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Processo nº 331/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Novembro de 2013
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio


SUMÁRIO:

1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º do C.P.C., negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

3- É de confirmar a decisão proferida pelo Tribunal de Família e de Menores da Comarca de Cascais que decreta o divórcio por mútuo consentimento, desde que não se vislumbrando qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública ou qualquer obstáculo à sua revisão.














Proc. nº 331/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A (XXX), divorciada, natural da Região Administrativa Especial de Macau, de nacionalidade portuguesa, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º XXXXXXX (X), emitido em X de XX de XXXX, residente em Macau, na Rua do XXX, n.º X, XX, Flat Xº andar, Bloco X,
veio propor contra
B, divorciado, de nacionalidade portuguesa, com última morada conhecida em Portugal, na Rua de XXX - Bairro de XXX, Lote X X, X.º Esquerdo, XXXX-XXX Cascais,
ACÇÃO ESPECIAL DE REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
nos termos do disposto nos arts.1199.º e ss. do Código de Processo Civil com os seguintes fundamentos:
1.º
“A Autora (A.) e o Réu (R.) casaram no dia 15/09/1983 na Conservatória do Registo Civil de Macau (cfr. Certidão de Narrativa de Registo de Nascimento da A. emitida pela Conservatória do Registo Civil de Macau, que aqui se junta como Doc. n.º 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
2.º
A A. e o R. requereram conjuntamente o seu Divórcio por Mútuo Consentimento junto dos tribunais da República Portuguesa, na acção que correu termos sob o n.º XXX/2001 do 2: Juízo de Família e Menores do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais (cfr. Certidão Judicial emitida em 22/01/2013 que aqui se junta como Doc. n.º 2 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
3.º
Na sequência de tal acção de Divórcio por Mútuo Consentimento, o casamento entre a A. e o R. foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 18/1/2002 (cfr. Doc. n.º 2).
4.º
O divórcio entre a A. e o R. foi averbado junto das competentes entidades portuguesas, mas ainda não foi averbado na Conservatória do Registo Civil de Macau (cfr. Certidão do Assento de Nascimento da A. emitida pela Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, que se junta como Doc. n.º 3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido e, a contrario, Doc. n. º 1).
Assim,
5.º
a fim de proceder ao registo da dissolução do seu casamento com o R. na RAEM, vem a A. requerer a V. Exas. a confirmação da sentença judicial proferida em 18/1/2002 pelo 2.º Juízo de Família e Menores do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais da República Portuguesa, que decretou o seu divórcio.
6.º
Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 1200.º do Código de Processo Civil (“CPC”), para que a referida decisão seja confirmada na RAEM é necessária a verificação dos requisitos ali elencados.
7.º
In casu, estão integralmente verificados os requisitos enunciados no citado preceito, senão vejamos:
8.º
A sentença cuja revisão ora se requer consta de certidão emitida pelo 2.º Juízo de Família e Menores do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais da República Portuguesa, devidamente autenticada com o selo branco da Secretaria daquele Tribunal (cfr. Doc. n.º 2).
9.º
Nos termos do disposto no art. 5.º do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a RAEM e a República Portuguesa constante do Aviso do Chefe do Executivo n.º 10/2001, de 7 de Fevereiro, estando aposto o respectivo carimbo oficial, tal certidão está dispensada de qualquer legalização ou autenticação, sendo plenamente válida na RAEM.
10.º
Consequentemente, tal certidão constitui documento autêntico nos termos e para os efeitos dos arts. 363.º e 364.º do Código Civil, fazendo prova plena do seu conteúdo.
11.º
Por outro lado, a sentença cuja revisão ora se requer é clara e explícita, não havendo dúvidas do seu sentido ou alcance (cfr. Doc. n.º 2).
12.º
Logo, o documento onde consta a decisão de divórcio que se pretende ver confirmada é autêntico e tem teor inteligível, verificando-se, pois, o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art. 1200.º do CPC.
13.º
Nos termos da legislação portuguesa aplicável, a sentença cuja revisão ora se requer transitou em julgado no dia 28/01/2002 (cfr. Doc. n. º 2), estando assim preenchido o requisito previsto na al. b) do n.º 1 do art. 1200.º do CPC.
14.º
Trata-se de uma decisão proveniente de um legítimo órgão de jurisdição da República Portuguesa, considerando-se o Tribunal como “absolutamente competente” para apreciar o requerimento conjunto apresentado por A. e R. (cfr. Doc. n.º 2).
15.º
Nesse contexto, verifica-se que decisão provém de tribunal cuja competência não foi provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, como se exige na al. c) do n.º 1 do art. 1200.º do CPC.
16.º
Não existe qualquer causa afecta a tribunal de Macau em que possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado para efeitos do preenchimento da al. d) do n.º 1 do art. 1200º do CPC.
17.º
Nos termos da legislação portuguesa aplicável, o requerimento de divórcio por mútuo consentimento foi apresentado conjuntamente por A. e R., não tendo por isso havido lugar a citação e tendo sido sempre observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
18.º
Encontra-se, pois, preenchido o requisito previsto na al. e) do n.º 1 do art. 1200.º do CPC.
19.º
Por último, a decisão cuja revisão e confirmação ora se requer não conduz a nenhum resultado manifestamente incompatível com a ordem pública de Macau, verificando-se pois o requisito previsto na al. f) do n.º 1 do art.1200.º do CPC.
20.º
Resulta de tudo o exposto estarem integralmente verificados os requisitos necessários para a confirmação da decisão sentença judicial proferida em 18/1/2002 pelo 2.º Juízo de Família e Menores do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais da República Portuguesa, que decretou a dissolução por divórcio do casamento celebrado entre A. e R. em 15/09/1983”.
*
Não houve contestação.
*
O Digno Magistrado do MP não se manifestou contra a procedência da pretensão.
*
Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
***
II - Pressupostos Processuais
O Tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
III - Os Factos
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade:

A Autora (A.) e o Réu (R.) casaram no dia 15/09/1983 na Conservatória do Registo Civil de Macau (Doc. n.º 1: Certidão de Narrativa de Registo de Nascimento da A. emitida pela Conservatória do Registo Civil de Macau).
2.º
A A. e o R. requereram conjuntamente o seu Divórcio por Mútuo Consentimento junto dos tribunais da República Portuguesa, na acção que correu termos sob o n.º XXX/2001 do 2: Juízo de Família e Menores do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais (Doc. n.º 2:. Certidão Judicial emitida em 22/01/2013).
3.º
Na sequência de tal acção de Divórcio por Mútuo Consentimento, o casamento entre a A. e o R. foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 18/1/2002 (cfr. Doc. n.º 2).
4.º
Da respectiva acta consta o seguinte:
ACTA DE CONFERÊNCIA (2ª)
PROC. Nº XXX/01 - ACÇÃO DE DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO,
EM 18 DE JANEIRO DE 2002 - 2º JUÍZO FAMÍLIA
MAGISTRADO JUDICIAL: Exº Dr. XXX
ESCRIVÃ AUXILIAR: XXX
PRESENTES: Os requerentes e sua ilustre mandatária Dra. XXX.
*
Iniciada a presente conferência o Mmº Juiz passou a tentar obter a conciliação dos cônjuges verificando-se não ser a mesma possível por persistirem no firme propósito de se divorciarem;
Ouvidos quanto aos acordos a que se refere o nº 2 do artº 1775º do código civil, ambos os cônjuges declararam que:
Prescindem reciprocamente de alimentos, por deles não carecerem.
Mantêm o acordo junto com a P.I quanto ao destino da casa de morada de família esclarecendo que o cônjuge mulher deixou já de ali habitar.
Mantêm igualmente o acordo quanto à regulação do exercício do poder paternal junto com a PI quanto à filha XXX.
A filha XXX atingiu já a maioridade.
*
Seguidamente, o Mmº Juiz proferiu a seguinte:
SENTENÇA
B e A, vieram requerer o divórcio por mútuo consentimento.
Procedeu-se às conferências a que se referem os artigos 1776º e 1777º do Código Civil e nelas ambos os cônjuges persistiram no propósito de se divorciarem, mantendo igualmente os acordos a que se refere o nº 2 do artº 1775º do código Civil, tal como nos autos se encontram firmados.
O Tribunal é absolutamente competente.
As partes tem capacidade e personalidade judiciárias e são legítimas.
Não há nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
Os autos estão instruídos com todos os documentos a que se refere o artº 1419º do Código de Processo Civil.
Nesta conformidade e ao abrigo dos artºs. 1775º e 1778º ambos do Código Civil e artºs. 1419º e 1423º ambos do C.P.C., decreto o divórcio entre os requerentes, com a consequente dissolução do respectivo casamento.
Porque objectiva e subjectivamente validos e por se encontrarem suficientemente acautelados dos cônjuges e da menor homologo agora, definitivamente, os acordos juntos com a P.I. quanto à regulação do exercício do poder paternal da filha XXX e quanto ao destino da casa de morada de família.
Custas por ambos os cônjuges em partes iguais.
Valor do processo para efeitos tributários: 120 UCs.
Notifique e registe, cumprindo-se oportunamente o disposto no artº 78º do C. Registo Civil.”.

A sentença de divórcio transitou no dia 28/01/2002 (doc. fls. 9)

O divórcio entre a A. e o R. foi averbado junto das competentes entidades portuguesas, mas ainda não foi averbado na Conservatória do Registo Civil de Macau (cfr. Certidão do Assento de Nascimento da A. emitida pela Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, que se junta como Doc. n.º 3 e, a contrario, Doc. n. º 1).
***
IV - O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação do divórcio decretado judicialmente pelos tribunais judiciais portugueses competentes. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio por mútuo consentimento com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito da decisão já ocorreu no dia 28/01/2002 (ver documento fls. 9). A decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor em Portugal (DL 272/2001; também art. 1775º e 1776º do Código Civil Português) e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais em 18 de Janeiro de 2002, que decreta o divórcio por mútuo consentimento entre B e A nos seus precisos termos, tal como acima transcritos.
Custas pela requerente.
TSI, 21 / 11 / 2013
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong