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Processo nº 604/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 14 de Novembro de 2013

ASSUNTO:
- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia
- Legitimidade para recorrer

SUMÁRIO
  - Não se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia se o Tribunal a quo julgou o pedido improcedente só que não especificou no entanto os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão.
- O que poderá verificar-se seria a eventual nulidade da sentença por falta de fundamentação ao abrigo da al. b) do nº 1 do artº 571º do CPCM, nulidade essa que depende da arguição das partes, não podendo ser objecto de conhecimento oficioso.
- Não obstante ser parte principal na causa, se não tenha ficado vencida com o decretamento do arresto, não tem legitimidade para recorrer da decisão que decretou o arresto.
O Relator,
Ho Wai Neng



Processo nº 604/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 14 de Novembro de 2013
Recorrente: A Ltd. (Requerente)
Recorrido: B (Requerido)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 24/01/2013, foi decidido decretar o arresto de:
1. Fichas de casino no montante de HKD11.000.000,00 (onze milhões de dólares de Hong Kong), apreendidas nos autos de CR3-09-0230-PCC, a ser devolvido ao Requerido, B.
2. O montante de HKD130.000,00 (cento e trinta mil dólares de Hong Kong) em dinheiro, apreendido nos autos referidos, a ser devolvido ao Requerido.
Dessa decisão vem recorrer a Requerente da providência A Ltd., alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. O presente recurso, tal como a Recorrente deu conta no seu requerimento de interposição, está delimitado, apenas e só, à parte da decisão cautelar de fls. 196 e ss. dos autos que não se pronunciou, nem decretou o pedido cautelar principal por si deduzido.
II. O pedido principal da Recorrente consistia em que fosse decretada uma providência cautelar que ordenasse a manutenção da apreensão ou uma nova apreensão das fichas de casino e do montante em dinheiro que se encontravam, nessa altura, apreendidos à ordem do Tribunal Judicial de Base no processo n° CR3-09-0230-PCC ou qualquer outra providência adequada a impedir que os mesmos fossem entregues ao aí Requerido B.
III. E tinha (e tem) na sua base - como resulta da sua petição cautelar e dos documentos a ela juntos - o facto de o Requerido ter transmitido e cedido, por acordo celebrado em 08/07/2011, à aqui Recorrente (que aceitou), a propriedade e todos os direitos reais que tinha sobre as fichas de casino e o montante em dinheiro apreendidos no âmbito de um outro processo crime, facto que, aliás, foi dado como provado pelo Tribunal a quo no ponto 3. da decisão cautelar ora recorrida (cfr. pág. 4 da decisão cautelar de fls. 196 e ss.).
IV. Apenas a título subsidiário a Recorrente pediu a decretação do arresto sobre os referidos bens e apenas para o caso do Tribunal a quo entender que essa seria a providência adequada.
V. Como resulta, porém, da decisão cautelar de fls. 196 e ss. dos autos, que o Tribunal a quo nem sequer se pronunciou sobre o pedido principal da Recorrente, decretando, sem mais, o arresto que havia sido pedido meramente a título subsidiário.Assim, desde logo, entende a Recorrente que a sentença recorrida padece do vício referido na alínea d), 1ª parte do nº 1 do artigo 571º do CPC omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado por sobre questão que devesse apreciar -, vício esse que a torna nula.
VI. Com efeito, e conforme resulta da petição cautelar apresentada a estes autos em 11/01/2013, pela Recorrente o pedido principal aí deduzido (e acima já identificado) consubstanciava a decretação de um procedimento cautelar comum inominada.
VII. Apenas a título subsidiário, solicitou a Recorrente a decretação de um procedimento cautelar especificado de arresto sobre as fichas de casino e montante em dinheiro e somente para o caso do Tribunal a quo entender que essa seria a providência adequada.
VIII. Ora, resultaram provados nestes autos, em face dos documentos que foram juntos e após terem sido sumariamente ouvidas as testemunhas arroladas pela Recorrente, diversos factos, de onde se destaca, desde logo, no ponto 3 dos Factos Provados que “3. Mediante o acordo já referido celebrado em 8 de Julho de 2011, como forma de pagamento parcial da sua divida para com a Requerente, o Requerido transmitiu e cedeu à Requerente, que aceitou, a propriedade e todos os direitos reais que tinha sobre as fichas de casino e o montante em dinheiro apreendidos no processo referido” (realçado e sublinhado nossos) (vide factos dados como provados na sentença recorrida de fls. 196 e ss.).
IX. Ora, quando subsumiu os factos que deu como indiciariamente provados ao direito aplicável in casu, o Tribunal a quo assumiu imediatamente, como a única solução plausível para a questão de direito colocada, a decretação de um arresto sobre os bens em causa nestes autos, não só não retirando as devidas consequências de ter dado como provado o facto de o Requerido ter transmitido e cedido, por acordo de 08/07/2011, à Recorrente, a propriedade e todos os direitos reais que tinha sobre os bens em causa nestes autos, como não se pronunciando sobre o pedido principal da Recorrente e sobre a sua eventual procedência ou improcedência.
X. Com efeito, na decisão ora recorrida o Tribunal a quo, partiu do disposto nos artigos 351º e 352º do CPC, mas não atendeu, porém, ao facto de a Recorrente ser a proprietária desses mesmos bens (vide págs. 8 e 9 da sentença recorrida de fls. 196 e ss.).
XI. Porém, com a assinatura de tal acordo, a propriedade das fichas de jogo e do montante apreendido transferiram-se imediatamente para a Recorrente, atento o princípio da consensualidade e eficácia real dos contratos constante do artigo 402º do Código Civil (“CC”), ficando desse modo o Recorrido obrigado a entregá-los, como de resto se comprometera, não restando, portanto, quaisquer dúvidas quanto ao direito de propriedade do Recorrente sobre esses bens que se encontravam (à data em que entrou esta acção cautelar) apreendidos à ordem do Tribunal no processo-crime supra referido.
XII. A Recorrente tinha assim (e tem) direito a que as fichas e o montante em dinheiro apreendidos nesses outros autos de processo crime lhe fossem entregues, pelo Tribunal ou pelo Requerido (ora Recorrido), por ser a sua legítima proprietária, tendo em conta o acordo celebrado, e dado como indiciariamente provado nestes autos.
XIII. Ora, não tendo o Tribunal a quo retirado as necessárias consequências do referido acordo que transmitiu o direito de propriedade desses bens do Requerido para a Recorrente, nem, tampouco, decidido sobre o pedido principal que concretamente lhe foi colocado pela Recorrente, tal tem por consequência lógica a nulidade da sentença recorrida, por manifesta omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d), 1ª parte do n° 1 do artigo 571° do CPC, a qual deverá ser declarada.
XIV. Na verdade, colocada uma concreta questão a título principal - a decretação de um procedimento cautelar inominada em resultado de ser a Recorrente proprietária dos bens em crise - e que o juiz deveria conhecer e se pronunciar na sentença recorrida, o Tribunal a quo nada disse ou decidiu sobre ela, limitando-se a decretar o pedido subsidiário formulado pela Recorrente, sem mais.
XV. Este vício tem tido apreciação é pacífica na jurisprudência, conforme se vê, a título meramente exemplificativo pelo Acórdão deste Tribunal de Segunda Instância de 2012/3/1 referente ao processo n.º 867/2010.
XVI. Termos em que, pelo supra exposto e atento o preceituado na alínea d), 1ª parte do nº 1 do artigo 571º do CPC, desde já se invoca a nulidade da sentença em crise proferida pelo Tribunal a quo, por omissão de pronúncia sobre o pedido principal deduzido pela aqui Recorrente.
XVII. E, atento ao disposto no artigo 630º do CPC, este Tribunal de Segunda Instancia pode apreciar a questão cuja pronúncia foi omitida, uma vez que dispõe de todos os elementos necessários para o efeito
XVIII. Acresce que, mesmo que se entenda que a sentença recorrida não é nula, por omissão de pronúncia - o que não se concede e apenas se admite por mera hipótese de raciocínio - o certo é que, tendo sido dado indiciariamente como provado o referido acordo celebrado em 08/07/2011, jamais poderia ter sido decretado o arresto desses bens, uma vez que estes eram da exclusiva propriedade da Recorrente (e não Requerido), conforme resulta a contrário do disposto no artigo 351º do CPC.
XIX. Pelo que, ao ter o Tribunal a quo decidido decretar o arresto nestes autos sobre esses bens da Recorrente violou do disposto no artigo 351º do CPC, e como tal, cometeu um erro de julgamento.
XX. Com efeito, dispõe claramente o artigo 351º do CPC que o arresto é o meio lançado pelo credor para apreensão judicial de bens de um devedor, quando aquele (o credor) tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
XXI. Ora, no caso dos autos, os bens em crise (as fichas de jogo e o montante em dinheiro) são propriedade exclusiva da Recorrente, credora, como acima se expôs, desde 08/07/2011, e não do Requerido, devedor, razão pela qual, rigorosamente, não poderia ter sido decretado o arresto, sem mais, sobre esses bens para garantia da dívida do Requerido à Recorrente.
XXII. E contra tal nem se diga que o facto de o Requerido ter mudado de ideias quanto à entrega efectiva dos bens em crise pôs de alguma maneira em causa o direito de propriedade da Recorrente sobre as fichas de jogo e o montante em dinheiro.
XXIII. É que a súbita recusa de entrega imediata por parte do Requerido em nada afecta o direito de propriedade da Recorrente sobre esses bens tendo em conta o já referido princípio da consensualidade e eficácia real dos contratos, consagrado no artigo 402º do Código Civil, apenas dando causa à necessidade de interpor uma acção forçando o Requerido a cumprir a obrigação de entrega dos bens em causa.
XXIV. É aliás neste sentido que se tem pronunciado a doutrina existente, designadamente a de Gaivão Teles (in Obrigações, 3ª Edição, 60) e Almeida e Costa (in Obrigações, 3ª Edição, 213), conforme as transcrições das respectivas doutrinas efectuadas no corpo destas alegações, e de onde claramente se retira, para o caso sub judice, que do acordo celebrado entre Recorrente e Requerido não restam quaisquer dúvidas quanto à transferência do direito de propriedade sobre as fichas e o montante em dinheiro daquela para esta, por efeito desse acordo, independentemente da sua execução.
XXV. É certo que, na prática, o efeito que a Recorrente pretende com o pedido cautelar principal deduzido nestes autos é praticamente o mesmo que resulta da decretação do actual arresto.
XXVI. Porém, de forma a evitar-se, por remota hipótese, que o arresto decretado possa vir a ser interpretado como não tendo a Recorrente o efectivo direito de propriedade sobre os bens em causa, o que jamais se concede, e, bem assim, por rigor jurídico na aplicação do artigo 351º do CPC, em face dos factos dados como indiciariamente provados nesta acção, deve a sentença cautelar ora recorrida ser revogada e substituída por outra que, nos termos do artigo 326º do CPC, decida nos termos que a Recorrente peticionou a titulo principal.
XXVII. Termos em que, atento tudo o exposto, deverá ser revogada a decisão contida na sentença cautelar ora recorrida que decretou o arresto sobre as fichas de jogo e montante em dinheiro, por violação do disposto no artigo o artigo 351º do CPC, e em consequência, seja decretado o procedimento cautelar comum, ao abrigo do disposto do artigo 326º do CPC, que ordene a manutenção da apreensão ou uma nova apreensão das fichas de casino e do montante em dinheiro que se encontravam apreendidos à ordem do Tribunal no processo nº CR3-09-0230-PCC ou qualquer outra providência adequada a impedir que os mesmos sejam entregues ao Requerido, conforme peticionado a título principal pela Recorrente.
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O Requerido não respondeu à motivação do recurso interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. Por acordo concluído em 8 de Julho de 2011 entre a Requerente e o Requerido, este reconheceu que deve à Requerente a quantia total de AUD10,059,764.67 (dez milhões cinquenta e nove mil, setecentos e sessenta e quatro dólares australianos e sessenta e sete cêntimos) em virtude de:
a) ter desonrado o cheque no. 440926, no montante de HKD103,963,326.98 (equivalentes a AUD13,757,040.00), sacado sobre o XX Bank (XX Branch) em Hong Kong, a favor da Requerente, o qual foi apresentado a pagamento por esta ao seu banco em 17 de Junho de 2008; e
b) ter incumprido um acordo que havia celebrado com a Requerente em 06 de Agosto de 2008 relativo ao pagamento em prestações de uma dívida que tinha para com a Requerente no montante de AUD13,559,764.67 (treze milhões, quinhentos e cinquenta e nove mil, setecentos e sessenta e quatro dólares Australianos e sessenta e sete cêntimos).
2. Por Acórdão proferido nos autos de Processo Penal nº. CR3-09-0230-PCC, em que o Requerido era o Assistente e C e D eram arguidos, que nomeadamente:
i. condenava os arguidos a pagar ao Assistente (ou seja, ao Requerido) uma indemnização no montante de HKD53,819,640.00, acrescido de juros, deduzido dos seguintes montantes:
- HKD11,000,000.00 (onze milhões de dólares de Hong Kong) em fichas de casino, as quais foram apreendidas nos referidos autos e se encontram depositadas à ordem do Tribunal de Macau e dos mesmos autos;
- HKD130,000.00 (cento e trinta mil dólares de Hong Kong) em dinheiro, o qual foi também apreendido nos autos e se encontra depositado à ordem do Tribunal de Macau e dos autos;
ii. ordenava a restituição ao Assistente (isto é, ao Requerido) as fichas de casino e do montante em dinheiro supra mencionados.
3. Mediante o acordo já referido celebrado em 08 de Julho de 2011, como forma de pagamento parcial da sua dívida para com a Requerente, o Requerido transmitiu e cedeu à Requerente, que aceitou, a propriedade e todos os direitos reais que tinha sobre as fichas de casino e o montante em dinheiro apreendidos no processo referido.
4. Nesse acordo ficou ainda estabelecido que o Requerido cedia e transmitia à Requerente o direito a receber directamente do Tribunal de Macau as fichas de casino e o dinheiro.
5. Ainda ao abrigo do acordo de 08 de Julho de 2011, também, para salvaguarda dos direitos e interesses da Requerente, o Requerido outorgou, na mesma data, uma procuração, conferindo irrevogavelmente poderes à Requerente para que pudesse levantar directamente junto do Tribunal as fichas e o montante em dinheiro apreendidos nos autos.
6. Foi ainda estipulado que, se por qualquer razão, o Requerido recebesse as fichas e o montante apreendido por si próprio, o mesmo comprometia-se incondicional e irrevogavelmente a entregá-los imediatamente à Requerente.
7. O Tribunal de Segunda Instância confirmou a decisão da primeira instância, designadamente no que se refere à entrega ao Requerido das fichas de casino e do montante em dinheiro apreendidos.
8. No seguimento do acordo e para salvaguardar os direitos e interesses da Requerente, e conforme constava do acordo de 8 de Julho, os advogados da Requerente e o próprio Requerido subscreveram e submeteram em 11 de Julho de 2011, no Tribunal de Segunda Instância, um requerimento conjunto, solicitando que esse Tribunal que ordenasse a entrega das fichas de casino e o montante em dinheiro directamente à Requerente ou aos seus advogados.
9. O Tribunal de Segunda Instância não se pronunciou sobre o referido requerimento, certamente por entender que se tratava de uma questão pertinente à execução da sentença e, portanto, da competência do Tribunal Judicial de Base.
10. A Requerente e o Requerido, este através dos seus mandatários, solicitaram junto do Tribunal Judicial de Base, e reiterando o solicitado junto do Tribunal de Segunda Instância, que as fichas e o montante em dinheiro apreendidos no processo fossem entregues directamente à Requerente em virtude do acordo celebrado.
11. O Tribunal de Primeira Instância decidiu que, segundo o acórdão do tribunal colectivo (que decidiu o processo CR3-09-0230-PCC), o Tribunal só poderia entregar o apreendido ao assistente (isto é ao Requerido), podendo este combinar com qualquer pessoa para irem recebê-las na data da entrega.
12. A Requerente não recorreu do despacho.
13. No dia 10 de Janeiro de 2013, na véspera da data marcada para a entrega do apreendido, o Requerido comunicou à Requerente que não lhe entregará as fichas e o montante apreendido.
14. Dado o facto de os bens em causa serem facilmente dissipáveis - fichas de casino e numerário - se os mesmos não forem entregues directamente à Requerente ou se não forem entregues no preciso momento em que o Requerido os receber do Tribunal, a Requerente corre o sério risco de nunca mais obter a sua entrega, e, assim, a efectivação do acordo e consequente pagamento parcial da dívida que o requerente reconheceu existir no mesmo acordo.
15. Não se conhecem quaisquer outros bens ao Requerido que possam permitir que a Requerente consiga o pagamento da dívida assumida no acordo e para pagamento parcial da qual o Requerido transmitiu as fichas e o montante apreendido à Requerente.
16. O Requerido é jogador de casinos e relaciona-se com jogadores de casinos.
17. O que aumenta a facilidade da dissipação das fichas de casino, jogando-as ou cedendo-os a outros jogadores.
18. A Requerente solicitou o adiamento da diligência de entrega do apreendido com base nesta providência.
19. Tendo entrado com um requerimento urgente a pedir o adiamento da diligência de entrega.
20. Tendo o Tribunal naquele processo já decidido que a entrega do apreendido deve ser feita ao Requerido.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III – Fundamentação:
A sentença recorrida consiste no seguinte:
“A LTD, sociedade comercial constituída e registada na Austrália, com Número de Registo Comercial Australiano [“Australian Business Number (ABN)”] XXX, com escritório principal em level 4, XX Street, Pyrmont, NSW 2009 AUSTRALIA e sede registada em level 3, XX Street, Brisbane QLD 4000, AUSTRALIA,
Vem, nos termos dos artigos 326 e ss. e 351 e ss. do Código de Processo Civil, intentar, como preliminar da acção executiva a instaurar,
PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM ou subsidiariamente de ARRESTO
Contra
B, solteiro, maior, portador do Bilhete de Identidade de Hong Kong n° XXXX, residente em Hong Kong XXXX, com domicílio em Macau quarto XX do XX Hotel, sito em Macau XXXX.
E requer
a) seja decretada uma providência que ordene a manutenção da apreensão ou uma nova apreensão das fichas de casino e do montante em dinheiro que presentemente se encontrem apreendidos à ordem do Tribunal no processo n° CR3-09-0230-PCC ou qualquer outra providência adequada a impedir que os mesmos sejam entregues requerido
  ou subsidiariamente
b) que seja ordenado o arresto das referidas fichas de casino e montan em dinheiro.
c) Requer-se ainda que a presente providência seja decretada se audiência prévia do Requerido
d) Requer-se, por último, que seja imediatamente informado ao processo CR3-09-0230-PCC para que seja suspensa a entrega das referidas fichas e do montante em dinheiro até que haja uma decisão no: presente procedimento sob pena de a mesma não ter qualquer utilidade prática.
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O Tribunal é o competente, o processo é o próprio e não enferma de nulidades.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e apresentam-se como legítimas.
Inexistem excepções ou quaisquer outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Ouvidas, sumariamente, as testemunhas arroladas pelo requerente, e da análise dos documentos juntos aos autos, considero provados os seguintes factos:
FACTOS PROVADOS:
1. Por acordo concluído em 8 de Julho de 2011 entre a Requerente e o Requerido, este reconheceu que deve à Requerente a quantia total de AUD10,059,764.67 (dez milhões cinquenta e nove mil, setecentos e sessenta e quatro dólares australianos e sessenta e sete cêntimos) em virtude de:
a) ter desonrado o cheque no. XXXX, no montante de HKD103,963,326.98 (equivalentes a AUD13,757,040.00), sacado sobre o XX Bank (XX Branch) em Hong Kong, a favor da Requerente, o qual foi apresentado a pagamento por esta ao seu banco em 17 de Junho de 2008; e
b) ter incumprido um acordo que havia celebrado com a Requerente em 6 de Agosto de 2008 relativo ao pagamento em prestações de uma dívida que tinha para com a Requerente no montante de AUSD13,559,764.67 (treze milhões, quinhentos e cinquenta e nove mil, setecentos e sessenta e quatro dólares Australianos e sessenta e sete cêntimos) (Doc. 1):
2. Por Acórdão proferido nos autos de Processo Penal nº. CR3-09-0230-PCC, em que o Requerido era o Assistente e C e D eram arguidos, que nomeadamente:
i. condenava os arguidos a pagar ao Assistente (ou seja, ao Requerido) uma indemnização no montante de HKD53,819,640.00, acrescido de juros, deduzido dos seguintes montantes:
- HKD11,000,000.00 (onze milhões de dólares de Hong Kong) em fichas de casino, as quais foram apreendidas nos referidos autos e se encontram depositadas à ordem do Tribunal de Macau e dos mesmos autos;
- HKD130,000.00 (cento e trinta mil dólares de Hong Kong) em dinheiro, o qual foi também apreendido nos autos e se encontra depositado à ordem do Tribunal de Macau e dos autos;
ii. ordenava a restituição ao Assistente (isto é, ao Requerido) as fichas de casino e do montante em dinheiro supra mencionados.
3. Mediante o acordo já referido celebrado em 8 de Julho de 2011, como forma de pagamento parcial da sua dívida para com a Requerente, o Requerido transmitiu e cedeu à Requerente, que aceitou, a propriedade e todos os direitos reais que tinha sobre as fichas de casino e o montante em dinheiro apreendidos no processo referido.
4. Nesse acordo ficou ainda estabelecido que o Requerido cedia e transmitia à Requerente o direito a receber directamente do Tribunal de Macau as fichas de casino e o dinheiro.
5. Ainda ao abrigo do acordo de 8 de Julho de 2011, também, para salvaguarda dos direitos e interesses da Requerente, o Requerido outorgou, na mesma data, uma procuração, conferindo irrevogavelmente poderes à Requerente para que pudesse levantar directamente junto do Tribunal as fichas e o montante em dinheiro apreendidos nos autos.
6. Foi ainda estipulado que, se por qualquer razão, o Requerido recebesse as fichas e o montante apreendido por si próprio, o mesmo comprometia-se incondicional e irrevogavelmente a entregá-los imediatamente à Requerente.
7. O Tribunal de Segunda Instância confirmou a decisão da primeira instância, designadamente no que se refere à entrega ao Requerido das fichas de casino e do montante em dinheiro apreendidos.
8. No seguimento do acordo e para salvaguardar os direitos e interesses da Requerente, e conforme constava do acordo de 8 de Julho, os advogados da Requerente e o próprio Requerido subscreveram e submeteram em 11 de Julho de 2011, no Tribunal de Segunda Instância, um requerimento conjunto, solicitando que esse Tribunal que ordenasse a entrega das fichas de casino e o montante em dinheiro directamente à Requerente ou aos seus advogados.
9. O Tribunal de Segunda Instância não se pronunciou sobre o referido requerimento, certamente por entender que se tratava de uma questão pertinente à execução da sentença e, portanto, da competência do Tribunal Judicial de Base.
10. A Requerente e o Requerido, este através dos seus mandatários, solicitaram junto do Tribunal Judicial de Base, e reiterando o solicitado junto do Tribunal de Segunda Instância, que as fichas e o montante em dinheiro apreendidos no processo fossem entregues directamente à Requerente em virtude do acordo celebrado.
11. O Tribunal de Primeira Instância decidiu que, segundo o acórdão do tribunal colectivo (que decidiu o processo CR3-09-0230-PCC), o Tribunal só poderia entregar o apreendido ao assistente (isto é ao Requerido), podendo este combinar com qualquer pessoa para irem recebê-las na data da entrega.
12. A requerente não recorreu do despacho.
13. No dia 10 de Janeiro de 2013, na véspera da data marcada para a entrega do apreendido, o Requerido comunicou à Requerente que não lhe entregará as fichas e o montante apreendido.
14. Dado o facto de os bens em causa serem facilmente dissipáveis - fichas de casino e numerário - se os mesmos não forem entregues directamente à Requerente ou se não forem entregues no preciso momento em que o Requerido os receber do Tribunal, a Requerente corre o sério risco de nunca mais obter a sua entrega, e, assim, a efectivação do acordo e consequente pagamento parcial da dívida que o requerente reconheceu existir no mesmo acordo.
15. Não se conhecem quaisquer outros bens ao Requerido que possam permitir que a Requerente consiga o pagamento da dívida assumida no acordo e para pagamento parcial da qual o Requerido transmitiu as fichas e o montante apreendido à Requerente.
16. O Requerido é jogador de casinos e relaciona-se com jogadores de casinos.
17. O que aumenta a facilidade da dissipação das fichas de casino, jogando-as ou cedendo-os a outros jogadores.
18. A Requerente solicitou o adiamento da diligência de entrega do apreendido com base nesta providência.
19. Tendo entrado com um requerimento urgente a pedir o adiamento da diligência de entrega.
20. Tendo o Tribunal naquele processo já decidido que a entrega do apreendido deve ser feita ao Requerido
*****
Factos não provados: Toda a demais matéria.
Relativamente aos factos que não foram dados como provados não foi produzida qualquer prova quanto aos mesmos, ou são irrelevantes ou são factos conclusivos ou de matéria de direito.
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O decidido baseia-se na apreciação dos documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas inquiridas que mostraram ter conhecimento pessoal dos factos e que depuseram com isenção e imparcialidade, de forma convincente.
DIREITO
Dispõe o n°.1 do art°. 351.° do Código de Processo Civil que “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.”
O nº 1 do art° 352° deste Código prevê: “O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência”.
E o nº 1 do art° 353° deste Código prevê ainda: “Produzidas as provas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais.”
Assim, para a concessão da providência solicitada exige-se fundamentalmente dois requisitos que são:
I. provável existência do crédito.
II. justo receio de perder a garantia patrimonial.
Exige-se, pois, por um lado, provável existência do direito, ou, como se refere no citado artigo, o requerente do arresto deduz factos que tomam provável a existência do crédito.
Por outro lado, é necessário justo receio de perder a garantia patrimonial.
O artigo 328.° n.º 1 do CPC estipula que o procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva.
Por acordo concluído em 8 de Julho de 2011 entre a Requerente e o Requerido, este reconheceu que deve à Requerente a quantia total de AUD10,059,764.67. Verifica-se a provável existência do crédito a favor. do requerente. Por acórdão da primeira instância proferido nos autos de CR3-09-0230-PCC, foi determinado que devolveram ao Assistente (ou seja, ao Requerido) :
- HKD 11,000,000.00 (onze milhões de dólares de Hong Kong) em fichas de casino, as quais foram apreendidas nos referidos autos;
- HKD 130,000.00 (cento e trinta mil dólares de Hong Kong) em dinheiro, o qual foi também apreendido nos referidos autos.
Na véspera da data marcada para a entrega do apreendido, o Requerido comunicou à Requerente que não lhe entregará as fichas e o montante apreendido.
Pela prova produzida, entende este tribunal que, no caso em apreço, estão preenchidos os requisitos fundamentais para a decretação da providência solicitada, uma vez que ficou indiciariamente provado que o crédito existe e que o requerido não pagou o crédito à Requerente, apesar das várias tentativas que a Requerente diligenciou para recuperar o seu crédito, não havendo sinais que o requerido venha a pagá-lo. Não se conhecem quaisquer outros bens ao Requerido que possam permitir que a Requerente consiga o pagamento da dívida assumida no acordo. Existe justo receio de perder a garantia patrimonial da requerente.
Entendo que compete ao Juiz dos autos de CR3-09-0230-PCC a decisão sobre a suspensão da entrega dos apreendidos e outras decisões sobre os apreendidos.
Por todo o exposto e, por estarem reunidos todos os requisitos para ó decretamento da solicitada providência, nos termos do disposto nos artº 351° nº1, 352°, nº1 e 353° nº1, todos do C.P.C.M., o Tribunal decide decretar o arresto de:
1. Fichas de casino no montante de HK11.000.000,00 (onze milhões de dólares de Hong Kong) apreendidas nos autos de CR3-09-0230-PCC, a ser devolvido ao requerido.
2. O montante de HK130.000,00 (cento e trinta mil dólares de Hong Kong) em dinheiro, apreendido nos autos referidos, a ser devolvido ao requerido.
Julgo improcedentes os restantes pedidos.
Decisão
Por todo o exposto, o Tribunal decide decretar o arresto de:
1. Fichas de casino no montante de HK11.000.000,00 (onze milhões de dólares de Hong Kong), apreendidas nos autos de CR3-09-0230-PCC, a ser devolvido ao requerido.
2. O montante de HK130.000,00 (cento e trinta mil dólares de Hong Kong) em dinheiro, apreendido nos autos referidos, a ser devolvido ao requerido.
Custas a cargo da requerente.
Julgo improcedentes os restantes pedidos. (o sublinhado é nosso)
Comunique os autos de CR3-09-0230-PCC, com nota de urgência e devolve estes autos.
Notifique, sendo o requerido nos termos do artº.330° nº.5 e 333º do C.P.C.M.
D.N.”
1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
Entende a Requerente que a sentença recorrida é nula por não se ter pronunciado sobre o seu pedido principal.
Não lhe assiste razão na medida em que o Tribunal a quo julgou, na parte decisória, expressamente improcedentes os restantes pedidos, ou seja, com excepção do pedido de decretamento do arresto, os demais pedidos da Requerente, incluindo o principal, foram julgados improcedentes.
Como é sabido, só se verifica a omissão de pronúncia quando o juíz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente.
No caso em apreço, o Tribunal a quo julgou o pedido principal da Requerente improcedente, só que não justificou a sua decisão.
Nesta conformidade, não se verifica a omissão de pronúncia alegada, o que poderá verificar-se seria a eventual nulidade da sentença por falta de fundamentação ao abrigo da al. b) do nº 1 do artº 571º do CPCM, visto que o Tribunal a quo não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão de improcedência do pedido principal da Requerente, nulidade essa que depende da arguição das partes, não podendo ser objecto de conhecimento oficioso.
Improcede assim este argumento do recurso.
2. Da errada aplicação do artº 351º do CPCM:
Para a Requerente, ora Recorrente, o Tribunal a quo ao ter decidido decretar o arresto violou o disposto no artº 351º do CPCM, e como tal, cometeu um erro de julgamento, já que o arresto só tem lugar para os direitos de crédito e não direito de propriedade, que é o seu caso.
Por despacho do Relator, foi ordenada a notificação da Requerente para se pronunciar sobre a eventual ilegitimidade ou falta de interesse em recorrer da sentença nesta parte, visto que a sua pretensão principal (obter uma apreensão judicial das fichas de casino e dos montantes em numerário) e a finalidade da providência cautelar (evitar prejuízo de difícil reparação resultante do perigo da morosidade) já se encontram alcançadas com o arresto decretado (fls. 369).
A Requerente respondeu no sentido de que a finalidade de recorrer da sentença nesta parte é justamente a de evitar, por mera cautela de patrocínio, que o arresto decretado, possa, por hipótese de raciocínio, vir a ser interpretado como não tendo ela o efectivo de direito de propriedade sobre os bens arrestados, e não é pôr em causa a medida concreta da providência em si, pois, entende também que o arresto decretado acaba por assegurar o objectivo visado com a pretensão principal (fls. 372 a 374).
Salvo o devido respeito, a preocupação da Requerente no sentido de que o arresto decretado possa vir a ser interpretado como não tendo ela o efectivo direito de propriedade sobre os bens arrestados não justifica a sua legitimidade para recorrer da sentença nesta parte.
Dispõe o nº 1 do artº 585º do CPCM que “Os recursos, exceptuada a oposição de terceiro, só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”.
No caso em apreço, a Requerente, não obstante ser parte principal na causa, não ficou vencida com o decretamento do arresto, já que, como ela própria reconhece, o arresto decretado acaba por assegurar o objectivo visado com a pretensão principal.
Por outro lado, a preocupação da Requerente não tem razão de ser em virtude de que nos termos do nº 5 do artº 328º do CPCM, “o julgamento da matéria de facto e a decisão final proferida no procedimento cautelar não têm qualquer influência no julgamento da acção principal”.
Pelo exposto, é de rejeitar o recurso nesta parte.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- negar provimento ao recurso interposto na parte que diz respeito à nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia; e
- rejeitar o recurso na parte referente à errada aplicação do artº 351º do CPCM.
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Custas pela Requerente.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 14 de Novembro de 2013.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong




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604/2013