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Processo nº 532/2013 Data: 26.09.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “burla” e “emissão de cheque sem provisão”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Pena.
Atenuação especial.
Cúmulo jurídico.
Suspensão da execução da pena.



SUMÁRIO

1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas se verifica “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”.

2. É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

3. A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

4. Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 532/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (XXX), arguido com os sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva, vindo a ser condenado como autor da prática em concurso real de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 3 do C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, e 1 crime de “emissão de cheque sem provisão”, p. e p. pelo art. 214°, n.° 1 do mesmo C.P.M., na pena de 9 meses de prisão.
Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena de 3 anos de prisão; (cfr., fls. 667 a 673-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, a final, e em sede de conclusões, afirmar, em síntese que o Acórdão recorrido estava inquinado com os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, imputando ainda a dita decisão vícios de aplicação da lei, na “qualificação jurídica dos factos” e determinação da(s) pena(s); (cfr., fls. 723 a 741).

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Respondendo, pugna o Ministério Público pela total improcedência do recurso; (cfr., fls. 745 a 750).

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Admitido o recurso, foram os autos remetidos a este T.S.I., com eles subindo um outro recurso pelo arguido interposto da decisão que, na sequência da sua condenação e do recurso que da mesma interpôs, lhe decretou a medida de coacção de prisão preventiva; (cfr., fls. 786 a 813-v).

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Em sede de vista, emitiu a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer com o teor seguinte:

“A, ora arguido dos presentes autos, foi condenado, pelo Tribunal Colectivo, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla de valor elevada p.° p.° pelo art.° 211 n.° 3 do C.P.M., na pena de 2 meses e 6 meses de prisão, e um crime de emissão de cheque sem provisão p.° p.° pelo art.° 214 n.° 1 do mesmo Código, na pena de 9 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, das penas parcelares na pena conjunta de 3 anos de prisão efectiva.
Posteriormente, foi decidida a aplicada de prisão preventiva ao recorrente, em 31/07/2013 pela Mm.a Juíza titular.
Inconformado com as decisões, vem recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, invocando vícios dos art.°s 400 n.° al. a) e c) do C.P.P.M. e imputando violação dos art.°s 40, 48 e 65 do C.P.M. ao douto acórdão do Tribunal Colectivo, bem como violação dos art.°s 189 al. a) e c), 186 n.° 1 al. a), 176 e 178 do C.P.P.M. à douta decisão da Mttm.a Juíza-titular.
Analisados os autos, entendemos que não se pode reconhecer razão ao recorrente, pois não se vislumbra que os doutos Acórdão e despacho ora recorridos tenham violado as regras e as normas legais acima mencionadas.
1. Em relação ao douto Acórdão recorrido
Relativamente à interpretação do vício previsto no art.° 400 n.° 2 al. a) do C.P.P.M., permitimo-nos, desde logo, citar os ilustres Acórdãos do T.S.I.:
"Se do teor da fundamentação fáctica do Acórdão recorrido, se retira que o tribunal seu autor já investigou todo o tema probando (constituído in casu apenas pela matéria fáctica descrita na acusação, por não ter sido apresentada contestação pelo arguido) com pertinência à decisão do mérito da acusação, não é possível ocorrer o vício aludido no art.° 400.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Penal." (Proc. n.° 666/2012, de 11/07/2013).
"O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia sobre matéria objecto do processo.
Verificando-se que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a "matéria que constituía o objecto do processo" dos autos, elencando a factualidade que do julgamento resultou provada e não provada, e fundamentando, de forma adequada, esta sua decisão, não existe "insuficiência"" (Proc. n.° 333/2013 de 04/07/2013).
No caso sub judice, o tribunal colectivo a quo apreciou toda a factualidade descrita no libelo acusatório, constituindo, de acordo com os factos dados como provados, o objecto probatório do processo o facto e o dolo do recorrente (cfr. fls. 668v. a 670).
Certo é de concluir que não existe tal insuficiência regulada no art.° 400 n.° 2 al. a) do C.P.P.M. com o douto Acórdão ora recorrido.
Por outro lado, como tem acontecido nos Proc. n.°s 933/2012, 779/2012 e 353/2013, tudo de 18/07/2013, e 666/2012 de 11/07/2013 do Tribunal de Segunda Instância, não se vislumbra a violação do art.° 400 n.° 2 al. c) do C.P.P.M. no douto Acórdão ora recorrido, uma vez que depois de analisadaos todos os elementos probatórios dos autos, não se verifica que, "ter julgado a matéria de facto como o fez concretamente no seu acórdão, tenha violado alguma regra da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou violado alguma norma jurídica cogente sobre o valor da prova, ou violado quaisquer legis artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, não pode o arguido recorrente vir sindicar gratuitamente a livre convicção a que chegou esse tribunal sob aval do art. ° 114.° do CPP", tendo em conta a possibilidade bastante suficiente para a convicção do Tribunal a quo, de acordo com os factos dados como provados, nomeadamente o engano do ofendido sobre a propriedade do apartamento em causa, provocado pelo registo predial apresentado pelo recorrente, bem como a passagem de cheque, ao ofendido, sem provisão necessária na conta bancária do recorrente, conjugados com as regras de experiência comum, nos termos do art.° 114 do C.P.P.M..
Entendemos ser muito correcta a convicção formulada pelo Tribunal a quo, embora com a nossa discordância do entendimento do concurso aparente entre os crimes de falsificação de documento de especial valor e de burla, subsumindo os factos para as disposições legais dos art.°s 211 n.° 3 e 214 n.° 1 do C.P.M..
Não vemos que o Acórdão recorrido padeça de qualquer vício imputado pelo recorrente, uma vez que o Tribunal a quo já se pronunciou sobre toda a matéria objecto do processo com base na qual foram apreciados e reconhecidos os factos provados e não provados, não havendo contradição entre a decisão e a fundamentação.
*
Como já foi demonstrado na fundamentação da decisão recorrida, tendo ponderado todas as circunstâncias e pressupostos previstos nos art.s° 64, 40, 65, 71 e 48 do C.P.M., inclusivamente as condições pessoais do recorrente (fls. 671v. a 672), entendemos que certo é o entendimento do Tribunal a quo quando condenou pena conjunta de 3 anos de prisão efectiva ao recorrente A.
Deve ser afastada a hipótese da suspensão da pena de prisão fixada ao recorrente, face à vida e à conduta anterior, de acordo com os seus antecedentes criminais na página 670 e seu verso, sendo impossível se afigurar qualquer prognóstico favorável ao comportamento do recorrente A.
São, sem dúvida, prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática dos crimes referidos que constituem risco para a tranquilidade e a paz social, bem como para o património do ofendido.
Por tanto, em sintonia com a digna resposta do M.P., reiteramos que não assiste razão ao arguido recorrente, em termos da medida da pena, por não haver mais espaço que permita reduzir a sua medida além da que decidiu o Tribunal a quo, não havendo lugar à aplicação do art.° 44 do C.P.M ..
Não pode, assim, ocorrer nenhum vício, nomeadamente do art.° 400 n.° 2 alíneas a) ou c) do C.P.P.M., nem violação dos art.°s 40, 48 ou 65 do C.P.M., no douto Acórdão, ora recorrido, do Tribunal Colectivo.
2. Em relação ao douto despacho de aplicação de prisão preventiva
Vejamos, simplesmente, os números dos registos criminais mencionados detalhadamente no douto Acórdão que o condenou, entendemos que seja completamente adequada a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido A, nos termos dos art.°s 176, 177, 178, 188 al. a, c, 186 n.° 1 al. b, tudo do C.P.P.M., tendo em conta as exigências processuais de natureza cautelar. Pois, não se consegue configurar uma confiança de não perturbação do decurso do processo nomeadamente a nível de veracidade de prova, e, de não perturbação da tranquilidade pública, existindo sim fuga ou perigo de fuga e continuação da actividade criminosa da mesma natureza.
No intuito de assegurar que o recorrente possa estar pessoalmente nos termos ulteriores do processo para fins de investigação, em prol da descoberta da verdade material necessário ser lhe imposta, ao abrigo do art.° 186.°, n.° 1, alínea a), em conjugação com o art.° 188.°, as alíneas a) e c), ambos do C.P.P.M., a medida coactiva máxima de prisão preventiva, visto que qualquer outro tipo de medida coactiva não privativa de liberdade não conseguirá realizar de modo adequado e suficiente as necessidades cautelares, tendo em linha de conta dos princípios da legalidade, da adequação e da proporcionalidade previstos nos art.°s 176 e 178 do mesmo Código.
É de concluir pela viável necessidade da aplicação da medida coactiva máxima de prisão preventiva ao arguido A.
*
Pelo exposto, deve ser dada improcedência ao recurso do arguido A”; (cfr., fls. 842 a 849-v).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 668-v a 670-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Dois são os recursos pelo arguido trazidos a esta Instância.

Um, o primeiro, tendo como objecto, a decisão ínsita no Acórdão do Colectivo do T.J.B. que o condenou nos termos referidos no atrás efectuado relatório.

O segundo, tendo como objecto a decisão que determinou que aguardasse a decisão do seu recurso em prisão preventiva.

Ponderando nas questões colocadas, e afigurando-se-nos que a improcedência do recurso do Acórdão condenatório acarreta a inutilidade do segundo recurso, vejamos.

3.1. Do “recurso do Acórdão”.

A final da sua motivação de recurso afirma o ora recorrente que “tendo em conta o supra exposto, e tendo em consideração os elementos de suporte da decisão em crise, cremos que, a decisão em crise padece irremediavelmente de erro de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova nos termos do art.° 400, n.° 2, al. a) e c) do Código de Processo Penal”; (cfr., concl. 46°).

Certo é também que, em sede das suas conclusões, imputa ainda à decisão recorrida “erros de direito”, na qualificação jurídica dos factos e na determinação da(s) pena(s).

–– E, nesta conformidade, começa-se desde já por dizer que nenhuma razão tem o recorrente quanto aos “vícios da decisão da matéria de facto”, a alegada “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e o “erro notório na apreciação da prova”.

Com efeito, como sabido é, o vício de insuficiência apenas se verifica “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 21.03.2013, Proc. 113/2013).

E, como sem esforço, de uma mera leitura ao Acórdão recorrido se mostra de concluir, o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que resultou provada, identificando a que não se provou, e fundamentando, adequadamente, esta sua decisão.

Por sua vez, temos repetidamente entendido que o vício de erro notório na apreciação da prova “existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 30.05.2013, Proc. n.° 293/2013 do ora relator).

E, evidente também se nos mostra que a decisão recorrida se apresenta como uma decisão “lógica”, de fácil compreensão, não se vislumbrando onde, como ou em que termos tenha o Colectivo do T.J.B. desrespeitado qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis.

Dest’arte, patente é a improcedência do recurso na parte em questão.

–– Continuemos, passando agora para aos alegados “erros de direito”, começando-se pela “qualificação jurídico-penal dos factos”.

Como se deixou relatado, foi o recorrente condenado pela prática em concurso real de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 3 do C.P.M., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, e 1 crime de “emissão de cheque sem provisão”, p. e p. pelo art. 214°, n.° 1 do mesmo C.P.M., na pena de 9 meses de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 3 anos de prisão.

É verdade que estava também acusado da prática de 1 outro crime de “falsificação de documentos”, tendo o Colectivo a quo considerado que este crime, como “crime meio” do crime de “burla”, estava “absorvido” por este último (“de burla”) pelo qual acabou condenado.

Perante uma decisão expressa nesse sentido, e não tendo o Ministério Público interposto recurso do assim decidido, cremos, independentemente do demais, que mais não importa acrescentar pois que se deve ter tal questão como “definitivamente arrumada”.

Nesta conformidade, e provado estando que o arguido, através da “falsificação de documentos” – alterando os dados de uma busca – simulou a qualidade de proprietário de 1 imóvel a fim de assim demonstrar capacidade financeira e lhe ser concedido um empréstimo de H.K.D.$100.000,00, o que conseguiu, agindo livre voluntária e deliberadamente, com intenção de assim obter benefício ilegítimo, o que efectivamente sucedeu, causando também prejuízo a terceiro, evidente é que incorreu no crime de “burla de valor elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 3 do C.P.M., (pois que o montante de H.K.D.$100.000,00, constitui, nos termos do art. 196°, n.° 1, al. a) do C.P.M., “valor elevado”).

Por sua vez, provado estando também que, posteriormente, após ter sido descoberto da sua falsa qualidade de proprietário, e tentando “abafar a coisa” emitiu ao ofendido um cheque no montante de H.K.D.$126.000,00, que apresentado a pagamento foi recusado por falta de provisão, tendo igualmente agido livre e voluntariamente e com conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por lei, pouco há a dizer quanto ao crime de “emissão de cheque sem provisão”.

–– No que toca às “penas”, vejamos.

Ao crime de “burla de valor elevado” cabe a pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.

Quanto ao crime de “emissão de cheque sem provisão”, é este punido com a pena de prisão até 3 anos ou multa.

Não sendo o arguido primário, e sendo antes possuidor de um (“notável”) C.R.C., com várias condenações em pena de prisão efectiva, correcta nos parece a opção pelo Tribunal a quo efectuada em relação às penas parcelares, optando por penas privativas da liberdade atento o estatuído no art. 64° do C.P.M..

Com efeito, no caso evidente se mostra que uma pena não privativa da liberdade não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição enunciadas no art. 40° do C.P.M..

No que tange à pretendida “atenuação especial”, e sendo que em relação à mesma tem este T.S.I. entendido que: “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 11.07.2013, Proc. n° 357/2013), também aqui claro é que motivos não há para se alterar o decidido pelo Tribunal a quo, já que de forma alguma nos parece de considerar a situação dos autos como uma “situação excepcional”.



Constatando-se também que agiu o arguido com dolo directo e intenso, e não se olvidando o seu “passado criminal”, impõe-se concluir que fortes são as necessidades de prevenção criminal especial, o que, atento o estatuído no art. 40° e 65° do C.P.M., nos fazem igualmente considerar que, face às molduras penais previstas para os crimes em questão, censura não merecem as penas parcelares fixadas, (de 2 anos e 6 meses e 9 meses de prisão) o mesmo sucedendo com o cúmulo jurídico efectuado, atento aqui o preceituado no art. 71° do C.P.M..

Com efeito, nos termos deste art. 71°:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”.

E, como vem este T.S.I. entendendo:

“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.10.2012, Proc. n.° 703/2012, e mais recentemente, de 07.02.2013, Proc. n.° 1010/2012)”.

No caso, ponderando os “antecedentes criminais do ora recorrente”, e atenta a sua personalidade, pela matéria de facto revelada, censura também não merece a pena única de 3 anos de prisão fixada.

Por fim, pronunciando-se sobre a suspensão da execução da pena tem este T.S.I. considerado que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 11.07.2013, Proc. n° 402/2013).

No caso, atenta a conduta do ora recorrente, e tendo também presente os seus “antecedentes criminais”, viável não se mostra o necessário juízo de prognose favorável o que, só por aí, implica a improcedência da pretendida suspensão da execução da pena única decretada.

3.2. Do “recurso da decisão que determinou que o arguido aguardasse a decisão do seu recurso do Acórdão condenatório do T.J.B. em prisão preventiva”.

No que toca a este recurso, ponderando no que se deixou decidido em relação ao recurso pelo arguido interposto do Acórdão, pouco se mostra de dizer, pois que com a integral confirmação da condenação do ora recorrente, inútil é a apreciação do recurso em questão.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso pelo arguido interposto do Acórdão do T.J.B., declarando-se inútil o conhecimento do recurso da decisão que lhe determinou que aguardasse em prisão preventiva a decisão do recurso do Acórdão.

Custas pelo arguido recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$6.000,00, (a adiantar pelo G.P.T.U.I.).

Macau, aos 26 de Setembro de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Choi Mou Pan
Proc. 532/2013 Pág. 26

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