Processo nº 692/2013 Data: 14.11.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “desobediência qualificada”.
Pena.
SUMÁRIO
1. Devem-se evitar penas de prisão de curta duração.
2. Porém, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 692/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. No Tribunal Judicial de Base respondeu A (XXX), com os restantes sinais dos autos.
Realizado o julgamento proferiu o Mmo Juiz sentença condenado o dito arguido como autor da prática de um crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão; (cfr., fls. 70 a 73-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado com o assim decidido, o arguido recorreu.
Motivou para em conclusões e em síntese dizer que “excessiva é a pena”; (cfr., fls. 86 a 94).
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Respondendo, pugna o Ministério Público pela total confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 97 a 100).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Em primeiro lugar, não podemos deixar de concordar com a douta posição assumida pela nossa digna colega do Ministério Público na sua resposta dada ao presente recurso, no sentido de considerar que o mesmo recurso não merece de provimento.
Aqui, vamos tentar abordar, de uma forma pouco mais sucinta, as questões suscitadas pelo recorrente.
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Na óptica da recorrente, entende que "a pena curta" de prisão deve ser evitada, e o tribunal deveria optar a pena de multa em vez de pena privativa da liberdade. Entende ainda que a pena concreta aplicada é demasiadamente pesada por não ter levado em conta alguns factores atenuantes. Mesmo assim não se entenda, argumenta que o tribunal ainda pode depositar confiança relativamente ao seu comportamento futuro, lançando mão de instituto de suspensão de execução da pena, visto que se registou uma confissão integral e sem reserva dela.
Salvo o respeito, discordamos com este entendimento.
Em primeiro lugar, face aos factos dados como provados, para além de confissão, não se registou qualquer outra circunstância atenuante. Bem pelo contrário, consta nos autos um facto bastante relevante que tem grande influência ao nível de determinação da pena, quer na sua espécie, quer no seu modo de execução.
Com efeito, regista-se que no momento de cometimento do crime pelo qual foi condenado nos presentes autos, o recorrente só tinha sido, concedida a liberdade condicional há dois meses. Do nosso ponto de vista, tal circunstância revela um grau relativamente alto de culpa do recorrente e um defeito na sua personalidade.
Daí que o argumento de aplicabilidade da pena de multa no caso em análise não passaria de uma mera esperança do recorrente, mas sem nenhum suporte legal.
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Quanto à questão de dosimetria penal, não achamos que uma pena
de cinco meses de prisão aplicada pelo tribunal "a quo", dentro de uma moldura abstracta de dois anos de prisão é desproporcional! De facto, é-nos impossível, de forma objectiva e convincente, lançar crítica de exagero da pena concreta aplicada.
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E no que se diz respeito à suspensão de execução da pena, ao abrigo da norma legal em questão (art o 48 do C.P.M.), os verdadeiros factores principais que determinam a execução imediata ou não da pena são os de prevenção geral e especial de crime. E só quando o julgador concluir que no caso se satisfizer as exigências de prevenções tanto ao nível geral como ao nível especial, é que pode, legitimamente, lançar mão ao instituto de suspensão de execução da pena.
Aliás, a tese acima exposta também é aceite pacificamente pelas jurisprudências da R.A.E.M., por exemplo, no Acórdão de T.S.I. n° 203/2007.
No caso em apreço, não nós pareça que tivessem verificados quaisquer elementos de facto que se apontam para afirmar, positivamente, a necessidade de suspender a execução da pena.
Bem pelo contrário, tudo aponta para uma imprescindibilidade de aplicação e execução da pena.
Começamos pela finalidade de prevenção especial
Na verdade, há de partir de factos actuais e passados para avaliar e prever a conduta futura do agente do crime, especialmente, no que se toca à personalidade dele. Podemos até dizer que a confiança necessária do tribunal baseia-se inevitavelmente na análise positiva da personalidade do agente.
In casu, o recorrente não é primário, já tinha sido condenado pelo crime de tráfico e de consumo de estupefaciente, e até que lhe tinha sido concedida a liberdade condicional em Janeiro do corrente ano.
Ou seja, com um lapso temporal de dois meses o recorrente voltou a delinquir!
Para nós, a única conclusão racional que nós podemos tirar daí é que o recorrente não está preparado para pautar a sua conduta em conformidade com os padrões sociais. Sendo uma pessoa carecida de ressocialização e não nós pareça que o recorrente possua capacidade suficiente para auto-controlar sob à sombra de mera ameaça de prisão, urna vez o seu passado mostra já a sua fraqueza da personalidade.
Com efeito, no decurso do período de liberdade condicional, o beneficiário passa uma vida praticamente igual corno se fosse durante o período de suspensão de execução da pena, pelo que já não há justificação nenhuma para que o tribunal "a quo" continue a depositar nele confiança sobre a sua capacidade de observar patrões sociais básicos.
Daí que o recorrente não satisfaz minimamente a exigência de prevenção especial.
Face ao exposto, entendemos que o recurso deve ser logo rejeitado por sua manifesta improcedência”; (cfr., fls. 123 a 125).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 673 a 679, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido dos autos recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de um crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão.
Afirma que excessiva é a pena que lhe foi fixada.
Porém, como – bem – salienta o Ilustre Procurador Adjunto, evidente é a improcedência do recurso.
Vejamos.
O crime em questão – de “desobediência qualificada” – é punido com a pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias; (cfr., art. 312°, n.° 2 do C.P.M.).
Não sendo caso para se optar por uma “pena não privativa da liberdade”, já que, não sendo o arguido “primário”, e fortes sendo as necessidades de prevenção criminal, não seria aquela adequada e suficiente às finalidades da punição, (cfr., art. 64° do C.P.M.), à vista está a solução.
Com efeito, a pena em questão – 5 meses de prisão – mostra-se em conformidade com os critérios estabelecidos nos art°s 40° e 65° do C.P.M., estando (apenas) a 4 meses do seu mínimo legal, (e a 7 meses do seu meio), não sendo de considerar excessiva face ao dolo directo e intenso do arguido e acentuado grau de ilicitude, pois que, como temos vindo a entender, “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 30.05.2013, Proc. n° 293/2013).
Por fim, no que toca à suspensão da sua execuçao, é também inviável a sua concessão.
Como repetidamente tem este T.S.I. afirmado:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 11.07.2013, Proc. n° 402/2013).
E, considerando que o recorrente voltou a delinquir em pleno período de liberdade condicional, que lhe tinha sido concedida há cerca de 2 meses, pouco há a dizer.
Não se nega que se devem evitar penas de prisão de curta duração.
Porém, e como tem sido entendimento deste T.S.I., não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta; (cfr., v.g., o recente Ac. de 31.10.2013, Proc. n.° 648/2013).
Tudo visto, e sendo o recurso manifestamente improcedente, imperativa é a sua rejeição.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Macau, aos 14 de Novembro de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 692/2013 Pág. 2
Proc. 692/2013 Pág. 1