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Processo nº 40/2013 Data: 07.11.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Contravenção laboral.
Erro notório na apreciação da prova.
Dolo.
Absolvição.



SUMÁRIO

1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”, e que “é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal

2. Em sede de processo de transgressão laboral, que não deixa de ter a natureza de “processo penal”, inviável é a condenação sem efectiva (e clara) prova não só do elemento objectivo da infracção, mas também do elemento subjectivo.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 40/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida nos Autos de Processo Contravencional n.° CR4-12-0044-LCT decidiu-se absolver a “B MACAU, S.A.” da imputada prática de 7 contravenções laborais p. e p. pelo art. 10°, al. 5), e art. 85°, n.° 1, al. 2), da Lei n.° 7/2008; (cfr., fls. 4802 a 4806 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado com o assim decidido, o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorreu, assacando, em síntese, à decisão recorrida, o vício de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 4816 a 4821-v).

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Em resposta, considera a arguida que se deve negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida; (cfr., fls. 4825 a 4828-v).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., foram os mesmos com vista ao Ministério Público.

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Junto que agora foi douto Parecer, considerando-se que o recurso devia ser julgado procedente, (cfr., fls. 1238 a 1242), seguiram os autos para audiência de julgamento a que alude o art. 411° do C.P.P.M., a qual decorreu com integral observância do formalismo legal.

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados (e não provados) os factos como tal elencados na sentença recorrida, a fls. 4802-v a 4803-v, que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos.

Do direito

3. Vem o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que absolveu a arguida (B) da imputada prática de 7 contravenções laborais p. e p. pelo art. 10°, al. 5) e art. 85°, n.° 1, al. 2) da Lei n.° 7/2008.

E, como atrás já se deixou relatado, assaca à dita decisão o vício de “erro notório na apreciação da prova”.

Ora, como em situações análogas tem este T.S.I. entendido – ainda que por maioria – não se mostra de reconhecer razão ao Exmo. Recorrente; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 06.12.2012, 13.12.2012 e 07.03.2013, tirados nos Processos n.°768/2012, 684/2012 e 868/2012).

Vejamos.

É entendimento firme e unânime deste T.S.I. que o vício de erro notório “existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 21.03.2013, Proc. n.° 113/2013 do ora relator, e, no mesmo sentido, o recente Acórdão do Vdo T.U.I. de 20.03.2013, Proc. n.° 3/2013).

No caso dos autos, diz o Exmo. Recorrente que o aludido “vício” ocorre dado que não devia o Tribunal a quo dar como não provado que o “Guia de Benefícios datado de 26.12.2006” não era aplicável aos Trabalhadores da B.

Todavia, e como se deixou adiantado, outro é o nosso entendimento, pois que não se vislumbra “onde”, “como” ou “em que termos”, tenha a decisão em questão – de dar como não provada a aplicabilidade do referido “Guia” – violado qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, (que nem o recorrente identifica).

No fundo, o que (parece que) se pretende discutir é a “convicção” do Exmo. Recorrente e a do Tribunal a quo.

Porém, certo sendo que em sede de apreciação da prova aplica-se o princípio da “livre apreciação da prova” consagrado no art. 114° do C.P.P.M., – e não tendo Mmo Juiz a quo desrespeitado qualquer “regra” (acima referida e) que se lhe impunha em tal tarefa – outra solução não existe que não seja a improcedência do presente recurso.

Ademais, e como também já decidiu este T.S.I.:

“Em sede de um processo de “transgressão laboral”, que não deixa de ser um processo de “natureza penal”, legal não é presumir o dolo ou negligência do arguido, não havendo também lugar a “responsabilidade objectiva”…; (cfr., v.g., Ac. de 13.12.2012, Proc. n.° 796/2012).

No caso, provado não estando também o “elemento subjectivo” dos ilícitos imputados à arguida, à vista está a solução.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, acordam negar provimento ao recurso.

Sem tributação (dada a isenção do Ministério Público).

Macau, aos 07 de Novembro de 2013

(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (vencido, por entender dever proceder o recurso do MP).

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