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Processo nº 817/2012
(Revisão de Sentença do Exterior)

Data: 17/Outubro/2013

   
   Assuntos:
   
- Revisão de Sentença do Exterior

    
    SUMÁRIO :
    
    É de confirmar apenas parcialmente uma decisão dos Tribunais de Hong Kong, na exacta medida dos termos da carta de administração dos bens, e já não na medida em que a requerente pretende que lhe seja atribuída a titularidade sobre um determinado bem de Macau, se tal não consta da decisão revidenda, onde se estabelece quem deve administrar e distribuir os bens do falecido de acordo com a lei.
    
                O Relator,


(João Gil de Oliveira)

Processo n.º 817/2012
(Revisão de Decisões do Exterior)
Data : 17/Outubro/2013

Requerente : - A

Requeridos : - Interessado incerto
- Ministério Público

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO

A que declarou unilateralmente ser XXX, de acordo com o instrumento notarial lavrado em Hong Kong, (cfr. fls 10 dos autos), ora requerente do processo acima referido, mais bem identificada nos autos,
vem requerer contra
Interessado Incerto (doravante designado simplesmente por “1º requerido”); e
Ministério Público (doravante designado simplesmente por “2º requerido”).
Revisão de Decisões Proferidas por Tribunais ou Árbitros do Exterior de Macau,
alegando para tanto:

A requerente A é a esposa do falecido B. (Vide Doc.1 e Doc.2)

B faleceu em 30 de Abril de 2007. (Vide Doc.3: Pública-forma e tradução em língua chinesa do Termo de administração da herança)

Em 22 de Outubro de 2008, face à herança de B, o Juízo a quo do Tribunal Superior de Justiça da Região Administrativa Especial de Hong Kong emitiu o “Termo de administração da herança”, sob autorização n.º: HCAG004XXX/2008, cujo teor é: (vide Doc.3, para os devidos efeitos jurídicos, o respectivo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.)
“Fica notificado em 22 de Outubro de 2008 de que B, o então residente em Hong Kong, Kowloon (香港,九龍,窩打老道XX號,XXX,20樓層C單位), faleceu em 30 de Abril de 2007, sem ter deixado testamento, pois, conforme o Termo de administração da herança, as propriedades e os bens pessoais dele são integralmente adjudicados a A, residente em Hong Kong, Kowloon (香港,九龍,窩打老道XX號,XXX,20樓層C單位), que, consoante o juramento, irá administrar adequada e fielmente as propriedades e os bens em causa, usando os quais para pagar as dívidas razoáveis do falecido e repartindo, nos termos da lei, as propriedades e os bens remanescentes do mesmo, além disso, esta irá exibir um arrolamento preciso e integral de todos os bens e propriedades, bem como, caso necessário, irá confessar, nos termos da lei, honesta e justamente o caso.
Junto se remete uma cópia do balanço dos bens do falecido elaborado em 16 de Maio de 2008.
(Assinatura vide o original)
Subconservador
(Carimbo do Tribunal Superior de Justiça)”

O aludido Termo de administração da herança foi assinado pelo Subconservador e contém o carimbo do tribunal “carimbo do Tribunal Superior de Justiça da Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China (emblema)”; no verso de todas as folhas da cópia do balanço contém carimbo do tribunal “carimbo do Tribunal Superior de Justiça da Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China (emblema)”. (Vide Doc.3, para os devidos efeitos jurídicos, o respectivo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.)

Indicado no Termo de administração da herança – “as propriedades e os bens pessoais de B são integralmente adjudicados a A”. (Vide Doc.3, para os devidos efeitos jurídicos, o respectivo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; negrito, itálico e sublinhado nosso.)

Além da requerente, no “Termo de administração da herança” não se indicou qualquer outro herdeiro ou interessado;

Pelo que, segundo o “Termo de administração da herança”, a requerente A é a única herdeira.

O aludido Termo de administração da herança já transitou em julgado;

O Tribunal Superior de Justiça da Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China tem competência judicial para o conhecimento da causa da sucessão da herança do falecido B;
10º
Não se encontra nos tribunais de Macau a pendência ou decisão transitada em julgado da causa da sucessão da herança do falecido B;
11º
E, não se verifica a falta da citação dos requeridos ou a violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes;
12º
Perante a causa da sucessão da herança do falecido B, o seu Termo de administração da herança não infringiu a ordem pública de Macau.
13º
O falecido B tinha 1/6 dum bem imóvel na R.A.E.M., sendo uma fracção sita em Macau, na Rua da Colina, n.º AA, B1, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º AA. (Vide Doc.4)
14º
Os artigos 1199º e 1200º, bem como as disposições subsequentes do Código de Processo Civil previram a revisão de decisões proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau.
15º
Assim sendo, conforme a jurisprudência defendida pelo douto Tribunal de Segunda Instância, perante os casos semelhantes a este, nos processos n.ºs 195/2001, 40/2001, 214/2002, 156/2000, 203/2002, 262/2003, 177/2004, 97/2005, 277/2005, 130/2006 e 444/2010,
16º
Se o tribunal não verificar qualquer incompatibilidade com os requisitos legais previstos no artigo 1200º do Código de Processo Civil, e se, por não ser aplicável o artigo 1202º, n.º 2 do mesmo Código, a situação concreta da acção só for envolvida na revisão formal da decisão civil acima referida (mas não na revisão material dos fundamentos da decisão),
17º
O tribunal pode, na sequência da solicitação da requerente, deferir a confirmação da aludida decisão civil, respeitante ao Termo de administração da herança.
18º
Permitindo à referida decisão produzir efeitos jurídicos adequados na R.A.E.M.
19º
Nesta acção, a requerente é dotada de personalidade judiciária, de capacidade judiciária e de legitimidade, bem como é representada por advogado e tem interesse processual;
20º
O Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M. é competente para o conhecimento da causa.

Pelo acima exposto, vem requerer se:
    (1) Admita o presente requerimento e todos os seus anexos;
    (2) Defira o pedido da requerente, no sentido de confirmar a decisão respeitante ao conteúdo integral do “Termo de administração da herança” emitido pelo Juízo a quo do Tribunal Superior de Justiça da Região Administrativa Especial de Hong Kong, em 22 de Outubro de 2008, perante a herança de B,
    (3) Confirme que as propriedades e os bens pessoais de B são integralmente adjudicados a A,
    (4) Confirme a decisão de que A é a herdeira de B, e
    (5) Para os efeitos da aludida decisão, sejam citados todos os requeridos.

    O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.

Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.

III - FACTOS
   Nos autos vem documentado o seguinte:

   Em 23 de Novembro de 2004, por instrumento notarial lavrado em Hong Kong, a requerente A declarou ser a XX nos termos seguintes:
    
    “Através da presente escritura, eu, a signatária com assinatura abaixo, A, com domicílio na Waterloo Road n.º XX, XXX 20.ºC, Kowloon, Hong Kong, casada, renuncio a e abandono definitivamente o nome XX, que usava publicamente, adoptando o nome A a partir do dia da celebração da presente escritura.
    Devido à alteração de nome acima referida, declaro por este meio que vou usar e assinar com o nome mencionado A como o meu nome em lugar do nome abandonado XX, a qualquer momento e em qualquer ocasião, em todos os contratos registados e provas documentais escritas, bem como aquando de todos os actos, transacções, acções e processos jurídicas.
    Venho por este meio permitir e pedir a todos os indivíduos que se use apenas o nome reconhecido A ao tratar-me ou enviar-me correspondência.
    Para efeitos testemunhais, assino e carimbo pessoalmente, aos 23 de Novembro de 2004.”
    
    
    Certifica-se o seguinte, no respeitante ao casamento de B:
    
     “Cartório Matrimonial de Hong Kong
    Duplicado
    
    CERTIFICADO DE CASAMENTO
    PRESCRIÇÕES DE CASAMENTO
    
    Casamento solenemente realizado no escritório de registador em : CARTÓRIO DE CASAMENTO TSUEN WAN in Hong Kong.
    n.º de registo
    AI3482
    Data de casamento
    21 de Setembro de 1998
    
    Noivo
    Noiva
    Apelido e nome
    B
    A
    Idade
    43 anos
    42 anos
    Estado civil
    Solteiro
    Divorciada
    Classe ou profissão
    Comerciante
    Comerciante
    Residência no momento de casamento
    XX
    XX
    Apelido e nome do pai
    XX
    XX
    Apelido e nome da mãe
    XX
    XX
    Casaram-se no escritório de registador segundo as prescrições de casamento na minha presença.
    
    (assinatura)
    LEE Yuen-ching
    O registador-substituto de casamento
    
    O casamento foi celebrado entre (assinatura de B: vd. o original) e (assinatura de A: vd. o original)
    na presença de (assinatura indecifrável: vd. o original) e (assinatura indecifrável: vd. o original).
    N.º de auditoria: M 124XX
    
    Mais se certifica no que concerne ao procedimento sucessório que correu seus termos nos Tribunais de Hong Kong:
    
於香港特別行政區
高等法院
原訟庭

批准編號HCAG004762/2008

遺 產 管 理 書
    
    茲通知,於2008年10月22日, (B) ,前住所在香港,九龍,XX, 已死亡,死於2007年4月30日,無立遺囑,反遺產管理書他的全數所有個人物業和財產是批給與A,住所在香港,九龍,XX,她經宣誓妥善及忠實地來管理該等物業和財產,會用來支付該死者之合理債務並會按法律分配他的剩餘餘物業和財產,同時,會展示一份全數所有該物業和財產的真實和完整性的清單及有需要時會按法例從實和公正地交代。
    在,此附上立於2008年5月16日之一份死者的資產負責表副本。

(簽名)
副登記官
(高等法院印鑑)


表格編號N4.1

這是A誓言
所指證物“S-1" 發誓於2008年5月16日。
(簽名)
CHAN KAI .....
律師,香港SAR
T.S.Tong & Co.

死者在香港死當日的資產負責列表 (“列表" )

死者姓名 : B ( "死者")
香港身份證編號 : E632XXX(7)
死亡日期 : 2007年4月30日

A. 資產
1. 現金 (請指明數目) HK$ 無
(外幣,請指明: )
2. 銀行現金 HK$
(外幣、請指明: )

在中銀信用卡 (BOC Credit (International) Limited戶口:
(a) Visa白金卡戶口編號XX $0.00
(b) Mastercard白金卡戶口編號XX $408.00
(c) 人民幣信用卡戶口編號XX CNY $4,597.09

3. 保險箱 ……………………………… 無

(高等法院印鑑)

4. 股票,股份,認股權證及信託基金單位
(a) 以死者名字 ……………………. 持有
公司/信託 ……………….. 無

(b) 持有作保證用戶口與各銀行/經紀人 ………… 持有
公司/信託 ……………….. 無

5. 業務 ……………… 無

6. 家庭物品 (包括圖畫,珠寶,家具及其他) ………….. 無

7. 機動車及船隻
(機動車,請指明類型,登記牌子和製造年份)
(船隻,請指明船隻類型,准照編號及各船隻長度)
1 ) 私 家車登記編號EF7XX,製造年份 : 1994 ;
2 ) 摩托車登記編號LR84XX,製造年份 : 2004。

8. 土地及樓宇
(請按照土地註冊處對物業記錄的準確表述) ………….. 無

9. 保險單及強制性公積金帳戶
(請註明保險公司或基金,保險單及帳戶編號)
由 BOCI - Prudential Truste Limited按照方案
編號00024647213 應付的強制性公積金


(高等法院印鑑)

10. 據法權產
(包括欠死者的債務,累計租金,賠償,公用設施按金,在其他房地產之利息,索償等等) ………………………… 無

11. 死者以信託人或以租或堂經理身分持有的物業 (請按照土地註冊處對物業記錄的準確表述) ……………….. 無

12. 其他資產
(即,未被包括在上述各題目的物業) …………………….. 無

B. 負債
(債權人名稱) (債務或負責的描述) ………………… 無

注意
本列表是根據遺囑認誇及遺產它理條例 (第10章) 15A/24A/49AA11潔白申請人/ 遺囑執行人/遺囑管理人用宣誓書/正式書面陳述被確認。被披露的資訊準確性或其實性並未被遺產承辦處或高等法院確認,因按法律是無須這樣做。

警告
根據遺囑認證及遺產管理條例 (第10章) 第60J節,所有公司,銀行, 商行及店舖和其他人士,如被出示這列表副本時,任何未被列入列表中之死者財產不應作交易。
一個人如忽略遵守第60J節,會犯刑事罪並可招致罰款和附加的處罰。
日期: 2008年5月16日。

A
立誓人的簽名
A

(高等法院印鑑)

於香港特別行政區
高等法院
原訟庭

在B,己死亡,的遺產。

遺 產 管 理 書

由Yung,Yu,Yuen & Co提取 。1
    
    
    
    
    
    
IV - FUNDAMENTOS
    
O objecto da presente acção - revisão do processo sucessório que correu seus termos pelo Tribunal Superior de Hong Kong, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
1. Requisitos formais necessários para a confirmação;
2. Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
3. Compatibilidade com a ordem pública;
*
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”

    Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade2, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.

Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se um procedimento que correu seus termos pelo High Court de Hong Kong, Região Administrativa Especial da República Popular da China, de 29 de Maio de 2006, cujo conteúdo facilmente se alcança, em particular no que respeita à consubstanciação da administração dos bens do falecido B.

Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
    “O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
   Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
   É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
   Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.

2. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Maca
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um procedimento sucessório que decide quanto á administração de bens do falecido.

   3. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6 E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar é um procedimento que tem o valor naquela ordem jurídica decisório de reconhecimento da administração dos bens da herança relativamente aos dos bens do falecido, em que se traduz o supra mencionado juramento.
Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo também prevê esse instituto, tanto da habilitação dos herdeiros, o que parece não se mostrar claro no documento a considerar, como a administração dos bens da herança.
O pedido de confirmação do aludido procedimento com força decisória não deixará, pois, de ser procedente, mas tão somente na exacta medida dos termos da Carta de Administração da Herança de fls 14 dos autos.

Como está bem de ver, os pedidos formulados sob os n.ºs 3 e 4 da petição não podem ser acolhidos, na medida em que isso não resulta com clareza da dita carta de administração, onde se estabelece que A é apenas administradora, sendo-lhe entregues os bens do falecido para os administrar e distribuir de acordo com a lei, não se deixando até de observar que naquele procedimento, que correu seus termos em Hong Kong, na relação de bens apresentada, se declarou que não existiam propriedades (cfr. fls. 17), sem embargo de se poder admitir eventual conhecimento superveniente sobre a sua existência.

V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder a revisão e confirmar o procedimento e juramento com força decisória prestado perante o High Court da Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China, nomeadamente para efeitos de administração dos bens do falecido B, nos seus exactos termos, tal como consta do documento de fls 14 e 23, com tradução de fls 48.
Custas pela requerente.
Macau, 17 de Outubro de 2013
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
    
1 “No Juízo de Primeira Instância
    do Tribunal Superior
    da Região Administrativa Especial de Hong Kong
    
    N.º de aprovação: HCAG004762/2008
    
    Carta de Administração de Herança
    
    Avisa-se em 22 de Outubro de 2008 que B, anterior residente na Waterloo Road XX, Kowloon, Hong Kong, faleceu em 30 de Abril de 2007, sem ter deixado testamento. Segundo a carta de administração de herança, as suas propriedades e bens são concessionados na totalidade a A, residente na XX, Kowloon, Hong Kong. Ela já prestou juramento no sentido de administrar essas propriedades e bens de forma apropriada e leal, usando-os para pagar as dívidas justas do falecido e dispondo o remanescente em conformidades com a lei. Além disso, exibirá um arrolamento verídico e integral de todas as propriedades e bens e prestará conta isentamente com verdades nos termos da lei quando for necessário.
    Anexo aqui uma cópia do balanço exarado do falecido exarado em 16 de Maio de 2008.
    
    (assinatura)
    O registador substituto,
    (carimbo do Tribunal Superior)
    
    
    
    Formulário n.º N4.1
    
    Este é o objecto probatório “S-1”, indicado no juramento prestado por A aos 16 de Maio de 2008.
    (assinatura)
    CHAN KAI … ..
    Advogado, RAEHK
    T.S. Tong & Co.
    
    O balanço do falecido na data de falecimento em Hong Kong (“relação”)
    
    Nome do falecido: B (“falecido”)
    N.º do BIR de Hong Kong: E632XXX(7)
    Data de falecimento: 30 de Abril de 2007
    
    A. Activo
    1. Numerário (Favor indique o valor)
    
    HK$0
    (divisa,
    favor indique: )
    2. Numerário bancário
    HK$
    (divisa,
    favor indique: )
    
    Conta do cartão de crédito do Banco da China (BOC Credit (International) Limited): -
    (a) Conta de Cartão Visa Platina n.º XX
    $0,00
    (b) Conta de Cartão Mastercard Platina n.º XX
    $408,00
    (c) Conta de Cartão de crédito em RMB n.º XX
    (CNY4.597,09)
    $4.597,09
    
    3. Cofre
    Banco
    N.º de cofre
    Sucursal
    Conteúdo
    Não há
    (segundo a relação anexada)
    
    (verso em branco)
    
    (rubricas: vd. o original)
    
    (carimbo do Tribunal Superior: vd. o original)
    
    
    
    *****
    
    
    4. Acções, participações, capital social autenticado e unidade de fundo de fideicomisso
    (a) Em nome do falecido
    Detenção
    Empresa/Fideicomisso
    Não há
    (b) Detenção de contas garantidoras com bancos/correctores
    Contas n.º e
    Detenção
    Empresa/Fideicomisso
    Não há
    
    5. Serviço
    Nome
    N.º de registo comercial
    Não há
    Percentagem
    
    6. Artigos domésticos
    (incluindo pinturas, joalharia, mobília e outros)
    Não há
    
    7. Veículos motorizados e embarcação
    (veículos ligeiros, favor indique o tipo, número de matrícula e ano de fabricação)
    (embarcação, favor indique o tipo de embarcação, número de licença e comprimento de embarcação)
    1) Veículo particular, número de matrícula EF7XX, ano de fabricação: 1994;
    2) Motocicleta, número de matrícula LR84XX, ano de fabricação: 2004.
    
    8. Prédio e edifício
    (favor siga a descrição exacta constante do registo na Conservatória do Registo Predial)
    Não há
    
    9. Apólice e conta de reserva obrigatória
    (favor explicite o segurado ou o fundo, a apólice e o número de conta)
    Por BOCI – Prudential Trustee Limited Segundo o plano
    A reserva obrigatória vencida n.º 00024647213
    
    (verso em branco)
    
    (rubricas: vd. o original)
    
    (carimbo do Tribunal Superior: vd. o original)
    
    
    ***
    
    10. Direito a interesses legítimos
    (incluindo as dívidas a pagar ao falecido, rendas acumuladas, indemnizações, renda a título de caução de equipamentos públicos, juros incorridos em outros prédios, reclamações)
    Não há
    
    11. Propriedades detidas pelo falecido na qualidade de fiador ou de gerente de arrendamento
    (favor siga a descrição exacta constante do registo na Conservatória do Registo Predial)
    Não há
    
    12. Outros activos
    (ou seja, propriedades não incluídas em qualquer uma das rubricas acima listadas)
    Não há
    
    B. Passivo
    Nome de credor
    Descrição de dívida ou de passivo
    Não há
    
    N.B.
    A presente relação foi confirmada através de carta de juramento/alegações escritas formais por requerente/executante testamentário/administrador testamentário nos termos do art.º 15A/24A/49AA do Acto de Autenticação e Administração Testamentárias (Capítulo 10) (PROBATE AND ADMINISTRATION ORDINANCE). A exactidão e a veracidade da informação revelada não foram confirmadas por concessionária legatária nem pelo Tribunal Superior porque segundo a lei, isso não é obrigatório.
    
    Advertência:
    Em conformidade com a secção 60J do Acto de Autenticação e Administração Testamentárias (Capítulo 10), à exibição da cópia da presente relação, todas as empresas, bancos, estabelecimentos comerciais, lojas e outros indivíduos não pode fazer transacção com quaisquer bens do falecido não listados na presente.
    Quem viole a prescrição da secção 60J incorrerá em crime, o que motivará multa e castigos adicionais.
    Data: 16 de Maio de 2008
    
    A
    (assinatura da juradora)
    (verso em branco)
    
    (rubricas: vd. o original)
    
    (carimbo do Tribunal Superior: vd. o original)
    
    
    *****
    
    
    (rubrica: vd. o original)
    
    No Juízo de Primeira Instância
    do Tribunal Superior
    da Região Administrativa Especial de Hong Kong
    
    No que respeita à herança de B, o falecido
    
    Carta de administração de herança
    
    Levantada pela Yung, Yu, Yuen & Co.”
    

2 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002

3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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817/2012 1/23