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Processo n.º 539/2013/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)

Data : 12 de Setembro de 2013

Requerente: B

Entidade Requerida: Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - Junção de documentos
    Haviam já os autos sido despachados no sentido de serem remetidos à Conferência quando o requerente veio requerer a junção de novos documentos.
    Independentemente da tempestividade de tal junção - aceita-se que até ao fim da discussão possam ser juntos documentos - e da não tradução dos documentos em língua inglesa, o certo é que sobre essa junção oferece-nos dizer o seguinte:
    Desde logo o requerente não se limita a juntar documentos. Faz algo mais e alega matéria que não invocou na sua petição de suspensão, como seja a alusão do pedido de fixação de residência por parte da esposa e as consequências negativas daí decorrentes, ainda que continue sem as concretizar e a invocação dos prejuízos que adviriam da execução do acto para o funcionamento da XXXXXX, para daí concluir que o serviço que presta é de inegável importância, sendo imprescindível para a respectiva companhia e ao seu normal funcionamento.
    Esta alegação nova, encapotada numa pretensa singela junção de documentos, não é processualmente admissível. O CPAC não prevê tal possibilidade, o que, aliás, bem se compreende, vista a natureza e a urgência do procedimento em causa.
    De todo o modo, não se deixa de referir que tal alegação e, consequentemente, os documentos juntos são manifestamente impertinentes.
    O escalamento do requerente para os voos da Companhia e o seu aproveitamento é uma decorrência natural da prestação do seu serviço na empresa, sendo quase apodíctico - aliás, como o próprio requerente confessa - que essa realidade seja facilmente apreensível por qualquer pessoa medianamente colocada, o que dispensaria até a junção da documentação referente a essa realidade.
    Mas o que se afigura mais importante é que os factos - agora alegados - e que se pretendem demonstrar documentalmente são impertinentes para o objecto da decisão que nos cabe.
    Os prejuízos da esposa só indirectamente se repercutem na pessoa do requerente e mais uma vez o requerente não alega em que medida esse facto se repercute em si, limitando-se a dizer que esse pedido é bem demonstrativo do alcance das consequências negativas resultantes da execução da decisão em crise.
    Por outro lado, os prejuízos para terceiros, nomeadamente para a Companhia, também não relevam para os pressupostos do artigo 121º do CPAC. A não ser que - mas mais uma vez tal não está alegado - se tenha em vista a prossecução da defesa de um interesse público, a ser salvaguardado por via da al. b) do n.º 1 do artigo 121º citado, cuja configuração se nos afigura atrevida, na medida em que é o próprio Governo que não o invoca ou acautela nos autos, nem sequer a própria Companhia XXXXXX coloca a questão nesses termos.
    Têm-se, pois os documentos ora juntos como impertinentes e só não se tributa o incidente, visto o efeito autónomo resultante do seu desatendimento e da sua apreciação conjunta em sede de apreciação do objecto deste procedimento.
    
    II - RELATÓRIO
    B, mais bem identificado nos autos, vem requerer a SUSPENSÃO DE EFICÁCIA do despacho do Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças, n.º 06818/GJFR/2013, de 4 de Junho de 2013, notificado ao requerente em 15 de Julho de 2013, através de ofício subscrito pelo Exm.° Senhor Presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau,
    O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
“1.º
    A decisão que motiva o presente procedimento preventivo negou ao Requerente a renovação de fixação de residência temporária na R.A.E.M., por considerar não estarem preenchidos os requisitos para tanto necessários e que estão elencados na alínea 1) do n.º 2 do art. 9.º da Lei n.º 4/2003, que considerou aplicável ex vi do art. 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
2.º
    Estamos, pois, perante um acto negativo, mas com uma vertente positiva na esfera jurídica do Requerente, na medida em que a não renovação da autorização de residência altera o seu status quo ante, retira-lhe direitos (o de residência (temporária) na RAEM e os demais daí decorrentes), prejudica-o, deixa-o em pior situação e, por isso, o acto praticado não lhe é indiferente.
    Com efeito,
3.º
    «Um acto [meramente] de conteúdo negativo é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de com ele, ou por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um status anterior - vide Acórdão do TSI, de 7 de Junho de 2012, proc. n.º 411/2012.» (Ac. TSI n.º 839/2012/A-I, de 22 Nov. 2012).
4.°
    Não é, pois, manifestamente o caso, pelo que se verifica o pressuposto previsto na al. b) do art. 120.° do Código de Processo Administrativo Contencioso.
5.°
    Da mesma decisão (que lhe não renovou a autorização de residência), o requerente interpôs nesta data recurso contencioso, detendo para tal legitimidade (art. 121.°, n.º 1), por ser o destinatário da mesma decisão, que o afecta directamente na sua esfera jurídica.
6.°
    A decisão cuja eficácia se pretende paralisar, negou a renovação de autorização de residência ao Requerente pelo facto de no seu registo criminal constar uma condenação numa pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por multa e inibição de condução pelo período de 1 (um) ano, pela violação do disposto no n.º 1 do art. 90.° da Lei n.º 3/2007 (condução sob influência do álcool) .
7.°
    A decisão recorrida louvou-se na aplicação da norma constante da al. 1) do n.º 2 do art. 9.° da Lei 4/2003, ex vi art. 23.° da Lei 3/2005.
8. °
    É verdade que da literalidade do preceito resulta claramente que a Administração está habilitada ao exercício do seu poder discricionário para o efeito da concessão da autorização de residência.
9.°
    Contudo, o que na prática se tem verificado, e o presente caso é disso exemplo, é que, lamentavelmente, a Administração tem usado as prerrogativas que o citado artigo lhe atribui de forma rígida e sempre no sentido da negação da autorização de residência.
10.°
    A interpretação e aplicação que a entidade recorrida fez do citado preceito, é ilegal porque inflexível, indo muito além da teleologia da norma, a qual dispõe que «deve atender-se» a determinados aspectos, que elenca.
11. °
    Em lugar algum diz a lei que verificado qualquer desses «aspectos» elencados deve ser recusada a pretensão do interessado!
12. °
    Com efeito, atender-se a determinados aspectos significa que a Administração deve ponderá-los, na sua justa medida e proporção, para o efeito da tomada de uma decisão adequada e justa - («as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar», art. 5.°, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo).
13.°
    Não pode é significar que, na presença de qualquer dos aludidos «aspectos» esteja a Administração obrigada (vinculada) a negar ° pedido que lhe é dirigido.
14.º
    Acontece que, o facto ilícito praticado pelo Requerente foi anterior ao pedido de autorização de fixação de residência temporária (cuja renovação ora lhe foi negada).
15.º
    De destacar que, nem antes, nem depois dessa data, incorreu o Requerente em qualquer falta, de natureza criminal, contravencional (ou sequer civil).
16.º
    Como, aliás, pode ser confirmado através do actual certificado do Registo Criminal do Requerente que, volvidos 2 (dois) anos sobre a sua condenação em juízo, nada faz constar (cfr. doc. n.º 3 junto com a petição de recurso contencioso).
17.º
    Por outro lado, não se concebe, também, que o indeferimento da renovação da autorização da fixação de residência temporária, seja utilizado como um mecanismo de voltar a exercer um qualquer poder punitivo sobre o Requerente, por ferir o princípio non bis in idem.
18.º
    Nestes termos, a decisão recorrida configura-se como uma decisão surpresa, a todos os títulos não expectável para o Requerente, e, portanto,
19.º
    surge como autêntico venire contra factum proprium, em flagrante violação dos princípios da tutela da confiança e da boa fé (art. 8.º do Código do Procedimento Administrativo).
20.º
    Efectivamente, no exercício da actividade administrativa, a Administração está obrigada a ponderar, «em especial», a «confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa» (vide n.º 2, al. a) da disposição citada).
21.°
    A decisão foi para o Requerente uma total e inesperada surpresa, e violou um direito adquirido, já consolidado na sua esfera jurídica.
22.°
    Pois, sublinhe-se, a conduta do Requerente foi anterior ao pedido inicial de concessão da autorização de residência.
23.°
    A execução do acto administrativo em questão teria como consequência legal a impossibilidade para o Requerente de continuar a residir e, por conseguinte, a trabalhar na RAEM,
24.°
    pelo que a não renovação da autorização de residência, impedindo-o de continuar a sua actividade profissional na RAEM, e daí obter o seu único rendimento,
25.°
    coloca-o numa situação de desemprego, em total desamparo, sem outro local onde de imediato residir e trabalhar.
    Portanto,
26.°
    A cumprir-se a decisão, o resultado será catastrófico para o Requerente, causando-lhe um prejuízo irreparável, podendo, em última instância, atirá-lo para uma situação de indigência.
27.º
    Pelo que se dá por verificado o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art. 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
28.º
    Relativamente ao requisito legal da al. b) do citado artigo, é de concluir, por evidente, que nenhuma lesão do interesse público advirá da suspensão da eficácia do acto, sendo certo, aliás, que a lei exige mais: uma lesão «grave».
    Com efeito,
29.º
    O retardamento na execução do acto pelo tempo por que durar o recurso contencioso não é de molde a trazer qualquer lesão ao interesse público relevante, porquanto nenhuns fins de segurança e tranquilidade, bem como nenhuns outros ligados à necessidade do respeito pelas regras de convivência social estão em risco.
30.º
    O interesse público em nada fica prejudicado com a residência e permanência do requerente na RAEM até ao momento em que for decidido o recurso contencioso com trânsito em julgado.
    Por último,
31.º
    Considerando o supra exposto, afigura-se perfeitamente legal e lícito o recurso contencioso já interposto da mesma decisão, de modo a obter a anulação ou declaração de nulidade da mesma e, assim, poder o Requerente continuar a residir e trabalhar nesta Região.
32.º
    Assim, devem considerar-se verificados todos os requisitos legais para que seja decretada a suspensão da eficácia do acto administrativo que não renovou a autorização de residência ao ora Requerente, porquanto,
33.º
    tratando-se de medida preventiva e conservatória, não é necessária uma prova absoluta, sendo suficiente uma situação de facto provável e aparente, através de uma análise perfunctória a efectuar pelo juiz a todos os elementos constantes do processo e do procedimento administrativo. “
    Nestes termos pede se decrete a suspensão da eficácia do acto administrativo supra identificado, que revogou (não renovou) a autorização de residência do requerente, na sua qualidade de residente não permanente.
    
    O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, contesta, dizendo:
    “1. Vem o requerente pedir a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 04.06.2013, que indeferiu o seu requerimento de renovação de autorização temporária de residência e lhe foi notificado em 15.07.2013 (conforme aviso de recepção inserido no processo administrativo instrutor que se anexa);
    2. Como é bem sabido, o deferimento dos pedidos de suspensão de eficácia de acto administrativo depende do preenchimento dos três requisitos previstos no art. 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC).
    3. E é igualmente sabido que, de acordo com as regras gerais do processo civil, aqui aplicáveis subsidiariamente, cabe ao requerente fazer prova dos factos arguidos.
    4. Ora constatamos que, no presente caso, o requerente não produz, nem se propõe produzir, a mínima prova dos factos que enuncia na sua petição.
    5. Diz mesmo o requerente, na última página da sua petição, se dúvidas houvesse, que está impossibilitado de fazer prova por se encontrar ausente de Macau.
    6. Na verdade, o requerente nem sequer consubstancia suficientemente os factos que, em seu entender, preenchem no caso concreto os mencionados requisitos, limitando-se a argui-los de forma demasiado genérica.
    7. A verdade é que, nestas circunstâncias, não pode o pedido ser deferido, nomeadamente porque não há presunção legal que permita concluir pela verificação dos ditos requisitos.
    8. Neste sentido se tem pronunciado o TSI, por exemplo no recente acórdão de 20.06.2013 proferido no processo 340/2013/A, que indeferiu a providência requerida por o requerente não ter consubstanciado factos comprovativos do perigo de que a execução do acto administrativo lhe viesse a causar "prejuízo de difícil reparação" (art. 121°, n.º 1, al. a), do CPAC).
    9. Diga-se ainda, por mera cautela, que qualquer prova que o agora requerente tenha, por ventura, juntado ao seu recurso contencioso não pode ser levada em conta neste processo.
    10. Efectivamente, o órgão requerido não foi ainda citado para contestar tal recurso, pelo que não conhece a prova que o interessado aí apresentou - se é que apresentou alguma!
    11. e não pode o presente pedido ser deferido com base em elementos de prova sobre os quais o órgão requerido não teve oportunidade de se pronunciar,
    Conclusões:
    a) A procedência do presente pedido de suspensão da eficácia de acto administrativo dependia do preenchimento dos três requisitos previstos no art. 121º do CPAC;
    b) Recaía sobre o requerente o ónus de fazer essa prova;
    c) O requerente não produziu, nem se propõe produzir qualquer prova;
    d) Assim como não consubstancia suficientemente os factos em fundamenta o seu pedido;
    e) A prova que eventualmente tenha sido junta à petição de recurso contencioso é irrelevante para efeitos do pedido de suspensão de eficácia, pois o órgão requerido não foi ainda citado para contestar aquele recurso”.
    Pela razões apontadas, entende que terá de ser negado provimento ao pedido.
    O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
     “Exarado pelo Exmo. Senhor Secretário para Economia e Finanças na Informação n.º 0628/居留/2009/01R (doc. de fls. 8 a 10 do P.A.), o despacho suspendendo diz apenas «批准建議». Ao abrigo do art. 115º do CPA, tal declaração (批准建議) implica que aquela faz parte integrante desse mesmo despacho.
    Interpretado em harmonia com tal Informação, é certo que o acto em causa traduz em indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária na RAEM, apresentado pelo Requerente.
    A corrente maioritária da jurisprudência do TSI e do TUI configura a decisão como o acto suspendendo no acto administrativo de conteúdo negativo com vertente positivo. (a título exemplificativo, vide. Acórdão do TUI no Processo n.º 10/2009m e do TSI no Processo n.º 328/2010/A)
    Ao abrigo do disposto na al. b) do art. 120º do CPAC, verifica-se in casu a idoneidade do objecto, no sentido de que o referido despacho é susceptível de suspensão da eficácia.
    Assim, resta-se saber se se preencherem os requisitos consignados no n.º 1 do art. 121º do CPAC.
     *
    No actual ordenamento jurídico de Macau, forma-se jurisprudência pacífica e constante que são, em regra, cumulativos os requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC, a não verificação de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes por o deferimento exigir a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si. (Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009).
    E, em princípio, cabe a requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na al. a) do referido n.º 1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI nos Processo n.º 799/2011 e n.º 266/2012/A).
    Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos. (Acórdão do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo n.º 1106, do TUI no Processo n.º 33/2009, do TSI no Processo n.º 266/2012/A).
    E, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (Acórdão do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo n.º 1123, do TSI no Processo n.º 17/2011/A).
    À luz da regra de experiência para se ponderarem in casu a nacionalidade (belga), a actual idade (nascido em 17/08/1977) e a profissão (piloto e capitão aeronáutico), não parece sustentável nem crível o argumento aduzido no art. 26º do Requerimento Inicial.
    No acórdão decretado no Processo n.º 6/2001, inculca o Venerando TUI : Trata-se de prejuízo difícil reparação o consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
    Em esteira desta douta doutrina, afigura-se-nos que não assumem a natureza de difícil de reparação os prejuízos referidos nos art. 23º a 25º do dito Requerimento, designadamente a impossibilidade de continuar a residir, trabalhar e desenvolver a sua actividade profissional na RAEM.
    Tudo isto implica que não se preenche in casu o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
     *
    Pelo exposto, propendemos pela improcedência do presente pedido de suspensão de eficácia.”
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento da providência.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, resulta dos autos a seguinte factualidade:
O despacho recorrido louvou-se na informação dos Serviços tal como decorre do infra transcrito:
“INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU
Parecer n.º 0628/Fixação de residência/2009/01R
Requerente - B
Pedido de fixação de residência relativo a quadros técnicos especializados – Renovação
Aplicável: Regulamento Administrativo n.º 3/2005

Despacho do Exm.º Sr. Secretário para a Economia e Finanças
Autorizo a proposta.
(Ass.: vide o original)
Aos 4/6/13

Parecer do Presidente da Comissão Executiva do IPIM

Exm.º Sr. Secretário para a Economia e Finanças,
Concordo com o teor do presente parecer. Dado que o requerente, durante o período de manutenção e renovação do direito de residência temporária, foi condenado, por conduzir sob a influência do álcool e violar as disposições da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 3 meses de prisão, substituível por multa, emitiu-se uma opinião desfavorável ao pedido de renovação de residência temporária do requerente. Proponho, agora, que seja indeferido o respectivo pedido.
Ordem
Nome
Relação
1
B
Requerente
Submete-se o assunto à consideração de V. Exª.
O Presidente: XXX (XXX)
Aos 16 de Abril de 2013
(Ass.: vide o original)
(Carimbo: vide o original)

Parecer do Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação Residência
Concordo com a proposta.
XXX (XXX)
Director-Adjunto
Aos 16 de Abril de 2013
(Ass.: vide o original)

Assunto: Apreciação do pedido de autorização de residência temporária
Comissão Executiva:
1. Seguem-se os dados de identidade do interessado e o prazo proposto para a sua autorização de residência temporária (sic):
Ordem
Nome
Relação
Documento /Número
Prazo de validade do documento
Prazo de validade da autorização de residência temporária até
1
B
Requerente
Passaporte belga
EI37XXXX
09/11/2015
09/10/2012
2. O requerente foi autorizado a fixar residência temporária em Macau, pela primeira vez, em 31 de Maio de 2010.
3. Para efeitos de renovação, o requerente apresentou os documentos comprovativos da relação contratual e outros relacionados, no sentido de provar que ele continua a desempenhar o mesmo cargo na mesma entidade, e que já procedeu, nos termos legais, à declaração/pagamento do imposto profissional:
Entidade empregadora: XXXXXX COMPANY LIMITED
Cargo exercido: CAPTAIN
Vencimento: MOP$62.608,00
Prazo de contratação: Não indicado.
Em 19 de Junho de 2012, o requerente apresentou o pedido de renovação da autorização de residência temporária. Conforme o respectivo Certificado de Registo Criminal, verificou-se que o requerente desrespeitou as leis de Macau e que foi condenado, por conduzir sob a influência do álcool e violar as disposições da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 3 meses de prisão, pena essa substituível por multa, à taxa diária de MOP$200,00, o que perfaz a multa global de MOP$18.000,00, sendo, aliás, obrigatório cumprir a pena de prisão aplicada no caso de não ser paga a multa nem esta substituída por trabalho. Além disso, pela referida conduta, o requerente foi ainda condenado na inibição de condução por 1 ano (vide o documento de fls. 8).
Ao abrigo do disposto no art.º 9.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, aplicável ex vi o art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, para efeitos de concessão da autorização de residência deve atender-se, nomeadamente: “Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei”.
Dos factos constantes do documento acima referido já resultou comprovado o incumprimento pelo requerente das leis da RAEM. Com base nisso, foi realizada audiência escrita junto do requerente.
O interessado apresentou contestação escrita (cfr. fls. 24 a 27), apontando que os factos ilícitos supracitados ocorreram em 2009. Nessa altura, tendo consumido bebidas alcoólicas, ele não tinha consciência da gravidade do acontecimento, mas agora, está muito arrependido dos respectivos factos ilícitos, e já foi devidamente punido nos termos legais. Além disso, também se indicou que o requerente tem trabalhado na empresa onde presta funções actualmente a partir de 2008, exercendo, neste momento, funções relativamente importantes, a que se associa grande responsabilidade, além de que o requerente trabalha com zelo, sendo avaliado sempre como “bom” pela empresa onde trabalha. Ao mesmo tempo, o requerente alegou que os referidos factos ocorreram há muitos anos atrás, esperando, assim, que, desta vez, também fosse deferido o seu pedido de autorização de residência temporária.
Apesar de o interessado ter afirmado que o requerente assume o cargo de CAPTAIN na XXXXXX COMPANY LIMITED com bom desempenho no trabalho, trata-se apenas de um perfil profissional. É que devido exactamente às exigências inerentes à sua profissão, o mesmo trabalhador deve ser sujeito a exigências mais elevadas.
Embora, conforme o requerente declarou, ele já esteja arrependido dos aludidos factos ilícitos, é inegável o seu incumprimento das leis da RAEM no período de manutenção e renovação do direito de residência temporária. O requerente, efectivamente, violou as leis de Macau, tendo a sua conduta ameaçado à segurança pública de Macau, daí que seja impossível emitir parecer favorável ao seu pedido de renovação da autorização de residência temporária.
Face ao exposto, o requerente, durante o período de manutenção e renovação do direito de residência temporária, violou as disposições da Lei do Trânsito Rodoviário por conduzir sob a influência do álcool. Apesar de ter sido condenado apenas em 3 meses de prisão, que era substituível por multa, nos termos do art.º 9.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, aplicável ex vi o art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, não se deu parecer favorável relativo ao pedido do requerente. Assim sendo, proponho que seja indeferido o pedido de renovação da autorização de residência temporária do requerente.

Submete-se o assunto à apreciação superior.

A Técnica Auxiliar”
    A Companhia XXXXXX atestou o seguinte:
    “Vimos por este meio declarar que o Comandante B, casado, com a nacionalidade Belga, portador do Bilhete de Identidade de Macau n.º XXXXXXX(X), residente na Estrada ......, n.º ..., Edifício ......, Torre …, ….° andar, apartamento "…", Taipa, se encontra empregado pela XXXXXX desde 25 de Junho de 2008, detendo actualmente a posição de Comandante, e que detém um historial perfeito enquanto funcionário, uma vez que nunca foi sujeito a quaisquer procedimentos disciplinares ou a quaisquer sanções.
    Mais declaramos que as funções que se encontram atribuídas ao Comandante B requerem um alto nível de especialização e que a nossa empresa necessita dos seus serviços por forma a garantir a normalidade das suas operações de voo.
    Em caso de necessidade de mais informações, queiram fazer o favor de me contactar.
    
    Com os melhores cumprimentos,
    Comandante XXX
    Vice-presidente - Operações de Voo
    XXXXXX “
    
    Mais atestou o seguinte:
    
    “A QUEM DE DIREITO
    4 de Julho de 2013
    HR/13/02012
    Caro Senhor/Senhora
    Ass: Sr. B
    1. Serve a presente para confirmar que o Sr. B se encontra presentemente empregado pela XXXXXX na qualidade de Comandante no Departamento de Operações de Voo.
    2. Que se juntou à empresa a 25 de Junho de 2008.
    3. Que o seu salário base anual é de MOP$722,969 e que o subsídio de habitação anual é de MOP72,000
    4. Obrigado e com os melhores cumprimentos.
    
    Atentamente
    XXX
    Vice-presidente”
    

    IV - FUNDAMENTOS
    1. O caso
    B recorreu do despacho que lhe negou a renovação de fixação de residência temporária na RAEM e pede a suspensão de eficácia do acto.
    Sobre a sua situação pessoal, profissional, familiar e económica, nada nos diz no requerimento que apresenta e se alguma coisa ficamos a saber é por via indirecta, seja pelos documentos juntos, seja pelo que se respiga do PA (processo instrutor).
    Ficamos a saber (por pesquisa oficiosa) que se trata de um piloto da XXXXXX, é um bom profissional, está a trabalhar em Macau há alguns anos, pelo menos desde 2008 (vista a certificação da entidade patronal e a certidão de imposto profissional).
    Por ter sido condenado em 2011 em pena de três meses de prisão substituída por multa e inibição de condução por um período de 1 ano, por condução sob o efeito do álcool, factos praticados em 2009, a entidade recorrida, louvando-se no disposto na al. 1) do n.º 2 do art. 9º da Lei 4/2003, ex vi art. 23º do Reg. Adm. n.º 3/2005 indeferiu-lhe o pedido de renovação de residência.
    Alega o requerente um prejuízo irreparável adveniente dessa decisão que diz ser de desemprego, em total desamparo, causando-lhe uma situação de indigência.
    
    Daí, este pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo, pedido este a que a entidade requerida se opõe por falta de concretização dos prejuízos alegados.
    No essencial o Digno Magistrado do MP assume a mesma posição.
    
    2. Do acto negativo com vertente positiva
    
    Actualizamos aqui o que dissemos em recente processo, n.º 785/2011/A, de 15/12/2011 e 735/2012, de 4/10/12.
    Dispõe o art.º 120º do CPAC que só há lugar a suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente. No caso em apreço, o acto administrativo em causa consiste na não renovação da autorização de residência, o que à primeira vista apontaria para um acto negativo insusceptível de suspensão.
    Contudo, não é um acto puramente negativo, por ter uma vertente positiva, já que com a não renovação da autorização haverá uma alteração da situação que se vinha mantendo, quebra-se uma expectativa que se terá criado, expectativa ainda que não tutelada mas que radica em toda uma estruturação de vida pessoal, familiar e empresarial a que não se deixa de pôr termo com o abandono da RAEM.
    
    Como já entendeu o TUI1, numa situação ainda que diferente, parece que com o indeferimento do pedido de permanência em Macau, não foi introduzida nenhuma alteração na esfera jurídica dos interessados, já que tanto o filho menor como a sua família continuam na mesma situação jurídica em que se encontravam antes da prática do acto, afigurando intocada a sua esfera jurídica.
    É verdade que, com tal indeferimento e a consequente execução do acto administrativo, o menor deve sair de Macau ...
    No entanto, tal não implica nenhuma alteração na sua esfera jurídica nem na esfera jurídica da sua família.
    O que importará, para se determinar se um acto administrativo é de conteúdo positivo ou negativo e se um acto negativo tem ou não vertente positiva, é a influência, a alteração introduzida pela prolação do acto na esfera jurídica do interessado, acrescentou-se ainda naquele aresto.
    Num critério estrito poder-se-ia dizer que a esfera jurídica do recorrente não se alterou, porquanto caducada a autorização de residência de que beneficiara anteriormente, com a denegação da renovação de residência nada lhe foi retirado.
    É, no entanto a Doutrina e Jurisprudência que assinalam que, não obstante estarmos perante um acto de conteúdo negativo, continua a ser possível a suspensão se esse acto produz acessoriamente efeitos de natureza secundária, caso em que a suspensão a ser decretada tornaria possível a manutenção ou conservação de uma situação jurídica anterior. Trata-se daqueles casos em que, para além de um conteúdo denegatório de uma pretensão de ampliação da esfera jurídica de um particular, o acto em causa tenha o aludido efeito secundário que se traduz na ablação de um bem jurídico pré-existente, paralisando assim os efeitos secundários de natureza positiva, tal como acontece, designadamente, nos pedidos de prorrogação ou manutenção de situações jurídicas, sempre que a lei admita tal prorrogação ou manutenção.2
    Isto para já não falar na admissibilidade da suspensão dos actos negativos, como refere Vieira de Andrade, desde que haja utilidade nessa suspensão e a aparência de bom direito.3
    Ora, no caso vertente, emerge nitidamente um efeito secundário ablativo de uma situação pré-existente conformada por acto administrativo anterior e que bem pode continuar a ser merecedora de tutela, caso o recorrente venha a lograr êxito quanto à substancialidade do pedido formulado.
    Trata-se de uma situação que é algo diferente daquelas outras em que o interessado nada tem em termos de ligação ao ordenamento da RAEM e vê denegado um pedido de autorização; neste caso, obteve uma autorização, aqui residiu por alguns anos, terá criado laços e ligações. Provisórias e por prazo certo, sem dúvida, mas não deixa de ser legítimo aspirar a uma manutenção da sua esfera jurídica, traduzindo-se a positividade do acto, não na cessação da autorização de residência, não na não renovação, mas no efeito positivo secundário que se traduz no abandono de Macau e na cessação da sua actividade aqui empreendida.
    Trata-se, no caso, de questão que nos autos não mereceu qualquer controvérsia, pelo que se considera poder merecer o nosso conhecimento.
    3. Dos requisitos da suspensão de eficácia do acto
    
    Para a procedência do pedido, não basta estarmos perante um acto positivo ou negativo com conteúdo positivo.
Prevê o art. 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
    Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
    Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.4
A suspensão dessa eficácia depende, no essencial, da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do supra citado artigo 121º do C.P.A.C.:
   - previsível prejuízo de difícil reparação para o requerente,
   - inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão
   - e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
    Resulta da Doutrina e Jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no art. 121º supra citado são de verificação cumulativa - importando, no entanto, atentar na excepção do n.º 2, 3 e 4 desse artigo e do art. 129º, n.º 1 do CPAC-, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.5
    Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
    É importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.
    
    4. A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva deverão ser conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
    Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.6
    
    5. Da não ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
A instrumentalidade desta medida cautelar, implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.7
    O requerente impugnou o acto contenciosamente e, não obstante não vindo aqui elencados os fundamentos do pedido da impugnação – sendo certo que foi apresentado conjuntamente o recurso (a que os presentes se mostram apensos) aí podendo observar quais os vícios assacados ao acto (erro nos pressupostos de facto e de direito, violação do princípio da confiança e da proporcionalidade) , não se deixa de entender que, pelo menos, estará em causa o defesa da expectativa ao direito de residência, baseada em vício invalidante do acto que lhe a denegou.
    Perante este quadro, não é difícil ter por integrado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito, pelo menos, à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual do requerente, titular directo do interesse que diz ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas - haja em vista o teor da contestação -, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à actuação do recorrente.
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se ainda aqui verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A.C..

    Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.8
    6. Lesão de interesse público
    Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. E neste particular aspecto o que se observa é que a entidade requerida nada disse.
    Por não oferecer qualquer controvérsia passamos a conhecer de imediato deste requisito.
    E questão que desde logo se pode colocar é se a posição da entidade requerida nos autos não preenche o condicionalismo do artigo 129º, n.º 1 do CPAC, o que levaria, sem outros desenvolvimentos, a ter este requisito por integrado.
    Não se furtará este Colectivo, no entanto, a dizer algo mais.
    Trata-se de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do C.P.A., todo o acto administrativo deve prosseguir.9
    Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.10
Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.
Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
Manifestamente não é o caso.
    A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
    
    Temos dito e redito que não cabe aos tribunais imiscuirem-se na governação.
Não compete, portanto, a este Colectivo dizer se deve ou não ser renovada a dita autorização de residência e neste procedimento compete avaliar se estará em causa a grave lesão do interesse público.
Ora, não é difícil avaliar a situação que o interesse público não fica beliscado com uma suspensão de um acto que nem sequer se manifesta numa imposição em si, numa qualquer expulsão, sendo a saída de Macau uma decorrência secundária do acto em causa. Isto, para acentuar que nem sequer a autoridade ou imagem de autoridade fica posta em causa perante o público que, estamos em crer, não deixará de aceitar que alguém que aqui residiu por cinco anos, aqui tem trabalhado e exercido funções de uma grande responsabilidade, centrou a sua vida aqui, pudesse continuar por mais algum tempo, até que a sua situação estivesse definitivamente resolvida.
Não está em causa a defesa do interesse público, mas sim indagar se os interesses sublimes particulares que para já se sacrificam sumariamente não se podem compatibilizar com uma melhor ponderação dos interesses em sede própria.
Ocorre, em consequência, o requisito negativo da alínea b) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC.
    
7. Dos prejuízos de difícil reparação para o requerente
    Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
    Sobre esta matéria, lamentamos muito, mas a verdade é que o que alegado vem - nem sequer vamos para o domínio da prova - é manifestamente insuficiente.
    Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
    Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.11
    Vejamos que prejuízos alega o requerente.
    Muito pouco e o que faz é curto e revestido de uma carga manifestamente genérica, adjectivante e conclusiva. A sua alegação espelha-se no que se verte nos artigos 23º a 27º da sua petição:
     “A execução do acto administrativo em questão teria como consequência legal a impossibilidade para o Requerente de continuar a residir e, por conseguinte, a trabalhar na RAEM,
    pelo que a não renovação da autorização de residência, impedindo-o de continuar a sua actividade profissional na RAEM, e daí obter o seu único rendimento,
    coloca-o numa situação de desemprego, em total desamparo, sem outro local onde de imediato residir e trabalhar.
    Portanto,
    A cumprir-se a decisão, o resultado será catastrófico para o Requerente, causando-lhe um prejuízo irreparável, podendo, em última instância, atirá-lo para uma situação de indigência.
    Pelo que se dá por verificado o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art. 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso. “

Não é sem sentido que a entidade recorrida se acolhe nesta falta de fundamentação do pedido para a ele se opor, no que se mostra secundada pelo Exmo Senhor Procurador Adjunto.
Antes de tomarmos posição atentemos no que sobre este requisito nos diz a Doutrina pela pena de um membro deste Colectivo12:
“Esta alínea [a) do art. 121º do CPAC] denota o verdadeiro sentido da providência: o seu objectivo é acautelar o efeito útil do recurso, evitando-se através dela que se produza uma situação danosa de muito difícil remédio ou, por maioria de razão, irremediável (periculum in mora). Isto é, visa evitar o perigo de uma lesão praticamente irreversível aos interesses relevantes no caso concreto para o requerente ou para aqueles que ele defende no recurso (no caso, por exemplo, dos interesses dos inscritos numa associação).
    O conceito indeterminado "prejuízo de difícil reparação" de que trata a alínea a), do n.º 1, do art. 121º, do CPAC tem que ser concretizado, reproduzido ou traduzido caso a caso por factos que o interessado requerente deve trazer ao processo. Não, bem entendido, através de uma demonstração cabal, perfeita e exaustiva da invocação factual, uma vez que neste processo não é possível efectuar prova testemunhal, e até porque a lei não é tão exigente a esse ponto ao bastar-se com uma forte aparência, com um mero padrão de probabilidade («…cause previsivelmente...»). Mas, de qualquer modo, a não ser nos casos de facto notório, que não carece de alegação, nem de prova (cfr. arts. 434.º do CPC e 250º, n.º 2, do C. C.), cumprirá ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis.
    (…)
    A dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo de prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação hipotética pela autoridade administrativa na sequência de uma eventual sentença de anulação. Se o que estiver em risco é apenas uma redução da actividade do estabelecimento, isso em princípio pode significar que o acto pode ter uma repercussão económica avaliável, determinável, caso em que os prejuízos seriam susceptíveis de quantificação e, por isso mesmo de indemnizabilidade. Ora, o critério da avaliação do dano costuma ser apontado como factor que exclui o requisito dos danos insusceptíveis de reparação, pois em princípio um dano quantificável não é irreparável ou de difícil reparação, a não ser em casos concretos em que, mesmo sendo avaliáveis, a sua reparação se torne extremamente difícil.”
    A este nível invoca o requerente o facto de resultar da imediata execução do acto a cessação da referida actividade profissional, mais nada concretizando, limitando-se a concluir que daí viria uma situação de desemprego, desamparo, sem outro lugar para trabalhar e viver, podendo originar uma situação de indigência.
    Mas porquê? Porquê essas consequências? Ficamos sem saber. Como se frisou já, nem sequer alega o que faz, a dificuldade em arranjar outro trabalho, as possibilidades ou não de voar noutra companhia, as suas ligações materiais, profissionais ou afectivas a esta terra, a situação do mercado de trabalho na sua área.
    Não, assim não pode ser, assim não pode ser este Tribunal a suprir o que não vem invocado. Acreditamos que será penoso, que a não renovação se traduz num sacrifício que não será pequeno, mas nada nos permite fazê-lo integrar como de “difícil reparação”. Se assim fosse, se adoptássemos esta posição como a decorrente de uma não renovação de residência para um qualquer trabalhador não residente ficaríamos sem critério para a afastar em todo e qualquer caso em que a Administração não renovasse a residência a qualquer interessado. O que tornaria este caso diferente de qualquer outro, com perda de residência e perda de trabalho?
    Estamos, pois, em condições de verificar que não há elementos que nos permitam dizer que este caso é diferente, fosse porque há crianças que interrompem estudos, fosse porque há dependentes que teriam de interromper formação, tratamentos, projectos, fosse porque o mercado de trabalho em concreto onde se move o requerente não lhe oferece alternativas, fosse porque há compromissos, investimentos materiais, pessoais, profissionais ou afectivos que seriam irremediavelmente interrompidos.
    Nada mais do que aquilo que é normal e comum acontecer em situações como a presente
     Não se evidencia aqui - ainda que acreditemos que o prejuízo possa ser muito significativo e possa causar grande transtorno e incomodidade - um prejuízo de difícil reparação para o interessado que terá muito provavelmente de rescindir o contrato celebrado, de encerrar a actividade encetada, deixar de residir aqui e mudar de vida.
    Nada que, pese embora o sacrifício, nada se nos diz sobre a impossibilidade de compatibilização e contabilização.
    Como não se releva uma invocável expectativa à residência, porquanto se atendível em termos de projecto de vida, já o não deverá ser em termos de tutela conformadora de uma situação jurídica sob pena de qualquer residente não permanente poder fazer radicar aí uma expectativa que por si só legitimasse a atribuição e um outro estatuto. Isto é, a atribuição do estatuto de residente pode ser negada legitimamente a um não residente permanente, devendo respeitar apenas os respectivos parâmetros condicionantes da sua atribuição.
    Em face do exposto, não tem este Tribunal outra alternativa se não a de ter este requisito por não verificado.
    Face ao exposto, somos a concluir no sentido da não verificação do requisito positivo da alínea a), não obstante a observância dos requisitos contidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 121º do CPAC, o que conduz à denegação do pedido.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em indeferir o pedido formulado pelo requerente de suspensão de eficácia do acto que não renovou a autorização de residência de B.
     Custas com taxa de 3 UCs pelo requerente.
                Macau, 12 de Setembro de 2013
                
João A. G. Gil de Oliveira
(Relator)

Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)

José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

Estive presente
Mai Man Ieng

1 - Ac. 29/2005, de 7 de Dez
2 - Pedro Machete, O Direito, 123, 304
3 - Lições de Dto Administrativo e Fiscal, 124 e ac. STA, processo n.º 042206, de 15/5/97
4 Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
5 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03
6 - Ac. STA 46219, de 5/772000, www//:http.dgsi.pt
7 - Ac. do TSI de 30/5/02, proc. 92/02
8 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A.

9 - Ac. do T.S.I. de 22 de Novembro de 2001 – Pº205/01/A ; ac. do T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 - Proc.191/01
10 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
11 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
12 - José Cândido Pinho, Manual de Formação de Dto Proc. Adm. Contencioso, CFJJ, 2013, 293 e segs
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539/2013/A 1/39