Proc. nº 112/2013
(Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 10 de Outubro de 2013
Descritores:
-Residente permanente
-Residência dos familiares
SUMÁRIO:
I - Os requisitos substantivos para a aquisição da condição de residente permanente da RAEM encontram-se no art. 24º, al. 5), da Lei Básica e art. 1º da Lei nº 8/1999.
II - O art. 8º da referida lei limita-se a estabelecer o dever instrutório por parte do requerente interessado em obter o estatuto de residente permanente, que deve fornecer os elementos ali previstos para “referência” e “apreciação” do pedido.
III - A alínea 2), do nº2, do art. 8º não interfere com os requisitos substantivos do art. 1º e, por isso, a concessão do estatuto pretendido por um interessado casado, não pode ficar condicionada à residência na RAEM do cônjuge e seus descendentes menores.
Proc. nº 112/2013
(Recurso Contencioso)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
A, de nacionalidade irlandesa, titular do BIR não residente nº XXXXXXX(X), residente na Rua de XXX, nº XXX, “XXX”, Bloco I, Edif. XXX, XXº, “X”, na Taipa, moveu o presente recurso contencioso contra a decisão da Ex.ma Secretária para a Administração e Justiça datado de 9/01/2013, que lhe indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho do Director dos Serviços de Identificação, o qual lhe havia negado o estatuto de residente permanente da RAEM.
Disse em jeito de conclusão:
“a) Recorre-se do Despacho da Exma Secretária para a Administração e Justiça de 9 de Janeiro de 2013;
b) Estão reunidos os pressupostos processuais;
c) O Despacho recorrido enferma do vício de violação de lei, sendo, por isso, anulável”.
*
A entidade recorrida apresentou contestação, tendo-a concluído da seguinte maneira:
“1.ª) O artigo 2.º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 8/2002 (Regime do bilhete de identidade de residente da RAEM) estabelece que o bilhete de identidade de residente permanente da RAEM é concedido aos residentes permanentes da RAEM;
2.ª) De acordo com o estipulado no artigo 24.º, alínea 5) da Lei Básica e no artigo 1.º, n. º 1, alínea 9) da Lei no º 8/1999 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na RAEM), aplicáveis ao recorrente de nacionalidade irlandesa, não basta a residência habitual em Macau de pelo menos sete anos consecutivos para a obtenção da qualidade de residente permanente, necessário se torna o reconhecimento do domicílio permanente em Macau;
3.a) Ademais, os Serviços de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública, apenas informaram o recorrente que este «a partir da data em que completa 7 anos de autorização de residência (2012/9/15) deve dirigir-se o mais breve possível à Direcção dos Serviços de Identificação a fim de tratar das formalidades relativas ao seu documento de identificação da RAEM»;
4.a) Não menciona, por conseguinte, esses Serviços de Migração, que o recorrente tenha em Macau o seu «domicílio permanente»;
5.a) Deste modo, tornou-se necessário proceder-se ao «reconhecimento do domicílio permanente», conforme prescreve o artigo 80º da Lei n.º 8/1999, que impõe no n.º 1 que «ao requerer o estatuto de residente permanente, os indivíduos referidos nas alíneas 4) a 9) do n.º 1 do artigo 1.º devem assinar uma declaração em como têm o seu domicílio permanente em Macau»;
6.ª) Assim e tendo presente o estipulado no n.º 2 desse dispositivo legal, na declaração do recorrente, deveria constar ainda ser Macau o local da sua residência habitual e dos familiares próximos, nomeadamente o cônjuge e os filhos menores, bem como a existência de meios de subsistência estáveis ou o exercício de profissão em Macau e o pagamento de impostos nos termos da lei;
7.a) Tais elementos serviriam para referência da DSI na apreciação do requerimento, conforme previsto nesse n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 8/1999;
8.ª) Aliás nos termos da lei, a OSI tem poderes para verificar os requisitos necessários à emissão do bilhete de identidade de residente permanente (artigo 2.º, n.º 3 da Lei n.º 8/2002), de apreciar se o interessado reside habitualmente em Macau (artigo 5.º, n.º 2 da Lei n.º 8/1999) e como referido de apreciar o requerimento respeitante ao estatuto de residente permanente (artigo 8.º, n.º 2 da Lei n.º 8/1999);
9.ª) O recorrente declarou que nem o cônjuge, nem a filha «do not live or reside in Macau, have not applied for, and will not apply for Macau residency», e ainda que as mesmas «live in Ireland permanently»;
10.ª) O que sucessivamente confirmou à DSI e à entidade recorrida no recurso hierárquico que interpôs;
11.ª) Neste contexto, no âmbito dos poderes que lhe estão adstritos e no espaço da autonomia decisória, entendeu a DSI aquilo que mereceu a concordância da entidade recorrida e que indeferiu a pretensão do recorrente de reconhecimento do estatuto de residente permanente em Macau, atentas ao que se encontrava previsto na citada alínea 2) do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 8/1999;
12.ª) Por conseguinte, o acto aqui em crise não padece do vício de violação de lei por incumprimento do artigo 24.º, alínea 5) da Lei Básica e do artigo 1.º, n.º 1, alínea 9) da Lei n.º 8/1999, nem de qualquer outro preceito ou princípio jurídico, e bem assim não se vislumbram quaisquer outros vícios que inquinem a sua validade jurídica”.
*
Seguiram-se as alegações, que o recorrente terminou do seguinte modo:
“a) A Lei nº 8/1999, de 20/12, instituíu o “direito de residência” na R.A.E.M., segundo os princípios estatuídos na Lei Básica, promulgada no dia 31 de Março de 1993;
b) No Capítulo III da Lei Básica, sob a epígrafe “Direitos e Deveres Fundamentais dos Residentes” (da R.A.E.M.), determina-se, no art.º 24º, o conceito de “residente permanente”, referindo-se que, no que aos presentes autos importa, são residentes permanentes da R.A.E.M..
“ (...)
5 - As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente”;
c) O recorrente presume-se que tem “residência habitual” na R.A.E.M.;
d) E tem também “domicílio permanente” na R.A.E.M. porquanto assim o declarou e comprovou através dos elementos de referência que a D.S.I. (e a entidade recorrida) aceitaram como preenchidos pelo recorrente;
e) O facto da sua mulher - de quem está separada de facto desde 2004 - e a sua filha menor não residirem habitualmente na R.A.E.M. não retira ao recorrente aquela qualidade;
f) A entidade recorrida não pode intrometer-se na esfere privada do recorrente referindo que, se o recorrente se divorciar, “a situação de residência do cônjuge não será ponderada”;
Termos em que
Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e a consequente substituição de mesmo por outro que conceda ao recorrente o estatuto de “residente permanente” na R.A.E.M., com todas as legais consequências.
Assim se fazendo JUSTIÇA”.
*
A entidade recorrida concluiu as alegações mantendo todo o conteúdo da contestação oportunamente apresentada.
*
O digno Magistrado do MP opinou no seguinte sentido:
“Cremos ser inquestionável que, de acordo com boa interpretação do preceituado nos artºs 24º, al 5) da LBRAEM e 10, nº 1, al 9) da Lei 8/1999, normativos aplicáveis ao recorrente, de nacionalidade irlandesa, não bastará a residência habitual em Macau de, pelo menos 7 anos consecutivos, para a obtenção da qualidade de residente permanente, impondo-se ainda o reconhecimento do domicílio permanente em Macau, revelando-se competente para esse reconhecimento a DSI, nos termos do artº 8º do citado diploma.
De acordo com este normativo, ao requerer o estatuto de residente permanente, o recorrente assinou uma declaração em como tem o seu domicílio permanente em Macau, declaração essa onde, na perspectiva da recorrida e para preenchimento do postulado na al 2) do nº 2 do citado normativo, havia que constar, para referência da DSI na apreciação do requerimento, “Ser Macau o local de residência habitual dos familiares próximos nomeadamente o cônjuge e os filhos menores”.
A este propósito, manifestou, desde logo, o interessado que a sua mulher e filha vivem desde sempre na Irlanda e não têm a intenção de fixarem residência em Macau, esclarecendo ainda que se encontra separado de facto da mulher desde 2004 e que por questão de partilha e bens prefere não tratar do divórcio, sendo que a entidade recorrida acabou por denegar o reconhecimento pretendido por o recorrente não reunir “...os requisitos previstos na ai 2) do nº 2 do artº 8º da Lei nº 8/1999, o que torna impeditivo proceder ao reconhecimento do domicílio permanente em Macau do mesmo...”,
Afigura-se-nos evidente que o cerne da questão a delucidar assentará na interpretação a efectuar dos elementos (que a recorrida apelida de “requisitos”) a que se reportam as várias alíneas do nº 2 daquele artº 8º e, desde logo, apurar se se imporá, para o reconhecimento almejado, o registo cumulativo de todos eles.
Não nos parece.
A norma, ao falar em “elementos” a fornecer “para referência” da DSI na apreciação do requerimento, reporta-se a parâmetros, indicadores, sintomas, de que a entidade decidente se pode servir para aferir da conformidade da declaração prestada com a realidade e não de requisitos cuja ocorrência cumulativa seja inelutável para o reconhecimento pretendido.
Nesta conjuntura, se, relativamente aos elementos constantes das als 1), 3) e 4) se não vê como possa a Administração validamente fundamentar eventual reconhecimento, na ausência do registo respectivo, dada a objectividade das matérias ali abordadas, já quanto ao constante na al 2), aqui em causa, a questão se mostra bem diversa, dada a complexidade das relações humanas e, dentro destas, as familiares e maritais. E se, a ausência de tal elemento, isto é, no caso, não ser Macau o local de residência habitual do cônjuge e filha pode constituir motivo relevante para aquela falta de reconhecimento do domicílio permanente, no caso de se comprovar a existência de vida normal em comum, o mesmo já poderá não suceder, a mostrar-se conforme com a realidade a situação familiar relatada pelo recorrente, já que, essa situação, assim configurada, não poderá constituir sintoma de que não seja verdade o domicílio permanente do recorrente em Macau.
A menos que, configurando como inelutável, como requisito imperioso, ser Macau o local de residência habitual do cônjuge, a Administração pretenda não reconhecer o domicílio permanente a todos os elementos de casais que, separados de facto, vivem efectivamente e fazem a vida na Região, encontrando-se o cônjuge ausente, o que, convenhamos, dificilmente se compaginará até, com o âmbito dos direitos e deveres fundamentais consagrados na LBRAEM.
Nestes parâmetros, mostrando-se inquestionável que o recorrente tem a sua residência habitual em Macau por mais de 7 anos consecutivos, com preenchimento integral de todos os restantes elementos atinentes ao reconhecimento do domicílio permanente, a que a norma acima citada se reporta, haveria, em nosso critério, em nome da razoabilidade e senso comum, que apurar se a situação familiar específica apontada pelo interessado corresponderia ou não à realidade, já que não se tratando, como se defende, de “requisito” que haja inelutavelmente que preencher, o apuramento daquela situação se revelava crucial no escrutínio a empreender pela DSI, “...no âmbito dos poderes que lhe estão adstritos e no espaço de autonomia decisória...”
A este propósito, entendeu a Administração que, “Importa referir que, pela ausência de prova que se fundaria a separação de facto alegado unilateralmente pelo ora recorrente, numa situação em que se verifica ainda relação conjugal com a mulher, a DSI considera que o motivo invocado pelo ora recorrente não é razoável para justificar que os familiares próximos não residem em Macau” (sublinhado nosso), parecendo, com isso sugerir que competiria ao visado comprovar o que alegou na matéria.
Talvez assim seja. Mas tal não invalida que, não aceitando a recorrida a veracidade do declarado, se não impusesse a efectivação das diligências julgadas pertinentes para a averiguação respectiva.
Nos termos do nº 1 do artº 86º do C.P.A., “ O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito”, constituindo, pois, tal normativo a evidente concretização do princípio do inquisitório ou da oficialidade.
“O dever de instrução oficiosa em relação a todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para uma justa decisão do procedimento não significa que o instrutor não possa ter liberdade de determinação dos factos (dos pressupostos e dos motivos) de que depende legalmente a decisão do procedimento porque, quanto a isso, é a norma material (não a procedimental) que dispõe, ou no sentido da sua verificação obrigatória ou da discricionaridade da sua eleição.
O dever de instrução é, portanto, vinculado quanto ao conhecimento dos pressupostos legais (positivos ou negativos) da decisão do procedimento: não há, em relação a essa parcela procedimental, qualquer juízo de conveniência ou oportunidade, ditado por razões de justiça, muito menos de celeridade.
Só em relação a domínios onde exista discricionaridade “material” relativamente aos factos a tomar em conta na decisão, é que a extensão da instrução poderá ser comandada por considerações dessas.
Neste sentido, escreveu-se no acórdão do S.T.A. de Portugal, de 18/11/88 (in A.D. 323/1362) que “a falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da decisão afectará esta, não só se (tais diligências) forem obrigatórias (violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes, alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração poderia e deveria ter colhido (erro nos pressupostos de facto).
“Ou seja, as omissões, inexactidões, insuficiências e os excessos na instrução estão na origem do que se pode designar como um déficit de instrução, que redunda em erro invalidante da decisão, derivado não só da omissão ou preterição das diligências legais, mas também de não se tomar na devida conta, na instrução, interesses que tenham sido introduzidos pelos interessados, ou factos que fossem necessários para a decisão do procedimento.” (cfr Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, “ Código do Procedimento Administrativo, Comentado”, vol 1, pág 489 e 490).
No caso vertente, não sendo indiferente para boa decisão (a avaliar pelo trecho acima sublinhado) o escrutínio sobre a veracidade da situação relatada pelo recorrente, a ele haveria que proceder, quiçá com a colaboração do recorrente e seus familiares para o efeito. Assim não sucedendo, não se tomando em devida conta, ou pelo menos, não efectuando o devido apuramento de factos cujo conhecimento era manifestamente conveniente e necessário para uma justa decisão, encontrar-nos-emos face a déficit instrutório, a redundar em erro nos pressupostos de facto, invalidante da decisão punitiva.
Razão por que pugnamos pelo provimento do presente recurso”.
*
Cumpre decidir.
***
II - Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III - Os Factos
Julga-se assente a seguinte factualidade:
1 - O recorrente requereu - e foi-lhe concedida - a “residência temporária” na R.A.E.M., através do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (I.P.I.M.) (Proc. nº 1492/2005/O2R), ao abrigo do Reg. Administrativo nº 3/2005, de 4/4 que aprova, o “regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados”.
2 - Não obstante o disposto no art.º 5º daquele diploma, sob a epígrafe “Agregado familiar”, nunca o recorrente solicitou a autorização de residência para o seu cônjuge - de quem se encontra separado de facto desde 2004 - nem para a filha menor do casal.
3 - Tanto o cônjuge, como a sua filha permanecem, desde essa altura, na República da Irlanda, onde vivem permanentemente.
4 - A residência temporária do recorrente foi-lhe sendo sucessivamente renovada até à presente data;
5 - Altura em que recebeu dos “Serviços de Migração - Comissariado de Estrangeiros” uma guia, notificando-o de que “completou 7 anos de autorização de residência em 2012/09/15, e deve dirigir-se o mais breve possível à Direcção dos Serviços de Identificação a fim de tratar das formalidades relativas ao seu documento de identificação da R.A.E.M.”.
6 - Em 8.10.2012, o recorrente de nacionalidade irlandesa requereu, em impresso próprio, junto da Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) a renovação do Bilhete de Identidade da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) [a fl. 39 do processo administrativo - volume I (DSI)].
7 - Na mesma data declarou, o seguinte:
«Declaration Statement
Date: October 8th, 2012
I, A, holder of Macau I.D.#XXXXXXX (X), declare that my wife XXX, holder of Irish Passport #XXXXXX, and my daughter XXX holder of Irish Passport # XXXXXXX, do not live or reside in Macau, have not applied for, and will not apply for Macau residency. Both XXX and XXX live in Ireland permanently. I alone, A am applying for permanent residency status» [a fl. 45 do processo administrativo - volume I (DSI)].
8 - E em 10/10/2012 requereu o “estatuto de residente permanente”, apresentando a declaração respectiva a que se refere o art. 8º da Lei nº 8/1999, à qual juntou os seguintes documentos [conforme o citado documento a fl. 43 do processo administrativo - volume I (DSI)]:
- «Documents proving that applicant has ordinarily resided in Macao for a continuous period of not less than seven years from the day of this application (e.g. permanent resident permit or BIR»;
- «Documents proving that applicant has ordinarily and fixed accommodation in Macao, that is, proof of purchasing his own housing or renting the house of others (the latest contract and rent receipt for the past three months)»;
- «Proofs of being employed or having stable income in Macao (e.g. evidence of employment or any other source of income)»;
- «Tax paid in Macao as required by the Law».
9 - O Exmo. Director dos Serviços de Identificação, indeferiu o pedido do recorrente de residência na R.A.E.M. em virtude de “a maior parte dos membros do (seu) agregado familiar, o cônjuge e a filha, não residirem em Macau”.
10 - O recorrente apresentou recurso hierárquico para a Ex.a Secretária para a Administração e Justiça.
11 - Foi proferido nessa ocasião o seguinte parecer nº 49/GAD/2012 (fls. 15 dos autos):
“Exma. Senhora Secretária para a Administração e Justiça
Tendo esta Direcção de Serviços recebido em 23.11.2012, o recurso dirigido à Senhora Secretária para a Administração e Justiça, interposto pelo advogado Pedro Leal, na qualidade de procurador do Sr. A, contra a decisão da DSI, de 15.10.2012, que indeferiu o requerimento apresentado pelo ora recorrente, relativo à “Declaração em como tem o domicílio permanente em Macau”, cumpre a esta Direcção de Serviços prestar o seguinte parecer, nos termos do artigo 159.º do Código do Procedimento Administrativo:
I. APRESENTAÇÃO DE FACTOS
1. O ora recorrente, A, natural de Irlanda, onde nascido em XX de XX de 19XX, portador de passaporte irlandês, em 2005 requereu a residência em Macau por investimento, e foi autorizada a sua residência temporária em Macau, por despacho do Chefe do Executivo, de 16.09.2005.
2. Em conformidade com o aludido despacho do Chefe do Executivo, o Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública emitiu-lhe em 20 de Outubro de 2005 a Guia de Autorização de Residência (05-0XXXXXX-IPIM), e com base neste documento, o ora recorrente requereu à DSI, no mesmo dia (XX de XXX de 2005), a emissão do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente (n.º XXXXXXX(X) ).
3. Em 12 de Dezembro de 2011, o ora recorrente recebeu a notificação do Serviço de Migração do CPSP, informando do tratamento das formalidades relativas ao seu documento de identificação da RAEM, na DSI, a partir de 15 de Setembro de 2012, data em que o ora recorrente completa 7 anos consecutivos de residência em Macau.
4. Em 8 de Outubro de 2012, o ora recorrente requereu perante a DSI a emissão do Bilhete de Identidade de Residente Permanente e no mesmo dia prestou a “Declaração em como tem o seu domicílio permanente em Macau”, nos termos do previsto no artigo 8.º da Lei n. 08/1999.
5. Nos termos do artigo 8.º da Lei n.º 8/1999, para referência da DSI na apreciação do requerimento “Declaração em como tem o domicílio permanente em Macau”, o requerimento deve ser instruído com os seguintes elementos:
(1) Prova de que Macau é local da sua residência habitual;
(2) Prova de que Macau é local de residência habitual de familiares próximos, nomeadamente o cônjuge e os filhos menores;
(3) Prova da existência de meios de subsistência estáveis ou do exercício de profissão em Macau; e
(4) Prova do pagamento de imposto nos termos da lei.
6. Em 10 de Outubro de 2012, o ora recorrente apresentou à DSI os documentos acima referidos nas alíneas (1), (3) e (4) (designadamente: certidão de registo predial, provas de contribuição predial e imposto profissional e certidão de trabalho passada pela empresa “Jovita Digital Media”) e prestou declaração escrita sobre a situação de residência dos seus familiares próximos.
7. O ora recorrente afirma que a sua esposa, XXX, e a sua filha, XXX, que desde sempre vivem na Irlanda, não residem em Macau nem têm planos para requerer autorização de residência em Macau.
8. Pelo facto de os familiares próximos (cônjuge e filha) do ora recorrente não terem residência habitual em Macau, não estão satisfeitos os requisitos previstos no artigo 8.º da Lei n.º 8/1999, o que se torna impeditivo proceder ao reconhecimento de que o ora recorrente tem domicílio permanente em Macau. O ora recorrente foi notificado da decisão da DSI, de 15.10.2012, sobre a não aceitação da declaração por ele prestada em como tem o seu domicílio permanente em Macau (através do Oficio n.º 4045/DIR/2012 (W/P), datado de 17.10.2012).
9. Não concordando com a decisão da DSI, em 29 de Outubro de 2012 o ora recorrente solicitou, telefonicamente, à DSI um esclarecimento para saber por que motivo foi sido indeferido o seu pedido e explicou que ele e a sua mulher se separaram por muitos anos, justificando que caso venha a formalizar o divórcio, implicará a partilha de bens, sendo, por isso, que agora não podia tratar do divórcio. Em 6 de Novembro de 2012, a DSI notificou o ora recorrente, também por via telefónica, da manutenção da decisão do indeferimento.
II. ANALISE JURÍDICA
Nos termos do previsto na alínea 9) do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, ao ora recorrente é exigida a residência habitual por um período de 7 anos consecutivos em Macau e aqui tem o seu domicílio permanente para adquirir o estatuto de residente permanente, assim sendo, é imprescindível que o ora recorrente preencha cumulativamente esses dois requisitos: residência habitual em Macau por um período de 7 anos consecutivos e declaração em como tem o domicílio permanente em Macau.
Quanto ao segundo requisito sobre “declaração em como tem o domicílio permanente em Macau”, a Lei n.º 8/1999, no seu artigo 8.º (Reconhecimento do domicílio permanente),n.º 2, define:
“2. Na declaração prevista no número anterior, feita pelos indivíduos referidos nas alíneas 7), 8) e 9) do n.º 1 do artigo 1.º, devem constar, para referência da DSI na apreciação do requerimento, os seguintes elementos:
1) Ser Macau o local da sua residência habitual;
2) Ser Macau o local de residência habitual de familiares próximos, nomeadamente o cônjuge e os filhos menores;
3) A existência de meios de subsistência estáveis ou o exercício de profissão em Macau;
4) O pagamento de impostos nos termos da lei.”
Nestes termos, cabe à DSI proceder à consideração e análise completa dos documentos e alegações apresentadas pelo requerente para determinar se o requerente tem ou não domicílio permanente em Macau. No que se refere na alínea 2), de uma regra geral, o requerente e os seus familiares próximos residem normalmente no mesmo país ou região, por esta razão que a residência habitual dos familiares próximos do requerente é factor preponderante na análise para saber se o requerente tem ou não residência habitual em Macau. Quando existem razões especiais que justificam a ausência de Macau dos familiares próximos, como por exemplo encontra-se a submeter a tratamento clínico no exterior de Macau ou a necessidade de acompanhar os filhos menores a estudar no exterior de Macau, a DSI fará a análise em função das circunstâncias concretas.
Embora estejam satisfeitos os requisitos especificados nas alíneas 1), 3) e 4), o ora recorrente manifestou na declaração apresentada em 10.10.2012, nas alegações verbais de 29.10.2012 e no recurso interposto em 27.11.2012 que a sua mulher e a sua filha vivem desde sempre na Irlanda e não têm nem terão a intenção de fixarem residência em Macau. Manifestou ainda o ora recorrente que se separou da mulher há anos e por questão da partilha de bens não prefere tratar do divórcio, entretanto, numa situação em que se verifica ainda relação conjugal com a mulher, a DSI considera que o motivo invocado pelo ora recorrente não é razoável para justificar por que os familiares próximos não residem em Macau. De facto, a situação da residência da cônjuge não será ponderada se se verificar o divórcio.
Face ao exposto, o ora recorrente não reune os requisitos previstos na alínea 2) do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 8/1999, o que se torna impeditivo proceder ao reconhecimento do domicílio permanente em Macau do mesmo, pelo que a DSI decidiu não aceitar a declaração por ele prestada em como tem o seu domicílio permanente em Macau.
Face ao acima expendido, vimos, mui respeitosamente, solicitar a Senhora Secretária que mantenha a decisão da DSI.
12 - A Exma. Senhora Secretária para a Administração e Justiça (S.A.J.) manteve aquela decisão, nos termos seguintes (fls. 15):
“1. Concordo com a análise e os fundamentos constantes do presente Parecer.
2. Não aceitando a “declaração em como tem o domicílio permanente em Macau” prestada pelo recorrente, mantenho a decisão da DSI” (cfr. citado doc. nº 1).
***
IV - O Direito
O que está, simplesmente, em causa nos presentes autos é saber se o recorrente reunia os necessários requisitos para lhe ser reconhecido o estatuto de residente permanente da RAEM. O recorrente entende que sim e, na oportunidade, fez o respectivo requerimento. A Administração entende que não e, coerentemente, indeferiu a pretensão.
O acto impugnado estribou-se no despacho do Ex.mo Director dos Serviços de Identificação e, bem assim, no parecer que se seguiu à interposição do recurso hierárquico recaído sobre aquela decisão primária.
Basicamente, a Administração aceita que o requerente reúne os requisitos essenciais, achando, contudo, que ficou por provar o previsto na alínea 2) do art. 8º da Lei nº 8/1999.
Vejamos. Por muito que custe à economia das palavras do presente aresto, valerá sempre a pena verter nele as principais disposições do diploma que ajudem na resolução do caso.
Antes de mais nada, importa atentar no artigo 1º (os destaques a negro são da nossa autoria).
Artigo 1.º
Residentes permanentes
1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9).
2. O nascimento em Macau prova-se por registo de nascimento emitido pela conservatória competente de Macau.
Torna-se claro que para o legislador ordinário (assim como para o da Lei Básica, pois assim mesmo o determina o art. 24º, al. 5), a respeito do conceito de residente permanente), o período de sete anos é necessário e suficiente ao estabelecimento de um vínculo do indivíduo com a Região. É uma opção indiscutível. E se esse período atinge por igual várias categorias de pessoas, no que concerne àquela a que pertence o recorrente, cidadão de nacionalidade irlandesa, a disposição específica que se lhe aplica é a que emana da alínea 9). Trata-se, pois, de uma norma que define os requisitos substantivos necessários à obtenção do direito.
É claro que para a determinação da residência habitual apenas se deve atender à definição do nº1 do art. 4º, com a seguinte redacção: “1. Um indivíduo reside habitualmente em Macau, nos termos da presente lei, quando reside legalmente em Macau e tem aqui a sua residência habitual, salvo o previsto no n.º 2 deste artigo”.
Por conseguinte, a primeira conclusão a extrair é a de que qualquer pessoa, se tiver residido com carácter habitual1 em Macau por um período não inferior a sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, é considerado pela lei como “residente permanente”. Direito que pode perder caso se coloque sob a mira da previsão do nº2 do art. 2º da Lei, isto é, se deixar de residir em Macau por um período superior a 36 meses consecutivos2.
Mas o legislador, porém, não deixou de contemplar as situações em que, mesmo na hipótese de ausência, o interesse pode manter a sua condição de residente habitual para efeito da conservação do estatuto de residente permanente. São as circunstâncias consagradas no art. 4º, nº4. E entre elas, avulta a do “paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores” (art. 4º, nº4, alínea 4)).
Tem interesse citar esta norma, porque ela ajuda a revelar o espírito da lei. Este diploma não visa regular as relações familiares, nem é seu mister, sequer, prevenir os casos de reunificação familiar. É, simplesmente, um texto legal de ordem pública, que tem por escopo e missão a definição de um quadro jurídico dentro do qual se hão-de compor as situações da vida necessárias ao preenchimento da fattispecie erguida como fundamental ao estabelecimento do estatuto de residente permanente. Isso e nada mais, seguramente. Por isso, quando a alínea 4) do nº4 do art. 4º manda que a Administração se sirva do elemento ali previsto, o que está a fornecer é um subsídio de ajuda à densificação de uma situação concreta de residente. Isto é, para que ela possa concluir pela manutenção de um “status” de “residência habitual” de um qualquer interessado que tenha eventualmente estado “ausente”, pode socorrer-se de elementos vários, tais como “o motivo, período e frequência das ausências” (alínea 1)), a circunstância “se tem residência habitual em Macau” (alínea 2)), “o facto de ser “…empregado de qualquer instituição sediada em Macau” (alínea 3)) e, finalmente, “ o paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores” (alínea 4)).
Atente-se muito bem nisto: o próprio legislador prevê que alguém possa manter a “residência habitual” para efeito do estatuto de residente permanente, mesmo que se ausente temporariamente da RAEM por causa do paradeiro dos seus “principais familiares”, como são os “cônjuges e filhos menores”. Isto exemplifica com toda a clareza que para o legislador é indiferente que o interessado seja casado, viúvo, divorciado ou unido de facto. Qualquer que seja o seu estado civil, pode ser residente habitual da RAEM, independentemente das pessoas do seu agregado e do local onde elas residam. Sendo, porém, casado e tendo filhos menores, para efeito do preenchimento do conceito de residência habitual podem as respectivas ausências temporárias relevar ou não, tudo dependendo do caso concreto e do peso das circunstâncias específicas que nele intervierem. Tais ausências podem justificar-se, portanto, para visita dos membros do seu agregado que residam habitualmente noutro local do mundo.
Ora, sendo isto assim, haverá entre esta previsão legal e a do art. 8º, nº2, al. 2) alguma hipótese de colisão, ao ponto de nesta última se avistar alguma força que anule a primeira? Parece-nos que não.
Repare-se que, estando o recorrente na previsão da alínea 9), do art. 1º, vale a seu favor o que dispõe o nº1 do art. 8º, que estabelece: “ 1. Ao requerer o estatuto de residente permanente, os indivíduos referidos nas alíneas 4) a 9) do n.º 1 do artigo 1.º devem assinar uma declaração em como têm o seu domicílio permanente em Macau”. Isto é, qualquer pessoa que queira obter o estatuto de residente permanente, apenas tem que provar que ela (e só ela) tem residido permanentemente em Macau pelo período necessário para o efeito. É isto o que releva para a norma: o seu domicílio e não também o domicílio dos familiares. Consequentemente, não tem que provar que os seus familiares aqui têm residido em igualdade de circunstâncias, porque, de outro modo, isso seria o mesmo que reconhecer que o estatuto de residente permanente só pode ser concedido aos indivíduos que, sendo casados, tragam para a RAEM o seu agregado familiar mais próximo. E isso não o quis dizer, nem disse, seguramente o legislador, que não tem, sequer, legitimidade para interferir na vida pessoal das pessoas casadas, nem fazer alterar as suas condições de vida estabelecidas segundo os seus padrões de conveniência e de liberdade de determinação.
Dito de outra maneira, não resulta da norma que a Administração possa obrigar o cônjuge e os filhos menores do requerente a viver em Macau como condição da atribuição da residência permanente a este, se apenas ele pretende alcançar o referido estatuto. Se alguém residir permanentemente em Macau há mais de sete anos consecutivos (situação de facto real, única que interessa para efeito do art. 1º da Lei nº 8/1999), não é possível dizer que não reside permanentemente em Macau (para efeito do estatuto jurídico) apenas porque o cônjuge e filhos menores não vivem permanentemente em Macau. A lei não confere à entidade administrativa esse poder discricionário de conceder ou não conceder o estatuto a uma pessoa com base na situação dos seus familiares. A residência destes em Macau é apenas um elemento para “referência” e “apreciação” (art. 8º, nº2, lei nº 8/1999), eventualmente coadjuvante de uma mais rápida decisão, mas da disposição legal não se extrai poder discricionário no sentido de permitir decidir contra uma situação de facto que, isoladamente, integra a fattispecie do art. 1º do diploma. É claro que a Administração pode ter dúvidas sérias sobre se determinada pessoa, afinal de contas, tem ou não residido permanentemente em Macau durante o período mínimo necessário à obtenção do pretendido estatuto. E nesse caso, o reconhecimento (art. 8º, Lei 8/1999) pode ser mais problemático. Mas para isso é que servem as indicações, os elementos que o próprio interessado fornece e que, como se sabe, devem corresponder à verdade.
No caso de existirem dúvidas sobre se o interessado reside habitualmente em Macau, o Director de Serviços pode apreciar o facto nos termos do art. 4º, nº4 da mesma lei (cfr. art. 5º, nº2). Ou seja, o elemento do “paradeiro” 3 dos familiares mais próximos apenas pode ser utilizado em caso de dúvidas sobre se o interessado reside efectivamente e com carácter habitual em Macau. Mas, como já vimos, a ligação àquele dispositivo legal (o nº4 do art. 4º) serve para somente conferir à Administração o poder de averiguar da periodicidade de eventuais ausências do interessado e do tempo da sua duração quando faz qualquer deslocação ao exterior tendo em atenção o paradeiro dos seus familiares.
Ora, no caso em apreço à Administração nem sequer era possível apelar ao nº4, do art. 4º da Lei (em boa verdade não apelou no acto sindicado, embora o tenha feito na sua contestação), até porque ela mesma no Parecer transcrito no facto 11 reconheceu que o recorrente reunia a condição da alínea 1), do nº2, do art. 8º (“Embora estejam satisfeitos os requisitos especificados nas alíneas 1), 3) e 4), …”). Isto é, a própria Administração não tinha dúvida de que o recorrente tinha “residência habitual” em Macau nos termos em que o conceito é definido nos art. 4º da Lei, o que significa que não seria legítimo fazer uso do nº4, do art. 4º do articulado legal, visto que ele só é consentido como instrumento para os casos de dúvidas e para apreciação das ausências que possam ter por causa o “paradeiro” dos familiares mais próximos4.
Enfim, a disposição do nº2, do art. 8º tem, portanto, que ser lida em termos hábeis. Ela não define as condições ou requisitos para atribuição do estatuto de residente permanente, mas antes se limita a estabelecer o conjunto de elementos instrutórios que o requerente deve canalizar para o processo com vista ao “reconhecimento do domicílio permanente”, conforme resulta da epígrafe. Obviamente, deve demonstrar que Macau é o local da sua residência habitual (alínea 1)), que possui meios de subsistência estáveis ou que exerce profissão em Macau (alínea 3)), que efectua o pagamento dos impostos nos termos da lei (alínea 4)) e que, mas só se esse for o caso, os seus familiares próximos aqui também residem (alínea 2)). Trata-se, em suma e apenas, de um ónus instrutório que visa, precisamente, esclarecer a Administração se o requerente vive habitualmente em Macau sozinho ou acompanhado de outros familiares próximos, nomeadamente do cônjuge e dos filhos menores. De maneira nenhuma se pode transformar uma norma que tem um intuito procedimental meramente referencial e instrutório, numa outra que estabeleça os requisitos substantivos da atribuição do direito. Daí que se os familiares próximos do interessado não viverem em Macau (e só eles sabem se isso lhes convém ou é útil), o requerente não tem mais do que fazer tal indicação juntamente com a declaração em causa.
Ora, o requerente tinha indicado no procedimento administrativo (fls. 45, do p.a.) que vivia sozinho em Macau e que a sua esposa e filha continuavam a residir na Irlanda permanentemente. Cumpriu portanto, o seu dever de informação, concomitantemente instrutório, e não pode ser prejudicado por ter dito a verdade. À Administração era fácil concluir através dos registos fronteiriços de entrada/saída se tais familiares viviam na RAEM. E depressa teria oportunidade de confirmar a primeira parte da afirmação (a de que tais familiares não viviam em Macau). Mas, se pretendesse obter a confirmação da segunda parte (de que viviam na Irlanda ou de que os cônjuges se encontravam separados de facto)5, ainda que nem sequer isso fosse necessário ou indispensável à decisão, então restar-lhe-ia fazer uso do seu poder inquisitivo que emerge dos arts. 54º e 86º do CPA, tal como o evidencia o digno Magistrado do MP no seu parecer final6.
O que não podia fazer era extrair da norma em apreço (alínea 2), do nº2, do citado art. 8º) um efeito substancial constitutivo que geneticamente não tem, nem pode ter.
Consideramos, pois, que o fundamento de facto invocado pela Administração não podia constituir obstáculo à satisfação da pretensão do recorrente, que era a de lhe ser reconhecido o estatuto de residente permanente da RAEM.
Sendo assim, o acto em apreço violou a citada norma, bem como as dos arts. 24º, al. 5), da LB e art. 1º, al. 9), da Lei nº 8/1999, pelo que o recurso tem que proceder.
***
IV - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando o acto recorrido.
Sem custas.
TSI, 10 / 10 / 2013
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
Estive presente
Mai Man Ieng
1 O conceito de residência habitual vem plasmado no art. 4º da Lei.
2 2. Os residentes permanentes da RAEM referidos nas alíneas 9) e 10) do n.º 1 do artigo 1.º perdem o direito de residência se deixarem de residir habitualmente em Macau por um período superior a 36 meses consecutivos.
3 Melhor seria, em nossa opinião, substituir o termo “paradeiro” dos seus principais familiares, por “residência”.
4 Devemos até acrescentar que, tanto quanto nos parece numa primeira reflexão, as dúvidas a que se refere o nº2 do art. 5º são aquelas que podem surgir após a concessão do estatuto, pois assim parece resultar da conjugação com o nº1, que, como se vê, é referido aos casos em que alguém é já portador do BIR.
5 Mas nem tal era necessário para a concessão da residência permanente do requerente.
6 M. Esteves de Oliveira, Pedro Costa e J. P. Amorim, in Código de Procedimento Administrativo, pág. 306-310 e 419-420; Na jurisprudência local, ver Ac. TSI, de 27/02/2003, Proc. nº 78/2001; 27/03/2003, Proc. nº 193/2000; 19/02/2004, Proc. nº 41/2003.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------