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Processo n.º 543/2013 Data do acórdão: 2013-10-3 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.º 198.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal
– furto em valor consideravelmente elevado
– medida da pena
– prevenção geral do crime
– empregada doméstica
S U M Á R I O

Na medida da pena do crime de furto em valor consideravelmente elevado, p. e. p. pelo art.º 198.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, há que considerar inclusivamente as grandes necessidades de prevenção geral deste tipo-de-ilícito, quando praticado por pessoa empregada doméstica.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 543/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido a fls. 146 a 151 do Processo Comum Colectivo n.° CR1-13-0037-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que a condenou como autora material, na forma consumada, de um crime de furto qualificado (por ser em valor consideravelmente elevado), p. e p. pelo art.º 198.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de quatro anos de prisão, com dever de pagar MOP$272.780,00 de indemnização, arbitrada oficiosamente, à ofendida Lam In Nie, veio a arguida A, aí já melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a redução da sua pena de prisão, e também a suspensão da execução da prisão, alegando para o efeito, e sobretudo, que era delinquente primária, com demonstrado já arrependimento, e com condições pessoais modestas, com filho e neta a seu cargo (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 160 a 164v dos presentes autos correspondentes).
Por outro lado, o actual Ilustre Defensor Oficioso do arguido discordou da decisão constante do mesmo acórdão na parte respeitante à fixação dos honorários oficiosos em MOP$4.500,00, por opinar que esse montante ficou inferior ao limite mínimo de honorários previsto legalmente no ponto 5.1 da Tabela aprovada pelo Despacho do Chefe Executivo n.º 59/2013, pelo que veio pedir que os seus honorários pelo trabalho feito em primeira instância passassem a ser fixados segundo o previsto nessa Tabela (cfr. o teor da peça de fls. 166 a 169).
Respondeu o Digno Delegado do Procurador junto do Tribunal recorrido (a fls. 171 a 173) no sentido de improcedência do recurso da arguida.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 186 a 187v), preconizando sobretudo também a improcedência do recurso da arguida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já julgada como provada pelo Tribunal a quo (e descrita como tal, originalmente em chinês, nas páginas 4 a 7 do texto do acórdão recorrido, ora concretamente a fls. 147v a 149 dos autos), é de tomar a mesma factualidade como a fundamentação fáctica do presente aresto de recurso, por aval do art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal (CPP).
Dessa factualidade provada, sabe-se que:
– a arguida, como empregada doméstica da ofendida, praticou os factos de furto na casa desta;
– a arguida é delinquente primária em Macau, e precisa de cuidar do filho e da neta, e tem por habilitações académicas o curso secundário complementar completo.
Por outro lado, do exame dos autos, flui que:
– a arguida foi assistida sucessivamente por dois Defensores Oficiosos, a saber: a Ilustre Advogada Estagiária Dr.ª Leong Im Fong e o Ilustre Advogado Dr. Cheong Kuai Hong;
– aquela Defensora chegou a defender a arguida no primeiro interrogatório judicial, em sede do qual a M.ma Juíza de Instrução Criminal lhe arbitrou MOP$1.000,00 como honorários pelo trabalho prestado nesse interrogatório (cfr. o processado de fls. 57 a 60);
– a mesma Defensora acompanhou a arguida no ulterior interrogatório desta feito pelo Ministério Público (cfr. sobretudo o teor de fls. 77 a 78);
– no despacho (de fl. 108v) de designação da data para julgamento em audiência no TJB, foi nomeado o Ilustre Defensor actual à arguida;
– esse Ilustre Defensor apresentou contestação com rol de testemunhas em nome da arguida, oferecendo o merecimento dos autos (cfr. o teor de fl. 116), e defendeu a arguida na audiência de julgamento do TJB (cfr. a acta de fls. 139 a 140);
– e o mesmo Ilustre Defensor apresentou aos autos a motivação do recurso da arguida (cfr. fls. 159 e seguintes).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, passa-se a decidir do recurso da arguida.
Quanto à primeiramente colocada questão de alegado excesso na medida da pena de prisão, é de notar que o tipo legal de crime de furto em valor consideravelmente elevado por que vinha condenada a arguida é punível com pena de prisão de dois a dez anos (cfr. o art.o 198.o, n.o 2, a), do CP).
Na medida da pena, há que considerar inclusivamente as grandes necessidades de prevenção geral deste tipo-de-ilícito quando praticado por pessoa empregada doméstica, e o grau elevado da culpa da arguida na prática do mesmo (pois praticou ela esse crime com dolo directo, de acordo com a factualidade provada em primeira instância) (art.o 40.o, n.os 1 e 2, do CP).
Assim sendo, e ponderando, por outro lado, as demais circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal recorrido e com relevância também para o disposto no art.o 65.o, n.os 1 e 2, do CP, é patente que já não há margem para a pretendida redução da pena de prisão fixada no acórdão recorrido em quatro anos, ainda que a arguida seja delinquente primária, e com condições pessoais modestas e com encargos familiares, e com falado arrependimento.
Por outro lado, considerando igualmente as já referidas elevadas exigências de prevenção geral do crime em causa, as quais, claramente, não podem ser satisfeitas com a mera censura dos factos nem com a ameaça da execução da prisão, não se pode ordenar a suspensão da execução da pena de prisão em sede do art.º 48.º, n.º 1, do CP.
Mostrando-se evidentemente infundado o recurso da arguida, é de rejeitá-lo em conferência, nos termos ditados nos art.os 409.o, n.o 2, alínea a), e 410.o, n.o 1, do CPP, sem mais desenvolvimento por desncessário, visto o disposto no n.º 3 desse art.º 410.º.
E em jeito de terminar, e sobre a questão de fixação de honorários:
Como todos os actos concretos de defesa oficiosa foram praticados antes da entrada em vigor, em 17 de Setembro de 2013, do recentíssimo Despacho do Chefe do Executivo n.º 297/2013, seria de considerar ainda a versão inicial da Tabela de honorários aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2013.
Segundo o ponto 5.1 da versão inicial dessa Tabela, os honorários a atribuir em processo penal de competência do tribunal colectivo (em primeira instância) são de MOP$7.500,00 a MOP$50.000,00.
No caso, havendo dois Ilustres Defensores em defesa oficiosa da arguida ao longo do processo em primeira instância, os honorários a atribuir devem ser rateados entre eles.
Tendo em conta que embora seja de competência do tribunal colectivo, o caso dos autos não é complicado, que cada um dos dois Ilustres Defensores tiveram grau de intervenção processual sensivelmente igual em prol da arguida em primeira instância, e que a Ilustre Defensora inicial trabalhou como Advogada Estagiária (cujos honorários deveriam, assim, ficar reduzidos a 2/3), seria de atribuir um total de MOP$4.500,00 de honorários ao actual Ilustre Defensor, e um total de MOP$2.800,00 de honorários (que teriam que incluir já a quantia de MOP$1.000,00 fixada pela M.ma Juíza de Instrução Criminal) à Ilustre Defensora inicial, como recompensa do trabalho prestado por ambos em primeira instância, em defesa da arguida.
E pelo trabalho do actual Ilustre Defensor por causa do recurso da arguida, é de atribuir-lhe MOP$3.800,00 de honorários.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em rejeitar o recurso da arguida, por ser manifestamente improcedente, e em atribuir MOP$4.500,00 de honorários ao Ilustre Defensor actual da arguida, e MOP$2.800,00 de honorários (que incluem já a quantia de MOP$1.000,00 anteriormente fixada pelo Juízo de Instrução Criminal) à Ilustre Defensora inicial da arguida, pelo trabalho prestado em primeira instância.
Custas do recurso pela arguida, com quatro UC de taxa de justiça, e quatro UC de sanção pecuniária referida no art.o 410.o, n.o 4, do Código de Processo Penal, e ainda com MOP$3.800,00 de honorários a favor do seu Ilustre Defensor actual.
Notifique também a Ilustre Defensora inicial da arguida.
Comunique a presente decisão à ofendida.
Macau, 3 de Outubro de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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