打印全文
Processo nº 1/2014 Data: 23.01.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.



SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.



O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 1/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando essencialmente à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 79 a 83-v que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

*

Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 85 a 87).

*

Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer considerando também que o recurso merecia provimento.
Eis o teor do dito Parecer:

“O próprio despacho ora recorrido demonstra que a MMa Juiz a quo procedeu à aprofundada ponderação da situação do recluso identificado a fls. 5 dos autos.
Sem prejuízo do elevado respeito pela douta posição da MMa Juiz a quo, e seguindo às equilibradas jurisprudências do Venerando TSI concernentes ao art. 56° do Código Penal de Macau, afigura-se-nos que devia ser concedida a liberdade condicional ao recluso/recorrente.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações do nosso Exmo. Colega na douta Resposta (fls. 85 a 87 dos autos), designadamente o seu ponto de vista de que «在刑罰的一般預防方面,考慮到犯罪的類型及方式,且釋放囚犯後其將被驅逐出境返回非洲,對維護本澳法律秩序及社會安寧的影響很小。»
Acrescemos que, segundo nos parece, o regresso do recluso à sua pátria e a convivência dele com os seus familiares, com a concessão da liberdade condicional, serão mais adequadas à sua reintegração social e a enriquecer a sua responsabilidade como pai de cinco menores”; (cfr., fls. 94 a 94-v).

*

Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 10.01.2012, foi, A, sem residência fixa em Macau, e ora recorrente, condenado na pena única de 3 anos de prisão pela prática de 2 crimes de “burla”;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.M. em 22.11.2011, e em 21.11.2013, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 20.01.2014;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar ao Congo, vivendo com a sua esposa e filhos.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 22.11.2011, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido positivo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever o teor do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

Com efeito, e tal como expressamente o afirma o Director do E.P.M., tem o ora recorrente mantido um “comportamento adequado”, mostrando-se de concluir, igualmente, que já terá ganho consciência do desvalor da sua conduta, o que se pode retirar das várias “cartas” juntas aos autos (cfr., fls. 52 e segs. e 64 e segs.), onde manifesta profundo arrependimento e vontade de levar uma vida nova, honesta, com a sua família, contando com o apoio dela, afigurando-se assim o de considerar verificada a al. a) do art. 56° do C.P.M..

Por sua vez, atento o período da pena que já cumpriu e que falta cumprir, crê-se que através da fixação do dever de não voltar a Macau no período de liberdade condicional se poderá considerar satisfeito o pressuposto da al. b) do mesmo art. 56° do C.P.M..

Assim, em face das expostas considerações, e verificados parecendo-nos estar os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que revogar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.

Sem tributação.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.200,00.

Macau, aos 23 de Janeiro de 2014
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 1/2014 Pág. 10

Proc. 1/2014 Pág. 11