Processo nº 935/2012
Data do Acórdão: 21NOV2013
Assuntos:
impugnação da matéria de facto
contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal
SUMÁRIO
1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.
2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.
3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 935/2012
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
A, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.
Citada a Ré, contestou deduzindo excepção de prescrição e pugnando pela improcedência da acção.
No despacho saneador, foi julgada parcialmente procedente a invocada excepção da prescrição, e julgado prescrito o direito reclamado pelo Autor relativamente à compensação por trabalho prestado em data anterior a 04AGO1988.
Continuando a marcha processual na sua tramitação normal, veio a final a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$528,00 e HKD$4.569,60, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar nos termos consignados na página 13 da sentença (fls. 167 dos autos).
Inconformado com a decisão final, o Autor recorreu dela para o Tribunal de Segunda Instância.
Por Acórdão tirado em 20OUT2011, foi anulado o julgamento de primeira instância e determinado que se efectuasse novo julgamento para se suprir as deficiências, podendo o TJB ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições na decisão.
Baixados os autos e realizado o novo julgamento, veio a acção a ser julgada parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$679,80 e HKD$3.545,60, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar nos termos consignados na sentença anterior (conforme se vê melhor nas fls. 294 dos autos)
Inconformado com a decisão do novo julgamento, o Autor recorreu da mesma para o Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo que:
1.a As denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal Recorrida violaria o seu dever legal de pagar ao Autor/Recorrente, um seu trabalhador, um salário justo e adequado.
2.a Admitindo que haja várias opiniões sobre o respectivo conceito, nessa Alta Instância, tem sido entendido que "salário justo e adequado deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo"
3.a É, pois, esta uma das questões que o Recorrente traz à reapreciação do Tribunal de Segunda Instância, requerendo que a douta sentença recorrida seja revogada nesta parte, considerando-se que, efectivamente, as gorjetas recebidas pelo Recorrente integravam o seu salário e, em consequência, para o cálculo das diferentes indemnizações, devem ser tomadas em consideração.
4.a Ao considerar que as gorjetas não integram o salário do Recorrente, a sentença recorrida violou flagrantemente o conceito de salário justo consagrado no artigo 27.°, n.º 1 do D.L. n.º 101/84/M e no 25.°, n.º 1, do D.L. n.º 24/89/M, dado que retira ratio as citadas normas.
5.a Pese o facto de a douta Sentença recorrida ter considerado procedente a pretensão do Autor/Recorrente ser compensado pelo facto de ter prestado trabalho em dias de descanso semanal e de descanso anual, a fórmula encontrada está desajustada, tendo em consideração o que sobre elas os dois diplomas aplicáveis - o Decreto-Lei n.º101/84/M e o Decreto-Lei n.º 24/89/M - dispõem.
6.a Relativamente aos dias de descanso semanal não gozados no período de tempo compreendido entre 04/08/1988 e 02/04/1989, cuja indemnização o Tribunal a quo não fixou, ao Recorrente deve ser pago um (1) salário como factor da indemnização por cada dia de trabalho prestado nos dias de descanso semanal, ao abrigo do artigo 17.°, n.º 4, do D.L. n.º 101/84/M.
7.a No que se refere à indemnização do trabalho prestado nos dias de descanso semanal no período de tempo compreendido entre 03/04/1989 e 12/12/1993, a fórmula para o cálculo deve ser AxBx2, e não AxBx1 como o decidido pelo Tribunal a quo, pois o Recorrente tem direito ao dobro do salário diário por trabalhos prestados nos dias de descanso semanal, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 6, do D.L. n.º 24/89/M.
8.a Quanto ao descanso anual não gozado no período de tempo compreendido entre 04/08/1988 e 02/04/1989, cuja indemnização o Tribunal a quo não fixou, ao Recorrente deve ser pago um (1) salário como factor da indemnização por cada dia de trabalho prestado nos dias de descanso anual, ao abrigo do artigo 24.°, n.º 2, do D.L. n.º 101/84/M.
9.a O ora Recorrente não pode deixar de impugnar a decisão de facto constante da douta decisão recorrida, especialmente a resposta negativa do quesito 7.° da base instrutória: “A Autora prestou serviço nos feriados obrigatórios do período em que durou a sua relação laboral?”, especialmente se se tomar em consideração que deu por assente o facto 14 “Ao autor nunca foi pago qualquer acréscimo salarial a título de serviços prestados em dias feriados obrigatórios”.
10.a Não obstante o princípio da livre apreciação das provas, a análise da prova testemunhal sobre este específico facto, face ao estrito respeito pelo critério de objetividade e das regras da experiência comum, conduzem à conclusão de que o Autor/Recorrente, enquanto trabalhador da Ré, não gozou os feriados obrigatórios, tal como não gozou os dias de descanso semanais nem os dias de descanso anuais, factos que foram dados por assentes.
11.a Na sequencia da existência de erro de decisão de facto no tocante à resposta negativa dada ao quesito 7.° da Base Instrutória, a qual deve passar a ser positiva (provada) e, concomitantemente, que a matéria do referido quesito passe a ser dado como plenamente assente no sentido de que o recorrente prestou serviços nos feriados obrigatórios do período em que durou a sua relação laboral, e enquanto tal deve ser compensado nos termos previstos na lei, aplicando-se as mesmas fórmulas que já constam da jurisprudência desse Venerando Tribunal de Segunda Instância.
12.a O Recorrente impugnou a matéria de facto respeitante ao quesito 7.° da Base Instrutória, tendo indicado expressamente qual a prova feita que impunha uma outra conclusão e tendo, também, indicado as passagens da gravação em que se funda o erro na apreciação da prova, uma vez que esta foi gravada.
NESTES TERMOS e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerando Juízes, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogada a decisão e substituída por outra, que condene a Recorrida a pagar ao Recorrente as compensações a que este tem direito, tomando em consideração que as gorjetas integravam o salário do Recorrente e aplicandose as fórmulas previstas nos diplomas aplicáveis para cálculo das mesmas.
Assim procedendo, farão Vossas Excelências, Venerandos Juízes,
JUSTIÇA!
Ao que respondeu a Ré pugnando pela improcedência do recurso – vide as fls. 327 a 345 dos p. autos.
Por sua vez, a Ré, não se conformando com o decidido em relação à compensação do trabalho prestado em dias de descanso anual, veio interpor recurso subordinado dessa parte da condenação, alegando em síntese de que não tendo sido demonstrado nos autos o impedimento por parte da Ré para o gozo pelo Autor do seu direito aos descansos anuais, nada mais tem a Ré a pagar ao Autor que já recebeu a remuneração do trabalho prestado nos dias de descanso anual.
Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Comecemos pelo recurso interposto pelo Autor.
II
Impugnação da matéria de facto
Constatando-se nas conclusões tecidas na minuta do recurso que o Autor veio a impugnar a resposta negativa “não provado” dada ao quesito 7º, em que se perguntou “O Autor prestou serviço nos feriados obrigatórios do período em que durou a sua relação laboral?”.
Vem agora o recorrente apontar o erro na apreciação da prova na resposta dada a esse quesito, dado que na óptica do recorrente, o Tribunal a quo não valorou correctamente os depoimentos das testemunhas B e C prestados na audiência de julgamento.
Pretende com a reapreciação dessas provas ver alterada a parte da matéria de facto ora impugnada, com vista à revogação da sentença recorrida nessa parte, e consequentemente à condenação da Ré a pagar-lhe as compensações do trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios.
Por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes de primeira instância segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Todavia, a matéria de facto assim fixada pelo tribunal de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.
Reza, por sua vez, o artº 599º, cuja epígrafe é “(ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)” para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.
Os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa são os depoimentos das testemunhas B e C.
E foram bem indicados nas páginas 14 e 15 da petição do recurso, ou seja nas fls. 314 e 315 dos p. autos.
Evidentemente, o recorrente cumpriu desta forma o seu ónus de especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas testemunhais que na sua óptica impunham sobre esses pontos da matéria de facto decisão diversa.
Satisfeitas assim as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, passemos então a apreciar se existem as alegadas incorrecções na apreciação da prova pelo tribunal a quo.
Ora, decorre do preceituado no artº 629º que o Tribunal de recurso é permitido funcionar como tribunal de substituição na matéria da questão de facto, relativamente ao Tribunal de primeira instância, desde que, em qualquer das situações aí previstas, se mostrem preenchidos os pressupostos nele exigidos, isto é, se coloquem ao dispor do tribunal ad quem os mesmos meios probatório de que dispunha o tribunal de 1ª instância.
O que significa que vigoram para ambas as instâncias as mesmas regras do direito probatório adjectivo e substantivo.
Assim, por força do princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 558º do CPC, este Tribunal de recurso deve igualmente apreciar as provas em causa, segundo o critério de valoração racional e lógica do julgador, com a observação das regras de conhecimentos gerais e experiência de vida e dos critérios da lógica.
Como dissemos supra, foi dado in casu cumprimento ao exigido pelo artº 629º/1-a), in fine do CPC, para a viabilização da reapreciação dos depoimentos prestados na primeira instância.
E face ao preceituado no nº 2 do mesmo artigo, impõe-se ao Tribunal de Segunda Instância reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, procedendo à audição dos depoimentos indicados pelo recorrente.
Defende o recorrente que das passagens da gravação do depoimento das testemunhas B e C, deve resultar provada a matéria fáctica constante do ponto 7º, em que se perguntou “O Autor prestou serviço nos feriados obrigatórios do período em que durou a sua relação laboral?”
Auscultadas e analisadas as passagens da gravação identificadas pelo recorrente, verificamos que a mensagem que podemos extrair do depoimento de cada uma dessas testemunhas não têm a virtualidade de nos levar a julgar provado o facto quesitado no ponto 7º da base instrutória, pois ambas as testemunhas se limitaram a dizer que o Autora tinha que trabalhar todos os dias sem direito ao gozo dos feriados obrigatórios.
Ora, uma coisa é segundo o regime laboral definido pela STDM o Autor tinha de trabalhar todos os dias, outra coisa é o trabalho efectivamente prestado em todos os feriados obrigatórios no período em que durou a sua relação laboral em toda a sua extensão.
Foi justamente sobre esse complemento circunstancial de tempo nada foi dito por ambas as testemunhas.
Assim, não vimos que cometeu erro, muito menos manifesto erro, ao dar a resposta negativa a esse quesito o Exmº Juiz a quo que, tendo estado na imediação das provas produzidas, obviamente é o mais privilegiado para decidir a matéria de facto do que nós, juízes ad quem.
Quanto à invocada contradição entre essa resposta negativa e a resposta positiva dada ao quesito 14º que se pergunta “ao Autor nunca foi pago qualquer acréscimo salarial a título de serviços prestados em dias de feriados obrigatórios”, não vimos também em que termos houve contradição, pois uma resposta negativa ao quesito 7º não quer dizer necessariamente que o Autor trabalhou em todos os dias de feriados obrigatórios enquanto durou a sua relação de trabalho com a Ré.
Improcede assim a impugnação da matéria de facto.
III
Recurso da sentença final
A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas no recurso, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:
1. O autor começou a trabalhar para a Ré STDM, a 16 de Outubro de 1978 e cessou a sua relação laboral em 12 de Dezembro de 1993.
2. Foi admitido como empregado de casino, recebia de dez em dez dias, da ré, duas quantias, uma fixa e outra variável, esta em função do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependente do espírito de generosidade destes, vulgarmente designada por gorjetas.
3. As "gorjetas" eram distribuídas pela ré segundo critério por esta fixado, a todos os trabalhadores dos casinos da ré, e não apenas aos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
4. O autor, entre os anos de 1984 a 1993, auferiu as seguintes quantias, pagas pela ré:
a) 1984 - MOP. 42,169.00;
b) 1985 - MOP. 37,825.00;
c) 1986 - MOP. 41,712.00;
d) 1987 - MOP. 39,108.00;
e) 1988 - MOP. 41,593.00;
f) 1989 - MOP. 32,293.00;
g) 1990 - MOP. 60,590.00;
h) 1991 - MOP. 72,785.00;
i) 1992 - MOP. 80,732.00;
j) 1993 - MOP. 70,711.00.
5. Foi acordado entre a autora e a ré que a autora tinha direito a receber as "gorjetas" conforme o método vigente na ré.
6. A ré pagou sempre regular e periodicamente a autora a sua parte nas "gorjetas".
7. O autor, como empregado de casino, era expressamente proibido pela ré de guardar para si quaisquer "gorjetas" que lhe fossem entregues pelos clientes do casino.
8. As "gorjetas" sempre integraram o orçamento normal da autora, o qual sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica.
9. O autor prestou serviço por turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
10. A ordem e o horário dos turnos eram os seguintes:
1. 1 ° e 6° turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
2. 3° e 5° turnos, das l5h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
3. 2° e 4° turnos, das 11h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00.
11. O autor podia pedir licença para ter dias de descanso sem qualquer remuneração.
12. O autor nunca gozou qualquer dia de descanso semanal durante o tempo em que trabalhou para a ré.
13. A ré não lhe pagou qualquer compensação por não ter gozado tais dias de descanso.
14. Ao autor nunca foi pago qualquer acréscimo salarial a título de serviços prestados em dias feriados obrigatórios.
15. O autor nunca gozou dias de descanso anual.
16. E não recebeu qualquer compensação salarial por não os ter gozado.
17. Autor e ré acordaram que o autor poderia pedir os dias de descanso que pretendesse gozar e que pelos que lhe fossem concedidos não receberia qualquer importância.
18. Autor e ré acordaram que aquele só receberia remuneração pelos dias em que efectivamente trabalhasse.
19. A quantia fixa referida em B) dos factos assentes foi de MOP$13,20 por dia, desde o início da relação laboral até 31/12/1989, e de HKD$12,80 por dia, em data posterior até a data da cessação da relação laboral.
De acordo com o alegado nas conclusões do recurso, as questões levantadas que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória são a de saber se as chamadas gorjetas são ou não parte integrante do salário para efeitos de compensações ora reclamadas pela Autora e os multiplicadores para o cálculo da compensação do trabalho prestado nos descansos semanais e anuais.
Da materialidade fáctica assente resulta que:
* o trabalhador recebia uma quantia fixa (MOP$13,20 e HKD$12,80 por dia), desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM; e
* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários.
1. Natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;
Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.
Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.
Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, pagar-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.
A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.
A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.
In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.
Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, esta quantia “tão diminuta” (MOP$13,20 e HKD$12,80 por dia) ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.
Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.
Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa do rendimento que o trabalhador auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.
Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste nas quantias denominadas “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.
Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.
Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.
2. Os factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais.
Pelo que vimos, fica decidida a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios.
a) compensação do trabalho em descansos anuais
Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 101/84/M em 01SET1984, vigorava plenamente o princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, sem quaisquer condicionalismos garantísticos legais, não havia lugar a quaisquer compensações senão as contratualmente convencionadas.
Já na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, ou seja, no período compreendido entre 01SET1984 e 02ABR1989, já foram estabelecidas algumas garantias aos trabalhadores, nomeadamente a compensação obrigatória pelo trabalho prestado em dias do descanso anual – artºs 24º/2 e 23º/1 (que são 6 dias).
Acerca do descanso anual, os artºs 23º e 24º prescrevem:
Artigo 23.º (Aquisição do direito a descanso anual)
1. O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios.
2. Nos casos em que a duração da relação de trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, cada mês considerar-se-á completo às 24 horas do correspondente dia do mês seguinte; mas se no último mês não existir dia correspondente ao inicial, o prazo finda no último dia desse mês.
Artigo 24.º (Marcação do período do descanso anual)
1. O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2. No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual vencidos mas não gozados, a fórmula é:
1 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados.
Nos termos do disposto no artº 21º/1 do Decreto-Lei nº 24/89/M, os trabalhadores têm direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada ano civil.
Nos termos do disposto no artº 24º do mesmo diploma, o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar.
In casu, não resulta da matéria de facto provada que o trabalhador foi impedido pela entidade patronal de gozar os seus descansos anuais, não se deve aplicar assim a forma de multiplicação a que se refere o citado artº 24º.
E na falta de norma expressa para compensar o trabalhador pelo não gozo de dias de descanso anual mas sem impedimento por parte da entidade patronal, afigura-se-nos correcto aplicar por analogia o regime previsto para a situação análoga no caso de descanso semanal, prevista no artº 17º/5 e 6.
Isto é, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de descanso anual, sem constrangimento da entidade patronal, deve dar analogicamente ao trabalhador o direito de ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso anual, vencidos mas não gozados, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de descanso anual vencidos mas não gozados, caso o trabalhador não tenha sido impedido pela entidade patronal de os gozar.
b) compensação do trabalho em descanso semanal
Como vimos supra, na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
IV
Recurso subordinado da Ré
Aqui a Ré limita-se a questionar a existência do direito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso anual, e não também a forma, nomeadamente o multiplicador, para o cálculo da compensação.
Assim, pelo que ficou decidido supra em relação à compensação do trabalho prestado nos dias de descanso anual, quer no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M quer no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, é de reproduzir aqui a fundamentação a este respeito para concluir pela existência do direito a receber compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso anual e consequentemente para julgar improcedente o recurso subordinado interposto pela Ré.
V
É altura para aplicar os critérios que fixámos supra para a quantificação das compensações peticionadas pelo Autor.
Foram fixados na sentença recorrida os multiplicadores X 1 e X 3 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e de descanso anual, respectivamente, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M.
Foi fixado na sentença recorrida o multiplicador X 1 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso anual, no âmbito do Decreto-Lei nº 101/84/M.
Não tendo sido objecto de impugnação o multiplicador referente ao descanso anual por via de recurso, é de adoptar infra o multiplicador X 3 para efeitos do cálculo da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso anual.
E em face do acima concluído quer no recurso do Autor quer no recurso subordinado da Ré, e do decidido no saneador na parte que diz respeito à prescrição da parte dos créditos reclamados pelo Autor, há que revogar a sentença recorrida na parte que diz respeito aos quantitativos do salário diário médio para efeitos do cálculo da compensação do trabalho prestado pelo Autor nos dias de descansos semanal e anual, assim como os multiplicadores para o cálculo da compensação do trabalho prestado pelo Autor nos dias de descansos semanal no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, e passar a condenar a Ré no pagamento da compensação ao Autor conforme os mapas infra:
Trabalho em descanso semanal
Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
03/04/1989 - 31/12/1989
MOP89,70
39
89.70 x 39 x 2
MOP6.996,60
1990
MOP168,31
52
168.31 x 52 x 2
MOP17.504,24
1991
MOP202,18
52
202,18 x 52 x 2
MOP21.026,72
1992
MOP224,26
52
224,26 x 52 x 2
MOP23.323,04
01/01/1993 - 12/12/1993
MOP204,37
49
204,37 x 49 x 2
MOP20.028,26
TOTAL:
MOP88.878,86
Trabalho em descanso anual
Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
04/08/1988 - 31/12/1988
MOP115,54
2,5
115,54 x 2,5 x 1
MOP288,85
01/01/1989 - 02/04/1989
MOP89,70
1,5
89,70 x 1,5 x 1
MOP134,55
TOTAL:
MOP423,40
Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
03/04/1989 - 31/12/1989
MOP89,70
4,5
89,70 x 4,5 x 3
MOP1.210,95
1990
MOP168,31
6
168,31 x 6 x 3
MOP3.029,58
1991
MOP202,18
6
202,18 x 6 x 3
MOP3.639,24
1992
MOP224,26
6
224,26 x 6 x 3
MOP4.036,68
01/01/1993 - 12/12/1993
MOP204,37
5,5
204,37 x 5,5 x 3
MOP3.372,11
TOTAL:
MOP15.288,56
VI
Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso do Autor e improcedente o recurso subordinado da Ré, passando a condenar a Ré no pagamento ao Autor do somatório das quantias apuradas nos mapas supra, com juros moratório calculados de acordo com a forma definida pelo TUI no seu Douto Acórdão de 02MAR2011, tirado no processo nº 69/2010.
Custas pelas partes na proporção de decaimento em ambas as instâncias.
RAEM, 21NOV2013
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
(com discordância somente na parte da fundamentação jurídica relativa à forma de compensar os dias de descanso anual não gozados mas sem impedimento por parte do empregador após a entrada em vigor do DL nº 24/89/M, por entender que não há lugar a aplicação analógica do regime de descanso semanal, nos termos e fundamentos já expostos nos acórdãos dos processos congéneres em que sou relator.)