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Processo nº 498/2013 Data: 10.10.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Conflito de competência.
Impedimento.
Substituição de Juiz.



SUMÁRIO

1. O processo para resolução de conflitos de competência deve ser utilizado em casos em que há bloqueamento quanto a saber que juiz deve intervir em determinado julgamento, mesmo que tecnicamente se não trate de conflito de competência.

2. O juiz a quem cabe substituir um juiz que se declarou impedido não pode recusar-se a substituí-lo com fundamento na ilegalidade da declaração de impedimento.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 498/2013
(Autos de conflito de competência)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A Mma Juiz do 4° Juízo Criminal do T.J.B., Dra. A, invocando o art. 28°, n.° 1, al. e) do C.P.P.M., declarou-se impedida de intervir nos autos de Processo Comum Singular n.° CR4-13-0297-PCS que lhe foram distribuídos; (cfr., fls. 21 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Conclusos os autos ao Mmo Juiz, seu substituto legal, entendeu-se que razões não haviam para o declarado impedimento, declarando-se assim este Magistrado incompetente para intervir no processo em questão e ordenando a sua devolução à Mma Juiz do 4° Juízo; (cfr., fls. 22 a 23).

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Por despacho (da Mma Juiz do 4° Juízo) decidiu-se então remeter os autos a este T.S.I. para a resolução da questão; (cfr., fls. 21 a 22).

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Neste T.S.I., por despacho do ora relator foram os Exmos. Juízes notificados para, nos termos do art. 27° do C.P.P.M., dizer o que por bem entendessem, o que fizeram; (cfr., fls. 33 a 34).

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Oportunamente, em sede de vista, considera a Ilustre Procuradora Adjunta que no processo em questão deve intervir o Mmo Juiz substituto; (cfr., fls. 37 a 37-v).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Resulta do até aqui relatado que em virtude de uma “declaração de impedimento” da Mma Juiz do 4° Juízo Criminal do T.J.B. e de uma sucessiva “declaração de incompetência” do seu substituto legal se decidiu remeter os autos a este T.S.I. para “resolução do impasse”.

“Quid iuris”?

Pois bem, a situação dos presentes autos é, no seu essencial, idêntica à que nos idos anos de 2002 ocorreu no âmbito de um processo a correr termos neste T.S.I., e no qual, em sede da sua apreciação, proferiu o Vdo T.U.I. o douto Acórdão de 10.04.2002, Proc. n.° 4/2002, onde, no seu sumário, se consignou (essencialmente) o que segue:

“Quando a divergência sobre a respectiva competência entre juízes do mesmo tribunal de primeira instância é de carácter jurisdicional deve entender-se que se trata de um conflito de competência a ser resolvido pelo tribunal imediatamente superior. Quando a divergência é de carácter administrativo pode cair no âmbito do art.º 156.º, n.º 2 do Código de Processo Civil”.

“O processo para resolução de conflitos de competência deve ser utilizado em casos em que há bloqueamento quanto a saber que juiz deve intervir em determinado julgamento, mesmo que tecnicamente se não trate de conflito de competência, se nenhuma outra via se afigura possível em concreto”, e que,

“O juiz a quem cabe substituir um juiz que se declarou impedido não pode recusar-se a substituí-lo com fundamento na ilegalidade da declaração de impedimento”.

Ora, afigurando-se-nos de subscrever (na íntegra) o que se deixou transcrito, à vista está a solução, pouco havendo a acrescentar.

Com efeito, e independentemente do demais, o Mmo Juiz a quem coube o processo em consequência da declaração de impedimento da Mma Juiz do 4° Juízo Criminal não pode recusar a substituição com fundamento na falta de motivo para tal impedimento.

Na verdade, e continuando a acompanhar o citado Acórdão do Vdo T.U.I.: “um juiz não pode sindicar acto de outro juiz, a menos que a lei lhe confira esse poder, o que acontece no caso dos recursos judiciais, na reclamação para o presidente do tribunal imediatamente superior do não recebimento de recursos ou da sua retenção (arts. 595.° e 596.° do Código de Processo Civil), na reclamação do relator para a conferência (art. 620.° do Código de Processo Civil) ou na apreciação de sugestão feita por juiz-adjunto em recurso, de que discorde o relator, e que cabe à conferência (n.° 4, do art. 619.° do Código de Processo Civil).
Se fosse possível ao substituto do juiz vir discutir as razões apontadas por este na declaração de impedimento, a fim de se recusar substituí-lo, estaríamos a admitir que um juiz pudesse sindicar os actos praticados por outro juiz, em caso não previsto na lei.
É que a sindicância de um acto do juiz, pela via do recurso, tem sempre na base um acto de vontade da parte vencida, de quem tenha sido directo e efectivamente prejudicado com a decisão ou do Ministério Público – nos casos em que este pode recorrer sem ser parte no processo, como sucede em processo penal e processo administrativo – que actuam como recorrentes. Ou seja, é o interesse das partes ou das pessoas prejudicadas – interesse privado – ou o interesse público ou da Justiça, personificado pelo Ministério Público, que motivam o recurso a um órgão jurisdicional superior.
Em caso nenhum, a lei erige a vontade de um juiz, ainda que invoque um interesse público, como motor com vista à sindicância de acto de outro juiz”.

Porém, poder-se-ia, eventualmente, considerar que, atento o estatuído no art. 21° do C.P.P.M., (onde se preceitua que a “incompetência do Tribunal é por este conhecida e declarada oficiosamente…”), nada impede que o juiz substituto, como foi o caso, se declare incompetente por considerar não existirem motivos para o impedimento que implicou a sua intervenção nos autos.

Porém, e com todo o respeito, também não se mostra de acolher este ponto de vista, pois que se nos afigura que o mesmo permite que entre pela janela aquilo que o legislador não quer que entre pela porta.

Com efeito, a “declaração de incompetência” por parte do Juiz substituto não deixa de ser uma “forma de sindicar” a anterior declaração de impedimento de outro Juiz, não se mostrando de olvidar o preceituado no art. 31°, n.° 1 do mesmo Código que prescreve que: “o despacho em que o juiz se considerar impedido é irrecorrível”; (sobre a questão, cfr., também Luís Osório in “Comentário ao C.P.P. Português”, 2° Volume, pág. 249, e, perante situação análoga, o Ac. do S.T.J. de 29.01.2003, C.J./Ac. S.T.J., Ano XXVIII, T. I, pág. 173 a 175).

Dito isto, e clara nos parecendo a solução, resta decidir.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, acordam determinar que o Mmo Juiz substituto da Mma Juiz do 4° Juízo Criminal passe a intervir como Juiz Titular nos Autos de Processo Comum Singular n.° CR4-13-0297-PCS.

Sem tributação.

Dê-se observância ao estatuído no art. 27°, n.° 4 do C.P.P.M..

Macau, aos 10 de Outubro de 2013

  José Maria Dias Azedo
  Tam Hio Wa
  Chan Kuong Seng (vencido nos termos da declaração junta).
  

Declaração de voto ao Acórdão de 10 de Outubro de 2013 do
Tribunal de Segunda Instância no
Processo n.º 498/2013
Discorda o signatário da decisão feita no Acórdão hoje proferido por este Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos de conflitos de competência e de jurisdição n.o 498/2013, por razões seguintes:
– segundo o douto Acórdão de 10 de Abril de 2002 do Processo n.º 4/2002 do Venerando Tribunal de Última Instância, a ilegalidade da declaração de impedimento pode ser apreciada em processo disciplinar ou em inspecção judicial com vista à atribuição de classificação de serviço;
– entretanto, o processo disciplinar e a inspecção judicial não conseguirão remediar em sede própria, dada a impossibilidade da reposição da situação in natura, a ofensa ao Princípio do Juiz Natural causada por uma declaração de impedimento de juiz eventualmente não legalmente fundada;
– não é, pois, por acaso que o art.º 21.º do Código de Processo Penal (CPP) impõe ao tribunal o controlo oficioso da questão da sua competência no processo, enquanto não houver trânsito em julgado da decisão final;
– daí que in casu, não seria pelo mero facto de a M.ma Juíza Dr.ª A se ter declarado impedida no julgamento dos subjacentes autos penais, que o M.mo Juiz Dr. B passaria necessariamente a ter que julgá-los como substituto legal daquela, pois teria ele o direito, legitimado pelo art.º 21.º do CPP, de suscitar oficiosamente a questão de eventual ilegalidade da fundamentação invocada na declaração de impedimento daquela;
– outrossim, haveria que notar que a regra de irrecorribilidade do “despacho em que o juiz se considerar impedido”, vertida no art.º 31.º, n.º 1, do CPP, não seria impeditiva do exercício do tal direito legitimado pelo dito art.º 21.º, porquanto não foi empregue a expressão “insindicável” na redacção legiferante do n.º 1 do art.º 31.º, mas sim a expressão “irrecorrível”, adjectivo este que é inócuo para qualquer juiz que tenha que desempenhar as suas funções públicas jurisdicionais no processo, já que o mecanismo de recurso tem por destinatários, mesmo em termos gerais falando, e em relação a todo o tipo de decisões judiciais cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, as pessoas previstas no art.º 391.º, n.º 1, do CPP;
– dest’arte, deveria o Tribunal de Segunda Instância apreciar directamente a ilegalidade, ou não, da fundamentação da declaração de impedimento em causa, através dos presentes autos de conflitos de competência e de jurisdição, como sede processual capaz de fazer reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse havido qualquer eventual declaração ilegal de impedimento.
Macau, 10 de Outubro de 2013.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng

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