à agência vendedora por ter um defeito de fabrico para ser, posteriormente, enviado para Hong Kong não consubstancia um acto de transmissão de veículo para terceiro com alteração da finalidade) levou a que a recorrente resolvesse, em vez de substituir este veículo pelo Xxx S550, aquirir imediatamente este último e aguardar pela decisão final do recurso antes de proceder à entrega do Xxx modelo S350 à agência vendedora.
- Não há, nem nunca houve, quer da parte da recorrente quer da parte da sua mandatária qualquer intenção de “deduzir pretensão sem qualquer fundamento” ou “alterar a verdade dos factos” ou ainda de fazer “uso manifestamente reprovável do presente meio processual, com vista a impedir a descoberta da verdade”.
- Pelo que não existe qualquer litigância de má fé e, por esse motivo, deve ser considerado improcedente o pedido de condenação efectuado pela entidade recorrida.
   
   O Ministério Público entendeu também que o recorrente mereceu litigante de má fé.
   Vejamos.
   Prevê o artigo 385º do Código de Processo Civil que:
   “1. Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa.
   2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
   a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
   b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
   c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
   d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
   3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.”
   É pacífico a jurisprudência que, para que uma dada conduta processual possa integrar o conceito de "litigância de má-fé", deve a mesma ter-se operado com dolo ou negligência grave, não bastando uma situação de erro grosseiro ou de lide ousada ou temerária em que a parte haja incorrido por mera inadvertência.
   A propósito escreveu Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, II, pág. 263, que "não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada" e, ainda, que a "simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a iniciativa da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir".
   A título do direito comparado, tem-se julgado no Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, que "a condenação por litigância de má fé pressupõe a existência de dolo, não bastando uma lide temerária ou ousada ou uma conduta meramente culposa".6
   Assim sendo, é óbvio que, se formos colocados ante situação pouco definida na lide (entre dolosa ou temerária), por os elementos disponíveis para o efeito não serem suficientemente elucidativos para que possa concluir-se com segurança, pela existência de dolo, a condenação por litigância de má fé não deve decretar-se.
   Em caso concreto, a entidade recorrida entendeu que o recorrente manifestou-se inequivocamente a intenção de alterar a verdade dos factos relevantes para a Decisão da causa, quando alegou que o acto recorrido é de indeferimento do pedido de manutenção da isenção de IVM referente ao veículo com a matrícula MK-83-xx (cfr. artigo 7.º da petição de recurso), que havia delimitado o recurso hierárquico à parte do despacho que indeferiu a manutenção da isenção de IVM para o veículo com a matrícula MK-83-xx, contra todos os demais factos e argumentos expostos no recurso hierárquico que se impugnasse a parte do despacho que deferiu a isenção de IVM ao novo veículo a adquirir pela recorrente.
   Como é óbvio, trata-se de uma qualificação ou interpretação, a seu juízo jurídico, do acto recorrido, quer do recurso hierárquico quer contencioso. Esta compreensão diversa sobre o acto, até sobre um facto, nunca se pode ser considerada como uma alteração da verdade dos factos.
   Salvo melhor entendimento, não se afigura ser verificado o circunstancialismo da alteração da verdade dos factos, muito menos se vislumbra um dolo ou negligência grave naquela interpretação diversa de um acto jurídico, pelo que o recorrente não se merece litigante de má fé.
   
   Ponderado resta decidir.
   
   Acordam neste Tribunal de Segunda Instância em:
   - Improceder o recurso contencioso interposto pela A.
   - Improceder o pedido da condenação à recorrente pela litigância de má fé deduzido pela entidade recorrida.
   Custas pela recorrente.
RAEM, aos 18 de Julho de 2013

Choi Mou Pan Presente
João A. G. Gil de Oliveira Vitor Coelho
Ho Wai Neng
1 Nesta decisão a entidade recorrida resumiu os seguintes factos e questões adicionais:
“Por terem sido apurados com vista à instrução do presente recurso, diversos factos susceptíveis de esclarecer o erro detectado na enunciação dos factos pela mandatária da contribuinte, cumpre resumir a situação fiscal da recorrente, em sede de isenções de Imposto sobre Veículos Motorizados, com vista a que esta regularize a sua situação evitando futuras situações de impugnação infundamentadas.
Foi por estes Serviços oficiada a Direcção dos Serviços de Turismo para que esclarecesse se o Ofício nº 0704710/17-145/DL/2007 de 7 de Agosto se destina a instruir pedido de concessão de uma quarta isenção ou se substituía o parecer emitido em 22 de Maio de 2007, sob o Ofício nº 3079/DL/07, que autorizava a substituição por um outro, do veículo com a matrícula MK-83-xx (cfr. Anexos III e IV à presente informação).
Em resposta, a DST esclareceu que o Ofício nº 3079/DL/907 se refere à substituição do veículo com a matrícula MK-83-xx e que o Ofício nº 0704710/17-145/DL/2007 de 7 de Agosto se destinou à instrução de um quarto pedido de isenção para a aquisição de uma quarta viatura da marca Xxx, modelo S550 2WD A/T VE de 5 assentos.
Assim sendo, entendemos dever ser notificada a contribuinte da necessidade de proceder à substituição do veículo com a identificada matrícula, nos exactos termos do requerido à DST e Direcção dos Serviços de Finanças.”


2 Mário Esteves Oliveira, Direito Administrativo, Vol. I, Lisboa, 1980, pp.471 a 475.
3 In “O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, Almedina, Coimbra, 1991, p.231
4 Lino J. B. R. Ribeiro e J. Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, Fundação de Macau e SAFP, 1998, p. 637.
Como também assim considera David Duarte, a fundamentação é um requisito formal das decisões, que não se confunde com o seu conteúdo e que, independentemente das implicações entre a declaração de fundamentação e a substância da decisão, tem uma existência e uma dimensão valorativa autónoma. Esta autonomia da fundamentação formal expressa-se na separação entre os requisitos da correcção da fundamentação e os requisitos de correcção da decisão, implicando que, embora existam pontos de comunicabilidade, a patologia da fundamentação não determine, como ponto de partida, a deficiência da decisão, por si só considerada/ou seja, a fundamentação diz apenas respeito à exteriorização dos pontos de sustentação da decisão e não ao que eles são como realidade ontológica intradecisória. In Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório, Almedina Coimbra, 1996, p. 237 a 241.
5 Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Vol. I, Lisboa, 1980, pp. 443 a 448.
666O Acórdão de 11/04/00, in Revista nº 212/00, 1ª.
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