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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 14 de Julho de 2005, que, em recurso hierárquico, manteve o despacho de homologação da sua classificação profissional respeitante ao ano de 2004.
Por acórdão de 18 de Maio de 2006, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpôs A o presente recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões:
- O Tribunal a quo não se pronunciou sobre as seguintes questões, incorrendo em omissão de pronúncia, que acarreta nulidade da decisão:
    i) Se a notificação feita fora do prazo viola o disposto nos artigos 71.°, 12.°, 60.°, 3.°, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.
    ii) Se o órgão competente violou as disposições do artigo 70.°, alínea a) e artigo 3.°, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo ao entregar ao recorrente apenas a cópia do respectivo documento, mas não o texto integral do acto administrativo.
    iii) O 1.° notador atribuiu a classificação em 3 de Fevereiro de 2005, e o 2.° notador atribuiu a classificação em 18 de Março de 2005, a entidade de homologação acabou por efectuar a homologação em 18 de Maio de 2005, e o acórdão recorrido não se pronunciou sobre se estes actos violam o artigo 169.°, n.os 1 e 5 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e o artigo 12.°, 60.°, 3.°, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.
   - Segundo os dados constantes dos autos, a classificação do recorrente foi MUITO BOM e BOM antes de ser ferido. O recorrente é estudioso e diligente, com bom conhecimentos e experiência de gestão profissional. A classificação atribuída ao recorrente não corresponde aos factos, portanto, o tribunal a quo devia ter julgado que a entidade recorrida exerceu injustificadamente o poder discricionário.
- Houve violação do princípio da igualdade.
A entidade recorrida apresentou contra-alegação.
A Ex. ma Procuradora-Adjunta emitiu douto parecer em que concluiu pelo não provimento do recurso, pela seguinte forma:
- O Acórdão recorrido conheceu de todas as questões suscitadas que devia conhecer;
- Quando a Administração atribui uma classificação de serviço actua no âmbito de poderes discricionários (a chamada discricionariedade técnica ou justiça administrativa) só sindicável judicialmente em caso de erro grosseiro ou manifesto que, no caso, se não se verifica;
- Também se não descortina a violação do princípio da igualdade.

II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
A) Em 12.10.2004, participou o ora recorrente no combate a um incêndio no qual sofreu um acidente.
B) Do acidente resultaram para o recorrente lesões várias que, diagnosticadas, levaram à conclusão que apresentava "um quadro clínico de lombalgias recorrentes por hérnia discal", pelo qual teve acompanhamento médico, e no âmbito do qual foi aconselhado a evitar esforços físicos por vários meses.
C) Em 04.02.2005, foi, A, Chefe de Primeira do Corpo de Bombeiros, (ora recorrente), notificado da sua classificação de serviço referente ao ano de 2004, elaborada pelo 1.º Notador, no qual se propunha como média da pontuação obtida, a de 5 pontos, e como menção qualitativa, a de "Sofrível"; (cfr. fls. 53 a 55 do processo instrutor).
D) Em 08.02.2005, A reclamou da pontuação e menção propostas; (cfr., fls. 50 a 51).
E) Em 17.02.2005, foi o mesmo notificado da decisão de indeferimento da sua reclamação e que o processo seria enviado ao 2.º Notador; (cfr. fls. 41 a 49).
F) Em 18.03.2005, tomou o reclamante conhecimento que o 2.º Notador concordava com a classificação proposta pelo 1.º Notador, e, nesta mesma data, por despacho do Comandante Substituto, alterando-se a média da pontuação (de 5) para 5.3, foi a sua classificação, com a menção qualitativa de "Sofrível" homologada; (cfr. fls. 53).
G) Em 14.06.2005, após notificado da referida homologação (em 31.05.2005), interpôs o reclamante recurso hierárquico para o Exm.º Secretário para Segurança; (cfr. fls. 21 a 24).
H) A Informação elaborada pelo 1.º notador tem, por sua vez, o teor seguinte:
"Revisão do "Boletim de Informação Individual"
Em relação aos 18 fundamentos apresentados na reclamação do "Boletim de Informação Individual" referente ao ano de 2004, pelo notado A, Chefe de Primeira do Corpo de Bombeiros, n.º XXXXXX, após revisão, venho por este meio dar as seguintes respostas e decisões:
1. Em 4 de Fevereiro de 2005, ao notado foi notificado o conteúdo constante do "Boletim de Informação Individual ", ao abrigo do art. 180.º, n.º 4 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (doravante designado por Estatuto).
2. Em 8 de Fevereiro de 2005, o notado apresentou, formalmente, uma reclamação com indicação dos factos que julgue susceptíveis de fundamentarem a revisão, ao abrigo do art. 184.°, n. ° 1 do Estatuto.
3. No mesmo dia, a pedido do notado, foi-lhe entregue de imediato uma cópia do "Boletim de Informação Individual" a fim de que o mesmo possa apresentar reclamação oportunamente.
4. Conforme o art. 189.° do Estatuto, a informação individual, quando for objecto da menção de "Não satisfatório" ou "Muito bom ", será devidamente justificada. É claro que a benevolência ou o rigor da notação estão sujeitos aos critérios uniformizados.
5. A nova revisão sobre os factos apresentados pelo notado que julgue susceptíveis de fundamentarem a revisão foi efectuada de acordo com a minha atitude permanente da benevolência ou do rigor da notação e estando sujeita aos critérios uniformizados.
6. Segundo o registo pessoal do notado arquivado no presente departamento.
a. O notado ficou doente e foi internado no hospital por 2 dias em 2004;
b. Houve licença por doença de 16 dias (7 dias dos quais foram provavelmente por causa da ferida sofrida num acidente ocorrido no trabalho, mas, como o relativo auto está na investigação, ainda não se confirma se a ferida foi causada por acidente em serviço;
c. Na hora de trabalho, foi à consulta médica por 5 vezes;
d. Quando ao pedido de prestação de trabalho extraordinário por necessidade de trabalho, o notado tinha sempre justificação de que necessitava de ir à consulta médica, e em relação aos seus outros pedidos de isenção de prestação de trabalho extraordinário, não foram registados. Ademais, no seu trabalho diário, o notado mostrava, muitas vezes, depressão e instabilidade emocional, especialmente muito patente no tratamento do trabalho apenas sob leve pressão. Às 16H58 do dia 11 de Junho de 2004, encontrava-se doente e ficou desmaiado no posto de trabalho, sendo transferido para o Centro Hospitalar Conde S. Januário pela ambulância n. º XXX deste departamento.
7. Em relação ao fundamento apresentado pelo notado de que o relativo auto está a ser investigado e não se confirma se a ferida foi causada por acidente de trabalho, para não prejudicar os interesses do notado, este fundamento já tinha sido considerado na avaliação mencionada no "Boletim de Informação Individual".
8. A flexibilidade referida no ponto 3 não significa apenas os movimentos dos membros superiores e inferiores, é mais adequada ser entendida como flexibilidade mental ou flexibilidade no trabalho, pelo que o fundamento apresentado não é sustentável. Pelo contrário, tem havido muitos exemplos que manifestam que o notado não tem flexibilidade no trabalho diário, alguns deles foram registados pelo presente departamento.
9. Na distribuição dos funcionários aos postos frentes ou operacionais, não vamos ponderar de propósito se o funcionário possuí o carácter de alta estabilidade, mas sim a função que este funcionário desempenha, na prática, é claro que procedemos à distribuição que se julgue a mais adequada possível conforme a situação real através de observações, a fim de obter o máximo proveito de recursos humanos e elevar a eficiência do trabalho. Portanto, quanto ao fundamento apresentado pelo notado de que "É compreensível que fiquei inquieto de vez em quando por causa da perturbação causada pelos ferimentos", estou cheio de dúvidas e fico surpreendido, como se sabe que o notado é chefe do posto operacional e a sua função principal é o trabalho de direcção, e no trabalho operacional frequentemente encara-se "vida e dificuldade". Nestes temos, sendo pessoal da linha da frente que se responsabiliza pelo trabalho de direcção, tem de controlar-se constantemente e manter a sua estabilidade. Não é permitido nenhum pretexto. Se houvesse problema, teria de informar ao seu chefe mais rápido possível para fazer o reajustamento oportuno, só assim se pode proteger eficientemente a vida e os bens dos cidadãos. No entanto, o notado encontra-se descontrolado na gestão da sua inteligência emocional, ficando irritado facilmente. Houve uma vez que numa investigação interna, ele disse ao investigador nomeado para tais efeitos que iria suicidar-se, este é um dos exemplos típicos.
10. Quanto à objecção ao ponto 5 levantada pelo notado, este tem como fundamento "Não se pode dizer facilmente a um oficial da linha da frente que protege a segurança dos cidadãos a longo período 'que deve fazer reflexão sobre as suas condutas morais', o que leva os cidadãos a duvidar a qualidade e o serviço do Corpo de Bombeiros, pelo que, basta a citação de provas com base nos factos objectivos e imparciais para exigir a reflexão sobre a sua moralidade." Em relação a essa concepção da vida do notado, já é suficiente que o mesmo tem que "fazer reflexão sobre as suas condutas morais". É de saber que devemos enfrentar os cidadãos com franqueza e honestidade, não devemos adoptar política de manter o povo na ignorância, só dizendo as boas palavras em vez de encobrir os defeitos. Portanto, não posso escusar faltas, nem posso fazer uma avaliação não objectiva, porque a avaliação serve para o notado corrigir-se.
11. Quanto ao ponto 6, devemos analisar o fundamento apresentado pelo notado em vários aspectos:
a. É claro que não podemos excluir a possibilidade de que o acidente que o pessoal teve no lugar de incêndio foi por causa da concentração do pessoal no trabalho, mas, igualmente não podemos negar a possibilidade da falta de prudência e conhecimento profissional por parte do pessoal.
b. Só com esse caso, não podemos chegar a uma conclusão arbitrária de que isto foi o resultado de responsabilidade e sacrifício, se assim for, poderíamos ou não chegar a outra conclusão de que o notado queria fugir da responsabilidade, ou com uma falta de prudência, ou com uma infuficiência de conhecimento profissional. É claro que não podemos ser tão arbitrários. Pelo exposto, o fundamento do notado é improcedente. Pelo contrário, há muitos exemplos que podem comprovar que o notado não tem responsabilidade e sacrifício e alguns deles foram registados pelo presente departamento.
12. O fundamento apresentado pelo notado por não se conformar com os pontos 7 e 8 é improcedente, sendo pessoal militarizado, além de salvar a vida dos cidadãos, vai enfrentar perigo da vida a qualquer momento, seja qual for a categoria desempenhada, deve ter um bom juízo e observar a disciplina. Não podemos, só de acordo com o tipo de trabalho ou a sua categoria, para concluir se uma pessoa tem bom juízo e é observadora da disciplina, senão se torna desnecessário o "Boletim de Informação Individual ", pois, através do qual se demonstra o ideal e a realidade, basta observar isso para contra-alegar que não é suficiente a consciência realista do notado, com uma falta de determinação e juízo. Em relação à disciplina, na avaliação, já não contámos com os vários processos disciplinares instaurados contra o notado. Como houve uma vez que, vi que ele estava num desfile para a revista, com uniforme militar não apropriadamente vestido. Como se sabe, sendo a revista ao desfile uma cerimónia solene para os agentes militarizados, e gostaria de perguntar de que maneira é que o notado observou a disciplina. Na avaliação dos pontos 7 e 8, dei-lhe 5 pontos, sabe-se que já é uma pontuação de nível médio e até eu duvidava que ele fosse tratado com clemência.
13. O fundamento deduzido pelo notado em relação ao ponto 9 é unilateral, o notado baseou-se no facto de que: "Fui nomeado como representante do Corpo de Bombeiros para participar em várias actividades", como fundamento para excluir que ele não tem dificuldade no convívio social, isso não é adequado. Porque, em princípio, o trabalho foi distribuído por turno, não tem nada a ver com o pedido por iniciativa do próprio notado ou a sua super capacidade individual. Pelo contrário, o notado em muitas das actividades públicas costuma insistir na sua maneira de ser, ficando sozinho de propósito, não se comunica com colegas e frequentemente foi queixado pelos colegas de esquivar-se da responsabilidade e "lavar as mãos ". Relativamente à má relação social do notado, basta perguntar a um dos quaisquer colegas da mesma categoria, ou até aos seus superiores ou inferiores para saber a realidade, sendo isto facto indiscutível.
14. Quanto ao fundamento deduzido pelo notado em relação ao ponto 13: "Tenho elaborado muitos planos de trabalho, tanto simples como complexos, para o Departamento Operacional, se não tivesse capacidade de escrita, não conseguia fazer os colegas compreenderem para depois efectuarem operações correctas ".
Primeiro: Os planos de orientação elaborados pelo notado, têm de ser corrigidos de grande proporção por mim ou pelo chefe do Departamento, às vezes são tão maus até incorrigíveis, o notado foi mandado para refazê-lo, alguns foram registados.
Segundo: A tarefa de elaboração de planos de orientação é distribuída a todos os oficiais do Departamento Operacional, e não somente é da responsabilidade ao notado. É exactamente por esta razão que podemos fazer comparação entre as capacidades de escrita dos oficiais, da qual resultou que o notado tem uma capacidade inferior à dos outros funcionários, incluindo os que têm categorias inferiores ao notado. Sobre isso, também estou perplexo, pois a habilitação literária do notado é desproporcionada ao seu conhecimento cultural. Claro que o notado não chegou a ser incapaz de expressar o que quer dizer, eis a razão porque dei-lhe a nota de 5 pontos.
15. Do fundamento deduzido pelo notado em relação ao ponto 14 resultou que o mesmo tem uma compreensão estrita sobre a palavra “capacidade de adaptação". Sendo chefe de Posto Operacional das Ilhas, foi transferido, em 4 de Agosto de 2003, para o Posto Operacional de Macau para desempenhar o cargo do chefe deste Posto. Até ao presente o notado não tem aperfeiçoamento nas suas relações humanas com os outros e no seu novo trabalho, o que demonstra que não tem capacidade de adaptação. Isto pode ser comprovado através de um exemplo, o trabalho diário, em princípio, deve ser comunicado ao seu superior hierárquico, mas o notado, até ao presente, continua a ter confusão sobre isto e frequentemente ultrapassa a hierarquia para fazer informação, alegando muitas vezes que é o hábito. Considero que, mesmo que não fosse transferido o local de trabalho, o seu comportamento no trabalho diário é suficiente para chegar à uma conclusão objectiva quanto à sua "capacidade de adaptação".
16. Em relação ao ponto 15, o notado tem como fundamento "Estou a frequentar o curso de Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Macau ", através desta afirmação para defender que tem frequentado o curso de aperfeiçoamento. Portanto, dei-lhe a nota de 6 pontos exactamente por causa disso, senão a avaliação seria ainda mais baixa. Os conhecimentos são amplos, e o que se refere neste ponto é o conhecimento profissional. Mesmo que entendamos que os conhecimentos possam não ter relações directas com o trabalho, devemos considerar se o notado tem, na realidade, aumentado os seus conhecimentos profissionais no trabalho. Além disso, entendo que, para aprender ou obter um novo conhecimento, poderia não ir à escola, que pode ser aprendido no trabalho diário. No entanto, no trabalho diário, não se vê que o notado estuda, por sua própria iniciativa, os instrumentos de salvação, para servir de modelo no ensino dos seus subordinados, pelo contrário, o notado frequentemente mostra-se indiferente. Comparado com outros chefes de posto operacional, é surpreendido que ele tem um conhecimento profissional muito limitado. Basta as entidades competentes fazer exame de amostras para saber as realidades, sendo isto facto indiscutível.
17. O fundamento deduzido pelo notado em relação ao ponto 17 é forçado. Tendo em consideração as atribuições e os tipos de trabalho do Corpo de Bombeiros, a distribuição de trabalho, de facto, tem de ser ponderada cuidadosamente e os funcionários devem desenvolver a sua iniciativa e assumir as suas próprias responsabilidades. Porém, como se relata no ponto 12 acima referido, se o fundamento da avaliação, fosse baseado na categoria, torna-se insignificativo o "Boletim de Informação Individual ". Há muitos exemplos que demonstram que o notado não é responsável.
18. O fundamento deduzido pelo notado em relação ao ponto 23 é totalmente improcedente, depois da transferência da soberania de Macau, têm aumentado as cooperações entre diferentes departamentos e os oficiais são frequentemente nomeados para fazer trabalho do mesmo género. Pelo que gostaria de perguntar se aquela que foram nomeados para participar nestas actividades de trabalho dotam certa ou necessariamente do melhor "espírito de equipa". A resposta é negativa. Pelo contrário, em alguns trabalhos em grupo, especialmente em actividades de grande envergadura, o notado costumava entrar em discussão com os colegas, recusando as cooperações com mil pretextos e desculpas. Claro que é difícil citar exemplos na prova documental para comprovar "o espírito de equipa" do notado, mas considero que pode ser provado através da observação diária ou da pergunta a qualquer colega ou subordinado do notado, como se refere no ponto 13 acima referido.
Conclusão:
Ao elaborar o "Boletim de Informação Individual", considerei não só a minha observação do notado ao longo do ano, mas também o seu registo pessoal, procurando a objectividade e a benevolência ou o rigor da notação estão sujeitos aos critérios uniformizados.
Pelo exposto, em relação à reclamação apresentada pelo notado, após análise e revisão acima referidas, considero razoável a avaliação, e com tendência clemente.
Nestes termos, decido manter o resultado da avaliação.
Nota: A presente revisão do "Boletim de Informação Individual" é elaborada em duplicado.
(...)"; (cfr. fls. 129 a 139).
I) Em 14.07.2005, foi o referido recurso hierárquico indeferido por despacho (n.° XX/XX/XXXX) com o seguinte teor:
"Assunto: Recurso hierárquico
Recorrente: Chefe de Primeira, A, n.º XXXXXX
Acto recorrido: Despacho do Comandante Substituto do CB que homologa a classificação de serviço
A classificação de serviço é um acto complexo da avaliação do desempenho guiado pela apreciação de diversos factores de ponderação os quais no caso do EMFSM, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 66/94/M, de 30 de Dezembro, constam dos Anexos E e F aos n.ºs 1 e 4 do seu artigo.
No caso concreto, e como se vislumbra abundantemente da fundamentação da resposta à reclamação a seu tempo apresentada e que aqui se dá por inteiramente reproduzida e integrada, o processo classificativo obedeceu a um critério rigoroso de apreciação das diversas valências de avaliação do desempenho funcional do ora recorrente.
A classificação de serviço é caracterizada por uma ampla discricionariedade técnica, apenas se auto-vinculando a administração a critérios de justiça, razoabilidade e imparcialidade, no pressuposto, é certo, de que cumpre escrupulosamente a lei.
   Nestes termos e nos do art.º 178.º do referido Estatuto usando da competência que me advem da Ordem Executiva n.° 13/2005, Nego provimento ao presente recurso, para o que me prevaleço da fundamentação de facto e de direito constante da informação elaborado pelo 1.° notador sobre a reclamação, em tempo apresentada, a qual passa “ a fazer parte integrante do presente despacho, assim mantendo a classificação de serviço homologado pelo Comandante Substituto do Corpo de Bombeiros.
Notifique o requerente do presente despacho e, bem assim, de que do mesmo pode recorrer para o TSI, no prazo de 30 dias (a notificação deve ser acompanhada da informação do 1.º notador relativa à reclamação o seu tempo apresentada).
(...)"; (cfr. fls. 5 a 6).
É este o acto recorrido.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
As questões a apreciar são as seguintes:
O primeiro grupo de questões consiste em saber se o Acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia, que acarreta nulidade da decisão, sobre as seguintes questões:
i) Se a notificação feita fora do prazo viola o disposto nos artigos 71.°, 12.°, 60.°, 3.°, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.
ii) Se o órgão competente violou as disposições do artigo 70.°, alínea a) e artigo 3.°, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo ao entregar ao recorrente apenas a cópia do respectivo documento, mas não o texto integral do acto administrativo.
iii) O 1.° notador terá atribuído a classificação em 3 de Fevereiro de 2005, e o 2.° notador terá atribuído a classificação em 18 de Março de 2005, a entidade de homologação acabou por efectuar a homologação em 18 de Maio de 2005; estava em causa apurar se estes actos violam o artigo 169.°, n.os 1 e 5 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e o artigo 12.°, 60.°, 3.°, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.
A segunda questão consiste em saber se o Acórdão recorrido violou a lei ao não considerar que a entidade recorrida exerceu injustificadamente o poder discricionário.
A terceira questão é a de saber se houve violação do princípio da igualdade.

2. Omissão de pronúncia
Quanto às primeira e terceira sub-questões, o Acórdão recorrido pronunciou-se sobre elas logo no início, dizendo que o não cumprimento dos prazos não tem consequência invalidante do acto.
Quanto à segunda sub-questão, como refere a Ex. ma Procuradora-Adjunta, o recorrente na sua petição de recurso contencioso limitou-se a suscitar a questão da falta de tradução do acto administrativo. Não suscitou a questão de não ter sido entregue o texto integral do acto, que nunca seria, aliás, fundamento para anular o acto, pois, pela própria natureza das coisas, a notificação é posterior ao acto e os vícios referem-se ao momento em que o acto administrativo é produzido.
Não havia, pois, qualquer obrigação de o Acórdão recorrido se pronunciar sobre a questão.

3. Justiça administrativa. Sindicância do mérito de notação.
Quanto a esta questão, o Acórdão recorrido entendeu que, quanto ao mérito da notação, os actos administrativos inserem-se na chamada justiça administrativa, só sindicável pelos tribunais em caso de erro grosseiro ou manifesta injustiça.
O recorrente entende que a classificação atribuída ao recorrente não corresponde aos factos já que ela foi de MUITO BOM e BOM antes de ser ferido. E que o recorrente é estudioso e diligente, com bom conhecimentos e experiência de gestão profissional.
A doutrina tem considerado vários casos de discricionariedade imprópria, constituindo figuras que são conceitualmente diferentes do poder discricionário, mas que seguem basicamente o mesmo regime deste.1
Os casos que têm sido considerados como de discricionariedade imprópria são a liberdade probatória, em que a Administração toma decisões depois de recolher certas provas, para se certificar da situação de facto sobre a qual vai incidir a sua decisão jurídica; a discricionariedade técnica, em que a Administração toma decisões com base em estudos prévios de natureza técnica e segundo critérios extraídos de normas técnicas; e a justiça administrativa, em que a Administração toma decisões baseada essencialmente em critérios de justiça material.
A notação de funcionários, a classificação de alunos em exames escolares, a classificação de candidatos em concursos públicos de recrutamento ou provimento e a classificação de propostas em concursos públicos para adjudicação de contratos são considerados como integrando a discricionariedade imprópria, na modalidade de justiça administrativa.
Referindo-se a estes casos de justiça administrativa, escreve FREITAS DO AMARAL2:
“Em todos estes casos - e supondo que não se trata de matérias a resolver por decisão vinculada; supondo portanto que estamos fora do domínio da vinculação legal - os órgãos competentes da Administração pública (nomeadamente, júris de exame, júris de concurso, juntas de recurso, etc.) tomam uma decisão cujo critério não pode ser impugnado em tribunal. Ninguém pode ir a tribunal reclamar da nota que lhe foi dada, ou da classificação em que foi colocado, ou da notação que lhe foi atribuída pelo seu superior hierárquico, com fundamento em que devia ter sido outra e não aquela.
Os tribunais, em casos destes, só podem eventualmente vir a pronunciar-se sobre ilegalidades que tenham sido cometidas: por exemplo, se a decisão foi praticada por um órgão incompetente, o tribunal pode declarar que aquele acto está viciado de incompetência; se no processo de exame ou de concurso não foram respeitadas as formalidades essenciais exigidas por lei, naturalmente que os tribunais poderão vir a anular a decisão com base em vício da forma; se no exercício desta função se tiver cometido o vício de desvio de poder, os tribunais poderão naturalmente anular com base em desvio de poder. Mas trata-se sempre de aspectos em que foi ofendida a vinculação legal”.
Estas considerações aplicam-se de pleno ao caso dos autos.
As razões que têm sido dadas para esta contenção judicial relativamente ao mérito avaliativo ou classificativo residem, por um lado, na falta de meios humanos e técnicos dos tribunais para apreciarem questões eminentemente técnicas3. Certo que sempre poderiam recorrer a peritos em que baseassem os seus julgamentos, mas não haveria garantias que os peritos do Tribunal fossem superiores aos da Administração.4
Por outro lado, aduz-se que neste tipo de decisões existe sempre algum tipo de subjectividade, a que os tribunais também não poderiam fugir.
Por fim, a Administração tem um conhecimento global dos notandos ou avaliandos, permitindo afinar a respectiva bitola classificativa, pois não está em causa apenas a justiça absoluta, de se pronunciar sobre o mérito absoluto de cada funcionário ou candidato, mas também a justiça relativa, de avaliação do mérito relativo de um determinado grupo de funcionários. Ora, ao Tribunal escapa completamente esta vertente, pois tem apenas perante si um caso isolado.
Não obstante, admite-se que, em casos limite, os tribunais possam conhecer do mérito da notação ou da classificação. Como, por exemplo, se se demonstrar o uso de um critério ostensivamente inadmissível ou erro manifesto de apreciação.
Mas no nosso caso, em que está em causa a notação de um funcionário relativamente à sua prestação durante um ano, de 2004, acresce um outro obstáculo à sindicabilidade judicial, que é a irrepetibilidade das percepções ou a impossibilidade probatória, como também acontece, por exemplo, com as provas orais, escolares ou não - mas que não se verifica nas provas escritas5.
Na verdade, não é possível repetir perante os tribunais a prestação de serviço do recorrente durante os 366 dias do ano de 2004. Não é possível os tribunais dizerem se, naquele ano, o recorrente foi estudioso e diligente, como alega. A prova que pudesse ter sido produzida perante o Tribunal a quo e não perante o TUI, que não conhece de matéria de facto, nunca poderia ser minimamente fiável, visto o recorrente exercer as funções de bombeiro.
Improcede, pois, a questão suscitada.

4. Violação do princípio da igualdade
O recorrente não demonstra que a notação violou o princípio da igualdade, não tratando de forma desigual o que não é igual.
Improcede o vício suscitado.

IV - Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
Macau, 08 de Novembro de 2006.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

A Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei

1 Segue-se a descrição de FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, lições policopiadas, Lisboa, 1988, Volume II, p. 168 e segs. Cfr., também BERNARDO DINIZ DE AYALA, O (Défice de) Controlo Judicial da Margem de Livre Decisão Administrativa, Lisboa, Lex, 1995, p. 110 e segs.
2 FREITAS DO AMARAL, Direito..., p. 183 e 184.
3 ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Lisboa, 1972, p. 374.
4 Este argumento tem perdido fulgor na doutrina já que as circunstâncias apontadas ligam-se à dificuldade da prova judicial e nada têm que ver com a liberdade da administração (ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Lisboa, Almedina, 1980, Volume I, p. 249), sendo que, em processos judiciais de outra natureza, nunca se pôs em causa a possibilidade de produção de prova pericial.
5 Mas relativamente a estas provas escritas apontam-se outros obstáculos ao conhecimento do seu mérito por parte dos tribunais, que é o de existir um resíduo de subjectividade – salvo no caso de testes de escolha múltipla (multiple choice) – que também estaria presente na avaliação que o tribunal fizesse, assente numa visão parcelar da realidade em consequência da limitação dos seus poderes cognitivos aos aspectos questionados. Cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo português, de 11 de Dezembro de 1997, Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo n. os 440-441, p. 1061.
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Processo n.º 33/2006