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Processo nº 537/2013
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 10/Outubro/2013
   
   
   Assuntos:
- Arresto; alteração do objecto sobre que incide
    
    
    SUMÁRIO :
    
    Na impossibilidade de efectuar o arresto sobre um direito de aquisição de determinada fracção, nada impede que o requerente do arresto, para garantia do seu crédito, no mesmo processo, venha pedir o arresto de um direito de aquisição sobre a mesma fracção, por parte do devedor, ainda que baseado noutro título.
    
O Relator,

João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 537/2013
(Recurso Civil)
Data : 10/Outubro/2013

Recorrente : A

Recorrida : Despacho que indeferiu ampliação do arresto
       ao direito de novo contrato

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
 A, requerente no processo acima referido e melhor identificado nos autos, vem recorrer do despacho que indeferiu o arresto do direito por si apresentado, tendo alegado em síntese conclusiva:

I. O recorrente entende que o tribunal não estava em condições de reconhecer que o requerido e a respectiva companhia celebrou o “novo contrato” e que o requerido adquiriu o “novo direito”. Quanto ao julgamento deste facto, deve o tribunal a quo proceder às necessárias diligências instrutórias, e fazer a decisão depois de obter provas suficientes. Pode o requerente, ao abrigo do disposto no art.º 742.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, pedir para praticar actos necessários incluindo os de investigação. Por isso, deve o tribunal superior revogar a sentença do tribunal a quo e mandar proceder às diligências instrutórias requeridas pelo requerente;

Se assim não for entendido,
II. O recorrente entende que aparece neste processo a substituição da identidade de promitente-comprador ou o aumento de valor do direito de aquisição resultante da promessa pelo aumento do sinal. Tudo isso é o processo de desenvolvimento natural e legítimo da actual compra e venda de bens imóveis, e o resultado necessário de cumprimento do contrato pelas partes.
III. In casu, não foram alterados o titular do direito de aquisição nem o objecto de promessa de compra, e não se verifica qualquer novo direito. Tendo confirmado que o requerido detém o direito de aquisição resultante da promessa da fracção autónoma sita no Edf. One Grantai, Bloco I, 10º andar A, e verificado o condicionalismo legal para ordenar a providência conservatória, a questão a resolver é como é que se proceder ao arresto.
IV. Nos termos do art.º 744.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, deve o tribunal solicitar o requerente a declarar se mantém o arresto ou desiste dele. Sob o pressuposto de o requerido deter, de sempre, tal direito de aquisição resultante da promessa, ou seja, ter sido dada como provada a detenção pelo requerido do crédito, o requerente pode, ao abrigo do disposto no art.º 742.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, requerer actos necessários, incluindo sem dúvida os de exigir B a indicar quem é o devedor neste momento, de requerer a investigação e de requerer ao tribunal que efectue notificação ao efectivo devedor neste momento.
V. Para além da referida disposição, à luz do art.º 747.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, quando a compra e venda chegar à fase de contrato prometido e entrega da coisa, a penhora do direito de aquisição passará, automaticamente, a incidir sobre a respectiva coisa, pelo que, mutatis mutandis, quando a respectiva companhia reconheceu que era o actual devedor, o arresto deveria passar a ser lhe efectuado.
VI. Mostra-se irrelevante à causa vertente a questão de que a referida companhia declarou que já tinha definido promessa de oneração hipotecária em relação à dita fracção autónoma, porque, primeiro, a hipoteca não existe antes de ser registada; segundo, in casu, o arresto incide sobre o direito e não o contrato, e sobre tal direito, não existe nem se pode constituir ónus hipotecário.
VII. Assim, a decisão feita pelo Juiz do tribunal a quo de recusar a averiguação das questões decorrentes da penhora de direitos, e de reconhecer que o presente processo não envolve o “novo direito” que o requerido acabou de adquirir, e em consequência, não fazer o arresto à respectiva companhia violou os art.ºs 742.º, 744.º e 747.º do Código de Processo Civil. Pelo que deve o tribunal superior revogar a sentença do tribunal a quo, reconhecer que a respectiva companhia é devedor e mandar emitir-lhe a notificação prevista pelo art.º 742.º do Código de Processo Civil;

Se assim não for entendido,
VIII. Se entender-se que a existência do novo contrato resulta no novo direito, não se impede o requerente de requerer a apreensão deste direito.
IX. Até ao presente, dos autos resulta que, pelo menos a XXX Real Estate Development Limited admite que o requerido C tem o direito de aquisição resultante da promessa da fracção sita no Edf. One Grantai, Bloco I, XXº andar A, sendo aquela companhia a destinatária de tal direito.
X. In casu, cabe ao requerente a nomeação de bens ao arresto. E o requerente tem o direito de requerer a substituição do arresto anterior pelo arresto de um outro direito.
XI. Segundo os dados constantes dos autos, torna-se inútil o arresto anteriormente notificado a B, e quando se verifica posteriormente o novo direito do requerido, deve-se autorizar a substituição correspondente.
XII. Porém, o tribunal a quo não autorizou tal substituição. Por isso, deve o tribunal superior revogar a sentença do tribunal a quo e, permitir ordenar o arresto do novo direito de aquisição conforme o requerimento ou o art.º 744.º do Código de Processo Civil.
XIII. Em princípio, tem o requerente direito de intentar uma outra acção, solicitando o arresto dos chamados “novo contrato” e “novo direito”.
XIV. Para garantir os efeitos alcançados pelo credor, e de acordo com os factos provados e o princípio da economia processual, não se deve intentar uma nova acção, e em contrário, deve-se resolver no presente processo todas as questões relativas ao arresto do direito de aquisição resultante da promessa da fracção autónoma sita no Edf. One Grantai, Bloco I, 10º andar A.
XV. A solução das questões é o arresto do direito de aquisição dos bens imóveis agora possuído pelo requerido.
XVI. Tal solução não está em oposição com qualquer facto provado nem contraria qualquer disposição legal. Pelo que deve o tribunal superior revogar a sentença do tribunal a quo, e permitir ordenar o arresto do novo direito de aquisição conforme o requerimento ou o art.º 744.º do Código de Processo Civil.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    II - Despacho recorrido
    
    É do seguinte teor o despacho recorrido:
    
    “Foi ouvido o requerente por despacho de fls. 146.
     Nos presentes autos, o Tribunal de Segunda Instância proferiu o Acórdão n.º 236/2013.
     Em cumprimento deste Acórdão e nos termos do artigo 3.º do CPC, foi ouvido o requerente por despacho de fls. 192. Em 10/06/2013, o requerente fez o requerimento de fls. 194 e ss.
     Por despacho de fls. 197, foi notificado o requerente para esclarecer sobre a sua pretensão.
     Em 24 de Junho de 2013, este requereu o seguinte através do requerimento constante de fls. 199 a 202 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
    1. Devido à alteração do destinatário objecto do arresto, procede à notificação necessária ao arresto às obrigadas do direito de aquisição declaradas nos autos;
    2. Caso seja impossível o arresto por qualquer motivo, incluindo a extinção dos crédito e obrigação originais,
    3. Dado que nos autos C tem, contra a XXX Real Estate Development Limited (XXX發展有限公司) e a Riseplus Limited, o “direito de aquisição resultante da promessa sobre a fracção autónoma do XX.º andar A do Bloco I do Edifício One Grantai, Taipa, Macau” (澳門氹仔大潭山壹號第一座XX樓A座), solicita que seja deferido o arresto do referido direito de aquisição e proceda à notificação às referidas duas obrigadas.
    Nos presentes autos, por decisão proferida em 20 de Setembro de 2012, foi decretado o arresto do direito de aquisição resultante do contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma A10, referido nos presentes autos (fls. 100 a 102).
    Este contrato-promessa é de 27 de Setembro de 2007 e o promitente-vendedor é B. Esta pessoa foi notificada e respondeu através da declaração de fls. 139, e disse que já foi cumprido o contrato. Através da resposta de fls. 145, XXX Real Estate Development Limited apresentou a resposta a dizer que em 9 de Novembro de 2012, foi celebrado um contrato-promessa com hipoteca a favor do Banco da China, sendo partes o requerido e a sociedade referida. Pelo exposto, tendo o contrato de 9 de Novembro de 2012 data posterior à data de decisão (20 de Setembro de 2012) proferida nos presentes autos, sendo diferentes as outras partes dos contratos em causa (B no primeiro contrato referido, e XXX Real Estate Development Limited e Banco da China no outro contrato), o contrato de 9 de Novembro de 2012 não é o contrato referido na decisão proferida, entendo que o arresto decretado nos presentes autos não pode abranger o direito do requerido no contrato celebrado em 09 de Novembro de 2012. Pelo exposto, indefiro os requerimentos do requerente.
    Notifique e D.N..”
    
    III - FUNDAMENTOS
    O objecto do presente recurso configura-se como uma questão muito simples e se traduz, no fundo, em saber se o credor que não conseguiu ver arrestado um direito de aquisição do devedor, por o contrato ter sido cumprido, o que soube aquando da efectivação do arresto, pode insistir com a apreensão de bens do devedor e se traduzem no direito de aquisição do mesmo bem.
    
    Não vemos que algo obste a essa possibilidade.
    
    O devedor A promete comprar X a B. No momento do arresto B diz que o contrato foi cumprido mas com terceiro. Mais tarde, o devedor B volta a prometer comprar a mesma coisa X, ainda que a outro promitente vendedor, ou por qualquer outra razão mantém-se o direito de aquisição primitivo. O que impede o credor de insistir com o arresto sobre o direito que se desenha integrar o património do devedor?
    Nos termos do artigo 596º do CC “Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.”
    Não vemos nada que obste a que o credor prossiga no seu propósito legítimo de perseguir os bens do devedor para garantir a sua dívida, independentemente do origem, da forma ou da pessoa de quem os adquiriu.
    Não vislumbramos no despacho da Mma Senhora Juíza qualquer razão válida que a tal obste, não sendo válido o argumento de que agora o direito é outro, de que as partes no contrato são diferentes, que este contrato promessa ocorreu já depois da sentença proferida. Nada disso obsta a considerar que os bens que integram ou tenham vindo a integrar o património do devedor garantam a dívida até à sua satisfação.
    Se os bens não existem, não são suficientes ou se mostra a sua natureza litigiosa, nada impede que o credor venha nomear novos bens, havendo que proceder em relação a eles conforme se actuou em relação aos bens primeiramente nomeados.
    Na insuficiência ou impossibilidade de penhora dos bens primeiramente nomeados nada impede que se indiquem novos bens em sua substituição, não havendo razões para distinguir entre essa possibilidade se a primeira nomeação couber ao executado e a situação em que tal nomeação caiba ao exequente.
    Indicando-se um novo direito a arrestar, importará que o devedor da obrigação se pronuncie sobre a sua existência de forma a apurar-se da impossibilidade do seu arresto ou da sua natureza litigiosa, devendo o Tribunal desenvolver as diligências adequadas à satisfação do interesse a salvaguardar, tudo como resulta dos artigos 720º, n.º 2 722º, n.º 1, 745º, n.º 3, 747º do CPC, ex vi artigo 351º, n.º 2 do mesmo código.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, revogando a decisão proferida, deve ser lavrado despacho em conformidade com o disposto no artigo742º do Código de Processo Civil.
    Sem custas por não serem devidas (artigo 2º, n.º 1, i) do RCT).
Macau, 10 de Outubro de 2013,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
537/2013 1/10