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Processo nº 670/2013 Data: 14.11.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Caução económica.
Litigância de má-fé.
Taxa de justiça.



SUMÁRIO

1. A caução económica, apresentando-se como medida cautelar, tem por finalidade assegurar um direito de crédito e pressupõe que, entre a constituição deste e o seu reconhecimento, ocorram factos concretos promovidos pelo devedor que se traduzam na dissipação do seu património, de modo a fazer prever que o credor perderá ou, pelos menos, verá seriamente diminuída a garantia do seu crédito.

2. O pedido de condenação de 1 sujeito processual como litigante de má-fé constitui um “incidente processual” sujeito a tributação nos termos do art. 70°, n.° 2 do Regime das Custas nos Tribunais.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 670/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por despacho do Mmo Juiz do T.J.B., decidiu-se indeferir um pedido pelos assistentes B (B) e C (C), deduzido no sentido de se determinar que o arguido dos autos D (D) prestasse uma caução económica, indeferindo-se também um pedido de condenação do mesmo arguido como litigante de má fé pelo assistente B (B) deduzido; (cfr., fls. 326 a 327 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformados, os referidos assistentes recorreram, para, em síntese, imputar à decisão recorrida a violação do art. 211°, n.° 2 do C.P.P.M. e art. 71°, n.° 1, al. d) do D.L. n.° 63/99/M (“Regime das Custas nos Tribunais”); (cfr., fls. 2 a 8).

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Em Resposta e posterior Parecer, entende o Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 9 a 11 e 364 a 365-v).

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Nada parecendo obstar, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Comecemos pela questão da “caução económica”.

Nos termos do art. 211° do C.P.P.M.:

“1. Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da pena pecuniária, do imposto de justiça, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Território relacionada com o crime, o Ministério Público requer que o arguido preste caução económica, em termos e sob modalidade a determinar pelo juiz.
2. Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime, o lesado pode requerer que o arguido ou o civilmente responsável prestem caução económica, nos termos do número anterior.
3. A caução económica prestada a requerimento do Ministério Público aproveita também ao lesado.
4. A caução económica mantém-se distinta e autónoma relativamente à caução referida no artigo 182.º e subsiste até à decisão final absolutória ou até à extinção das obrigações.
5. Em caso de condenação são pagos pelo valor da caução económica, sucessivamente, a multa, o imposto de justiça, as custas do processo e a indemnização e outras obrigações civis”.

No caso dos autos, está o arguido acusado da prática de 1 crime de “furto qualificado”, sendo também que em pedidos de indemnização civil enxertados pedem os assistentes ora recorrentes a condenação do mesmo arguido no pagamento a seu favor de MOP$865.200,00 e MOP$1.730.400,00; (cfr., fls. 216 a 218-v, 225 a 228 e 257 a 260).

E, fundamentando a sua decisão diz essencialmente o Mmo Juiz que se encontra já apreendida a quantia de H.K.D.$489.600,00 pertencente ao arguido e que verificados não estavam os pressupostos para a pretendida prestação de caução, nomeadamente, que provado não estava o fundado receio da falta ou diminuição substancial das garantias de pagamento; (cfr., fls. 326 a 327).

Quid iuris?

Cremos que censura não merece a decisão em questão.

Com efeito, conforme evidencia a norma atrás transcrita, para que o tribunal possa decretar a prestação de caução económica impõe-se que verificados estejam os seguintes requisitos:
- ocorrência de receio objectivo, justificado e claro, relativamente à capacidade das garantias de pagamento.
- a ocorrência de uma substancial e significativa diminuição de tais garantias.
- a indicação por parte do requerente dos termos em que a caução deve ser prestada, isto é, a indicação dos valores ou quantitativos cujo pagamento aquela visa garantir; (cfr., v.g., o Ac. da R.C. de 15/09/2004, Proc. n.° 1922/04, in www.dgsi.pt, aqui citado como mera referência).

A caução económica, apresentando-se como medida cautelar, tem por finalidade assegurar um direito de crédito e pressupõe que, entre a constituição deste e o seu reconhecimento, ocorram factos concretos promovidos pelo devedor que se traduzam na dissipação do seu património, de modo a fazer prever que o credor perderá ou, pelos menos, verá seriamente diminuída a garantia do seu crédito; (cfr., Ac. v.g., da R.C. de 5 de Março de 2000, Proc. n.° 627/2000, in www.dgsi.pt).

De facto, e como bem salienta o Ministério Público na sua Resposta, “o juiz só pode decretar a caução económica a requerimento do Ministério Público ou do lesado, e não oficiosamente, e desde que ocorram factos que traduzam dissipação do património pelo arguido, de modo a fazer prever que o credor perderá ou, pelo menos, verá seriamente diminuída a garantia do seu crédito”; (cfr., o Ac. da R.P. de 21.12.2005, in C.J. Ano XXX, T. V, pág. 232 e segs.).

No caso dos autos, não se divisa matéria de facto que permita dar como indiciada a falta de capacidade económica do arguido e/ou que este se encontre a encetar diligências no sentido de dissipar ou ocultar o seu património, constatando-se assim que verificados não estão os pressupostos legais para o deferimento da pretensão apresentada.

3. Passemos agora para a questão da “má fé”.

O assistente B, em resposta a um requerimento do arguido no sentido da não aceitação da procuração que juntou aos autos, pediu a condenação deste mesmo arguido como litigante de má fé.

Considerando inexistir litigância de má fé por parte do arguido, decidiu o Mmo Juiz indeferir o pretendido, e, invocando o art. 71°, n.° 1, al. d) do Regime das Custas nos Tribunais, condenou o assistente no pagamento da taxa de justiça que fixou em 1 UC.

Diz o assistente, ora recorrente, que o decidido viola o estatuído neste art. 71°, n.° 1, al. d).

Vejamos se tem razão.

Nos termos do referido art. 71°:

“1. A taxa de justiça em primeira instância é a seguinte:
a) Nos processos comuns com intervenção do tribunal colectivo, entre 2 e 40 UC;
b) Nos processos com intervenção de juiz singular, entre 1 e 10 UC;
c) Nos processos sumários, entre metade de 1 UC e 5 UC;
d) Nas denúncias de má fé ou com negligência grave, entre 1 e 10 UC.
2. Em casos de excepcional duração, complexidade do processo ou de realização da instrução, o juiz pode elevar as taxas previstas nas alíneas a) e b) do número anterior até 200 e 50 UC, respectivamente.
3. A taxa de justiça é fixada entre metade de 1 UC e 4 UC:
a) Nos processos sumaríssimos;
b) Nos processos de contravenções;
c) Nos processos do regime educativo da jurisdição de menores;
d) Nos processos de execução das penas e das medidas de segurança;
e) Nos casos de desistência da queixa, abstenção injustificada de acusar e rejeição da acusação do assistente, bem como naqueles em que o processo esteja parado por mais de um mês, por negligência do assistente;
f) Nos casos de desistência ou deserção de recurso.
4. Nos processos de contravenções em que o pagamento da multa seja realizado anteriormente ao julgamento, é devido o mínimo da taxa de justiça correspondente a essa forma de processo”.

Atento o que até aqui se expôs, mostra-se de começar por dizer que também a nós nos parece que verificada não está a “má fé do arguido”, pois que se limitou a pugnar pelo seu entendimento, suscitando “questões de natureza jurídica” relacionadas com a procuração pelo assistente junta aos autos.

Cabe então perguntar se correcta foi a condenação do assistente por ter pedido a condenação do arguido como litigante de má fé?

Ora, desde já, cabe dizer que o comando legal pelo Mmo Juiz invocado tem outro campo de aplicação.

Com efeito, a mesma visa regular a taxa de justiça a pagar pelos sujeitos processuais que tenham feito “denúncias de má fé ou com negligência grave”.

No caso dos autos, é verdade que o ora recorrente pediu a condenação do arguido como litigante de má fé, porém, não nos parece que com tal pretensão tenha “agido de má fé, ou com negligência grave”.


Reagiu a um pedido do arguido em relação à procuração que juntou, e, como tal, não se divisa nesta sua postura processual “má fé” ou “negligência grave”.

Contudo, ainda assim, mostra-se-nos de confirmar o decidido.

De facto, nos termos do art. 70° do R.C.T.:

“1. Nos incidentes de recusa, anulação do processado, de apoio judiciário, de habeas corpus e de reclamação para a conferência, bem como noutras questões legalmente configuradas como incidentes, é devida taxa de justiça entre 1 e 10 UC.
2. Nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal do processo que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação em custas, é devida taxa de justiça entre metade de 1 UC e 5 UC”.

E, atento o que se deixou consignado, cremos que com o pedido em questão, não deixou o ora recorrente de suscitar um “incidente”, a condenação do arguido como “litigante de má-fé”, sobre o qual teve o Tribunal que se debruçar e emitir pronúncia, e que, como estatui o transcrito art. 70°, n.° 2 do R.C.T., é tributável, com o mínimo de 1 UC, precisamente, a taxa pelo Mmo Juiz a quo fixada.

Nestes termos, e ainda que com outro fundamento, confirma-se o segmento decisório aqui em questão.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento aos recursos.

Pagarão os recorrentes as custas dos seus recursos, fixando-se a taxa de justiça de 6 UCs para o recorrente B, e 4 UCs para o recorrente C.

Macau, aos 14 de Novembro de 2013


(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa
Proc. 670/2013 Pág. 14

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