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Processo nº 622/2013 Data: 14.11.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Erro notório na apreciação da prova.
Indemnização por danos não patrimoniais.



SUMÁRIO

1. Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova.

2. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados.


O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 622/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Nos Autos de Processo Comum Colectivo (com enxerto civil) n.° CR3-12-0158-PCC, proferiu-se Acórdão onde se decidiu:
- condenar o arguido A (XXX), com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 do C.P.M., e arts. 93°, n.° 1 e 94°, al. 1) da Lei n.° 3/2007, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo a multa de MOP$30.000,00 ou 200 dias de prisão subsidiária, condenando-se também o arguido na pena acessória de 6 meses de inibição de condução.

Quanto ao pedido civil, decidiu o Colectivo condenar a demandada “XXX INSURANCE (HONG KONG) LIMITED” (XXX火災保險(香港)有限公司), no pagamento da quantia total de MOP$702.748,90 a favor de B (XXX), demandante civil; (cfr., fls. 322 a 331).

*

Inconformada com o assim decidido, a demandante seguradora recorreu, e, oportunamente, interpôs também a demandante recurso subordinado; (cfr., fls. 370 a 383 e 382 a 398-v).

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Adequadamente processados os autos, teve lugar a audiência de julgamento dos recursos com integral respeito da formalidade legal.

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 324-v a 327, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Dois são os recursos nestes autos trazidos à apreciação deste T.S.I..

O primeiro, (principal), da demandada seguradora, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”, e, subsidiariamente, “excesso de quantum na indemnização por danos não patrimoniais”.

O segundo, (subordinado), da demandante, pedindo um “aumento da indemnização por danos não patrimoniais”, (de MOP$400.000,00 para não menos de MOP$1.000.000,00).

–– Começa-se, assim, e como é lógico, pelo recurso da demandada.

No que ao vício de “erro notório” diz respeito, tem este T.S.I. repetidamente afirmado que:

“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 30.07.2013, Proc. n.° 485/2013 do ora relator).

Com efeito, não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício em apreciação.

No caso, a questão coloca-se em relação a um “facto dado como não provado”.

Vejamos, então, em concreto.

Em sede de contestação, alegou a ora recorrente que na altura do acidente a demandante “circulava numa faixa de rodagem destinada à circulação de uma única fila de veículos, e que a mesma tinha feito uma ultrapassagem de um autocarro de turismo pelo lado esquerdo”.

Tal facto, após audiência de discussão e julgamento foi (porém) dado como “não provado”, não deixando o Colectivo a quo de fundamentar de forma que se nos mostra adequada esta sua decisão.

De facto, em relação a este segmento decisório, consignou-se no Acórdão recorrido que “conforme o conteúdo do disco compacto de vídeo apreendido, na dada altura, a luz verde estava acesa, o veículo da ofendida e as outras viaturas arrancaram e, no momento em que ocorreu o acidente em causa, os veículos encontravam-se justamente na fase de regulamento da posição e da velocidade, pelo que não se prova a ultrapassagem ilícita efectuada pela ofendida”.

E, perante isto, afigura-se-nos que censura não merece o decidido sendo de improceder o recurso na parte em questão, (confirmando-se assim a percentagem de culpa pelo Tribunal a quo fixada e que foi no sentido de ser o arguido o único culpado pelo acidente de viação dos autos).

–– Quanto à “indemnização dos danos não patrimoniais” da demandante (fixada em MOP$400.000,00).

Visto que a demandada pede a sua redução (para MOP$200.000,00), e que a demandante pede o seu aumento para montante não inferior a MOP$1.000.000,00, vejamos.

Pois bem, em sede de indemnização por danos não patrimoniais, temos vindo a entender que a mesma “tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.03.2011, Proc. n° 535/2010), sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., o Ac. de 27.06.2013, Proc. n.° 324/2013)”.

No caso dos autos, está (nomeadamente) provado que:

“Após o acidente de viação, B (XXX) foi transportada para o Hospital Kiang Wu para se submeter ao tratamento e encontrava-se em internamento a partir da data da ocorrência do acidente até ao dia 27 de Julho de 2011. Durante a estadia no hospital, B (XXX) foi submetida à cirurgia de fixação interna do perónio esquerdo fracturado. A ofendida foi diagnosticada pelo hospital com fractura aberta e cominutiva da clavícula esquerda e do segmento inferior do perónio esquerdo.
Conforme o exame do médico legal, as características das supramencionadas lesões de B (XXX) são compatíveis com aquelas que possam ser causadas pelo acidente de viação em apreço. Prevê-se que a ofendida terá de ficar com 24 meses de convalescença, caso não tenha qualquer complicação. As referidas lesões causam doença crónica a B (XXX), resultando, portanto, ofensa grave à integridade física da mesma.
Em 22 de Maio de 2012, o médico legal examinou as lesões da demandante e diagnosticou que a mesma estava com fractura aberta e cominutiva da clavícula esquerda e do segmento inferior do perónio esquerdo. A demandante foi diagnosticada por clínico de medicina legal como: marcha normal, uma cicatriz com a forma da letra A na parte exterior frontal da perna inferior esquerda (4,5cm + 7,5cm) e ligeira atrofia muscular na perna inferior esquerda. Sem deformidade manifesta na aparência da clavícula esquerda, mas limitou-se o movimento da articulação do ombro esquerdo (elevação e flexão dorsal).
Após o acidente de viação, a demandante ainda sente frequentemente dores nas partes lesadas.
O presente acidente de viação causou directamente lesões corporais à demandante, sofrendo da fractura da clavícula esquerda e da fractura aberta e cominutiva do segmento inferior do perónio esquerdo. Embora, após o tratamento curativo formal, fosse recuperado o movimento normal do ombro esquerdo da demandante, o período de tratamento foi previsto com 12 meses, sendo um grande sofrimento para a demandante.
Devido à fractura da clavícula esquerda e à fractura aberta e cominutiva do segmento inferior do perónio esquerdo, a demandante não pode ficar muito tempo em pé.
Por causa da lesão na articulação do ombro esquerdo, a mão esquerda da demandante fica sem força para agarrar coisas, afectando a vida quotidiana da mesma.
Devido às lesões, a demandante foi submetida a duas cirurgias e, depois de ter perdido o efeito do narcótico, ficou com dores e dificuldade em dormir” (…).

Perante isto, afigura-se-nos “curto” o quantum de MOP$400.000,00 como indemnização dos assinalados danos não patrimoniais.

Com efeito, atento o período de doença, com dores, incómodos, angústias e desgostos então sofridos e que futuramente irá a demandante sofrer com as cicatrizes e limitações de que padece, justifica-se um aumento da indemnização arbitrada para o quantum de MOP$600.000.00.

Improcede assim o recurso da demandada seguradora, procedendo, parcialmente, o recurso subordinado da demandante.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso da demandada, julgando-se parcialmente procedente o recurso da demandante.

Pagará a recorrente seguradora as custas do seu recurso (principal), responsabilizando-se a recorrente demandante e a demandada pelas custas do recurso subordinado na proporção dos seus respectivos decaimentos.

Macau, aos 14 de Novembro de 2013
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

Proc. 622/2013 Pág. 14

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