Processo nº 50/2010
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 14/Novembro/2013
Assunto: Arrendamento comercial
Juros nas obrigações a prazo
Revogação unilateral pelo arrendatário para fins comerciais
Honorários de advogado
SUMÁRIO
- O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (artigo 794º, nº 1 do Código Civil).
- As situações previstas no nº 2 do referido artigo constituem excepções à regra do nº 1, no sentido de que a dívida se vence e o devedor se considera como constituído em mora, sem necessidade de ser interpelado para cumprir.
- Sendo a revogação unilateral uma das causas de cessação da locação, essa faculdade só pode ser exercida pelo locatário em determinadas circunstâncias, designadamente nas situações previstas no artigo 1024º do Código Civil, salvo no caso de arrendamento habitacional, em que o arrendatário pode ainda pôr termo ao arrendamento unilateralmente antes do fim do prazo do contrato ou das suas renovações, se tiver dado conhecimento ao senhorio com a antecedência mínima de 90 dias (artigo 1044º do Código Civil).
- Os honorários e despesas incorridos na acção devem ser considerados à luz das regras previstas no Regime das Custas dos Tribunais respeitantes à matéria de procuradoria e custas de parte, sem prejuízo do direito ao reembolso das despesas incorridas e honorários dos mandatários no caso de a parte contrária ter litigado de má fé, ao abrigo dos termos do artigo 386º, nº 2 do Código de Processo Civil.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 50/2010
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 14/Novembro/2013
Recorrente:
- Companhia de B Limitada (Autora)
Recorrida:
- C (Ré)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Companhia de B Limitada, Autora nos autos da acção ordinária a correr termos no Tribunal Judicial de Base da RAEM, inconformada com a sentença na parte que decidiu sobre a data a partir da qual se inicia a contagem dos juros de mora por força do não pagamento atempado das quantias devidas a título de despesas de condomínio, o montante da quantia devida a título de compensação pela revogação antecipada do contrato pela Ré, e a não condenação da Ré no pagamento dos montantes correspondentes aos honorários de advogado e às despesas incorridas pela Autora, vem interpor o presente recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
- A Autora pediu a condenação da Ré no pagamento das despesas de condomínio devidas nos termos contratuais no montante global de MOP$11.916,00, acrescida de juros de mora à taxa de 15% desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento;
- No entanto, o Tribunal condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de MOP$11.916,00, a título de despesas de condomínio, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa convencionada de 15%, calculados desde 22 de Fevereiro de 2008 (data da propositura de acção), até ao efectivo e integral pagamento;
- Ora, se por um lado quer o montante a que a Ré foi condenada a pagar, quer a indicação da taxa de juro de mora não merecem qualquer censura, o mesmo não se verifica relativamente à data a partir da qual os mencionados juros de mora devem ser calculados;
- Resulta do relatório inicial da sentença recorrida (cfr. alínea b)) que a Autora conclui a petição inicial, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe: “as despesas de condomínio devidas nos termos da Cláusula Sexta do Contrato, no valor mensal de MOP$1.324,00, vencidas desde Maio de 2006 a 8 de Janeiro de 2007 no montante global de MOP$11.916,00, e respectivamente juros de mora à taxa convencionada de 15% desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento, que na presente data (18 de Fevereiro de 2008) se computam em MOP$1.774,89, tudo no total de MOP$13.690,89”;
- O acima transcrito corresponde, em termos exactos, ao pedido constante da petição inicial apresentada pela Autora (cfr. alínea b));
- Resulta ainda da Matéria de Facto Assente referida na sentença e alínea E) e F) da Matéria de Facto Assente que: “Nos termos estipulados na Cláusula Sexta do Contrato referido em B) a Ré comprometeu-se ainda perante a Autora, a pagar, a título de despesas de condomínio, a quantia mensal de MOP$1.324,00 (mil trezentos e vinte e quatro patacas), equivalentes a HKD$1.286,00”, assim como, “Nos termos estipulados na Cláusula Sexta do Contrato referido em B), a renda, bem como as despesas de condomínio, deveriam ser pagas adiantadamente até ao dia 8 do mês a que respeitam, em local indicado pela Autora (…) ou mediante depósito bancário (…)”;
- Pelo exposto, não compreende a ora recorrente como pode o Tribunal na fundamentação da sentença ora recorrida referir que, quanto às despesas de condomínio devidas pela Ré, a Autora pediu juros, mas somente a partir da data da propositura da acção e não a partir da data de interpelação, sendo assim de atender à data indicada pela Autora;
- Com efeito, nunca foi peticionado pela Autora, a condenação do pagamento de juros de mora a partir da data da propositura da acção e muito menos a partir da data de interpelação;
- A data a partir da qual a Autora sempre pediu o início da contagem dos juros de mora, por força do não pagamento atempado das quantias devidas a título de despesas de condomínio é a data de vencimento para o pagamento das mesmas, ou seja, a partir do dia 8 do mês a que as mesmas respeitam;
- A constituição em mora da Ré pelo não pagamento das despesas de condomínio verifica-se, conforme estipula a alínea a) do n.º 2 art.º 794º do Código Civil de Macau (doravante “CC”) independentemente de interpelação, porquanto a obrigação tem prazo certo, o que se verifica in casu, pois havia sido contratualmente fixado que a data para o pagamento relativo às despesas de condomínio seria o dia 8 de cada mês a que mesmas respeitassem;
- Entende assim a Recorrente que da sentença não consta a especificação de quaisquer fundamentos de facto nem de direito que justifiquem que se tenha decidido que a data do início de contagem de juros é a data da propositura da acção em violação da alínea b) do n.º 1 do CPC. A violação do preceito legal supra citado deverá acarretar a nulidade da sentença no que respeita a este aspecto;
- Pelo exposto deverá ser parcialmente revogada a sentença, na parte respeitante à data a partir da qual deveram ser calculados os juros de mora, proferindo-se em sua substituição a condenação nos termos peticionados pela Autora, ou seja a de que os juros de mora por força do não pagamento atempado das despesas de condomínio devem ser calculados a partir da data do respectivo vencimento – dia 8 de cada mês;
- A Autora pediu, também, a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização compensatória antecipada no montante de HKD$159.300,00, correspondente ao valor das rendas dos meses de renda de Janeiro de 2007 a Março de 2008, tendo, no entanto, o Tribunal somente condenado a Ré no pagamento da quantia equivalente a duas rendas, ou seja no montante de MOP$24.356,00;
- De acordo com a matéria de facto dada como assente e provada nos autos, a fracção arrendada destinava-se a fins directamente relacionados com o exercício de empresa comercial por parte da Ré, tendo esta nela instalado um estabelecimento de pronto-a-vestir, denominado “XXX” (cfr. alínea B) e G) da Matéria de Facto Assente);
- Assim, o arrendamento outorgado entre Autora e Ré insere-se na categoria dos denominados “arrendamentos comerciais”, conforme se encontra previsto no art. 1045º do CC;
- Encontra-se também provado que, não obstante o termo do arrendamento comercial se encontrar contratualmente previsto para 15 de Março de 2008, a Ré abandonou a fracção arrendada em 7 de Janeiro de 2007 (cfr. alínea C) e L) da Matéria de Facto Assente);
- Assim, a Ré incumpriu aquilo a que se obrigou contratualmente, tendo assim a Autora direito não só a exigir o seu cumprimento judicial, mas também o valor dos danos causados por esse incumprimento, tudo nos termos dos artigos 807º, 787º e 558º do CC, aliás conforme se encontra também citado no sentença ora recorrida;
- Atendendo ao supra exposto, a Autora peticionou a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização compensatória pela cessação antecipada do contrato de arrendamento no valor de HKD$159.300,00, valor este correspondente às rendas desde 7 de Janeiro de 2007 – data em que a Ré resolveu unilateralmente o contrato de arrendamento – a 15 de Março de 2008 – data do termo do mesmo contrato de arrendamento;
- Acontece que, sob o ponto 3) da parte decisória constante da sentença ora recorrida, a Ré foi condenada a pagar à Autora, a título de compensação pela resolução unilateral antecipada do contrato pela Ré, somente a quantia de MOP$24.356,00, ao contrário dos HKD$159.300,00 equivalentes a MOP$164.403,00 peticionados pela Autora;
- O Meritíssimo Juiz a quo considera que são aplicáveis ao caso sub judice as disposições legais aplicáveis aos arrendamentos para habitação, nomeadamente o art. 1044º do CC e, consequentemente, se aplica o limite máximo de indemnização aí estipulado correspondente a dois meses de renda, ou seja MOP$24.356,00;
- Ora, salvo melhor opinião, entende a recorrente que o Tribunal a quo terá feito uma interpretação errada das disposições legais aplicáveis;
- Ao contrário do que sucede nos arrendamentos para fins habitacionais, a lei não permite, nos contratos de arrendamento comerciais, a revogação unilateral por parte do arrendatário, ou seja, o arrendatário não goza do direito de pôr fim ao arrendamento antes do seu respectivo termo;
- O supra citado artigo 1044º do CC é uma norma especial que se aplica aos arrendamentos para fins habitacionais, não tendo o legislador estabelecido qualquer regra especial quanto à revogação unilateral para os arrendamentos para fins comerciais;
- Assim, não poderá ser aplicável ao caso concreto, o disposto na referida disposição legal. In casu, conforme acima se disse, a Autora tem direito a exigir os danos causados pelo incumprimento da Ré, tudo nos termos dos artigos 807º, 787º e 558º do Código Civil, ou seja, o valor das rendas que a Autora teria direito a receber durante a vigência do contrato de arrendamento;
- É aliás de referir, que numa fase subsequente da fundamentação (cfr. ponto 6), o Meritíssimo Juiz a quo parece concordar com o pedido da Autora, relativo ao montante devido, a título de compensação indemnizatória, conforme peticionado pela Autora;
- Efectivamente na passagem a que nos reportamos, o Meritíssimo Juiz afirma: “Ora, dado que a Ré não procedeu ao pagamento pontual das rendas, mesmo depois de revogado o contrato, viu-se o Autor privado da faculdade de poder receber, pelo arrendamento daquela Loja, retribuição compatível com o preço acordado. Face ao exposto, o Autor tem, nos termos do disposto no art. 1027º n.º 3 do Código Civil, direito a uma indemnização dos prejuízos emergentes pela perda dos lucros cessantes, equivalente as rendas vencidas e vincendas calculados desde Maio de 2007 até Janeiro de 2008” (o Meritíssimo Juiz a quo terá querido referir as datas de Janeiro de 2007 até Março de 2008);
- Pelo exposto, entende a ora recorrente que deverá ser revogada a decisão proferida nessa parte e substituída pela procedência do pedido de condenação da Ré a pagar à Autora a indemnização compensatória pela revogação antecipada do contrato de arrendamento, no montante global de HKD$159.300,00 equivalentes a MOP$164.406,00;
- Conforme acima se referiu, a Autora pediu ainda a condenação do pagamento da Ré da quantia de MOP$25.000,00, a título de honorários suportados pela Autora, assim como a quantia de MOP$3.000,00 correspondentes às despesas incorridas pela Autora, tendo, no entanto o Tribunal indeferido ambos os pedidos;
- Ora, na verdade o Meritíssimo Juiz a quo reconhece que a Ré, ao abster-se de proceder ao pagamento voluntário e atempado das prestações a que se encontrava vinculado, obrigou a Autora a recorrer às vias judicias para a satisfação do direito que lhe assiste, dando causa a novos danos, sendo por isso a Ré quem deveria suportar essas despesas, desde que estivessem devidamente comprovadas;
- Ora, mais uma vez, andou o mal o Meritíssimo Juiz a quo;
- A Autora logrou provar, conforme consta das alíneas N) e O) da Matéria de Facto Assente, que, efectivamente, despendeu a quantia de MOP$25.000,00, a título de honorários com os seus mandatários judiciais, assim como a quantia de MOP$3.000,00 referente a despesas;
- Com efeito, a Autora, a fim de obter a cobrança do seu crédito, foi forçada a recorrer aos serviços dos seus mandatários para o patrocínio da acção e prosseguimento dos subsequentes termos, ao abrigo do disposto no artigo 74º e 405º do CPC;
- Uma vez que a quem deu origem a tais encargos foi a Ré, os mesmos são forçosamente da sua responsabilidade, devendo esta pagar à Autora as supra aludidas quantias, acrescidas dos juros vincendos à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, bem como todas as despesas que esta venha futuramente a realizar para obter a satisfação do seu crédito, quer no decurso desta acção, quer no de uma eventual acção executiva, nomeadamente relativas a despesas e honorários de Advogado, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, montantes que apenas em sede de execução de sentença se poderão liquidar;
- Não obstante o supra exposto, o Tribunal a quo decidiu indeferir o pedido da Autora, uma vez tem havido uma tendência da parte vencedora para abusar dos montantes peticionados a serem pagos pela parte vencida, quer a título de honorários, quer a título de despesas;
- Ora, a existência de situações abusivas no que respeita aos montantes despendidos pela parte vencedora, não poderá prejudicar aqueles que peticionam montantes razoáveis e comprovados nos autos. Se, efectivamente, em determinadas acções os valores reclamados são desproporcionais e injustificados, deverá então haver, nesses casos, uma redução dos mesmos a um valor que o Tribunal considere razoável e não um banimento de todo e qualquer montante que tenha sido peticionado e provado;
- Para o efeito, o Tribunal alega que o regime das custas já prevê o instituto da procuradoria e a possibilidade de a parte vencedora receber da parte vencida uma percentagem de honorários;
- Ora, salvo melhor opinião, a procuradoria não permite à parte vencedora receber uma percentagem dos honorários. De acordo com o disposto no art. 26º do Regime de Custas nos Tribunais, a parte vencedora, na proporção em que o seja, tem direito a receber do vencido uma quantia a título de procuradoria que entra em regra de custas. Essa quantia é arbitrada pelo tribunal, em função do valor e complexidade da causa, entre um quarto e metade da taxa de justiça devida. A taxa de justiça dos presentes autos corresponde a MOP$8.200,00, ou seja, qualquer valor fixado a título de procuradoria será entre MOP$2.050,00 e MOP$4.100,00;
- Assim tendo em conta os montantes provados nos autos, no valor global de MOP$28.000,00, bem se vê que o montante que a Autora eventualmente venha a receber a título de procuradoria não será suficiente para suportar os montantes efectivamente gastos pela Autora, porquanto correspondem apenas a cerca de 14% do valor peticionado e provado;
- Conforme se refere no recente Acórdão no Tribunal Central Administrativo Norte de 2 de Maio de 2009: “Os honorários devidos a advogado, naquilo que excedam o montante da procuradoria a pagar pela parte condenada em custas, fazem parte do ressarcimento devido à parte vencedora, uma vez que o facto de esta ter de recorrer a juízo para fazer valer os seus direitos, ou para remover uma lesão ilícita, não deve ocasionar-lhe danos.” No mesmo sentido ver também AC STA de 24.04.2007, AC STA de 08.03.2005 e AC STA de 09.06.99;
- Pelo exposto, deverá a sentença ser também nesta parte revogada, decidindo-se, em sua substituição pela procedência dos pedidos da Autora e, consequentemente, condenando-se a Ré a pagar à Autora, o montante de MOP$25.000,00 a título de honorários e MOP$3.000,00 a título de despesas;
- Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado e, em consequência, ser condenada a pagar à Autora:
a) as despesas de condomínio devidas nos termos contratuais no montante global de MOP$11.916,00, acrescida de juros de mora à taxa de 15% desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento;
b) uma indemnização compensatória pela revogação antecipada do Contrato, no montante global de HKD$159.300,00, equivalentes a MOP$164.03,00;
c) a quantia de MOP$25.000,00, a título de honorários suportados pela Autora, assim como a quantia de MOP$3.000,00 correspondente às despesas incorridas pela Autora, fazendo assim inteira Justiça.
A recorrida apresentou as suas contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
Está inscrita na Conservatória do Registo Predial de Macau a favor da A. a aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento incluindo a propriedade de construção da fracção autónoma designada por “AH1” sita no 1º andar, para comércio, do prédio denominado Centro Comercial “......”, sito em Macau, com os n.ºs ... a ..., da Rua do Dr. ......, n.º ... a ..., da Avenida do ......, n.º ... a ..., da Avenida ......, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 1XXXX, a folhas 132 do Livro B41 tudo conforme documento de fls. 12 a 57 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea A) dos factos assentes).
Por escrito particular, assinado em 28 de Fevereiro de 2006, a Autora deu de arrendamento à Ré, que por sua vez aceitou esse arrendamento, a fracção autónoma designada por “AH1” melhor identificada na alínea anterior tudo conforme consta do documento de fls. 58/59 traduzido a fls. 141/148 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea B) dos factos assentes).
O contrato referido na alínea que antecede foi celebrado pelo prazo de dois anos, com início em 16 de Março de 2006 e termo em 15 de Março de 2008 destinando-se ao exercício do comércio por parte da Ré mediante o pagamento da renda mensal, estipulada na cláusula Sexta do Contrato foi de HKD$11.800,00 (onze mil e oitocentos dólares de Hong Kong), equivalentes a MOP$12.178,00 (doze mil, cento e setenta e oito patacas) (alínea C) dos factos assentes).
Dado que era necessário proceder a obras de adaptação e decoração foi estipulado entre as partes, na Cláusula Quinta do Contrato, que a renda relativa ao mês de Março de 2006 não seria devida (alínea D) dos factos assentes).
Nos termos estipulados na Cláusula Sexta do Contrato referido em B) a Ré comprometeu-se ainda perante a Autora, a pagar, a título de despesas de condomínio, a quantia mensal de MOP$1.324,00 (mil trezentos e vinte e quatro patacas), equivalentes a HKD$1.286,00 (mil duzentos e oitenta e seis dólares de Hong Kong) (alínea E) dos factos assentes).
Nos termos estipulados na Cláusula Sexta do Contrato referido em B), a renda, bem como as despesas de condomínio, deveriam ser pagas adiantadamente, até no dia 8 do mês a que respeitam, em local indicado pela Autora (situando-se actualmente esse local na Secretaria da fracção modelo do Edifício “......”, sita em Macau, na Avenida do ......, Lote ...), ou mediante depósito na conta bancária, em patacas, com o número 18XXXXX, ou na conta bancária, em dólares de Hong Kong, com o número 18XXXXX, de que a Companhia de Administração de Propriedades D, Limitada é titular junto do Banco Comercial de Macau (alínea F) dos factos assentes).
A Ré instalou na fracção arrendada um estabelecimento de pronto-a-vestir denominado “XXX XXX” (alínea G) dos factos assentes).
A Ré procedeu ao pagamento da renda e das despesas de condomínio, devidas nos termos da Cláusula Sexta do Contrato, relativas ao mês de Abril de 2006 (alínea H) dos factos assentes).
A partir de Maio de 2006, a Ré deixou de pagar à Autora as rendas e as despesas de condomínio devidas pelo arrendamento da fracção autónoma “AH1”, melhor identificada na alínea A) (alínea I) dos factos assentes).
A Autora advertiu a R. para o pagamento uma última vez, por carta registada em 17 de Outubro de 2007 e bem assim, da situação de mora em que se encontrava relativamente ao pagamento das rendas e despesas de condomínio devidas tudo conforme resulta dos documentos de fls. 60 a 74 (alínea J) dos factos assentes).
No decurso de Janeiro de 2007, tendo a Ré alegadamente deixado de estar interessada na manutenção do Contrato referido em B), comunicou à Autora, por escrito, a sua intenção de o revogar antes do seu respectivo termo de 2 anos, alegando para o efeito dificuldades no seu negócio, tudo conforme resulta do documento de fls. 75 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea K) dos factos assentes).
Na carta referida na alínea anterior a Ré informava ainda a Autora que iria abandonar a fracção arrendada, o que veio a concretizar a 8 de Janeiro de 2007 (alínea L) dos factos assentes).
Doc. n.º 6 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido (alínea M) dos factos assentes).
No pagamento dos serviços dos seus mandatários judiciais a título de honorários a Autora despendeu MOP$25.000,00 (alínea N) dos factos assentes).
A Autora suportou ainda despesas no montante de MOP$3.000,00, referente a traduções e gastos administrativos em geral (alínea O) dos factos assentes).
A Autora instou por diversas vezes a Ré a proceder ao pagamento das rendas (resposta ao quesito 1º).
A Ré pagou à Autora dois meses de “caução” na quantia de HKD$26.172,00 (fls. 58v) (resposta ao quesito 9º).
O Contrato referido em B) foi promovido por uma agência imobiliária denominada “F(澳門)地產代理有限公司” (resposta ao quesito 11º).
Foram os empregados da referida agência que negociaram os termos e as condições do referido contrato de Arrendamento com a Ré (resposta ao quesito 12º).
*
É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau, “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
Três questões são aqui colocadas:
1) Data a partir da qual se inicia a contagem de juros relativamente às quantias devidas a título de despesas de condomínio;
2) Qual será o montante devido a título de compensação pela revogação antecipada do contrato pela recorrida;
3) Honorários de advogado e outras despesas incorridos pela recorrente.
No que toca à primeira questão, está provado nos autos que conforme o contratualmente acordado, a recorrida comprometeu-se perante a recorrente a pagar, a título de despesas de condomínio, a quantia mensal de MOP$1.324,00, devendo tal ser paga, adiantadamente, até ao dia 8 do mês a que respeita, em local indiciado pela recorrente.
Uma vez provada a falta de cumprimento da prestação pela recorrida a que ficou adstrita, torna-se responsável pelo prejuízo que causou à recorrente, nos termos do artigo 787º do Código Civil de Macau.
Dispõe-se no artigo 793º do Código Civil que, no caso de simples mora, “constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”, e “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”.
Assim, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (artigo 794º, nº 1 do Código Civil) ou quando tiver verificado alguma das situações previstas nos termos do artigo 794º, nº 2 do mesmo Código, a saber, se a obrigação tiver certo prazo, se provier de facto ilícito ou se o próprio devedor impedir a interpelação.
As situações previstas no nº 2 do referido artigo constituem excepções à regra do nº 1, no sentido de que a dívida se vence e o devedor se considera como constituído em mora, sem necessidade de ser interpelado para cumprir.2
No caso vertente, acordado ficou entre a recorrente e a recorrida que a quantia mensal de MOP$1.324,00, a título de despesas de condomínio, devia ser paga, adiantadamente, até ao dia 8 do mês a que respeita, em local indiciado pela recorrente, pelo que, sem necessidade de delongas considerações, dúvidas não restam de que a obrigação de pagamento daquelas despesas tem prazo certo, constituindo-se o devedor em mora independentemente de interpelação.
Assim, a data a partir da qual se deve iniciar a contagem dos juros de mora, vem virtude do não pagamento atempado das quantias devidas a título de despesas de condomínio pela recorrida, é a data de vencimento de cada uma das referidas prestações mensais, ou seja, a partir do dia 8 de cada mês a que as mesmas respeitam.
Na verdade, a recorrente pediu logo no início da acção que os juros de mora fossem calculados a partir da data do respectivo vencimento, e nunca, tal como foi decidido na decisão recorrida, a partir da data da propositura da acção e muito menos a partir da data de interpelação.
Daí vai proceder o recurso quanto a esta parte.
*
Vem ainda a recorrente insurgir-se contra a parte decisória relativa à quantia devida pela recorrida a título de compensação pela revogação antecipada do contrato pela mesma.
Quanto a este ponto, a recorrente pediu a condenação da recorrida no pagamento de uma indemnização compensatória antecipada no montante de HKD$159.300,00, convertível em MOP$164.403,00, correspondente ao valor das rendas dos meses de Janeiro de 2007 a Março de 2008, tendo o Tribunal a quo condenado apenas no pagamento da quantia equivalente a dois meses de renda, no montante de MOP$24.356,00.
Vejamos.
Estatui-se nos termos do artigo 1013º do Código Civil que:
“1. O aluguer pode cessar por:
a) Revogação por acordo entre as partes;
b) Resolução;
c) Caducidade; ou
d) Revogação unilateral.
2. O arrendamento pode cessar através dos meios indicados no número anterior e ainda através de denúncia, sujeita ao regime dos artigos 1038º e 1039º.
3. O disposto neste capítulo sobre a resolução, a caducidade, a revogação unilateral e a denúncia tem natureza imperativa.”
No que respeita à revogação unilateral, o legislador só atribui ao locatário a faculdade de revogar unilateralmente o contrato quando as obras de beneficiação feitas pelo locador em função de obras de conservação extraordinárias e de beneficiação da coisa que o locador seja compelido administrativamente a efectuar, importem alteração sensível no modo de utilização da coisa por parte do locatário ou quando este se não conforme com o acréscimo da renda (artigo 1024º do Código Civil).
Se se tratar de arrendamento para fins habitacionais, o arrendatário pode ainda revogar unilateralmente ou pôr termo ao arrendamento antes do fim do prazo do contrato ou das suas renovações, se tiver dado conhecimento ao senhorio com a antecedência mínima de 90 dias (artigo 1044º do Código Civil).
Mas em relação aos arrendamentos comerciais, já nada se prevê quanto à revogação unilateral.
A recorrente sustenta a não aplicabilidade do disposto no artigo 1044º, enquanto a recorrida defende que o mesmo é aplicável por força do artigo 1029º, ambos do Código Civil.
Salvo o devido respeito, julgamos assistir razão à recorrente.
Diz o nº 1 do artigo 1029º do Código Civil que “os arrendamentos de prédios, quer sejam urbanos ou rústicos, ficam sujeitos às disposições da subsecção que regule especialmente o tipo de arrendamento em causa, às restantes normas contidas na presente subsecção e na subsecção seguinte que não estejam em oposição com elas e ainda às normas das secções anteriores que não contrariem as normas desta secção”.
Face a esta norma, podemos concluir que para cada tipo de arrendamento (arrendamento para habitação, arrendamento comercial, arrendamento para o exercício de profissões liberais e arrendamento rural) são aplicáveis em primeiro lugar as disposições que lhes são próprias, seguidamente as normas previstas nos artigos 1030º a 1039º, e subsidiariamente, as disposições relativas à locação que não contrariem as disposições gerais previstas para o arrendamento.
Sendo assim, entendemos que o disposto no artigo 1044º não é aplicável no caso sub judice, pois ao contrário do que sucede nos arrendamentos para fins habitacionais, o legislador de Macau foi mesmo de propósito não permitir a revogação unilateral por parte do arrendatário nos arrendamentos para fins comerciais, salvo no caso previsto no artigo 1024º.
E não gozando o arrendatário para fins comerciais do direito de pôr fim ao arrendamento antes do termo do contrato, devendo o mesmo cumprir rigorosamente as obrigações assumidas perante o senhorio.
Na jurisprudência, o TSI já teve oportunidade de pronunciar sobre a mesma questão, a saber no Processo 603/2010, de 24 de Março de 2011, no qual se decidiu que “estamos assim em condições de concluir no sentido de que foi correcta a interpretação do Mmo Juiz recorrido, enquanto entendeu que nos casos de arrendamento comercial não se prevê a possibilidade de revogação unilateral do arrendamento comercial nos mesmos termos dos previstos para o arrendamento para habitação, devendo ela sujeitar-se às regras que foram contratualmente aceites pelas partes, não havendo qualquer lacuna ou situação de abuso de direito, entendido este como o exercício do poder conferido a certa pessoa em aberta contradição com o seu fim económico ou social ou com o condicionalismo ético-jurídico da comunidade jurídica.”
No vertente caso, pese embora tenha a recorrida como arrendatária abandonado o arrendado em 8 de Janeiro de 2007, mas não ficava eximida do pagamento das rendas devidas até ao final do contrato, correspondente a treze meses e meio de rendas relativas ao período compreendido entre Fevereiro de 2007 e 15 de Março de 2008, no montante de MOP$164.403,00 (MOP$12.178,00 * 13.5 meses).
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Finalmente, vem a recorrente pedir a condenação da recorrida no pagamento da quantia de MOP$28.000,00, a título de honorários suportados e despesas incorridas por aquela.
Sem embargo de melhor entendimento, julgamos não assistir razão à recorrente.
Quanto aos honorários e despesas incorridos na presente acção, entendemos que os mesmos devem ser considerados à luz das regras previstas no Regime das Custas dos Tribunais respeitantes à matéria de procuradoria e custas de parte.
Além disso, não se vislumbra qualquer nexo de causalidade entre a dívida reportada nos presentes autos e os honorários acordados entre a parte vencedora ora recorrente e o seu mandatário. Pois, este acordo de pagamento de honorários só vincula as partes (parte vencedora ora recorrente e seu mandatário), pelo que a parte vencida ora recorrida não tem obrigação de suportar tais consequências onerosas.
Não obstante, a parte processual terá direito ao reembolso das despesas incorridas e honorários dos mandatários no caso de a parte contrária ter litigado de má fé, ao abrigo dos termos do artigo 386º, nº 2 do Código de Processo Civil, mas não é o caso.
Sobre a referida questão, o TSI já teve oportunidade de pronunciar, cujo entendimento dominante era no sentido de indeferimento (Processo 77/2002, de 23 de Maio de 2002, Processo 285/2005, de 19 de Janeiro de 2006, Processo 14/2004, de 10 de Junho de 2004).
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso, alterando-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
- Quanto ao ponto 2) da parte decisória, vai ser a recorrida C condenada a pagar à recorrente Companhia de B Limitada a quantia de MOP$11.916,00, a título de despesas de condomínio, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa convencionada de 15%, desde a data do vencimento de cada uma das prestações mensais, ou seja, a partir do dia 8 de cada mês a que as mesmas respeitam;
- No tocante ao ponto 3), vai ser a mesma condenada a pagar à recorrente a quantia de MOP$164.403,00, que corresponde às rendas devidas até ao final do contrato.
- Quanto ao resto, mantém-se o que ficou consignado na decisão recorrida.
Custas pelas recorrente e recorrida na proporção do decaimento.
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Macau, 14 de Novembro de 2013
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Tong Hio Fong
(Relator)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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João Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
2 Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume II, 4ª edição, página 63
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Processo 50/2010 Página 1