Processo n.º 688/2013 Data do acórdão: 2013-12-12 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– manifesta improcedência do recurso
– rejeição do recurso
S U M Á R I O
É de rejeitar o recurso em conferência, quando for manifestamente improcedente – cfr. os art.os 409.º, n.º 2, alínea a), e 410.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 688/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida em 27 de Setembro de 2013 a fls. 67 a 71 dos autos de Processo Comum Singular n.° CR1-13-0196-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que a condenou como autora material, na forma consumada, de um crime de falsas declarações sobre a identidade, p. e p. pelo art.º 19.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de seis meses de prisão, e de um crime de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.º 21.º da mesma Lei, na pena de três meses de prisão, e, em cúmulo jurídico destas duas penas com a pena de sete meses de prisão anteriormente imposta no Processo Sumário n.º CR1-12-0106-PSM por um crime de uso ou posse de documento falso do art.º 18.º, n.º 3, da dita Lei, finalmente na pena única de um ano e um mês de prisão efectiva, veio a arguida A, já aí melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a suspensão da execução da sua pena de prisão em sede do art.º 48.º do Código Penal (CP), alegando, para o efeito, que o Tribunal recorrido não devia ter considerado que ela não era delinquente primária, nem ter considerado que ela tinha violado reincidentemente a legislação de combate contra a imigração clandestina, pelo que sendo ela realmente uma delinquente primária à data dos factos, deveria merecer o benefício da pena suspensa (cfr. com mais detalhes, o teor da sua motivação, apresentada a fls. 79 a 82 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 84 a 86) a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido, no sentido de manifesta improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 101 a 102), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos com pertinência à solução do recurso:
1. Da acta da audiência de julgamento realizada perante o Tribunal recorrido (lavrada a fls. 65 a 66), consta que a arguida confessou integralmente e sem reserva os factos acusados.
2. No texto da sentença ora recorrida, proferida em 27 de Setembro de 2013 (no subjacente Processo Comum Singular n.o CR1-13-0196-PCS), deu-se por provado, na sua essência, o seguinte:
– em 20 de Outubro de 2010, a arguida, para ocultar a sua verdadeira identidade aquando da investigação dela no Corpo de Polícia de Segurança Pública, declarou à Polícia que se chamava XXX;
– no mesmo dia, foi expulsa de Macau, com interdição de reentrada em Macau no prazo de dois anos;
– em 31 de Maio de 2012, a arguida entrou em Macau por via de embarcação, proveniente de Zhuhai;
– em 12 de Junho de 2012, a Polícia descobriu, através da investigação sobre os dados de identificação, que a arguida chegou a fornecer identidade diversa e a ter sido expulsa;
– a arguida está desempregada, sem rendimentos, está casada, com os pais a seu cargo, tem por habilitações académicas o nível secundário complementar;
– segundo o certificado de registo criminal, a arguida não é delinquente primária (mas é ainda delinquente primária à data da prática dos factos do presente processo);
– a arguida chegou a ser condenada em 11 de Junho de 2012, no Processo n.º CR1-12-0106-PSM, com decisão transitada em julgado em 21 de Junho de 2012, por um crime de uso ou posse de documento falso do art.º 18.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2004, praticado em 10 de Junho de 2012, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e nove meses de prisão, suspensão essa que veio a ser revogada por despacho de 16 de Maio de 2013, transitado em julgado em 27 de Maio de 2013;
– a arguida chegou a ser condenada em 19 de Março de 2013, no Processo n.º CR3-13-0050-PSM, com decisão transitada em julgado em 2 de Abril de 2013, por um crime de reentrada ilegal e um crime de falsas declarações sobre a identidade, previstos na Lei n.º 6/2004, e praticados no período de 13 a 18 de Março de 2013, nas penas de três meses e de cinco meses de prisão, respectivamente, e, em cúmulo dessas duas penas, finalmente na pena única de seis meses de prisão efectiva.
3. O Tribunal recorrido chegou a afirmar na fundamentação jurídica da sua decisão condenatória ora recorrida, que:
– “嫌犯並非初犯(但作出本案犯罪事實之時仍為初犯)” (o que é traduzível literalmente para português como sendo “a arguida não é delinquente primária (mas é ainda delinquente primária à data da prática dos factos do presente processo)” – cfr. as 8.ª e 9.ª linhas da página 6 da sentença, ora a fl. 69v dos autos;
– “嫌犯並非初犯,累犯違犯非法移民法律)” (o que é traduzível literalmente para português como sendo “a arguida não é delinquente primária, violou acumuladamente a lei de imigração clandestina”) – cfr. a 19.ª linha da página 7 da sentença, a fl. 70.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, e da leitura da motivação do recurso da arguida, vê-se que esta pretendeu, ao fim e ao cabo, a suspensão da execução da sua pena de prisão, embora tenha suscitado o alegado erro cometido pelo Tribunal recorrido sobre a questão de saber se ela própria era delinquente primária e reincidente.
Começando desde já pela abordagem desse alegado erro, é patente que não há nenhuma contradição insanável na fundamentação da decisão condenatória ora sob impugnação, visto que da leitura de toda essa fundamentação, se retira, com nitidez, que o Tribunal recorrido até teve o cuidado de mencionar, aí, que a arguida era ainda delinquente primária à data da prática dos factos do presente processo, enquanto afirmou também que conforme o certificado de registo criminal da arguida, ela já não ser delinquente primária, tendo especificado até os pormenores das condenações penais anteriores da arguida.
Portanto, a oração “não é delinquente primária (mas é ainda delinquente primária à data da prática dos factos do presente processo)” pretende transmitir a ideia de que embora a arguida seja delinquente primária à data da prática dos factos do presente processo, ela já não é delinquente julgada pela primeira vez.
E quanto à afirmação feita depois pelo Tribunal recorrido na mesma fundamentação da sua sentença, no sentido de que a arguida violou acumuladamente a legislação de imigração clandestina, a gente tem que interpretar esta afirmação no contexto de toda a fundamentação da sentença, da qual constou descrita a condenação da arguida, já transitada em julgado, em dois processos penais anteriores, por prática de crimes todos previstos na mesma Lei n.º 6/2004.
Na verdade, atentas as datas dos factos desses outros crimes condenados nos dois ditos processos anteriores, é ainda acertada tal afirmação tecida pelo Tribunal ora recorrido, sendo certo que não se pode interpretar essa mesma como respeitante a um juízo de valor jurídico acerca da reincidência, mas sim interpretá-la no seu sentido comum na linguagem corrente, já que nem o próprio Tribunal recorrido tenha citado sequer qualquer preceito legal sobre a verificação da reincidência.
Do acima analisado, decorre a justeza do juízo de valor formulado pelo Tribunal recorrido aquando da tomada da sua decisão de não suspender a pena de prisão da arguida.
Efectivamente, é o próprio n.º 1 do art.º 48.º do CP que manda ao tribunal a consideração também da conduta posterior do agente, para efeitos de tomada da decisão sobre a suspensão da pena de prisão.
Ora bem, a prática superveniente de novos crimes (condenados nos ditos dois processos anteriores) não deixa de revelar a má conduta posterior da arguida (isto é, a má conduta da arguida depois da prática dos dois crimes objecto do presente processo).
Daí que não há nada a censurar a decisão de não suspensão da prisão, feita na sentença ora recorrida, ainda que a arguida tenha confessado integralmente e sem reserva os factos na audiência, circunstância esta que, aliás, tem pouco valor atenuativo, porquanto a verdade dos factos nos presentes autos foi encontrada principalmente através da investigação então feita pela Polícia.
Mostrando-se evidentemente infundado o recurso nos termos supra demonstrados, é de rejeitá-lo em conferência, nos termos ditados nos art.os 409.o, n.o 2, alínea a), e 410.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, sem mais desenvolvimento atento o disposto no n.o 3 desse art.o 410.o.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em rejeitar o recurso, por ser manifestamente improcedente.
Custas do recurso pela arguida, com quatro UC de taxa de justiça, quatro UC de sanção pecuniária referida no art.o 410.o, n.o 4, do Código de Processo Penal, e mil e oitocentas patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Comunique a presente decisão ao Processo n.o CR1-12-0106-PSM do Tribunal Judicial de Base.
Macau, 12 de Dezembro de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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