Processo nº 950/2010
(Reclamação para a conferência)
Data: 14/Novembro/2013
Assunto: Reclamação para a conferência
Caso julgado formal
SUMÁRIO
- O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado (artigo 223º, nº 1 do CPC).
- Quaisquer decisões que não sejam de mero expediente, proferidas dentro do processo, uma vez transitadas, passam a ter força obrigatória nessa mesma acção, não podendo o juiz alterá-las.
- Tendo a Reclamante formulado junto do Tribunal Judicial de Base o pedido de suspensão da instância, o qual foi indeferido pelo Juiz de 1ª instância; transitado em julgado a tal decisão, o Tribunal de Segunda Instância está impedido de conhecer de novo do mesmo pedido, sob pena de violação do caso julgado formal.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 950/2010
(Reclamação para a conferência)
Data: 14/Novembro/2013
Reclamante:
- B物業管理
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
RELATÓRIO
B物業管理, Ré nos autos da acção ordinária a correr termos no Tribunal Judicial de Base da RAEM, inconformada com a sentença que julgou parcialmente procedente a acção intentada pela Autora C新村管理委員會, interpôs recurso ordinário da referida decisão.
Admitido o recurso, a Reclamante solicitou, já nesta instância, a suspensão da instância ao abrigo do artigo 220º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil de Macau, tendo o Exmº Relator do Tribunal de Segunda Instância indeferido o pedido por entender não existir causa prejudicial.
Pediu, oportunamente, a Reclamante que a questão fosse submetida à conferência.
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FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com elementos carreados aos autos, encontram-se provados os seguintes factos relevantes para a apreciação da presente reclamação:
- Por sentença de 5 de Julho de 2010 do Tribunal Judicial de Base, foi declarado que os parques de estacionamento do prédio descrito nos autos são parte comum do edifício; a Autora foi reconhecida como administradora dos referidos parques de estacionamento; e a Ré foi condenada a restituir imediatamente à Autora a administração dos mesmos parques de estacionamento;
- A 21 de Julho de 2010, a Ré interpôs recurso da sentença, o qual foi admitido pelo Tribunal a quo em 6 de Setembro de 2010;
- A 18 de Outubro de 2010, a Reclamante solicitou junto do Tribunal a quo a suspensão da instância, com fundamento em ter sido intentada pela Companhia de Construção e Investimento C, Limitada uma acção ordinária no TJB, sob o nº CV3-10-0067-CAO, contra todos os condóminos e residentes daquele edifício, nela se pedia o reconhecimento a favor daquela Companhia o direito de propriedade da área de estacionamento do edifício C San Chun e a condenação dos Réus daquele processo a reconhecerem esse direito e a deliberarem, em assembleia geral expressamente convocada para o efeito, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal por forma a que a área do estacionamento do mencionado edifício passaria a constituir uma fracção autónoma;
- Por decisão do Juiz de 1ª instância, o pedido de suspensão da instância foi indeferido em 3 de Novembro de 2010;
- Subidos os autos a esta Instância, a Reclamante voltou a formular, em 6 de Abril de 2011, junto do Relator do TSI, o pedido de suspensão da instância, com os mesmos fundamentos;
- Por decisão do Relator, foi indeferido o pedido de suspensão, por entender que “a causa de prejudicialidade consiste tão só entre os condóminos e a pretensa proprietária, e nunca entre a recorrente e os condóminos, razão pela qual a eventual procedência da acção da Companhia de Construção e Investimento C não vier nascer o direito vencido nos presentes autos da 1ª Instância, pela forma a determinar o julgamento do presente recurso.”
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Cumpre decidir.
Ao abrigo do artigo 223º, nº 1 do Código de Processo Civil de Macau, dispõe-se que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Conforme se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra, de 18/Dez/1984, CJ, 1984, 5º-101, citado a título exemplificativo em termos de direito comparado, “uma causa é prejudicial de outra quando a decisão a proferir na prejudicial pode destruir a razão de ser da acção a suspender”.
Para a Reclamante, pretende ela ver a presente instância recursória suspensa por entender que se vier a ser reconhecido à Companhia de Construção e Investimento C o direito de propriedade dos parques de estacionamento em causa, terá aquela Companhia direito de os administrar ou escolher pessoa que entender para os administrar.
Salvo o devido respeito, independentemente de existir ou não uma causa prejudicial, entendemos não assistir razão à Reclamante por uma simples razão: o despacho de suspensão da instância já assumiu força de caso julgado formal.
Estatui-se no artigo 575º do Código de Processo Civil que “os despachos, bem como as sentenças, que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por sua natureza não admitirem recurso”.
Por outras palavras, quaisquer decisões que não sejam de mero expediente, proferidas dentro do processo, uma vez transitadas, passam a ter força obrigatória nessa mesma acção, não podendo o juiz alterá-las.
De facto, olhando para a matéria dos autos, podemos verificar que a Reclamante já formulou em 18 de Outubro de 2010 junto do Tribunal Judicial de Base o pedido de suspensão da instância, mas por decisão do Juiz de 1ª Instância, foi o mesmo indeferido em 3 de Novembro de 2010.
Desta decisão não recorreu a Reclamante, pelo que transitou oportunamente em julgado.
Uma vez julgada definitivamente a questão, digamos de suspensão da instância, obsta a que no mesmo processo essa mesma questão se decida em termos diferentes, daí que o despacho do Juiz de 1ª Instância passou a gozar de força e autoridade de caso julgado formal.
Igual entendimento tem sido seguido na jurisprudência portuguesa, citando-se a seguir em termos de direito comparado, os seguintes arestos:
- “Se o despacho que decreta a suspensão da instância não é impugnado tempestivamente transitou em julgado, e passa a gozar a de força e autoridade de caso julgado formal, obstando a que no mesmo processo se decidia diferentemente.” – STJ, 2/Dezembro/1993, ADSTA, 388º-495;
- “O caso julgado formal incide tão só sobre questões de carácter processual e apenas obsta a que na mesma acção se possa alterar a decisão, mas nada impede que noutra acção a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes.” – STJ, 28/Junho/1994, CJ/Acs. STJ, 1994, 2º-159;
- “O poder facultado ao juiz pelo nº 1 do artigo 279º do CPC não é discricionário, dependendo o seu exercício da verificação da pendência da causa prejudicial; a decisão que vier a ser promanada da causa indicada como prejudicial tem que revestir a virtualidade de uma efectiva e real influência na causa suspensa, por forma a poder concluir-se que a decisão deste depende incontornavelmente daquela; consequentemente, só nesta hipótese é que o despacho de suspensão da instância assume força de caso julgado formal, nos termos do artigo 672º do CPC.” – STJ, 18/Abril/2002, Agr. Nº 14/02-2ª, Sumários, 4/2002
Destarte, constituindo o caso julgado uma excepção dilatória cujo conhecimento é oficioso, estamos impedidos de conhecer (de novo) do pedido de suspensão da instância formulado pela Reclamante em 6 de Abril de 2011.
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DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a reclamação, embora com fundamentos diversos.
Custas pela Reclamante.
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Macau, 14 de Novembro de 2013
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Tong Hio Fong
(Relator)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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João Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
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