Processo nº 698/2013
Data do Acórdão: 14NOV2013
Assuntos:
Suspensão de eficácia do acto administrativo
Prejuízo de difícil reparação
SUMÁRIO
É de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 698/2013
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância
I – Relatório
A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s. do CPAC, requerer a suspensão de eficácia do despacho, datado de 26SET2013, do Senhor Secretário para Segurança, que lhe negou provimento o recurso hierárquico necessário interposto do despacho do Senhor Comandante da PSP, que revogou a autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente (TNR), tendo, para o efeito, deduzido, no seu requerimento a fls. 4 a 18 dos p. autos, os fundamentos para sustentar a sua pretensão de ver suspensa a execução daquele despacho do Senhor Secretário para a Segurança, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Citada a entidade requerida, veio contestar pugnando pelo indeferimento do pedido – vide fls. 56 a 61 dos p. autos.
O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer de fls. 66 a 67 dos p. autos, no qual opinou no sentido de indeferimento da requerida suspensão.
Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
De acordo com os elementos constantes doa autos, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:
* O requerente, nascido em 04JUN1979, é natural de Malásia, titular do passaporte da Malásia nº AXXX e do TITNR nº XXX;
* Em 30 JAN2012, foi contratado, como trabalhador não residente, pela Galaxy Macau S.A., para desempenhar nessa empresa as funções de Executive Host – Casino Customer Services, International Premium Market Development;
* Por sentença do TJB datada de 27MAIO2013, já transitada em julgado, o requerente foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 90º/1 da Lei nº 3/2007, na pena de prisão de 3 meses, substituída por igual tempo de multa, à razão de MOP$70,00 por dia e na pena acessória de inibição de condução por um período de um ano;
* Por despacho do Senhor Comandante da PSP de 11JUL2013, foi revogada ao requerente a autorização de permanência na qualidade de trabalhador não (TNR), nos termos do disposto no artº 11º/1-3) da Lei nº 6/2004, conjugado com o artº 15º/1 do Regulamento Administrativo nº 8/2010;
* Inconformado com o decidido naquele despacho do Senhor Comandante da PSP de 11JUL2013, interpôs recurso hierárquico necessário para o Senhor Secretário para a Segurança;
* Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança de 26SET2013, foi-lhe negado provimento ao recurso hierárquico;
* Em 22OUT2013 o requerente foi notificado desse despacho, cuja execução ora pretende ver suspendida; e
* Em 22OUT2013, a entidade patronal Galaxy Casino S.A., rescindiu contrato de trabalhado celebrado com o requerente, com fundamento no cancelamento do seu TITNR pelo Departamento de Migração da PSP.
Como se sabe, o instituto de suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa providência cautelar que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos de um acto administrativo a produzir imediatamente na esfera jurídica do destinatário do acto, por forma a proteger, a título cautelar, os interesses que se dirijam à conservação de situações jurídicas já existentes.
Tratando-se de revogação de uma autorização antes do terminus do prazo da sua validade previamente determinado e tendo em conta que a revogação implica efectivamente a alteração de uma realidade preexistente e que da execução do acto de revogação decorre um efeito ablativo de um bem jurídico detido pelo requerente, estamos obviamente perante um acto de conteúdo positivo.
Verificado o pressuposto a que se alude o artº 120º do CPAC, passemos a averiguar se se verificam os requisitos para decretar a suspensão da eficácia do acto.
Para o deferimento da tal providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o não deferimento da suspensão.
Comecemos então pelos requisitos exigidos nas alíneas b) e c), que nos se afiguram ser de fácil apreciação, tendo em conta a especificidade do caso, a matéria de facto assente, assim como os elementos constantes nos autos.
No que respeita ao requisito exigido na alínea b), apesar de o requerente ter sido condenado criminalmente por sentença já transitada em julgado, o certo é que atendendo à natureza da infracção penal pela qual foi condenado, isto é, condução em estado de embriaguez, e a já aplicação efectiva da pena acessória de inibição de condução, a não execução do acto suspendendo que implica a continuação da permanência do requerente em Macau não deve ser tida como geradora de grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto que lhe revogou a autorização da permanência.
Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a data de notificação do acto suspendendo ao requerente (22OUT2013) e a manifesta legitimidade do requerente para reagir contenciosamente contra o acto administrativo que representa a última palavra da Administração.
Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.
Para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, o requerente alega que:
19. De facto, a não suspensão dos efeitos do acto leva à perda imediata do emprego do recorrente e ao seu regresso imediato à Malásia.
20. Como consequência da perda do emprego o ora recorrente perderá a remuneração com que se sustenta a si e à sua família.
21. O que significa que o recorrente, deixa de poder fazer as transferências para o sustento da sua família, mulher e filho.
22. Deixa de poder pagar a alimentação, habituação, vestuário à sua mulher e ao seu filho.
23. Deixa de poder sustentar-se ele próprio Macau, mas também na Malásia.
24. Na verdade, a eficácia do acto em causa traduz-se na perda da única fonte de rendimentos para o requerente, fonte essa que significa cerca de 100% do rendimento do seu agregado familiar.
25. A privação desse rendimento, reflectir-se-á necessariamente no poder financeiro da família para enfrentar os seus encargos, podendo significar, muito provavelmente, uma grave afectação de necessidades básicas, tais como os encargos com a habitação, com a educação do filho ou com a saúde de todos.
26. Deste modo, e muito embora grande parte dos danos pecuniários imputáveis à execução do acto sejam susceptíveis de avaliação e de reparação no caso de provimento do recurso contencioso, isso não será suficiente para uma elegível reconstituição da esfera jurídica do requerente tal como existia antes de o acto ter sido praticado1.
27. São do conhecimento geral os efeitos de instabilidade pessoal, e de desagregação familiar, que tantas vezes a situação de desemprego e de carência económica provocam.
28. Por outro lado, tenha-se em conta a insusceptibilidade de reparação in natura, caso o recorrente tenha ganho de causa no recurso, uma vez que o recorrente poderá perder o emprego definitivamente, e não mais o voltará a recuperar, como também a dificílima avaliação pecuniária de uma situação pessoal e familiar face a perda de rendimentos do único sustento da família.
Ora, de acordo com a doutrina autorizada do Venerando Tribunal de Última Instância reafirmada no seu recente Acórdão de 10JUL2013 no processo nº 37/2013, é de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
E no mesmo Acórdão, foi salientado também que cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, …… .
In casu, o alegado prejuízo de difícil reparação consiste, em síntese, na perda do emprego, no seu regresso imediato à Malásia, na privação do seu rendimento, alegadamente único para o sustento da vida da sua família na Malásia e o dele próprio em Macau.
Ora, se é certo que foi demonstrada nos autos a rescisão do seu contrato de trabalho como a Galaxy Macau, S.A. e a consequente saída de Macau, não é menos verdade que se tendo limitado a alegar factos integradores do prejuízo de difícil reparação, o requerente não cumpriu o ónus de provar esses factos, pois a simples junção do documento alegadamente comprovativo da remessa do dinheiro para o seu cônjuge na Malásia não quer dizer de per si o rendimento que o requerente auferia em Macau é o único para o sustendo da sua família na Malásia.
Ora, mesmo que esse facto pudesse ser dado por demonstrado, a privação do seu rendimento proveniente da entidade patronal Galaxy Macau de per si nunca pode ser geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares, dele próprio e da sua família na Malásia.
Pois tal como bem observou o Dignº Procurador Adjunto, tendo em conta a sua actual idade, não parece crível que o requerente e o seu cônjuge não possam arranjar emprego, na Malásia, para sustentar a família.
O que significa que a privação do seu rendimento a que conduz a perda do seu emprego em Macau é apenas causa necessária, mas nunca também causa suficiente de uma tal situação de carência absoluta, pois carece sempre do “contributo” por parte do próprio requerente e do seu cônjuge que consiste em não procurar outro emprego e actividade profissional para ganhar a sua vida.
Uma vez que os prejuízos de difícil reparação deverão ser consequência provável da execução do acto, probabilidade essa que é aferida segundo os critérios da teoria da causalidade adequada.
Assim sendo, sem mais delongas, é de concluir pela inverificação do requisito exigido no artº 121º/1-a) do CPAC, o que implica o indeferimento da pretendida suspensão.
Resta decidir.
III – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam indeferir o pedido de suspensão do despacho, datado de 26SET2013, do Senhor Secretário para a Segurança que negou provimento o recurso hierárquico necessário interposto do despacho do Senhor Comandante da PSP, que revogou a autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente (TNR).
Custas pelo requerente, com taxa de justiça fixada em 6UC.
Notifique.
RAEM, 14NOV2013
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira Presente
Ho Wai Neng Vitor Coelho
1 Sobre o tema veja-se Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 2.ª edição, página 168, e ainda inter alia no âmbito da antiga LPTA (fonte do actual CPAC) o acórdãos da STA, de 27-2-2002 in www.dgsi.pt.
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