Processo nº 716/2013 Data: 21.11.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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Processo nº 716/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando essencialmente à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 183 a 185-v que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 188 a 192).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“O recurso ora interposto versa sobre a decisão de negação à concessão de liberdade condicional proferida em 07/10/2013.
Essencialmente, alega o recorrente que a decisão em causa violou o art° 56 do C.P.M., uma vez que tanto os pressupostos formais como os materiais da concessão estão verificados nos presentes autos e assim deve conduzir à uma decisão favorável.
Vamos ver se assiste razão ao recorrente.
Em primeiro lugar, se reparamos os fundamentos constantes na decisão recorrida, fica demonstrado que na óptica do tribunal "a quo", tais pressupostos não estão reunidos de forma completa, ou pelo menos, não estão afastadas todas as dúvidas que a rodeiam, especialmente, no que se toca às exigências de prevenção geral do crime.
Para nós, abstractamente falando, a decisão favorável ou desfavorável no âmbito de concessão de liberdade condicional depende, essencialmente, de se conseguir formular um juízo de "prognose" favorável em relação ao sucesso de atingir as finalidades da pena, que é a prevenção geral e prevenção especial.
Acresce que não está em questão só a verificação formal ou não de tal juízo, mas sobretudo o respectivo grau ou profundidade, isto é, tal juízo deve possuir uma dose significativa de probabilidade, fazendo com que o tribunal possa, sem hesitação, confiar na própria pessoa do recluso, acreditando que ele não voltará a cometer mais crime, não tanto pela ameaça da pena, mas sim pela reconstrução da personalidade do agente, já corrigida e reeducada durante a sua reclusão.
Por outro lado, o tribunal tem de ponderar também a compatibilidade da concessão de liberdade com o desejo da comunidade em geral, nomeadamente, no que se diz respeito à tranquilidade e à paz social.
Com efeito, estes dois factores não são antagónicos mas sim ambos concorrem para a formação da decisão, até que eles estão numa relação de dinâmica, sujeitando às modificações contextual da sociedade.
No caso sub judice, sendo certo que se demonstrou uma evolução global positiva do recorrente, na medida em que se comprova a sua dedicação ao estudo e às actividades de carácter voluntária, contudo, falta por esclarecer e comprovar a sua capacidade de resistência às tentações provindas da sociedade, o que se constitui como' obstáculo à afirmação peremptória de um juízo de prognose favorável.
Na verdade, o que se importa para a afirmação de alto provável sucesso na matéria de prevenção especial depende, essencialmente, de acções do recluso, no sentido de lhe é exigível algo mais do que o mero bom comportamento, ou seja, depende, para além de vontade, de próprio acto do recluso durante a sua reclusão, só assim se consegue inferir se existe uma consciência de responsabilização por parte do condenado.
De acordo com os factos recolhidos nos autos, sem prejuízo de verificação de algo positivo em relação ao comportamento do recorrente, parece-nos incerta uma afirmação, sem margem para dúvida, que o recorrente, ao nível de prevenção especial, possui já uma capacidade e vontade firme de resistência às tentações do mundo exterior.
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E no que se refere à finalidade de prevenção geral, o ponto de partida da sua análise é sempre rodeado do interesse da comunidade, pondo em balanço os interesses colectivos e os interesse pessoais do recluso, melhor dizendo, analisa-se a compatibilidade entre a libertação antecipada do recluso e a restauração da 'paz social.
Acresce que nesta análise, tal e qual como se refere nos acórdãos n° 22/2005 e n° 15/2009, ambos de T.S.L, a ponderação a fazer deve ter ainda em conta a vertente da prevenção geral, não importando já e tão somente a conduta posterior do condenado, mas uma análise retrospectiva projectada sobre a realidade actual com incidência sobre o desvir social, em termos de prognose, a partir de natureza dos crimes, forma de cometimento; o motivo de prática dos crimes, a sua gravidade, as finalidades prosseguidas e todo o circunstancialismo em que os mesmos foram praticados.
No caso concreto, é sem dúvida que tanto os factos praticados em si como as circunstâncias em que os mesmos foram praticados são graves, acresce que todos os crimes praticados pelo condenado são crimes contra pessoa e tranquilidade social, pondo a liberdade e a integridade fisica do ofendido em sério risco. Por outro lado, a tranquilidade social também foi necessariamente posta em causa.
Nesta perspectiva, pensamos que a comunidade exigia e continua a exigir que a prevenção geral só pode ser considerada como satisfeita quando a paz social ofendida pela prática dos crimes em causa seja restaurada com uma maior plenitude e latitude (tanto no seu lado positivo como no seu lado negativo), porque só assim a confiança da comunidade nas normas violadas e a ordem social pode ser salvaguardada e afirmada perante um acto ilícito.
Com efeito, pensamos que essa exigência social ainda fica por restaurar, não se pode considerar, com alto grau de probabilidade, que a finalidade de prevenção geral é totalmente atingida face à natureza do crime em causa e ao circunstancialismo do caso.
Sem mais delonga, entendemos que o presente recurso não merece de provimento e em de ser julgado improcedente”; (cfr., fls. 199 a 201).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 09.11.2011, foi, A, sem residência fixa em Macau, ora recorrente, condenado na pena única de 4 anos e 9 meses de prisão pela prática de 1 crime de “rapto” e outro de “armas proibidas”;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.M. em 07.08.2010, e em 06.10.2013, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 06.05.2015;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com os pais em Macau, tencionando continuar os estudos.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 07.08.2010, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever o teor do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
De facto, (e independentemente do demais), atento os tipos de crimes pelo ora recorrente cometidos, o de “rapto” e “armas proibidas”, importa acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.200,00.
Macau, aos 21 de Novembro de 2013
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 716/2013 Pág. 14
Proc. 716/2013 Pág. 15