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Processo nº 464/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 21 de Novembro de 2013

ASSUNTO:
- Direito de regresso
- Prazo prescricional
- Artº 491º, nºs 2 e 3 do CCM

SUMÁRIO
- O legislador prevê no nº 2 do artº 490º do CCM que o direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis, mas tal não quer dizer que tem de existir necessariamente culpa de todos os responsáveis.
- O que o legislador pretende é justamente estabelecer somente uma regra geral do quantum do regresso, que é calculado em função da culpa de cada um dos responsáveis, podendo ser uma proporcionalidade de culpa de 0 para o responsável A e 100% para o responsável B.
- O direito indemnizatório emergente do facto ilícito difere-se do direito de regresso, sendo este último um direito ex novo, que nasce com o cumprimento da obrigação da indemnização e que nada tem a ver com a fonte geradora da obrigação de indemnização.
- A extensão do prazo prescricional prevista no nº 3 do artº 491º do CCM prende-se com a gravidade acentuada do facto ilícito lesante e com o princípio da adesão estabelecido no artº 60º do CPPM, nos termos do qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, em acção cível, nos casos previstos na lei.
- Estas razões determinantes do alargamento do prazo prescricional do direito de indemnização não se verificam no caso do direito de regresso, que é uma realidade jurídica distinta e autónoma em relação ao primeiro na medida em que a sua fonte (cumprimento da obrigação indemnizatória) é sempre um facto lícito, pelo que não lhe é aplicável este regime.
O Relator,
Ho Wai Neng











Processo nº 464/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 21 de Novembro de 2013
Recorrente: A (Autor)
Recorrido: B (Réu)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por saneador-sentença de 04/02/2013, julgou-se procedente a excepção da prescrição invocada pelo Réu, B, absolvendo-o consequentemente do pedido formulado pelo Autor, A.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Vem o presente recurso interposto do saneador-sentença proferido nos presentes autos, de fls. 56-59, unicamente na parte em que julgou procedente a excepção de prescrição invocada pelo Réu, absolvendo-o consequentemente do pedido formulado pelo Autor, o qual se baseia no direito de regresso previsto no n.º 4 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro;
II. O Recorrente foi proprietário do motociclo com a chapa de matrícula XXX, envolvido num acidente de viação ocorrido em 10 de Fevereiro de 1993, no qual o Réu-Recorrido B - que então conduzia o referido motociclo - foi considerado único e exclusivo culpado em virtude da sua condução descuidada e negligente, conforme sentença transitada em julgado em 11 de Julho de 2000;
III. Dado que o Recorrente não dispunha, à data do acidente, de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel válido e eficaz, foi o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo (FGAM) condenado ao pagamento de uma indemnização ao lesado;
IV. Em cumprimento da decisão judicial, o FGAM pagou integralmente ao lesado, em 11 de Dezembro de 2000, a indemnização a que fôra condenado;
V. Por sentença transitada em julgado no dia 20 de Abril de 2005, foram o Réu/Recorrido B e o Recorrente condenados a pagar ao FGAM a referida quantia, acrescida de juros de mora e das despesas de cobrança judicial.
VI. Em execução da decisão judicial supra referida, o Recorrente pagou ao FGAM, em 20 de Agosto de 2007, a quantia de MOP$795.015,90;
VII. A presente acção de regresso deu entrada no dia 30 de Maio de 2012;
VIII. O n.º 2 do artigo 491.° do Código Civil de Macau, na locução "direito de regresso entre os responsáveis" refere-se apenas às pessoas aludidas no artigo anterior, ou seja, aos que incorrem em responsabilidade por factos ilícitos, não incluindo portanto os proprietários/sujeitos da obrigação de segurar que não intervieram nem deram causa ao acidente;
IX. O direito de regresso entre os responsáveis, a que o n.º 2 do artigo 491.° do Código Civil de Macau se refere, é aquele previsto no n.º 2 do artigo 490.° do mesmo Código e que existe "na medida das respectivas culpas";
X. A responsabilidade solidária prevista pelo n.º 1 do artigo 490.° do Código Civil de Macau abrange somente aquelas pessoas directamente responsáveis, por efeito da aplicação das regras que definem a responsabilidade civil por facto ilícito, como sucede, por exemplo, com as pessoas referidas nos artigos 483.°, 484.° ou 486.° do Código Civil de Macau, nestas não se incluindo o obrigado ao seguro, pois que a sua actuação não gerou o acidente nem produziu qualquer dano à vítima;
XI. Estando os artigos 490.° e 491.° do Código Civil de Macau inseridos na secção que prevê a responsabilidade civil a título de culpa, supõem que todos os responsáveis solidários são culpados, embora uns mais que outros.
XII. O preceito não visa, portanto, um não culpado a pedir regresso contra quem quer que seja, pois se o sujeito não teve culpa na produção do acidente, não se põe o problema de ser responsabilizado pelo n.º 1 do artigo 490.° do Código Civil de Macau;
XIII. A sistemática dos preceitos, e pelo que agora nos ocupa, o artigo 490.°, só permite concluir que neste artigo o legislador teve em vista tão somente a solidariedade dos responsáveis pela culpa e o consequente direito de regresso entre estes;
XIV. Os "responsáveis pelos danos" a que alude o n.º 1 do artigo 490.° e os "responsáveis" do n.º 2 do artigo 491.° subsequente só podem ser os que culposamente causaram o dano;
XV. A obrigação de segurar, como decorre do artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro, é apenas imposta para que a viatura possa circular e na justa medida em que o seu proprietário possa ser civilmente responsável pela reparação dos danos causados pela dita viatura, a terceiros;
XVI. No que toca ao dono do veículo causador do acidente, a responsabilidade não se filia na simples circunstância de não ter cumprido a obrigação de segurar, pois que tal obrigação é uma obrigação de garantia, que existe, só e na medida, da obrigação de responsabilidade que garante;
XVII. A condenação do obrigado ao seguro a pagar ao FGAM o montante que este havia satisfeito em primeira mão ao lesado, resulta de responsabilidade civil aquiliana direccionada unicamente à protecção do terceiro lesado;
XVIII. O Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro, visa exclusivamente a protecção dos lesados em acidentes de viação, procurando acautelar outrossim o pagamento das indemnizações que sejam devidas a terceiros;
XIX. O lesante-causador do acidente não pode demandar o proprietário do veículo, para obter dele o que pagou ao FGAM, com base no omissão de segurar daquele, por falta de ilicitude desta conduta em relação aos danos peticionados pelo mesmo causador do acidente;
XX. A responsabilidade do obrigado ao seguro não se insere na subsecção do Código Civil relativa à responsabilidade por factos ilícitos (artigos 477.° a 491.° do referido Código), ancorando-se em norma especial e directamente no n.º 3 do artigo 25.° do citado diploma e, só de forma mediata, nos artigos 506.° e 500.° do Código Civil de Macau;
XXI. O direito (de regresso) das «pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro» (previsto no n.º 4 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro) é de natureza excepcional, não resultando do n.º 2 do artigo 500.°; do n.º 2 do artigo 490.°; ou do artigo 517.°, todos do Código Civil de Macau, conferindo-lhes o benefício unilateral «do direito de regresso contra outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente às quantias que tiverem pago.»;
XXII. A responsabilidade solidária do Autor e do Réu não advém do n.º 1 do artigo 490.° do Código Civil de Macau, nem o seu direito de regresso do n.º 2 do mesmo artigo;
XXIII. O curto prazo prescricional previsto no n.º 2 do artigo 491.° do Código Civil de Macau é claramente um prazo excepcional face ao prazo ordinário do artigo 302.°;
XXIV. A razão da prescrição de curto prazo prevista no artigo 491.° do Código Civil de Macau «está em que os elementos da responsabilidade civil, e, sobretudo, o dano, têm, em regra, de ser provados com testemunhas e, passado longo tempo sobre o facto ilícito, pode ser muito difícil apurar devidamente os factos.»;
XXV. «Esta prescrição funda-se na conveniência de compelir os lesados a, podendo e querendo exercer o direito de indemnização, o exercerem em prazo curto, a fim de esse direito não ter de ser apreciado a longa distância dos factos (...).»
XXVI. Se são essencialmente razões de protecção da certeza e segurança do tráfico jurídico e de estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não serem negligentes e descurarem o seu exercício, que estão subjacentes ao prazo ordinário de prescrição,
XXVII. já quanto à prescrição especial do direito de indemnização resultante de acidente de viação e do respectivo exercício do direito de regresso "entre os responsáveis", o que importa é obstar a dificuldades de prova a longa distância temporal;
XXVIII. No caso sub judice tais razões já não relevam ou apontam antes para solução alternativa, pois estando a responsabilidade de todos os sujeitos - lesante (aqui Réu-Recorrido); obrigado ao seguro (ora Autor-Recorrente); FGAM (garante); demais intervenientes no acidente de viação e respectivas companhias seguradoras - já definida por sentença transitada em julgado, proferida contra o próprio Réu, nada justifica a manutenção de um prazo excepcional de prescrição;
XXIX. Tendo sido proferida uma primeira sentença de condenação contra o Réu-Recorrido, em 9 de Fevereiro de 1999 - transitada em julgado em 11 de Julho de 2000 -, na qual se discutiu minuciosamente o acidente de viação e este foi condenado a pagar à vítima do acidente o montante em causa; e, segunda sentença de condenação, em 17 de Março de 2005, pela qual este ficou (também) obrigado ao pagamento da quantia que o FGAM desembolsou a favor do lesado, este não podia legitimamente contar com a prescrição de qualquer direito antes de decorridos 15 anos, sendo antes aplicável o prazo ordinário, por força do artigo 304.° do Código Civil de Macau;
XXX. Tornando-se definitivamente certo um direito de prazo curto de prescrição, com o trânsito em julgado da decisão que reconhece tal direito, desaparecem os fundamentos prescricionais da certeza e segurança jurídica e de dificuldade de prova que justificavam tal prazo mais curto;
XXXI. Porque o direito está previamente definido por sentenças proferidas contra o RéuRecorrido, em acções em que este interveio, e porque o Autor-Recorrente sucede "em cascata" ao lesado e ao FGAM, evidente se torna que o direito ao reembolso não pode prescrever antes de, pelo menos, quinze anos a partir do trânsito em julgado da última decisão em causa;
XXXII. Esta perspectiva traduz seguramente a solução normativa mais conforme aos princípios da justiça e da proporcionalidade, o que não aconteceria com outra que conduzisse a isentar de qualquer consequência jurídica desfavorável a ilicitude cometida pelo Réu-Recorrido, expressa na produção culposa das lesões emergentes do acidente, elevasse a que fosse um terceiro a ter de suportar definitivamente o valor das indemnizações devidas, com injustificado e inadmissível benefício do lesante, já depois de este ter sido condenado;
XXXIII. A prescrição de curto prevista no n.º 2 do artigo 491.° do CC de Macau só teria cabimento se, porventura, o Autor-Recorrente tivesse pago ao FGAM ou ao lesado antes do direito destes se ter tornado certo por sentença transitada em julgado;
XXXIV. Toda a filosofia da hermenêutica se deve orientar pelo principio da «odiosa restringenda»: deve interpretar-se restritivamente a lei que tenha uma consequência odiosa, desagradável;
XXXV. Tal é o que acontece com toda a lei que estabelece uma prescrição, e, tanto pior, quanto mais curto for o prazo dessa prescrição. É algo imoral que o simples decurso do tempo possa, sem mais, aniquilar um direito. E muito pior se isso resultar de lei excepcional (prazo de 3 anos), relativamente a lei geral (prazo de 15 anos);
XXXVI. O n.º 2 do artigo 491.° do Código Civil de Macau deve interpretar-se restritivamente, sob pena de se atraiçoar o propósito do legislador, quando o direito que o autor accionou na acção já só muito indirectamente se fundamenta no acidente de viação, passando a basear-se fundamentalmente no seu direito de ser reembolsado daquilo que pagou ao FGAM (e que este pagara ao lesado), pagamento que teve como consequência este ficar constituído no direito de regresso previsto em lei especial;
XXXVII. Na impossibilidade de se aplicar ao caso o prazo especial a que alude o n.º 2 do artigo 491.° do Código Civil de Macau, só resta a aplicação do prazo geral de prescrição previsto no artigo 302.° do mesmo Código. Aliás, sem qualquer inconveniente jurídico para quem quer que seja já que o Réu-Recorrido legitimamente não podia sequer contar com prazo mais curto, pois foi condenado a pagar a indemnização decorrente da produção culposa das lesões emergentes do acidente, por força do caso julgado formado nas duas precedentes acções;
XXXVIII. No caso sub judice, apurada que está a factualidade do acidente e a responsabilidade das partes (quer do Autor, quer do Réu), por sentença contra elas proferida e transitada em julgado, o direito de regresso previsto no n.º 4 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro, está sujeito ao prazo de prescrição ordinário vertido no artigo 302.° do Código Civil de Macau;
XXXIX. Nas situações qualificadas como de «solidariedade imprópria» - como a dos autos , os vários devedores não estão situados num mesmo plano, incumbindo a um deles, em primeira linha, assegurar perante o credor a plena e total realização da prestação devida, mas podendo, num segundo momento, repercutir a totalidade daquilo que foi chamado a pagar sobre o património do devedor, principal e definitivo;
XL. A circunstância de os pressupostos da figura da sub-rogação legal serem definidos pelo citado artigo 586.° com razoável amplitude, com base em conceitosrelativamente indeterminados - interesse «directo» no cumprimento; posição de «garante» da obrigação -, tem levado a jurisprudência, com fundamento em razões de equidade e razoabilidade, a configurar como sendo a sub-rogação o instrumento jurídico adequado para, fora do domínio da típica solidariedade passiva, o devedor que, cumprindo a obrigação, não deva ser definitivamente responsabilizado pelo valor da prestação, se reembolsar à custa de quem deva, segundo juízos de justiça e equidade, em última análise, suportar a prestação devida, evitando, nomeadamente, um injustificado benefício do lesante;
XLI. Esta perspectiva é obviamente relevante no caso dos autos, pois sendo de subrogação e não de regresso o direito do Autor-Recorrente, já se vê que o prazo de prescrição, por força do disposto no n.º 1 do artigo 304.° do Código Civil de Macau, será o prazo ordinário a que alude o artigo 302.° do mesmo Código;
XLII. Ainda que se viesse a considerar que o n.º 2 do artigo 491.° do Código Civil de Macau tinha aplicação in casu, ainda assim, afigura-se ao Recorrente que o prazo prescricional ali previsto não poderia ter surtido os seus efeitos, dado que, nessa hipótese, então o disposto no n.º 3 do mesmo artigo também teria de ser aplicável ao direito de regresso em questão, verificado que esteja o único requisito para a sua aplicação, que é o facto ilícito constituir crime sujeito a prazo de prescrição mais longo do que o dos n.ºs 1 e 2 desse mesmo normativo;
XLIII. Se ao facto ilícito corresponder crime abstractamente sujeito a prazo de prescrição superior a três anos, aqueles que reclamem indemnizações ao abrigo de um direito de regresso podem ver alargado o prazo prescricional, sendo-lhes aplicável o que ao crime couber;
XLIV. O comportamento do Réu-Recorrido pode ser tipificado como constitutivo de um crime de ofensa grave à integridade física - cfr. artigo 138.° do Código Penal -, ao qual, atenta a moldura penal aplicável, se subsume, em termos de prazo prescricional, à alínea c) do n.º 1 do artigo 110.° do Código Penal de Macau, que prevê um prazo de prescrição de 10 anos;
XLV. De acordo com as disposições combinadas do n.º 3 do artigo 491.° do Código Civil de Macau e da alínea c) do n.º 1 do artigo 110.° do Código Penal de Macau, e tendo em conta o prazo de prescrição aplicável, crê o Recorrente que, ainda assim, não teria operado o prazo prescricional invocado pelo Réu, dado que o cumprimento pelo Autor ocorreu em 20/08/2007 e a acção deu entrada no tribunal em 30/05/2012;
XLVI. Ao não interpretar as referidas disposições legais na forma aqui assinalada, o Tribunal a que violou os artigos 9.°, 10.°, 302.°, 304.°, 490.°, 491.°, n.º 2, 586.° e 587.°, todos do Código Civil de Macau, bem como o n.º 4 do artigo 25.° do DecretoLei n.º 57/94/M, de 28 de Novembro;
XLVII. Assim não se entendendo, então sempre terá sido violado o disposto no n.º 3 do artigo 491.° do Código Civil de Macau, em conjugação com o disposto no artigo 138.° e na alínea c) do n.º 1 do artigo 110.°, ambos do Código Penal de Macau, e, bem assim, nos artigos 6.° e 434.° do CPC de Macau;
XLVIII. Atento o disposto no n.º 2 do artigo 630.° do CPC de Macau, o presente Tribunal poderá conhecer das questões não conhecidas pelo Tribunal a cuo, por as mesmas terem saído prejudicadas pela questão da prescrição, dado que a decisão sobre a matéria de facto e demais documentação constante dos autos permite que esse conhecimento possa ter lugar;
XLIX. Não se justifica a remessa dos autos à Primeira Instância para prolação de uma decisão se a matéria de facto e demais documentação constante dos autos permite que esse conhecimento tenha lugar pelo Tribunal de Segunda Instância.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. No processo que correu termos no TJB sob o número CV2-02-0028-CAO B e A por sentença de 17.03.2005 foram condenados a pagar ao Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo a quantia de MOP$500.000,00 acrescido dos juros de mora contados desde 11.12.2000 e de MOP$18.259,00 a titulo de reembolso das despesas de cobrança judicial.
2. A em 20.08.2007 pagou ao Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo a quantia de MOP$795.015,90 referente à liquidação do capital, juros e reembolso das despesas de cobrança judicial referidos na sentença que antecede.
3. A acção foi instaurada em 30.05.2012.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III – Fundamentação
Defende o recorrente que o seu direito de regresso previsto no nº 4 do artº 25º do DL nº 57/94/M, de 28 de Novembro, está sujeito ao prazo de prescrição ordinária nos termos do artº 302º do CCM, e não ao do nº 2 do artº 491º do mesmo Código, por entender que “o n.º 2 do artigo 491.° do Código Civil de Macau, na locução "direito de regresso entre os responsáveis" refere-se apenas às pessoas aludidas no artigo anterior, ou seja, aos que incorrem em responsabilidade por factos ilícitos, não incluindo portanto os proprietários/sujeitos da obrigação de segurar que não intervieram nem deram causa ao acidente”, que é o seu caso.
A título subsidiário, sustenta que o alargamento do prazo prescricional previsto no nº 3 do artº 491º do CCM também se aplica ao caso do direito de regresso.
Começamos então a analisar o argumento principal do recorrente.
Dispõe artº 491º do CCM que:
1. O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2. Prescreve igualmente no prazo de 3 anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3. Se o facto ilícito constituir crime para cujo procedimento a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável; contudo, se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa, mas não antes de decorrido o prazo referido na primeira parte do n.º 1.
4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.
É certo que o artº 491º do CCM está inserido na secção que prevê a responsabilidade civil por facto ilícito, mas isto não significa que “o direito de regresso entre os responsáveis” estabelecido no seu nº 2 se refere apenas aos responsáveis solidários directamente culpados no incidente.
O legislador prevê no nº 2 do artº 490º do CCM que o direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis, mas tal não quer dizer que tem de existir necessariamente culpa de todos os responsáveis.
Salvo o devido respeito, entendemos o que o legislador pretende é justamente estabelecer somente uma regra geral do quantum do regresso, que é calculado em função da culpa de cada um dos responsáveis, podendo ser uma proporcionalidade de culpa de 0 para o responsável A e 100% para o responsável B. Neste último, se o responsável A liquidou a indemnização devida, tem o direito de exigir ao B o reembolso da totalidade da quantia indemnizatória paga.
Aliás, se o próprio direito indemnizatório do lesado prescreve no prazo de 3 anos, não faria sentido de que o direito de regresso emergente do cumprimento do primeiro pode ter um prazo prescricional 5 vezes superior.
Assim, é de negar provimento ao recurso nesta parte.
Passamos agora para o fundamento subsidiário.
Será que o alargamento do prazo prescricional previsto no nº 3 do artº 491º do CCM se aplicará também ao caso do direito de regresso?
Para nós, a resposta não deixará de ser negativa.
Vejamos a sua razão de ser.
Em primeiro lugar, o direito indemnizatório emergente do facto ilícito difere-se do direito de regresso, sendo este último resultante do cumprimento do primeiro.
Ou seja, o direito de regresso é um direito ex novo, que nasce com o cumprimento da obrigação da indemnização e que nada tem a ver com a fonte geradora da obrigação de indemnização.
Como se vê, a fonte do direito de regresso – o cumprimento da obrigação indemnizatória – é sempre um facto lícito.
A extensão do prazo prescricional prevista no nº 3 do artº 491º do CCM prende-se com a gravidade acentuada do facto ilícito lesante e com o princípio da adesão estabelecido no artº 60º do CPPM, nos termos do qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, em acção cível, nos casos previstos na lei.
Pois, se o prazo de prescrição criminal ainda não decorreu, seria ilógica que se extinguisse o direito à indemnização civil, direito esse que está conexo com o crime e tem de ser exercido no processo penal, salvo os casos excepcionais legais.
Ora, estas razões determinantes do alargamento do prazo prescricional do direito de indemnização não se verifica no caso do direito de regresso, que é uma realidade jurídica distinta e autónoma em relação ao primeiro na medida em que a sua fonte (cumprimento da obrigação indemnizatória) é sempre um facto lícito.
Nesta conformidade, se conclui pela não aplicabilidade da extensão do prazo prevista no nº 3 do artº 491º do CCM para a prescrição do direito de regresso dos responsáveis solidários.
Sobre a mesma questão problemática, a jurisprudência dominante do STJ1 de Portugal, cuja raíz jurídica é idêntica à nossa e citamos em homenagem do estudo do Direito Comparado e a título exemplificativo, também é no sentido de que o direito de regresso da seguradora (não tendo portanto qualquer culpa no acidente) que pagou uma indemnização ao abrigo do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel causador do acidente que originou os danos objecto daquela indemnização, está sujeito ao prazo de prescrição de 3 anos, previsto no nº 2 do artº 498º do C.Civil de Portugal (idêntico ao nº 2 do artº 491º do CCM), não se aplicando ao mesmo o prazo da extensão do nº 3.
*
Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pelo Autor.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 21 de Novembro de 2013.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong

1 Acs. do STJ, de 05/06/2012, Proc. nº 32/09.3TBSRQ.L1.S1, de 29/11/2011, Proc. nº 1507/10.7TBPNF.P1.S1, de 18/10/2012, Proc. nº 56/10.8TBCVL-A.C1.S1, de 17/11/2011, Proc. nº 1372/10.4T2AVR.C1.S1, de 16/11/2010, Proc. nº 2119/07.8TBLLF.F1.S1, de 04/11/2010, Proc. nº 2564/08.1TBCB.A.C1.S1, todos in www.dgsi.pt
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