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Processo nº 614/2013 Data: 07.11.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “auxílio”.
Erro notório na apreciação da prova.
Qualificação.



SUMÁRIO

1. O vício de “erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.

De facto, “é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”.

Não bastam umas (meras) “dúvidas pessoais e subjectivas” assentes em “possibilidades ou probabilidades” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova.

2. Provado não estando o pagamento de qualquer quantia ou vantagem patrimonial ao arguido ou a terceiros, em causa está apenas o crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 614/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A e B, (1° e 2°) arguidos, como co-autores da prática de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004 de 08.08, na pena individual de 2 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 222 a 227 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido recorreu o Ministério Público e o (2°) arguido B.

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O Ministério Público, pedindo a condenação dos (1° e 2°) arguidos como co-autores da prática de 1 crime de “auxílio (agravado)”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 (e não n.° 1) da Lei n.° 6/2004, imputando o (2°) arguido B à decisão recorrida, o vício de “erro notório na apreciação da prova”, (pedindo também a renovação da prova), e “excesso de pena”; (cfr., fls. 244 a 249 e 276 a 294).

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Após respostas aos recursos e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer pugnando pela procedência do recurso do Ministério Público e improcedência do recurso do (2°) arguido; (cfr., fls. 364 a 367).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 223-v a 225-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Dois são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..
Um do Ministério Público, e o outro, do (2°) arguido B.

Ponderando nas questões colocadas, afigura-se de começar pelo alegado “erro notório” e pedido de “renovação da prova”, passando, depois, (e se for caso disso), para a questão da “qualificação jurídico-penal”, e, por fim, para a da “pena” aplicada.

Nesta conformidade, vejamos.

–– Pois bem, tem vindo este T.S.I. a considerar que o vício de “erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 30.07.2013, Proc. n.° 485/2013 do ora relator).

No caso, e sem prejuízo do muito respeito, não se vislumbra o apontado vício já que não se divisa onde, como e em que termos terá o Colectivo a quo violado as regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis.

Com efeito, não bastam umas (meras) “dúvidas pessoais e subjectivas” assentes em “possibilidades ou probabilidades” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício em questão.

Nesta conformidade, e em sintonia com o estatuído no art. 415° do C.P.P.M. e o entendido no Ac. deste T.S.I. de 07.02.2013, Proc. n.°54/2013, bem se vê que também não pode proceder o pedido de “renovação da prova”, pois que verificados não estão os seus pressupostos.

Improcede assim o recurso do arguido na parte em questão.

–– Quanto à “qualificação jurídico-penal”.

Foram os arguidos condenados como co-autores da prática de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004 de 08.08, na pena individual de 2 anos e 6 meses de prisão, e pede o Ministério Público a sua condenação como co-autores de 1 crime de “auxílio (agravado)”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004.

Preceitua o art. 14° da Lei n.° 6/2004 que:

“1. Quem dolosamente transportar ou promover o transporte, fornecer auxílio material ou por outra forma concorrer para a entrada na RAEM de outrem nas situações previstas no artigo 2.º, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. Se o agente obtiver, directamente ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou benefício material, para si ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pela prática do crime referido no número anterior, é punido com pena de prisão de 5 a 8 anos”.

E, em recente Acórdão deste T.S.I. consignou-se, nomeadamente, que: “não constando descrita na matéria de facto dada por provada em primeira instância a obtenção efectiva, por parte do arguido ora recorrente ou do seu comparticipante, de alguma recompensa ou vantagem por causa do acto de transportar imigrantes clandestinos para Macau, nem constando descrito o pagamento efectivo por esses imigrantes de alguma recompensa ou vantagem por causa da transportação deles, o tribunal de recurso tem que convolar o crime qualificado de auxílio, p. e p. pelo art.°14.°, n.° 2, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, por que o arguido vinha condenado, para o crime de auxílio simples, p. e p. pelo n°. 1 deste artigo”; (cfr., Ac. de 19.09.2013, Proc. n.° 453/2013).

No caso dos autos, provado não estando o efectivo pagamento de qualquer vantagem patrimonial ao arguido ou a terceiros, bem se vê que censura não merece a decisão recorrida, sendo assim de se negar provimento ao recurso do Ministério Público.

–– Por fim, vejamos se excessiva é a pena ao arguido recorrente aplicada.

Ao crime em questão cabe a pena de 2 a 8 anos de prisão.

Ponderando no estatuído no art. 40° e 65° do C.P.M., nos factos provados e na supra referida moldura penal, fixou o Tribunal a quo a pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Ora, estando a pena fixada a 6 meses do limite mínimo da sua moldura legal, evidente é que nenhuma censura merece a mesma, sendo, pois, de se confirmar, na íntegra, a decisão recorrida, já que não sendo o arguido primário, e tendo cometido o crime em questão em pleno período de suspensão da execução de uma outra pena de prisão que lhe tinha sido antes aplicada, e face assim às fortes necessidades de prevenção criminal, à vista está a solução, improcedendo, assim, “in totum”, o recurso do arguido.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento aos recursos.

Pagará o (2°) arguido recorrente a taxa de justiça de 6 UCS, (não se tributando o Ministério Público dada a sua isenção).

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso do (1°) arguido A no montante de MOP$1.200,00.

Macau, aos 07 de Novembro de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 614/2013 Pág. 12

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