Processo nº 649/2013 Data: 21.11.2013
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Suspensão da execução da pena.
Revogação.
SUMÁRIO
1. O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade.
2. Constatando-se que o arguido insiste em delinquir, fazendo descaso absoluto das “advertências” que lhe são feitas e não aproveitando as oportunidades que lhe são concedidas, censura não merece a revogação da suspensão da execução da pena.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 649/2013
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. de 11.07.2012, decidiu-se condenar B ou B1 (B), arguido com os sinais dos autos, como autor de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano e 9 meses de prisão suspensa na sua execução por um período de 2 anos; (cfr., fls. 154 a 156-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Posteriormente, em 02.07.2013, e no âmbito dos Autos de Processo Sumário n.° CR4-13-0119-PSM, foi o mesmo arguido condenado como autor de 1 crime de “reentrada ilegal”, p. e p. pelo art. 21° da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 meses de prisão; (cfr., fls. 181 a 185-v).
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Na sequência desta última condenação (e após audição do dito arguido), decretou-se a revogação da suspensão da execução da pena de 1 ano e 9 meses de prisão determinada pelo Acórdão de 11.07.2012; (cfr., fls. 213 a 215).
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Inconformado com o assim decidido, o arguido recorreu.
Em sede das suas conclusões, diz o que segue:
“1a- O presente recurso vem interposto decisão proferida pela Exma Juíza do T.J.B., a fls. 213 a 215 dos autos, que lhe revogou a suspensão da execução pelo período de 2 anos da pena de 1 ano e 9 meses de prisão que lhe tinha sido decretada pela sua prática de 1 crime de “roubo” p. e p. pelo artigo. 204°, n.° 1 do Código Penal.
2ª- A decisão ora recorrida não está conforme com o estatuído no art. 54° do C.P.M.
3ª- É com relevante interesse para a decisão, colher-se que arguido tem 43 anos, (nascido em 1970), tendo frequência do ensino secundário, encontrando-se antes de estar preso empregado actualmente sem rendimentos em virtude de cumprimento de pena por reentrada ilegal.
4ª- Que os factos que levaram à sua condenação na pena ora revogada ocorreram em 6.12.2010, (há quase 3 anos) e que os factos que levaram à sua condenação pelo crime de “reentrada ilegal” que tiveram lugar em 1.7.2013, ocorreram no âmbito de uma reentrada ilegal em virtude do arguido confiar em amigos que não estaria interdito de entrar se com documento válido fosse possível passar a fronteira da RAEM.
5ª- Importante também valorar positivamente o facto da suspensão da pena de prisão, que agora foi revogada, foi devido ao facto de ser primário, de ter demonstrado arrependimento sincero ao devolver a totalidade da quantia roubada tendo mesmo beneficiado da atenuação especial da pena prevista no artigo 66° do Código Penal.
6ª- Bem como, deveria na decisão recorrida ser valorado positivamente que a entrada do arguido na RAEM é diferente dos outros casos devido ao facto de ter entrado legalmente em Macau através do seu salvo-conduto e que este nos dois meses em que esta detido demonstrou arrependimento.
7ª- Ponderando tudo o que existe nos autos, cremos porém que viável é uma outra solução que não a imediata revogação da suspensão da execução da pena de 1 ano e 9 meses de prisão, como se entendeu no T.J.B.
8ª- Importa também atentar que o ora recorrente encontra-se a cumprir a pena de 5 meses de prisão decretada pelo crime de “reentrada ilegal”, e, motivos não parece haver para se considerar que não terá esta pena o seu “efeito pedagógico e ressocializador”.
9ª- Acresce que o arguido foi julgado à revelia no processo do crime de “roubo” e só soube da sentença através da esposa e não directamente pelo juiz, o qual não lhe explicou mais as implicações e finalidades reais que levaram à suspensão da pena que agora foi revogada.
10ª- Apesar de ter cometido anteriormente o crime de entrada ilegal no presente caso ele não sabia as leis de Macau e pensava que podia entrar em Macau se na fronteira tal lhe fosse possível permitido.
11ª- No presente caso a revogação da sentença não se pode unicamente basear no facto de ter cometido outro crime durante a suspensão, sendo, relevante e importante considerar na sentença que lhe aplicou a suspensão da pena o arguido está cumprido plenamente as suas finalidades sendo que demonstrou um arrependimento enorme ao restituir prontamente na totalidade a quantia em questão ao ponto do ofendido manifestar a desistência da queixa por si apresentada e até ao presente nunca mais cometeu qualquer crime de tal gravidade – cometendo unicamente o pecado de querer entrar em Macau – apesar de estar interdito – através dos mecanismos legais da fronteira e sem qualquer subterfúgio.
12ª- Aliás, por esse erro estúpido e grosseiro, está o arguido cumprindo pena e sinceramente arrependido dos seus actos e a simples prorrogação da suspensão da pena de 1 ano e 9 meses por um período adicional de 1 ano ou superior satisfaz plenamente as finalidades que estivera inerentes a sua aplicação.
13ª- O não cancelamento da suspensão torna impossível possível ao arguido tomar conta da família e obedecer à lei bastando-lhe que a simples ameaça que se cometer novamente qualquer crime ira cumprir pena de prisão – situação que está experimentado actualmente.
14ª- O crime de reentrada ilegal foi praticado em circunstâncias não muito censuráveis – ocorreu sem qualquer recurso a subterfúgios para enganar as autoridades da RAEM – circunstâncias essas que revelam, salvo o devido respeito, uma formação da personalidade do arguido, que não justifica a revogação da suspensão de execução da pena do crime anterior.
15ª- Acresce, presentemente manifestou um sentimento de arrependimento sincero, esta preso e teve profunda reflexão sobre o erro daí, revela-se que a manutenção e a extensão do prazo de suspensão da execução da pena de prisão realiza as finalidades da punição do cometido de “roubo”.
16ª- O cometimento pelo arguido do crime “reentrada ilegal” durante o período de suspensão de execução da pena não implica necessariamente a sua revogação pois que, para que tal aconteça é necessário que tal comportamento criminoso evidencie que aquele não é merecedor do juízo de prognose positiva em que alicerçou a aplicação daquela pena de substituição.
17ª- O legislador pretende “salvar, até ao limite”, a pena de substituição da suspensão da execução da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”, afigura-se-nos, no caso, algo excessiva a decretada “revogação”.
18ª- Violou a decisão recorrida violou os artigo 54, n.° 1, al. b) do Código Penal ao revogar a pena de suspensão de 2 anos decretada nos autos supra cotados.
19ª- Em conformidade, atento o estatuído no art. 53° do C.P.M. entende o arguido, que deveria ser decidido prorrogar por mais 1 ano ou superior, a decretada suspensão da execução da atrás aludida pena, devendo ser imposto ao arguido uma solene advertência que, no assinalado período, não pode cometer qualquer crime sob pena de lhe ser suspensa imediatamente a suspensão que lhe fosse atribuída”; (cfr., fls. 236 a 248-v).
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Em Reposta, pugna o Ministério Público pela total confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 251 a 253).
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Em sede de vista, emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Em primeiro lugar, não podemos deixar de concordar com a douta posição assumida pela nossa digna colega do Ministério Público na sua resposta dada ao presente recurso, no sentido de considerar que o mesmo recurso não merece de provimento.
Aqui, vamos tentar abordar, de uma forma pouco mais sucinta, as questões suscitadas pela recorrente.
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Na óptica do recorrente, entende que o tribunal ainda pode depositar confiança relativamente ao seu comportamento futuro e mantendo-se a suspensão, visto que de acordo com as circunstâncias do caso concreto, não era ainda necessária a revogação de suspensão de execução da pena. Alegando ainda que os crimes pelos quais o recorrente foi condenado não têm a mesma natureza.
Salvo o respeito, discordamos com este entendimento.
Em primeiro lugar, ao abrigo da norma legal em questão (art° 54 do C.P.M.), os verdadeiros factores principais que determinam a revogação da execução da pena têm a ver com a perda da confiança do tribunal no que toca ao comportamento futuro do agente.
Trata-se, não de uma mera suposição subjectiva e arbitrária do julgador, mas sim é uma previsão alicerçada em factos objectivos, e especialmente, indiciados através da personalidade do agente revelada em factos passados e presentes.
No fundo, a pedra de toque de todo o instituto de revogação reside-se em prever a capacidade e vontade do agente no futuro cumprimento da lei. Portanto, quando se verifica uma evolução negativa, indiciando (através de factos objectivos) que as finalidades de prevenções (pode ser especial ou geral) não puderem ser alcançadas, torna-se o dever do tribunal em revogar a suspensão inicialmente concedida.
No nosso entendimento, embora o instituto de suspensão de execução da pena e o da revogação de suspensão tenham, em último ratio, o mesmo objectivo de salvaguardar: os fins de prevenções criminais. Porém, diferentemente na situação de concessão de suspensão de execução da pena, ao agente recaiu um "dever acrescido" no caso de suspensão já tenha sido concedida.
Isto é, no caso de concessão da suspensão, o tribunal não dispõe tanto elementos para a análise da personalidade do agente como no caso de revogação, na medida em que neste último caso há outro requisito acrescido que é o cometimento de novo crime durante o decurso do prazo de suspensão de execução.
Ou seja, o agente deveria estar mais prudente na sua própria conduta, e deve orientar o seu comportamento em conformidade com os padrões sociais básicos.
Para nós, qualquer violação dolosa e culposa do art° 54 do C.P .M. é logo indício de defeito na formação da personalidade do agente, uma vez que o dever mínimo de não infringir as leis penais não foi cumprido.
E no caso em apreço, se analisando com detalhe os factos que levaram à última condenação do recorrente bem como a sua explicação dada ao tribunal "a quo", fica claro que os pretextos do recorrente não resultaram nada em seu favor. Sendo certo que:
- O recorrente afirmou que tinha tomado conhecimento da sua condenação nos presentes autos.
- Foi pessoalmente notificado sobre a ordem de expulsão.
(sabe o respectivo prazo de validade)
- Decidindo "tentar" os postos fronteiriços, mesmo que saiba que ainda não tenha decorrido todo o prazo
- Deu uma explicação incompreensível sobre o motivo da sua vinda a Macau, explicando que pretendia fazer negócio de chá em Macau. Porém, não se esquece que ele foi condenado por crime de roubo nos presentes autos.
- Acresce que o recorrente já tinha sido condenado uma vez por mesmo crime de violação de reentrada.
Ora, com os factos acima apurados nos autos, confessamos que não conseguimos depositar mais confiança no comportamento do recorrente, e toda a confiança necessária foi destruída pelas suas próprias mãos !
Assim sendo, outra conclusão lógica é a de que a base de não revogação de suspensão (satisfação das exigências de finalidade de prevenção criminais) fica irremediavelmente destruída por facto imputável ao recorrente.
Em determinado momento na sua motivação, o recorrente pugna pela aplicabilidade do art° 53 do C.P.M .
Salvo o respeito, pensamos que no caso em apreço fica fora de hipótese a aplicabilidade de tal norma, pois, nesta disposição legal está manifestamente reservada para as situações em que tinham sido aplicado ao agente deveres ou regras de conduta previstos no Código Penal.
o que não foi sucedido nos presentes autos.
E mesmo que se entenda tal norma seja aplicável, pensamos que tanto em termos do grau corno em termos do efeito, as violações verificadas no presente caso são muito mais graves do que os casos previstos para aquela disposição legal.
Por último, se é certo a revogação de suspensão de execução não é automática, a decisão do tribunal "a quo" foi levada "passivamente" pelo recorrente e não arbitrariamente.
Tudo visto, entendemos que o recurso não merece de provimento
e deve ser rejeitado”; (cfr., fls. 295 a 297).
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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
2. Resulta do que se deixou relatado que o presente recurso tem como objecto a decisão do Mmo Juiz do T.J.B. que decretou a revogação da suspensão da execução da pena decretada pelo Acórdão de 11.07.2012.
Entende o arguido recorrente que a decisão recorrida viola o art. 54°, n.° 1, al. b) do C.P.M.; (cfr., concl. 2ª e 18ª ).
Não nos parece.
Vejamos.
Preceitua o citado art. 54° do C.P.M. que:
“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.
E, visto que a revogação da suspensão da execução da pena de 1 ano e 9 meses de prisão ocorreu em virtude do cometimento de outro crime, o de “reentrada ilegal”, diz o recorrente que “o cometimento pelo arguido do crime “reentrada ilegal” durante o período de suspensão de execução da pena não implica necessariamente a sua revogação pois que, para que tal aconteça é necessário que tal comportamento criminoso evidencie que aquele não é merecedor do juízo de prognose positiva em que alicerçou a aplicação daquela pena de substituição”, e que “o legislador pretende “salvar, até ao limite”, a pena de substituição da suspensão da execução da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”, afigura-se-nos, no caso, algo excessiva a decretada “revogação”.
Ora, corresponde à verdade que a revogação da suspensão da execução de uma pena não opera de forma “automática”, dependendo, sempre, das circunstâncias do caso.
Porém, na situação sub judice, afigura-se de subscrever o entendimento pelo Ministério Público avançado, pois que, como – bem – salienta, o Ilustre Procurador Adjunto, o ora recorrente – em 04.10.2011 – tinha já sido condenado por 1 crime de “reentrada ilegal”, na pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, (cfr., fls. 195), tomou perfeito conhecimento desta condenação assim como da decretada com o Acórdão de 11.12.2012, e, mesmo assim, após duas condenações em penas de prisão suspensas na sua execução, insiste em delinquir, voltando a Macau, em plena (e nova) violação à proibição de reentrada, fazendo descaso absoluto das “advertências” que lhe foram feitas assim como das oportunidades que lhe foram concedidas.
Como é sabido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., o recente Ac. de 14.11.2013, Proc. n.° 695/2013)
E, nesta conformidade, viável não é a mencionada “relação de confiança”.
Com efeito, o arguido, foi 3 vezes condenado num espaço de tempo que vai de 04.10.2011 a 02.07.2013, e tal “circunstância”, (assim como as pouco convincentes – e não provadas – justificações que apresenta, notando-se também que não corresponde à verdade a alegação no sentido de lhe ter sido especialmente atenuada a pena que lhe foi revogada), revela(m) que “as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”; (cfr., art. 54°, n.° 1, al. b) do C.P.M.).
Posto isto, e constatando-se que censura não merece a decisão recorrida, à vista está a solução.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos que se deixam expendidos, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido as custas do seu recurso, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
Macau, aos 21 de Novembro de 2013
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 649/2013 Pág. 18
Proc. 649/2013 Pág. 1