Proc. nº 416/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 10 de Outubro de 2013
Descritores:
-Penhora
-Suficiência de bens
-Direito de retenção
SUMÁRIO:
I - Na RAEM, em matéria de penhora de bens no quadro da garantia para cobertura do pagamento do crédito exequendo, o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso apenas se poderá entrever no art. 717º, nº1, quando ao executado se comete a faculdade de indicar bens suficientes para o pagamento do crédito do exequente e das custas processuais, ou no art. 720º, nº2, al. a), quando ao exequente se devolve o direito de nomeação de bens à penhora, sempre que, efectuada esta, se mostre manifesta a insuficiência dos bens penhorados. Ou seja, há nos preceitos citados uma intenção do legislador de se levar a penhora até ao limite da sua abastança em ordem ao pagamento da dívida, o que implicitamente significa que a ultrapassagem desse limite se afigura desrazoável, desadequada, desnecessária e talvez até excessiva.
II - De acordo com o art. 749º do CC, o titular do direito de retenção, enquanto direito real de garantia, tem o poder de não abrir mão da coisa enquanto se não extinguir o seu crédito (é o chamado poder de sequela). E enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar e, portanto, de a penhorar, visando obter o pagamento do devido.
Proc. nº 416/2013
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
Nos autos de “execução de sentença” que correram termos no TJB, com o nº CV2-02-0020-CAO-A, promovidos por A contra “Sociedade de Investimentos em Propriedades B Limitada” e C, veio este último deduzir oposição à penhora.
Por decisão de 05/12/2012 foi o incidente de oposição indeferido e é contra ela que o executado C se insurge no presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
«A. Tendo sido omitido nos autos o acto de pronúncia acerca da produção da prova testemunhal indicada na oposição da penhora fls. 369 e ss., verifica-se nulidade processual - art.º 147.º do Código de Processo Civil.
B. A nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação.
C. Assim sendo, no caso dos autos, cometida a supra identificada nulidade e arguida a mesma em tempo, importa, fazendo actuar o disposto no artigo 147.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, anular os termos processuais subsequentes ao momento em que se omitiu pronúncia acerca da produção da prova testemunhal indicada na oposição à penhora, e consequentemente da própria sentença recorrida.
D. O Tribunal a quo considerou que o valor dos bens penhorados não era excessivo por três ordens de razões.
E. Primeiro, porque considerou que a venda executiva ficava quase invariavelmente por valores substancialmente inferiores aos preços da venda no mercado.
F. Não se trata, porém, de um facto no qual o juiz possa fundar a sua decisão (art.º 5.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
G. Acresce que o que é normal em Macau, não é que preço obtido em venda judicial seja substancialmente inferior ao preço de mercado.
H. O que é normal é precisamente o contrário, dado que a venda judicial por proposta em carta fechada obriga os interessados a apresentar propostas de valor igualou superior ao de mercado, sob pena de não conseguirem comprar o imóvel pretendido.
I. Segundo, porque segundo os relatórios de fls. 393-394 e de fls. 395, o perito nomeado pelo Tribunal concluiu que o valor da fracção autónoma (habitação) é de MOP24,000,000.00 e o da quota indivisa (para estacionamento) é de MOP1,200,000.00.
J. Ora, se, de acordo com o perito nomeado pelo Tribunal o valor dos bens penhorados ascende a MOP25,200,000.00 - isto sem contar com a sua constante valorização e o benefício económico (correspondente ao valor locativo) que deles retira o exequente, e se o valor da dívida exequenda é de apenas MOP$12.047.680,00 + juros desde 1/06/2001 até integral pagamento, então, afigura-se evidente que o valor dos bens penhorados excede largamente o valor da dívida exequenda acrescido do das custas prováveis.
K. Terceiro, porque a fracção autónoma “A-17” do edificio “D Garden” está onerada com hipoteca de registo anterior ao registo da penhora.
L. Trata-se de um facto no qual o juiz não pode possa fundar a sua decisão por não ter sido alegado por nenhuma das partes (art.º 5.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), dado nenhuma delas ignorar que a referida hipoteca voluntária de fls. 118 inscrita há mais há mais de 20 anos a favor do Banco Tai Fung, S.A.R.L se encontra extinta.
M. Não obstante, o Tribunal a quo considerou que a hipoteca voluntária de fls. 118 desvalorizava os bens penhorados.
N. Sucede que desconhecendo-se - por completo - qual o valor actual da obrigação a que a referida hipoteca servia de garantia, ou se essa obrigação, entretanto, já se extinguiu, era impossível ao Tribunal a quo saber se e em que medida essa hipoteca contribuiu para desvalorizar os bens penhorados.
O. A decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre este ponto determinado da matéria de facto mostra-se, portanto, deficiente, pelo deve a sentença recorrida ser anulada nesta parte, com as legais consequências (art.º 629.º, n.º 4 do Código de Processo Civil).
P. Caso assim não se entenda, e porque saber (se ou em que medida a hipoteca voluntária inscrita em 21/05/1992 sob o n.º 5XX8 a favor do Banco Tai Fung, S.A.R.L desvaloriza os bens penhorados) se trata de um facto essencial para o julgamento da causa, requer-se ao Tribunal ad quem que determine que a decisão do Tribunal a quo sobre este concreto ponto da matéria de facto seja devidamente fundamentada (art.º 629.º, n.º 5 do Código de Processo Civil), nela se especificando os fundamentos de facto que foram decisivos para sua convicção - art.º 556.º. n.º 2 ex vi do art.º 246.º, n.º 5 do mesmo diploma.
Q. Por outro lado, a conclusão de que o valor dos bens penhorados não é excessivo em relação em valor da dívida exequenda, não tomou em conta o benefício económico - patente no actual valor locativo dos bens penhorados - que o exequente retira do seu gozo à margem do disposto no art.º 667.º, alínea b) ex vi do art.º 749.º, n.º 3 do Código Civil.
R. O qual, segundo os valores mensais disponibilizados na página electrónica http://www.malimalihome.net é de, pelo menos, HKD24,000.00/ano para o parque de estacionamento “C-38” e de HKD 336,000.00/ano para a fracção habitacional “A-17” do edifício “D Garden”.
S. Ora, a natureza gravosa da penhora deve confiná-la ao estritamente necessário para a satisfação do crédito exequendo e das custas da execução.
T. Sucede que o valor de mercado dos bens penhorados a fls. 101-101v ultrapassa largamente o valor da dívida exequenda (relatórios de fls. 393-394 e de fls. 395), sendo que, segundo a página electrónica da 置業媒體, o valor de mercado das fracções “A” dos pisos superiores do edifício “D Garden” (D花園), atinge já o preço de HKD 25,000,000.00 (MOP 25,750,000.00).
U. Pelo que, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 720.º do Código de Processo Civil, deve a penhora limitar-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, cingindo-se à fracção habitacional “A-17” do edifício “D Garden”, sob pena de sacrificar-se o justo equilíbrio entre os interesses das partes.
V. Por outro lado, a decisão recorrida incorreu em error in judicando por não ter tido em conta a mais do que previsível valorização na pendência da execução da fracção habitacional “A-17” e do parque de estacionamento “C-38” do edifício “D Garden” resultante da sua excepcional localização sobranceira aos lagos Nam Wan e da natureza luxuosa do próprio empreendimento.
W. A resposta ao ponto 4.º da oposição à penhora de fls. 369 e ss. afigura-se, portanto, deficiente, impondo a anulação da sentença na parte em que diz que não é possível concluir que o valor dos bens penhorados é excessivo.
X. Acresce que a nomeação excessiva dos bens pelo exequente (artigo 9.º da oposição à penhora) implica a falta do interesse processual por se tratar um meio desproporcionado para obter a tutela dos seus interesses, pelo devia o Tribunal a quo ter conhecido desta questão por força do art.º 563.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia - art. 571.º, n.º 1, alínea d) do mesmo diploma.
Y. Tudo visto, devia o Tribunal a quo ter ordenado o levantamento da penhora sobre o parque de estacionamento “C-38” por o actual valor de mercado da fracção habitacional A-17 do edifício “D Garden” ser, por si só, suficiente à prossecução da finalidade da execução».
*
O exequente nos referidos autos, A, respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
«I. Entende o Executado ter havido nulidade porquanto não foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo mesmo em sede de oposição à penhora.
II. O Executado, ora Recorrente, opôs-se à penhora por entender que o valor dos bens penhorados era excessivo;
III. Foi para prova desse argumento (o valor dos bens) que o Executado apresentou a sua prova, que consistiu no seguinte: “Assim, caso o Tribunal entenda necessário, requer a V. Exa. se digne proceder à inquirição das seguintes Testemunhas:[…]”; (destacados nossos)” e “Requer ainda a avaliação do valor de mercado da fracção habitacional “A-17” e do parque de estacionamento “C-38” do edifício “D Garden”, por um único perito a nomear pelo Tribuna”
IV. O Recorrente bem sabia que a indicação das testemunhas ficaria prejudicada com a realização da perícia, tendo indicado as testemunhas como uma alternativa, deixando ao Meritíssimo Juiz a quo a possibilidade de não atender a tal indicação de prova no caso de ser ordenada a avaliação (“... caso o Tribunal entenda necessário…”)
V. Correspondendo o objecto da prova a avaliação do valor dos bens em causa, e tendo o douto Tribunal a quo optado como meio de produção dessa prova pela perícia, está necessariamente prejudicada a audição das testemunhas arroladas pelo Executado.
VI. A realização dos dois meios de prova em simultâneo atentaria pois, contra os princípios da celeridade e economia processual.
VII. A arguição de uma nulidade por preterição de uma formalidade que o próprio Recorrente deixou ao critério do Tribunal a capacidade de aceitar ou não corresponde, salvo devido respeito por opinião diversa a um venire contra factum próprio, o que prejudica, por abusivo e ilegítimo, o conhecimento do vício arguido pelo Executado, ora Recorrente.
VIII. O requerimento de prova apresentado pelo próprio Executado, ora Recorrente foi aceite pelo Tribunal a quo, pelo que a prova do valor dos bens foi feito na modalidade apresentada pelo ora Recorrente.
IX. A lei processual não dispõe nem podia dispor sobre a não realização de prova alternativamente apresentada pela parte, precisamente porque a prova primariamente pedida foi realizada e concedida, pelo que não se verifica qualquer nulidade.
X. O Tribunal não iria proceder à audição das testemunhas arroladas a partir do momento em que optou pelo pedido principal apresentado pelo Executado e ora Recorrente, pelo que o recurso, com fundamento nessa pretensa irregularidade, a que o Recorrente apelida de nulidade, é manifestamente inoportuno.
XI. Se o Recorrente pretendesse impugnar a não audição das testemuhas, deveria recorrer do despacho do Tribunal a quo que ordenou a perícia e cujo relatório foi notificado ao ora Recorrente.
XII. Consistindo o objecto do presente recurso na discordância do Recorrente perante o valor dos imóveis constantes do relatório de perícia, o meio de impugnação do resultado de tal perícia nunca seria a audição das testemunhas apresentadas pelo Executado, como pretende o Recorrente ora defender, devendo tal impugnação isso sim ser efectuada por meio de reclamação nos termos do artigo 508º do Código de Processo Civil e, ad limine, por meio de segunda perícia a realizar nos termos do artigo 510º do Código de Processo Civil.
XIII. Termos em que o objectivo que o Recorrente pretende obter se encontra precludido pela falta de realização oportuna dos seus ónus processuais supra indicados.
XIV. De tudo o supra exposto resulta que o Tribunal a quo realizou devidamente todas as diligências necessárias a que se refere o artigo 754º do Código de Processo Civil sendo pois, válida e intocável a decisão que manteve a penhora.
XV. À data de 3 de Maio de 2013 os juros vencidos já perfazem a módica quantia de MOP$12,049,660.44, perfazendo o valor da dívida exequenda a quantia de MOP$24,097,340.44.
XVI. O Executado ainda não pagou a dívida pelo que há que atender ainda aos juros vincendos e ao valor das custas prováveis com estes expedientes apresentados pelo Executado, ora Recorrente.
XVII. O valor dos bens não é manifestamente superior ao valor da dívida exequenda.
XVIII. Ao fundamentar o recurso com base em excesso da penhora, o Recorrente não se socorreu do preceituado na Lei de Macau, porquanto ao contrário do que está previsto no Código de Processo Civil Português, o Código de Processo Civil de Macau não prevê o excesso de bens penhorados como fundamento de oposição à penhora.
XIX. Por tudo o exposto deverá o presente recurso ser julgado improcedente, devendo-se manter a decisão recorrida nos seus exactos termos».
*
Cumpre conhecer.
***
II - Os Factos
1 - Por sentença proferida no TJB, transitada em julgado, foi resolvido o contrato-promessa entre A e “Sociedade de Investimentos em Propriedades B, Limitada” e esta condenada a pagar ao primeiro a quantia de Mop$ 12.047.680,00, correspondente ao dobro do preço pago pelo mesmo, acrescido de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde 1 de Junho de 2001, reconhecendo-se ainda ao autor, sobre as fracções objecto do contrato-promessa, o direito de retenção até ao pagamento e satisfação do seu crédito.
2 - No mesmo TJB foi instaurada execução nº CV2 – 02 – 0020-CAO-A, tendo por exequente A, e por executados “Sociedade de Investimentos em Propriedades B, Limitada” e C para cobrança da quantia exequenda no valor de Mop$ 20.772,923,40.
3 - No dia 17 de Setembro de 2010 foi naqueles autos lavrado o seguinte «termo de penhora»:
«Em 17 de Setembro de 2010, na Secretaria Judicial do 2º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Base da R.A.E. de Macau, comigo Armando Capelo, escrivão judicial adjunto, compareceu E, casado, titular do BIRM nº 1XXXXXX(0) e com domicilio profissional em Macau, na Avenida da Praia Grande, nº 759, 3º andar, que nos presentes autos de EXECUÇÃO SUMÁRIA DE SENTENÇA (APENSO) registados sob o nº CV2-02-0020-CAO-A do 2º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Base da RAEM, em que é exequente A, residente na Estrada de Cacilhas, XX Garden, 13º andar “O”, Macau e executados SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS EM PROPRIEDADES B, LIMITADA, empresário comercial, c/ sede na Rua de XX, XX, Edifício XX Court, XXº andar “XX” e C, solteiro, maior, e residente na XX, nº XX, XXº andar “XX”, Macau, foi nomeado depositário judicial do seguinte bem anteriormente nomeado à penhora para garantia e pagamento da quantia exequenda de MOP$20.772.923,40 (vinte milhões, setecentas e setenta e duas mil, novecentas e vinte e três patacas e quarenta avos), juros vencidos, vincendos e custas da execução.
IMÓVEL
Fracção autónoma designada por “A-17, do 17º andar “A”, do prédio urbano com o n018 da Praça de Lobo de Á vila, inscrito na matriz predial da freguesia de São Lourenço sob o nº 072006, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 9739, a fls. 265 do Livro B26, onde se encontra registado em nome de C sob a inscrição número 32680G.
O depositário deu-se por entregue do referido imóvel, cuja guarda e administração lhe incumbe, ficando ciente de que a penhora o abrange com todas as suas pertenças, produtos, frutos e rendimentos.
Para constar se lavrou o presente termo que vai ser devidamente assinado».
4 - Penhorada foi também, para além dessa fracção habitacional A-17, a fracção destinada a aparcamento automóvel do edifício “D Garden” com o nº C-38.
5 - O executado C deduziu oposição à penhora nos seguintes termos:
«C, executado nos autos à margem referenciados, vem deduzir OPOSIÇÃO À PENHORA, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
OPOSIÇÃO À PENHORA
1.º
Como refere Teixeira de Sousa «a agressão ao património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que conduz a uma indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na manutenção do seu património».1
2.º
É que a penhora rege-se pelo princípio da proporcionalidade, pelo que não devem ser penhorados mais bens do que aqueles que forem suficientes para a satisfação do exequente.
3.º
Sucede que o valor de mercado dos bens penhorados ultrapassa o valor da dívida exequenda, dado que, por exemplo, segundo a página electrónica da F物業 o valor de mercado das fracções “A” dos pisos superiores do edifício “D Garden” (D花園) atinge já o preço de vinte cinco milhões de dólares de Hong Kong, sem parque de estacionamento (Doc. 1).
4.º
Por outro lado, a nomeação à penhora da fracção residencial e do parque de estacionamento do edifício “D Garden” pelo exequente não teve em conta a sua valorização contínua resultante da excepcional localização sobranceira aos lagos Nam Van e da natureza luxuosa do próprio empreendimento.
5.º
A crescente valorização do edifício “D Garden” transparece ainda da evolução positiva média de 55,88% do preço médio por metro quadrado verificada desde 2008 até ao fim do 3.º trimestre de 2011 para as fracções autónomas residenciais de que dá conta o “Boletim Económico de Macau”2
VI. CONSTRUÇÃO E IMÓVEIS
6. PREÇO MÉDIO POR METRO QUADRADO TRANSACCIONADO DAS FRACÇÕES AUTÓNOMAS RESIDENCIAIS E DOS ESCRITÓRIOS, SEGUNDO O IMPOSTO DE SELO
2008
2009
2010
2010 3ºT
2010 4ºT
2011 1ºT
2011 2ºT
2011 3ºT
Fracções autónomas residenciais
Macau
MOP
23316
23235
31016
30347
33397
38261
44269
36345
Península da Macau
MOP
21815
22803
28340
29517
29664
37159
42296
35416
Taipa
MOP
27904
24681
33278
29583
39876
33402
42457
38162
Coloane
MOP
20527
18360
60769
64087
64398
67484
70098
61893
Fracções autónomas escritórios
MOP
21314
21650
22857
23374
27078
27700
36618
34011
6.º
Esta evolução positiva média do preço médio por metro quadrado das fracções autónomas residenciais transaccionadas na Península de Macau atinge mesmo os 68,82% se se considerar o período desde 2008 (23 316 Patacas/m2) até ao fim do 4.º trimestre de 2011 (39.228 Patacas/ m2).
7.º
Com efeito, segundo a página 29 do “Boletim Económico de Macau” relativo ao quarto trimestre de 2011: O preço médio por metro quadrado das fracções autónomas residenciais da Península de Macau transaccionadas situou-se nas 39.228 Patacas, tendo aumentado 10,8%, em termos trimestrais, enquanto o da Taipa atingiu 45.057 Patacas, isto é, mais 18,1%, em termos trimestrais.
8.º
Pelo que também esta perspectiva real de valorização dos bens deverá entrar na ponderação dos interesses em causa3 à luz do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso4 que impõe a redução da penhora aos limites necessários à prossecução da finalidade da execução.
9.º
A nomeação excessiva dos bens pelo exequente implica a falta do interesse processual,5 dado que ele utiliza um meio desproporcionado para obter a tutela dos seus interesses, pelo que se requer a avaliaçª9 do valor de mercado dos bens pertencentes ao executado ora penhorados nos autos, designadamente da fracção habitacional “A-17” e do parque de estacionamento “C-38” do edifício “D Garden” por um único perito a nomear pelo Tribunal.
ERRO DE CÁLCULO
10.º
Por outro lado, segundo artigo 16.º do requerimento inicial, o valor os juros legais vencidos desde 1 de Junho de 2001 até 5 de Julho de 2010 é de MOP$8,725,243.43.
11.º
Sucede que o valor correcto é de apenas MOP$8,711,792.93, ou seja, de menos MOP$13,450.50, conforme resulta da tabela infra reproduzida:
Juros desde 1 de Junho de 2001 até 5 de Julho de 2010
Capital
Taxa de Juro
Período
Anos
Juros
12.047.680,00
9,50%
2001/6/1-2002/3/26
0,81
928.166,47
12.047.680,00
6,00%
2002/3/27-2006/7/6
4,28
3,091.467,70
12.047.680,00
9,75%
2006/7/7-2010/7/5
3,99
4.692.158,77
Juros Total
8.711.792,93
Capital 12.047.680,00
Juros 8.711.792,93
Total 20.759.472,93
12.º
Assim, dado que o valor dos juros vencidos indicado no artigo 16.º do requerimento inicial se afigura ter resultado de um simples erro de cálculo, requer-se seja o mesmo suprido nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 244.º do C.Civil.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que V. Exa. certa e doutamente suprirá, deve ser levantada a penhora sobre o lugar de estacionamento “C-38”correspondente a 1/82 da fracção AR/C do prédio urbano situado na praça de XX, n.º XX, descrito na Conservatória do Registo predial de Macau sob o nº 9739 a fls. 265 do Livro B26, por o actual valor de mercado da fracção habitacional A-17 do edifício “D Garden” já penhorada nos autos à ordem do Tribunal ser, por si só, mais do que o suficiente à prossecução da finalidade da execução.
Assim, caso o Tribunal entenda necessário, requer a V. Exa. se digne proceder à inquirição das seguintes TESTEMUNHAS:
1. 明, com domicílio na loja da F物業 sita na Rua XX n.º XX, ER/C, telefone 6XXXXXX5;
2. Ray, com domicílio na loja da F物業 sita na Rua XX n.º XX, ER/C, telefone 6XXXXXX8.
Requer ainda a avaliação do valor de mercado da fracção habitacional “A-17” e do parque de estacionamento “C-38” do edifício “D Garden”, por um único perito a nomear pelo tribunal».
6 - A decisão de indeferimento da oposição é a seguinte:
«Incidente de oposição à penhora.
Foi penhorado um bem imóvel (fracção autónoma de um prédio urbano) e uma quota indivisa da propriedade de outro (outra fracção autónoma do mesmo prédio destinada a parque de estacionamento automóvel).
O executado C veio deduzir oposição a tal penhora alegando que o valor dos bens penhorados é manifestamente excessivo em relação à obrigação exequenda.
A dívida exequenda excede vinte milhões de Patacas acrescidos de juros de mora contados sobre Mop. 12 047 680,00 desde 1/6/2001 até integral pagamento, excedendo-se já o total de MOP. 23 000 000,00.
Foi ouvido o exequente, que se opôs, e, como diligência instrutória que se afigurou necessária nos termos do art. 754º, nº 4, foi determinada a realização de prova pericial com vista a determinar o valor dos bens penhorados.
Analisados os elementos dos autos não é possível concluir que o valor dos bens penhorados é excessivo. Com efeito, em primeiro lugar, há que ter em conta que é normal a venda executiva não atingir os preços da venda no mercado, ficando-se quase invariavelmente por valores substancialmente inferiores. Em segundo lugar, é de ponderar que continuam a correr juros de mora sobre avultada quantia. Em terceiro lugar, é de ponderar que o Sr. Perito concluiu que o valor da fracção autónoma é de MOP. 24 000 000 e o da quota indivisa é de MOP. 1 200 000,00. Há ainda a ponderar que a fracção autónoma está onerada com hipoteca de registo anterior ao registo da penhora.
Improcede pois o incidente de oposição à penhora.
Custas do incidente pelo executado que deduziu o incidente.
*
Quanto à questão do cálculo dos juros de mora que o executado coloca.
Não é questão a apreciar a título incidental de oposição à penhora. Por outro lado, é na contagem do processo que vão ser determinados os juros em causa. Por tais razões, nada há a apreciar aqui e agora.
*
Notifique e aguarde o impulso processual.
05/12/2012».
7 - O perito nomeado pelo tribunal apurou que o valor da fracção autónoma é de Mop $24.000.000,00 e o da fracção destinada a aparcamento automóvel é de Mop $ 1.200.000,00.
8 - O valor dos juros calculados no requerimento inicial da execução ascende a Mop $ 8.725.243,43.
9 - A hipoteca voluntária sobre a fracção habitacional A-17 foi inscrita na respectiva Conservatória em 21/05/1992 sob o nº 5XX8 a favor do Banco Tai Fung SARL (fls. 118 da execução e fls. 154 dos presentes autos), tendo a penhora dessa fracção sido inscrita em 21/09/2010 (fls. 122 da execução e fls. 158 dos presentes autos).
***
III - O Direito
1 - Introdução
O executado, considerando que a fracção habitacional penhorada é mais do que suficiente tendo em vista a prossecução da finalidade da execução, pretendeu obter junto do TJB uma decisão que procedesse ao levantamento da penhora fracção C-38 correspondente a 1/82 da fracção AR/C destinada a aparcamento automóvel.
O tribunal, atendendo aos montantes da obrigação exequenda e dos juros, e concatenando-os com o valor dos bens penhorados, achou por bem não satisfazer o pedido do executado.
É essa decisão que ora se encontra sob escrutínio.
*
2 - Da nulidade da sentença
Começa o recorrente por deduzir a nulidade da sentença, em virtude de o despacho recorrido não ter alegadamente feito qualquer pronúncia sobre o pedido de produção de prova testemunhal.
Em nossa opinião, e como ele mesmo acaba por reconhecer, o caso não representa uma nulidade que possa subsumir-se à previsão do art. 571º do CPC. Não se pode dizer, efectivamente, que o despacho recorrido deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar. A questão que, alegadamente, ficou por tratar tem que ver apenas com o requerimento de produção de prova testemunhal, circunstância que, como se vê, tem cariz adjectivo e remonta a fase anterior à do momento em que o despacho em crise foi produzido. Quer dizer, antes de o tribunal decidir o que decidiu, talvez pudesse indeferir o pedido de audição das testemunhas arroladas e apresentar a justificação respectiva. Nada disso fez o dito despacho, é verdade. Contudo, isso não pode mudar a natureza da eventual irregularidade que a omissão representa. Ou seja, se a omissão tiver algum efeito jurídico, ela não pode reflectir um “ nomen” que se mostre adequado a diferente causa de invalidade. Queremos dizer é que a situação não pode ser tratada como sendo característica da nulidade de sentença nos moldes em que ela é tratada no art. 571º do CPC, mas eventualmente como nulidade processual6 por falta da prática de acto processual, nos termos da previsão do art. 147º do mesmo Código. Nulidade, de resto, que o recorrente integra na previsão dos arts. 147º e 151º do CPC.
Analisemo-la, pois, desse ponto de vista, a qual, atendendo à data da notificação da decisão (ver “Revisão” de fls. 81) e às férias judiciais do Natal de 2012, se pode dizer ter sido tempestivamente arguida7.
Quanto a nós, porém, a nulidade processual não existe.
Registe-se, em primeiro lugar, que o próprio recorrente no requerimento do incidente cometeu ao tribunal a tarefa de avaliação da necessidade de se proceder à inquirição delas. Ou seja, ao dizer “…caso o Tribunal entenda necessário, requer a V. Ex.a se digne proceder à inquirição das seguintes TESTEMUNHAS:” (negrito nosso), conferiu ao tribunal a livre ponderação acerca da melhor solução para a concreta pretensão formulada. Cremos, pois, que o requerente se despojou antecipadamente do direito de acometer qualquer decisão ou omissão sobre o assunto.
Ora, se o tribunal nada disse sobre o tema e avançou para a decisão do incidente apenas baseado na avaliação das fracções, é porque tacitamente julgou desnecessária a produção de prova testemunhal. A decisão sobre a desnecessidade está implícita!
Depois, é bom que se atente no objectivo do oferecimento das testemunhas. O que pretendia o recorrente? A resposta é: tentar fazer induzir o tribunal a considerar escusada a manutenção da penhora do direito à quota-parte da fracção para aparcamento automóvel, em virtude do elevado valor da fracção habitacional, portanto suficiente para garantir o pagamento do valor da dívida exequenda. Era essa a sua intenção.
E que era esse o seu intuito, resulta até mesmo do requerimento expresso, no sentido de que o tribunal procedesse à avaliação da dita fracção habitacional. Ora, parece-nos que sendo este o seu real propósito, a satisfação que o tribunal deu a esta pretensão só podia ter por consequência a imprestabilidade ou inutilidade da anterior. Isto é, a avaliação, forma mais eficaz de apurar o valor dos bens e direitos, tornou escusada a audição de testemunhas, a qual tinha, precisamente, o mesmo objectivo. Devemos, portanto, achar que a realização desta diligência ficou prejudicada.
E se assim julgamos, então cremos que a omissão, quer da decisão expressa sobre o pedido, quer da não realização da diligência instrutória, não produz qualquer efeito invalidante, na medida em que, nem uma nem outra, podiam já exercer influência no exame e decisão da causa, como é pressuposto na norma (art. 147º do CPC).
Improcede, pois, a arguição de nulidade.
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3 - Do mérito da decisão
O recorrente, depois da arguição da nulidade, passa em revista cada um dos três fundamentos expostos no despacho. No fundo, e como já se disse, o que o recorrente pretende é ver reduzido o elenco dos bens penhorados por excessivo o seu valor somado, face ao inferior valor da dívida.
Vejamos as razões da discórdia.
3.1 - Quanto ao primeiro fundamento (não é possível concluir que o valor dos bens penhorados é excessivo) o recorrente considera, desde logo, que esse não era um facto no qual o juiz pudesse fundar a sua decisão, face ao disposto no art. 5º, nº2, do CPC.
Ora, este argumento não colhe o nosso aplauso, na medida em que o juiz se limitou a formular um juízo acerca da alegada suficiência da fracção habitacional penhorada. O recorrente achara que sim no requerimento de oposição sem mais elementos do que os que emanavam da sua percepção. Ora, o senhor juiz fez o mesmo, mas em sentido contrário ao do requerente. Só que o magistrado, pelo seu lado, serviu-se, não apenas baseado no seu juízo empírico, mas alicerçado já no valor dos bens em causa após a diligência que mandou fazer e de que resultou o laudo do perito nomeado para a avaliação.
Portanto, trata-se de uma conclusão judicial que repousa sobre dados obtidos no processo a partir do seu “munus” inquisitivo (art. 6º, do CPC), na sequência da posição da parte que deduziu o incidente. Portanto, não se aceita que o caso traduza o desrespeito do art. 5º, nº2 do CPC.
Depois, o recorrente acha que a normalidade em Macau é que o preço da venda judicial venha a ser igual ou superior ao do mercado, sob pena de os interessados não conseguirem adquirir o imóvel.
Ora, se este argumento foi utilizado para demonstrar que as coisas vendidas judicialmente atingem valores superiores aos do mercado, não cremos que a fundamentação utilizada seja eficaz. Antes de mais nada, também se nos afigura que o tribunal não andou necessariamente mal na ideia que exprimiu. Com efeito, a venda judicial, por via de regra, acaba por não atingir os valores do mercado, e, em vez disso, ficam abaixo dos padrões da aquisição contratual. Aliás, não convence o argumento de que os bens vendidos judicialmente, sob pena de não se conseguir a compra do imóvel, atingem valores superiores aos do mercado. E não se percebe bem a lógica deste argumento, na medida em que qualquer interessado preferirá comprar directamente junto do empreendedor ou do promotor de vendas, escolhendo o local, eventualmente a forma de pagamento e até o próprio preço, coisas que pelo tribunal não é possível alcançar. Por isso, no caso da venda judicial, ou não há interessados ou, se existem, tentam a aquisição por preço inferior ao valor real. É o que costuma acontecer.
Mas, seja como for, mesmo que esta não passe de uma mera opinião, sempre ao caso falta a prova de que aqui em Macau as coisas se passam diferentemente, o que o recorrente também não comprova. Ou seja, a uma ideia que o senhor Juiz tinha vazado no despacho impugnado, contrapôs o recorrente outra semelhante, sem a factualizar, nem demonstrar. E, portanto, neste sentido, tanto valerá a ideia, como a crítica; estarão no mesmo plano. O que vale dizer que o argumento do recorrente não serve para destruir a força do argumento do despacho.
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Quanto ao segundo (o senhor perito concluiu que o valor da fracção autónoma é de Mop$ 24.000,00 e da quota indivisa é de Mop$ 1.200.000,00).
Diz o recorrente: se os bens penhorados atingem a soma de Mop$ 25.200.000,00, e se o valor da dívida é de apenas Mop$ 12.047.680,00 mais os juros respectivos, então o valor dos bens penhorados excede largamente o da dívida, acrescido das custas prováveis.
Ora bem. É preciso começar por dizer que, ao contrário do que sucede com o CPC de Portugal, em que a penhora se deve limitar aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (art. 821º, nº3), no ordenamento jurídico de Macau tal limitação não consta expressamente da norma equivalente (ver art. 704º do CPC). Quer dizer, enquanto em Portugal o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso está muito claro no art. 821º, nº3, na RAEM a noção que daquele princípio evola apenas se poderá entrever no art. 717º, nº1, quando ao executado se comete a faculdade de indicar bens suficientes para o pagamento do crédito do exequente e das custas processuais, ou no art. 720º, nº2, al. a), quando ao exequente se devolve o direito de nomeação de bens à penhora, sempre que, efectuada esta, se mostre manifesta a insuficiência dos bens penhorados. Ou seja, há nos preceitos citados uma intenção do legislador de se levar a penhora até ao limite da sua abastança em ordem ao pagamento da dívida, o que implicitamente significa que a ultrapassagem desse limite se afigura desrazoável, desadequada, desnecessária e talvez até excessiva. Em boa verdade, para o caso interessam pouco os termos; importa é que a penhora, quando conduzida até à venda, se mostre capaz de resolver o intento da execução, que é o pagamento da crédito do exequente e custas respectivas, sem o sacrifício escusado da esfera patrimonial do executado.
O que se passa, então, nestes autos?
Acontece que os juros sobre a dívida inicial de Mop$ 12.047.680,00, até nas contas que o então requerente fez no incidente de oposição, ascendiam a Mop$ 8.711.792,93 (fls. 68 vº). O que significa que, mesmo na sua tese, em 5/07/2010 os juros e a dívida somavam Mop$ 20.759,472,93. Se, entretanto, tivermos em conta que três anos já decorreram desde a instauração da execução, e que a dívida exequenda continua a vencer juros até efectivo e integral pagamento, parece claro que aquele valor já foi largamente ultrapassado (em Maio de 2013, nas contas do recorrido, os juros atingiam já o valor de Mop$ 12.049.660,44). Só por este quadro de referência se alcança que o valor dos bens penhorados não é “excessivo” em relação ao valor da dívida e, em vez disso, está dentro dos padrões da razoabilidade e dos limites da decência garantística.
Mas o recorrente, com lucidez e pertinência, reconheça-se, trouxe-nos à reflexão um argumento novo e interessante: o do benefício económico que o exequente pode retirar do gozo dos bens penhorados, tendo em atenção o seu valor locativo, que, em cada mês, para a fracção residencial pode atingir Mop$ 28.000,00 e para o lugar de aparcamento automóvel, o valor de Mop$ 2.000,00.
Sim. Efectivamente, se o exequente (recorrido) pode usar as coisas retidas, simultaneamente está a gozar de bens que, no mercado, têm um valor locativo que ele deixa de pagar. Cremos que é nesse sentido que o recorrente faz uso de tal argumento, apoiado no art. 667º, al. b), “ex vi” art. 749º, nº3, do CC.
Bem. De acordo com o art. 749º do CC, o titular do direito de retenção, enquanto direito real de garantia8, tem o poder de não abrir mão da coisa enquanto se não extinguir o seu crédito: é o chamado poder de sequela9. E enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar e, portanto, de a penhorar, visando obter o pagamento do devido10.
Bem sabemos da existência de posições doutrinais que sustentam que o direito de retenção não vale para as situações de crédito resultante do dobro do sinal, por este ser um crédito geral ou comum, mas para os créditos indemnizatórios resultantes do aumento do valor da coisa11. Ou seja, nesta interpretação restritiva, a retenção teria que cobrir a diferença de valor com reporte ao momento actual dela. Mas, esta tese restritiva, que assenta numa conexão específica entre o direito de retenção e o crédito por ele garantido12, não é unânime entre os autores, não faltando quem opine que o direito de retenção existe independentemente de qualquer conexão, bastando que o credito se baseie na mesma relação jurídica de que deriva a obrigação de entrega da coisa13.
Porém, até nesta perspectiva o aumento do valor da coisa, incluindo o incremento que emerge do seu próprio valor locatício, em vez constituir travão para a penhora por causa do excesso de valor, serviria como razão acrescida para justificar a penhora. Isto é, mais a penhora se justificaria em virtude de a própria coisa ter aumentado de valor e, dessa maneira, constituir uma garantia para a satisfação desse crédito indemnizatório.
De qualquer modo, para lá da circunstância de a decisão exequenda ter reconhecido o direito de retenção, coisa que não mais se pode discutir, a verdade é que o argumento trazido pelo recorrente aqui não é válido, nem mesmo em tese geral. Com efeito, se foi reconhecido ao exequente o direito de retenção para garantir a cobrança do seu crédito (dobro do sinal e juros), então, da mesma maneira, essa garantia não pode ficar diminuída pela simples circunstância de a coisa ter entretanto aumentado de valor, tal como o crédito não seria beneficiado com nenhuma forma de compensação se ela tivesse diminuído de valor. Ou seja, o valor da coisa parece não dever entrar nesta ordem de considerações, na medida em que o exequente pagou o valor contratualizado na devida altura, obteve a tradição dela, e sempre terá agido como se fosse coisa sua (o “animus” de proprietário está, de resto, contemplado expressamente na resposta ao quesito 25, tal como resulta da própria sentença exequenda), usando-a ao longo do tempo, independentemente do valor que ela, entretanto, adquiriu ou independentemente do valor que pudesse ter perdido. O que está em causa é apenas o dobro do sinal e juros acrescidos. E se dela vai, porventura, despojar-se a troco do dobro do sinal que pagou, então até se pode dizer que vai “perder” uma coisa que entretanto se valorizou. Portanto, ainda que se tome este facto (valorização) como certo, não pode ele ver diminuída ou prejudicada a garantia da penhora que sobre ela já pende, só porque pode vir a ser vendida com aumento de valor, da mesma maneira que eventual flutuação para baixo do mercado habitacional não faria nascer na esfera do retentor/exequente mais do que o direito ao dobro do sinal, tal como peticionado na acção e como sufragado na respectiva decisão judicial.
Aliás, se até se entender que, no âmbito do seu direito de gozo, o retentor pode dar de arrendamento o objecto retido, enquanto seu administrador (art. 667º, al. a), CC) e pelo tempo por que durarem os respectivos poderes, com base no art. 1022º, nº1, al. c), do CC14, parece, por maioria de razão, que se lhe deve reconhecer a faculdade de poder continuar a usar pessoalmente a coisa (leia-se, no caso concreto, a habitá-la) pelo tempo da retenção e sem qualquer restrição, qualquer que fosse o seu valor locativo, caso estivesse no mercado de arrendamento, ou qualquer que seja o valor imobiliário actual.
De resto, até também se pode dizer que a detenção da coisa com aquelas características por parte do retentor, como se fosse dono dela, está para o direito que ora reclama (executar o bem retido), como o está para o rendimento que obteria do investimento do dinheiro adiantado para ela. Isto é, o argumento da valorização da coisa e do “benefício económico patente no actual valor locativo dos bens penhorados” não pode servir de impedimento à penhora de ambos os bens, já que para eles o retentor/exequente pagou o preço acordado num valor em dinheiro que podia ter sido aplicado noutro investimento. Ou seja, a remuneração do capital que poderia obter noutra aplicação, mas que não obteve devido à promessa de compra que dos bens penhorados fez, parece ter valia para anular qualquer argumento resultante do seu uso (que se não pode sequer dizer gratuito, pois que a pagou) por causa da retenção e pelo tempo da sua duração.
Pelo exposto, e porque não nos parece que haja aqui alguma desproporcionalidade entre valor de dívida exequenda e valor da garantia, somos a considerar que o argumento utilizado não pode vingar.
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Quanto ao terceiro (“Há ainda a ponderar que a fracção autónoma está onerada com hipoteca de registo anterior ao registo da penhora”), pensa o recorrente duas coisas:
- Ignora quais sejam os motivos para o tribunal verter tal fundamentação vertida no despacho sob censura, na medida em que a simples afirmação acima transcrita em itálico está desacompanhada de outra adicional argumentação;
- De qualquer maneira, também não está de acordo com a afirmação judicial, pois que a hipoteca constituída há mais de vinte anos está extinta.
Bem, efectivamente, este parece ter sido um fundamento de pouca monta para o caso. Com efeito, havendo conflito entre direitos de retenção e de hipoteca, ele seria resolvido segundo a regra da precedência da constituição de cada um deles, nos termos do art. 749º, nº2, do CC.
O recorrente diz que a hipoteca se encontra extinta, sim. Todavia, não explica a razão, a não ser mediante a fugaz referência ao prazo de 20 anos decorrido sobre a data da inscrição (ponto 23 das alegações). Ora, não se percebendo totalmente este argumento, resta-nos dizer que não parece que o art. 725º do CC, se a ele quer aludir, aqui preste auxílio à sua tese (uma vez que o registo da sua aquisição apenas teve lugar em 20/09/2001 (cfr. fls. 121 dos autos de execução; fls. 157 dos presentes autos), sendo até certo, por outro lado, que se não se mostra documentado que a hipoteca tenha sido cancelada nos termos dos arts. 14º e 50º do CRP (fls. 118 e sgs. do processo de execução; fls.154 dos presentes autos).
De qualquer modo, cremos que este argumento não se revelou essencial à decisão. Foi trazido ao despacho sindicado, em último lugar, como elemento lateral e adjuvante, na tentativa de adensar a ideia de que, afinal de contas, os bens penhorados não têm um valor excessivo que justifique o levantamento da penhora de um deles de forma a aproximá-lo do valor real da dívida exequenda.
Quer isto dizer que a aparente irrelevância do argumento do despacho não serve para minorar a força fundamentativa que, quanto ao mais, dele resulta. Por isso, não se torna necessário fazer uso do disposto no art. 629º, nº5, do CPC, como requerido.
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Pelo que vem de ser exposto, o recurso não merece ter êxito.
***
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
TSI, 10 / 10 / 2013
_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)
_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa -1997, pág. 140).
2 Co-edição da Direcção dos Serviços de Economia (DSE), Autoridade Monetária de Macau (AMCM) e Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) disponível in http://www.amcm.gov.mo.
3 Como refere Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pago 641) «a agressão ao património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que conduz a uma indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na manutenção do seu património».
4 Idem, pp. 628.
5 A propósito, Miguel Teixeira de Sousa, in ob. cit., pp. 628 e 642.
6 V.g., na jurisprudência comparada, o Ac. TCA/N, de 01/12/2012, proc. nº 00746/08.
7 Ac. STA de 7/10/2002, Proc. nº 025998
8 Luis M. Menezes Leitão, Direitos Reais, 2009, pag. 504; Cláudia Madaleno, A Vulnerabilidade das Garantias Reais, Coimbra Editora, pag. 79 e 101.
Na jurisprudência, ver Ac. TSI, de 2/06/2011, Proc. nº 755/2007; 29/07/2010, Proc. nº 826/2009; 22/05/2008, Proc. nº 729/2007; 7/03/2002, Proc. nº 153/2000; STA, de 23/03/2004, in BMJ nº 435/588; Ac. R. Ev., de 28/05/2008, in BMJ nº 477/588; STJ, de 24/02/1999, Sumários, nº 28/32; STJ de 13/01/2000, in BMJ nº 493/362; STJ de 4/12/2007, Proc. nº 07ª4060, dgsi.net, entre outros.
9 Ac. STJ, 13/01/2000, Proc. nº 99ª1078; 13/09/2007, 07B2256.
10 No direito comparado, ver Ac. STJ, de 8/10/1992, BMJ nº 420/495.
11 Luis M. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 7ª ed., pag. 248; António Menezes Cordeiro, Direito Civil Português, II, 2’010, pag. 402.
12 E …”só ateria conexão com o direito ao aumento do valor da coisa ou do direito, que é o único crédito resultante do não cumprimento que tem uma relação directa com a coisa a reter”: L. Teles Menezes Leitão, ob. e loc. cits.
13 Cláudia Madaleno, op. cit., págs. 197 – onde, por seu turno, também é citado Vaz Serra no mesmo sentido – e 200.
14 Cláudia Madaleno, ob. cit., pag. 154/155 e 163; J. Lourenço Soares, O direito de retenção “maxime” no contrato-promessa de compra e venda: aspectos substantivos e processuais, 1986.
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