Processo nº 1004/2012
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 5/Dezembro/2013
Assuntos:
- Demissão; aposentação compulsiva; agente do CPSP
- Ausência ilegítima ao serviço
- Proporcionalidade da pena; erro grosseiro
- Inviabilidade da manutenção da relação funcional
SUMÁRIO :
1. Não padece de violação de lei a pena de demissão aplicada a uma agente da PSP, que, após gozo do período de férias anual, não se apresentou ao serviço no dia 07.02.2011 começando a faltar nesse dia, permanecendo em Taiwan e, alegando que se enganara na data do fim das férias e ainda que tinha estado doente, não tendo apresentado documento comprovativo da doença, dizendo que na zona remota onde estivera, os serviços de saúde a que recorreu não lhe passaram o justificativo da doença, só no dia 18.02.2011 se tendo apresentado ao serviço, tendo estado durante a sua ausência incontactável.
2 O poder disciplinar é discricionário, muito embora tenha aspectos vinculados, sendo um deles o que se relaciona com a qualificação jurídica dos factos reais. E no preenchimento da cláusula geral de inviabilidade de manutenção da relação funcional há uma vinculação da Administração, embora compatível com juízos de prognose que andam de mão dada com uma certa liberdade administrativa.
3. Na perspectiva da integração da infracção como prevista no artigo 239º do EMFSM, a lei afasta-a se se verificar uma situação de aplicação injuntiva da pena de demissão, como a que resulta de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos, face ao disposto no artigo 240º do EMFSM.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 1004/2012
(Recurso Contencioso)
Data : 5 de Dezembro de 2013
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, mais bem identificada nos autos, notificada do despacho punitivo de demissão proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança n.º 39/SS/2012 de 05.09.2012, vem do mesmo apresentar
RECURSO CONTENCIOSO, alegando em síntese conclusiva:
I. Com a ausência continuada do serviço por onze dias contínuos, no período que vai de 07.02.2011 a 17.02.2011 (a Recorrente apresentou-se ao serviço no dia 18.02.2011), ausência que não conseguiu justificar por falta de documento comprovativo de doença, que ocorreu no estrangeiro, só foi inobservado o dever de assiduidade, entendimento contrário faria indevida interpretação e aplicação do art. 13º do EMSFM.
II. O militarizado incorre em infracção disciplinar, sempre que viole um dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado com culpa ou negligência - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação do art. 196º do EMFSM.
III. Como se verifica dos factos elencados no despacho punitivo e nenhuns outros resultaram provados, a Recorrente iniciou a sua ausência ao serviço sem sequer representar a possibilidade de, com o facto de permanecer em Taiwan restabelecendo a sua saúde, estar a faltar ao serviço, por haver incorrido em erro sob o termo do seu período de gozo de férias e, tomando conhecimento que estava a faltar ao serviço, de imediato, contactou o Comissariado de Inquéritos, comunicando o seu erro sobre o seu período de férias e que se apresentaria ao serviço quando tivesse em condições de o fazer, pois havia ficado doente em Taiwan, não podendo empreender a viagem de regresso, comprometendo-se a apresentar o atestado médico justificativo das faltas.
IV. O único facto que realmente a torna culpada de não observar o dever de assiduidade é um facto exógeno, não dependente da sua vontade ou da sua actuação, qual seja o facto de não haver conseguido obter atestado médico com forma suficiente para justificar as faltas dadas ao serviço por doença, como o reconhece o despacho punitivo, que afirma que a sua ausência por 11 dias seguidos, no período que teve início no dia 7 e termo a 17 de Fevereiro de 2011, é ilegítima, por não haver logrado justificar as faltas dadas por doença com um atestado médico; ocorre mera culpa ou negligência, por não haver cuidado de saber se quem lhe estava a prestar o tratamento médico estava em condições de lhe passar atestado médico com forma suficiente para justificação das faltas por doença em que havia incorrido, pelo que, deveria ter sido considerado que a favor da Recorrente concorria ainda a circunstância atenuante prevista no art. 200º, n.º 1, al. f) do EMFSM - falta de intenção dolosa.
V. A acusação padece de vício de forma, por dela não constarem os factos concretos que levam a que se considere que a favor da Recorrente concorrem as circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar previstas no artigo 200.°, n.º 2, als. b), h) e i) do EMFSM, conforme prescreve o n.º 4 do art. 275.° do EMFSM - a acusação deverá conter a indicação discriminada e articulada dos (actos integrantes da infracção, a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática, a enumeração das demais circunstâncias que integrem atenuantes e agravantes e ainda a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis.
VI. O julgador neste processo disciplinar só pode aplicar as penas de aposentação compulsiva e demissão após concluir que os factos integradores da infracção disciplinar inviabilizam a manutenção da relação funcional, o que no despacho punitivo se não conclui, qualificando sómente a falta como grave - entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 238.°, n.º 1, do EMFSM.
VII. A Recorrente apesar de haver incorrido na situação de ausência ilegítima durante cinco dias seguidos ou mais, situação elencada no art. 238.°, n.º 2, al. i) do EMFSM, a que se considera poderem ser aplicáveis as referidas penas de aposentação compulsiva e demissão, foi admitida a prestar serviço após a referida ausência, e caso houvesse logrado justificar as faltas com atestado médico, como admitido no despacho punitivo, inexistiria qualquer violação ao dever de assiduidade, o que demonstra que a ausência de "per se", não é comprometedora da manutenção da relação funcional, não justificando a aplicação no caso da mais grave pena disciplinar prevista na lei - ocorre erro grosseiro na aplicação da pena, entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 238.°, n.º 1, do EMFSM.
VIII. Ainda que se considere que o julgador não pode senão optar pelas penas de aposentação compulsiva ou demissão, atendendo ao teor do art. 238.° do EMFSM, verifica-se que o julgador está vinculado por lei a aplicar a pena de aposentação compulsiva, sempre que conclua pela incompetência profissional ou pela falta de idoneidade moral para o exercício de funções (o que no caso, o julgador sequer fez, pois qualifica sómente a falta como grave e apela como justificação para a aplicação da pena de demissão o facto de a favor da Recorrente concorrerem três circunstâncias atenuantes, que, assim, trata como circunstâncias agravantes), só podendo aplicar a pena de demissão quando o militarizado não reuna 15 anos de tempo de serviço, caso em que, então, terá de aplicar a pena de demissão; tendo a Recorrente 15 anos de tempo de serviço estava o julgador vinculado a aplicar a pena de aposentação compulsiva - entendimento diverso viola o disposto no art. 239.° do EMFSM.
IX. De qualquer forma, haveria sempre um erro grosseiro, pois ainda que o julgador estivesse a usar de um poder discricionário - o que por mera hipótese académica se concebe -, verifica-se que o julgador apelando para as circunstâncias atenuantes, e não concorrendo, no caso, quaisquer circunstâncias agravantes, escolhe das duas penas abstractamente aplicáveis (já por si as duas mais graves e1encadas na lei), a mais grave - violando o disposto no art. 64.° do Código penal, aplicável "ex vi" art. 256.° do EMFSM e 277.° do ETAPM.
Termos em que, entende, deve o despacho punitivo impugnado, ser revogado, por padecer de vício de violação de lei.
2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança, contesta, dizendo no essencial:
1. Os elementos constantes dos autos provam suficientemente que a recorrente ausentou-se do serviço por 11 dias seguidos durante o período de 7 e 17 de Fevereiro de 2011, sem qualquer justificação ou autorização, as suas condutas constituem a infracção disciplinar ao dever a que se refere o artigo 13.º n.º 2 alínea a) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
2. O despacho recorrido ponderou suficientemente os factos objectivos dados como provados com base nos elementos constantes do processo disciplinar, expondo de forma expressa, sucinta e suficiente os fundamentos de facto e de direito, e o conteúdo da acusação do referido processo disciplinar preenche os requisitos formais da acusação previstos na lei.
3. O despacho recorrido foi proferido com base nos factos objectivos e fundamentos de direito, absolutamente não enfermando de qualquer erro nem exercendo irrazoavelmente o poder discricionário que afecta os efeitos jurídicos do acto, por isso, solicita que os MM.ºs Juízes do Tribunal de Segunda Instância julguem improcedente o recurso e, em consequência, rejeitem o presente recurso contencioso e mantenham o acto recorrido.
3. A veio apresentar as suas alegações facultativas, concluindo no sentido de que
Se considerem aí reproduzidas as conclusões constantes da petição de recurso, acrescentando o seguinte:
I. O despacho punitivo diz que "são aplicáveis as penas que inviabilizam a relação funcional ao individuo que: "Se constituir na situação de ausência ilegitima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados dentro do mesmo ano civil", mas o legislador com a previsão do n.º 1 do art. 238.° do EMFSM não pretende que a inviabilização da relação funcional resulte da aplicação das penas de aposentação compulsiva ou demissão, mas sim, que se revele dos factos provados no processo em que se investiga a infracção disciplinar.
4. A entidade recorrida apresentou alegações facultativas, mantendo as conclusões da contestação.
5. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
Vem A, guarda da PSP, impugnar o despacho do Secretário para a Segurança de 5/9/12, publicado em B.O. de 5/2/12 que, em sede disciplinar, lhe aplicou a pena de demissão, assacando-lhe, tanto quanto ousamos aferir, vício de forma, por na acusação não constarem devidamente descritos os factos que levaram à consideração da militância, a seu favor, das três circunstâncias atenuantes, limitando-se à mera referência jurídica das mesmas – als. b), h) e i) do n.º 2 do art. 200°, EMFSM - e de violação de lei, por, em seu critério:
- se ter cometido erro grosseiro na medida disciplinar aplicada, não se tendo levado em devida linha de conta a sua falta de intenção dolosa na ocorrência dos factos e, de todo o modo, se não terem sopesado devidamente as atenuantes apuradas ;
- no cômputo da faltas se não ter atentado que dois dos referidos dias eram sábado e domingo, sendo diferente a "real dimensão" da infracção imputada;
- não se terem ponderado e expresso factos ou circunstâncias concretos do caso que indiciassem ou consubstanciassem procedimento inviabilizador da manutenção da relação funcional e
- não se ter, finalmente, optado pela aplicação da medida de aposentação compulsiva, como o imporia, quer o facto de ter já mais que 15 anos de serviço, quer por, na ausência de circunstâncias agravantes, se registarem as atenuantes adiantadas.
Não vemos, porém, que lhe assista qualquer razão.
Desde logo, a circunstância de, no meio do "período faltoso" se enquadrar um fim de semana, apresenta-se como irrelevante, quer quanto ao cômputo dos dias de faltas, quer quanto à "real dimensão" da infracção disciplinar em causa, havendo que ser considerados exactamente como os restantes dias da semana, do mesmo passo que a tentativa de enquadramento da conduta delituosa na mera negligência esbarra, notoriamente, com os circunstancialismos da situação, expressos no acervo probatória carreado para os autos e respectivo instrutor e donde tal conclusão não encontra qualquer sustento.
Depois, sendo desejável que da acusação disciplinar (e, consequentemente, do relatório final, com repercussão no acto sancionatório) constasse factualmente expressa a consubstanciação das atenuantes apuradas, já que não é a mesma coisa, ou não deterá o mesmo valor um louvor e uma condecoração máxima, ou uma informação dos superiores apenas positiva e uma informação superlativa, consignado-se, aliás, no n.º 4 do art. 275° EMFSM a necessidade de enumeração das circunstâncias a integrar tais atenuantes, bem como as agravantes, a verdade é que, por um lado, as ditas atenuantes não deixaram de ser expressamente consideradas e, por outro, no caso específico (como adiante se verá), nunca existiria por parte do tribunal, com base no valor desse tipo de atenuantes, margem de escrutínio, designadamente sobre o tipo, proporcionalidade e adequação da medida tomada, atenta a previsão legal para a concreta infracção apurada.
Quanto à "inviabilização da manutenção da relação funcional" a que se reporta o n.º 1 doa art. 238°, EMFSM, quer-nos parecer que a mesma, resultando efectivamente como cláusula geral punitiva para aplicação das penas de demissão ou aposentação compulsiva, não carece que sejam, expressa e especificamente, elencados e demonstrados os factos, circunstâncias ou razões por que a Administração entende a verificação dessa inviabilização, resultando a mesma, como é óbvio, da descrição geral da situação delituosa e grau de responsabilização do agente, fornecendo a lei (cfr. n.º 2 do normativo aludido) elenco de situações em que tal pode ocorrer, precisando o art. 240° os casos (como o presente) em que deve ser aplicada a pena de demissão, sendo certo que, de todo o modo, não deixou a entidade recorrida, no despacho sob escrutínio, de expressamente consignar que "Considerando o conteúdo da acusação e as respectivas circunstâncias atenuantes, creio finalmente que a infracção disciplinar desta é grave, daí que não possui as condições básicas para continuar o desempenho de funções" (sublinhado nosso).
Tanto basta, não se opondo a tal conclusão o facto de se não ter procedido à suspensão preventiva das funções da recorrente, já que os valores a defender e preservar podem ser e são diversos, podendo, em face da situação concreta, não se justificar a dita suspensão até devido à necessidade de devido apuramento dos factos, nada impedindo que dos mesmos decorra, com lógica e congruência, como é o caso, aquela asserção de inviabilização da manutenção da relação funcional.
Quanto ao tipo e medida disciplinar concretamente aplicada, como é sabido, se, no que respeita à apreciação da integração e subsunção dos factos na cláusula geral punitiva a actividade da Administração está sujeita à sindicabilidade do Tribunal, o mesmo não se pode dizer quanto à aplicação das penas, sua graduação e escolha da medida concreta, existindo, neste âmbito, discricionariedade por parte da Administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis.
Neste último campo, não há controlo jurisdicional sobre a justeza da pena aplicada dentro do escalão respectivo, em cuja fixação o juiz não pode sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar.
A intervenção do juiz fica apenas reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas contingências em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida, dado não poderem ser legitimados, em nenhuma circunstância, comportamentos da Administração que se afastem dos princípios da justiça e da proporcionalidade que necessariamente devem presidir à sua actuação.
No caso vertente, não se verifica a referida desproporção ou manifesta injustiça quanto à pena de "demissão" concretamente inflingida à recorrente, com perfeito apoio legal, pelo que não tem o tribunal de intervir nessa actividade da Administração, verificada que está a correcta integração dos factos na cláusula geral punitiva e a proporção e justiça da medida aplicada.
Finalmente, entende a recorrente que, "malgré tout", a impor-se a aplicação de medida disciplinar expulsiva, se imporia, no caso, face aos circunstancialismos concretos, designadamente em seu abono, a aplicação da pena de aposentação compulsiva, em detrimento da demissão, tanto mais que tem mais de 15 anos de serviço a contar para a aposentação.
A questão poder-se-ia colocar, face ao disposto no n.º 2 do art. 239° EMFSM, constatando-se, na interpretação respectiva, que a entidade com competência disciplinar, conquanto se trate de infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico/funcional, detém, em princípio e em abstracto, a faculdade de punir o funcionário com a pena de demissão ou com a de aposentação compulsiva.
No entanto, só poderá optar por esta última medida se aquele reunir o período mínimo de 15 anos de serviço, ou seja, se se verificar o condicionalismo para a aposentação ordinária.
É o que sucede, no caso.
Porém, a Administração não está vinculada a aplicar tal medida, pelo simples facto de o arguido preencher o tempo exigido : a vinculação legal não reside na obrigatoriedade de aplicação da pena de aposentação compulsiva se o funcionário tiver mais de 15 anos de serviço, mas na obrigatoriedade de aplicação da pena de demissão se os não tiver completado, sendo que, em face do poder discricionário concedido quanto à escolha da pena e relevando aqui o princípio da separação de poderes, o controle jurisdicional só se efectivará, como já se deixou sublinhado, em caso de erro grosseiro, injustiça notória ou desproporção manifesta, situações que não vemos verificadas no presente caso.
Ao que acresce que, de todo o modo, no caso, em face da infracção disciplinar concretamente imputada e atento o disposto na al. c) do art. 240º EMFSM, não restaria à Administração alternativa à aplicação da medida aplicada.
Tudo razões por que se entende não merecer provimento o presente recurso.
6. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Colhem-se dos autos os seguintes factos pertinentes:
- A Recorrente, após gozo do período de férias anual, não se apresentou ao serviço no dia 07.02.2011 começando a faltar nesse dia.
- Após a ausência ilegítima da Recorrente, o Comissariado de Inquéritos tentou várias vezes contactá-la, designadamente através do seu número de telefone, na morada que esta declarou e através de um número de telefone para contacto em Taiwan a que teve acesso por intermédio de um seu amigo, sem êxito.
- No dia 10.01.2011 a Recorrente telefonou ao seu superior hierárquico, de Taiwan, declarando que se havia equivocado acerca da data em que tinha que se apresentar ao serviço, pois pensava que as suas férias terminavam no dia 21 de Fevereiro, mas que não podia regressar a Macau porque estava doente em Taiwan, e que ia entregar o atestado médico após o regresso a Macau;
- Desde o dia 07.02.2011 a Recorrente esteve ausente do serviço por 11 dias contínuos, ou seja, até ao dia 18.02.2011, data em que se apresentou ao serviço.
- A Recorrente quando regressou a Macau declarou não poder apresentar o atestado médico porque esteve na Vila de Puli, no Condado de Nantou, em Taiwan, uma zona montanhosa remota (sem clínica credenciada, mas somente algo semelhante a uma clínica, pelo que, após o tratamento não conseguiu obter qualquer atestado apesar de o haver por inúmeras vezes solicitado).
- Foi-lhe instaurado processo disciplinar e da acusação e relatório consta que beneficia ela das atenuantes previstas no artigo 200º, n.º 2, b), h) e i. - bom comportamento anterior, louvores e boa informação dos superiores-, circunstâncias que a própria recorrente identifica na sua contestação.
- Na sequência do processo disciplinar foi proferido o seguinte despacho punitivo, objecto do presente recurso contencioso:
“Em cumprimento do disposto nas disposições conjugadas dos artigos do n.º 1 do artigo 285.º, n.º 6 do artigo 289.º, alínea a) do n.º 3 do artigo 311.º todos do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, é notificada a guarda n.º XXXX, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, ausente em parte incerta, de que no Processo Disciplinar n.º XXXX, em que é arguida, foi proferido pelo Ex.mo Senhor Secretário para a Segurança, em 5 de Setembro de 2012, o seguinte despacho punitivo:
Despacho do Secretário para a Segurança n.º 39/SS/2012
Consultados os elementos constantes do presente processo disciplinar, vem suficientemente provado que a arguida, guarda n.º XXXX, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, não se apresentou ao serviço após o gozo de férias, ou seja, se ausentou do serviço durante o período de 7 a 17 de Fevereiro de 2011, sem qualquer justificação ou autorização, constituindo-se em ausência ilegítima por 11 dias seguidos. No dia 18 de Fevereiro, a arguida apresentou-se no Comissariado de Inquéritos, serviço a que esta pertence.
Após a ausência ilegítima da arguida, o Comissariado de Inquéritos tentou várias vezes contactá-la, incluindo através do número de telefone, morada que esta declarou e número de contacto de Taiwan a que teve acesso através do seu amigo, mas sem êxito. No dia 10 de Fevereiro, a arguida telefonou para o Comissariado de Inquéritos, dizendo que não conseguiu voltar nem telefonar para Macau a tempo porque estava doente em Taiwan, bem como ia entregar o atestado médico após o regresso a Macau; porém, quando a arguida regressou a Macau, exprimiu que não conseguiu apresentar qualquer atestado médico porque naquele momento estava na Vila Puli do Condado Nantou de Taiwan, uma zona montanhosa remota.
Mesmo que a arguida exprimiu que considerava que as férias terminassem no dia 21 de Fevereiro, esta data e a que consta na Participação de Faltas e Férias são obviamente diferentes. A Participação de Faltas e Férias foi assinada pela arguida, por isso, as palavras desta são increditáveis. Obviamente, se a arguida esteve doente fora do território, devia avisar o Serviço a que pertence o mais rápido possível, designadamente através do telefone, bem como apresentar documento comprovativo após o regresso a Macau. Além disso, em Taiwan, a arguida foi acompanhada pelo seu marido, que também é agente policial do CPSP, assim, o aviso também pode ser feito pelo seu marido. Na situação sem qualquer atestado médico, as respectivas faltas devem considerar-se ilegítimas.
Os factos de ausência ilegítima de que foi acusada, e que se mostram definitivamente consolidados, por serem provados, constituem infracção aos deveres inscritos na alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro. Nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 238.º do supramencionado Estatuto, são aplicáveis as penas que inviabilizam a relação funcional ao indivíduo que: «Se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil».
Considerando o conteúdo da acusação e as respectivas circunstâncias atenuantes, creio firmemente que a infracção disciplinar desta é grave, daí que não possui as condições básicas para continuar o desempenho de funções.
Nesta conformidade, ouvidos o Conselho Disciplinar do CPSP e o Conselho de Justiça Disciplinar e considerada a censurabilidade da infracção disciplinar e o comportamento anterior da arguida, bem como considerando que a ausência ilegítima desta já ultrapassou muito mais do que os 5 dias seguidos, eu, no uso das competências que lhe são conferidas pela Ordem Executiva n.º 122/2009 e pelo artigo 211.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, e nos termos do Anexo previsto no n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, decido aplicar, ao abrigo da alínea c) do artigo 240.º do referido Estatuto, à arguida A, guarda n.º XXX do CPSP, a pena de demissão.
Notifique a arguida de que da presente decisão cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, nos termos da lei.
Comando do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, aos 13 de Novembro de 2012.”
IV - FUNDAMENTOS
1. O caso
A recorrente, agente da PSP, após gozo do período de férias anual, não se apresentou ao serviço no dia 07.02.2011 começando a faltar nesse dia.
Permaneceu em Taiwan e, alegando que se enganara na data do fim das férias e ainda que tinha estado doente, não apresentou documento comprovativo da doença, dizendo que na zona remota onde estivera, os serviços de saúde a que recorreu não lhe passaram o justificativo da doença.
Só no dia 18.02.2011, data em que se apresentou ao serviço, tendo estado durante a sua ausência incontactável.
Instaurado o processo disciplinar, foi punida com a pena de demissão.
2. Vamos analisar os diversos vícios, globalmente corporizados pela recorrente em violação de lei, que vêm assacados ao acto punitivo e pela ordem como as questões são colocadas nas suas alegações de recurso e facultativas.
3. Da violação dolosa dos deveres funcionais
Entendeu a Administração que os factos praticados pela agente e integram o conceito de ausência ilegítima, pelo que incorreu em infracção ao dever de assiduidade, nos termos do art. 130°, n.º 2, al. a) do "Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau", aprovado pelo D.L. n.º 66/94/M de 30 de Dezembro (EMFSM).
Diz a recorrente que com a ausência continuada do serviço por onze dias contínuos, no período que vai de 07.02.2011 a 17.02.2011 (apresentou-se ao serviço no dia 18.02.2011), ausência que não conseguiu justificar por falta de documento comprovativo de doença, que ocorreu no estrangeiro, só desrespeitou o dever de assiduidade.
Sobre isto o que há a dizer é que não há controvérsia por ter sido apenas essa a infracção assacada à recorrente.
Na verdade, o artigo 13.° do EMFSM define o dever de assiduidade, e tem o seguinte conteúdo:
1. O dever de assiduidade consiste em comparecer regular e continuadamente ao serviço.
2. No cumprimento do dever de assiduidade, o militarizado deve, designadamente:
a) Não se constituir na situação de ausência ilegítima, deixando, injustificadamente, de comparecer ao serviço;
b) Não se ausentar do posto de serviço ou de local onde, por motivos funcionais, deva permanecer, a não ser quando devidamente autorizado, ou quando, no exercício das suas funções, deva efectuar de imediato diligências que possam conduzir ao esclarecimento de qualquer acto de natureza criminal.
4. Os deveres funcionais a que o pessoal militarizado está obrigado constam do artigo 5.° do EMFSM, que dispõe:
E no artigo 5º estabelece-se:
1. O militarizado, no exercício das suas funções, está exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido na lei, ou, com base nela, pelos órgãos competentes.
2. O militarizado regula o seu procedimento pelos ditames da honra e dedicação ao serviço, devendo enfrentar com coragem os riscos inerentes às missões que lhe são confiadas, se necessário com o sacrifício da própria vida.
3. O militarizado deve constituir exemplo de respeito pela legalidade instituída e actuar no sentido de reforçar na comunidade a confiança na acção desenvolvida pela instituição que serve, em especial no que concerne à sua imparcialidade, devendo conduzir-se permanentemente:
a) Pelo cumprimento dos deveres que a lei impõe e prevenir e opor-se rigorosamente a qualquer violação da mesma, empregando toda a sua capacidade;
b) Pelo respeito da dignidade humana e manutenção e apoio dos direitos humanos de todos os cidadãos, não podendo infligir, instigar ou tolerar qualquer acto de tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, sobre qualquer pessoa;
c) Por uma conduta serena nas diferentes situações, usando a força somente quando estritamente necessária e na extensão requerida para o cumprimento dos seus deveres.
4. Consideram-se ainda deveres gerais do militarizado:
a) O dever de obediência;
b) O dever de isenção;
c) O dever de zelo;
d) O dever de lealdade;
e) O dever de sigilo;
f) O dever de correcção;
g) O dever de aprumo;
h) O dever de assiduidade;
i) O dever de pontualidade;
j) O dever de disponibilidade.
Os deveres de conduta dos militarizados são regras de conduta previstas na lei e são impostas pela Administração aos funcionários ou agentes, com vista à realização o mais perfeita possível dos seus fins.
Para haver infracção disciplinar é indispensável que se viole um dever, tal como decorre do art. 196.° do EMFSM:
1. Constitui infracção disciplinar o facto culposo praticado pelo militarizado, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado.
2. A violação dos deveres é punível independentemente da produção de resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiro.
3. Praticados os factos que possam implicar responsabilidade disciplinar, a entidade competente que deles tenha conhecimento e como talos considere deve determinar a instauração do respectivo procedimento.
Mas a infracção disciplinar exige culpabilidade, uma série de requisitos que estabeleçam uma ligação entre o facto e a pessoa do agente, de forma a poder dizer-se que o acto é seu e que a conduta adoptada merece censura.
Ao contrário do que defende a recorrente, essa censurabilidade não deixa de se observar no presente caso, pois não foi apenas o facto de ter iniciado a sua ausência ao serviço sem sequer representar a possibilidade de com o facto de permanecer em Taiwan, restabelecendo a sua saúde, estar a faltar ao serviço, por haver incorrido em erro sob o termo do seu período de gozo de férias - tudo isto dando de barato que assim foi-, mas foi na sua postura perante esses acontecimentos, não diligenciando pela sua demonstração.
Ora, se a recorrente e o marido, ambos se consideravam em gozo do seu período de férias e pensavam que ambos só tinham que se apresentar ao serviço no dia 21 de Fevereiro de 2012, não se pode dizer, de uma forma linear, que não há razões para não dar credibilidade às suas declarações, pois que essa é uma questão que joga nos dois sentidos. Ou se dá credibilidade ou não, pelo que a recorrente não se pode ficar com a mera afirmação e esperar que os superiores acreditem, sem mais.
Não temos como seguro que o único facto que realmente a torna culpada em não observar o dever de assiduidade é um facto exógeno, não dependente da sua vontade ou da sua actuação, qual seja o facto de não haver conseguido obter atestado médico com forma suficiente para justificar as faltas dadas ao serviço por doença. Não, a falta de cuidado em não observar qual o termos das suas férias e o facto de não se munir de um comprovativo da sua doença ou da impossibidade da sua comprovação não deixam de ser atitudes reprováveis.
4. Sinceramente que não se percebe bem o que pretende a recorrente.
É indesmentível que faltou sem justificação durante onze dias consecutivos ao serviço e as razões avançadas, para além de contraditórias não se mostram comprovadas.
Na verdade, por um lado, alega erro. Que se enganou na data em que terminavam as férias. Por outro, que esteve doente e porque o serviço a que recorreu não lhe passou o atestado médico, não pôde justificar a doença.
Não compareceu, porque se enganou ou porque esteve doente?
Dirá que foi pelas duas razões. É certo que se podem até compaginar as razões, como o faz, dizendo que como pensava que ainda estava em férias não tinha que se preocupar com a doença. Podia estar doente em férias e não tinha que dar conta disso aos seus superiores.
Só que devia comprovar essas duas situações e na dificuldade de comprovação, como se assinalou, ou se acredita ou não se acredita.
O que temos para nós é que se a primeira das situações, porque do foro intelectual é de mais difícil comprovação, já não assim em relação à segunda, não se vendo dificuldade em comprovar a impossibilidade de certificação de uma doença.
Ora, a culpa, assente na censurabilidade da conduta está ínsita nas duas vertentes. Não é facilmente desculpável a conduta de uma pessoa, para mais com a experiência e responsabilidade que deve ter um agente da PSP que se engane quanto ao termo das suas férias. A censurabilidade pela falta de diligência na comprovação da doença não deixa igualmente de ser censurável.
Ponderando a factualidade descrita e provando-se o normal procedimento aqui aferido pelo que tomaria um bonus pater familias, não é difícil concluir-se, no mínimo, pela falta de cautelas e cuidado de que se devia ter rodeado.
A culpa do arguido há-de basear-se assim num juízo desfavorável em relação à sua conduta, resultante das violações dos deveres de cuidado que devia ter observado.
Improcede, pois, esta linha argumentativa.
5. Fala de falta de intenção dolosa.
Assaca ao acto a desconsideração que houve desta atenuante, já que não houve dolo na sua conduta.
Assim seria exactamente se a recorrente tivesse logrado que agiu com erro involuntário e o que temos nos autos é a mera alegação dessa factualidade por banda da interessada.
De todo o modo, situamo-nos aí no domínio do circunstancialismo atenuante que abordaremos adiante.
6. Factos provados e circunstâncias atenuantes
Diz a recorrente que da acusação resultava que não existiam circunstâncias agravantes e nenhumas resultaram existir após a instrução, mas que ocorriam as circunstâncias atenuantes previstas no artigo 200.°, n.º 2, als. b), h) e i) do EMFSM.
Após a instrução, existem factos provados que integram três das circunstâncias atenuantes previstas na lei, e que militam a favor da atenuação da responsabilidade disciplinar da recorrente - o bom comportamento anterior (al. b)), os louvores, condecorações ou outras recompensas, concedidos em razão da função e publicados em ordem de serviço (al. h)), a boa informação dos superiores de quem depende (al. i)).
Assim é de facto. Regista-se a afirmação de que da acusação constavam as referidas atenuantes e que a recorrente bem as identificou
O artigo 200.º do EMFSM dispõe:
1. São circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar as que enfraquecerem a culpabilidade do arguido ou diminuírem a gravidade do facto.
2. São circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, nomeadamente:
a) A prestação de serviços relevantes ao Território;
b) O bom comportamento anterior;
c) O pouco tempo de serviço;
d) O constrangimento físico, se vencível;
e) A confissão espontânea da infracção ou a reparação do dano;
f) A falta de intenção dolosa;
g) A provocação;
h) Os louvores, condecorações ou outras recompensas, concedidos em razão da função e publicados em ordem de serviço;
i) A boa informação dos superiores de quem depende;
j) O acatamento bem intencionado da ordem de superior hierárquico, nos casos em que não fosse devida obediência.
3. Considera-se existir bom comportamento anterior quando o militarizado tenha prestado mais de 4 anos de serviço com exemplar comportamento, determinado pela ausência de penas, ou se encontre na 1.ª classe de comportamento, sem que tenha sido punido há mais de 5 anos.
Embora da acusação não constem os concretos factos que levam a que se considere que a favor da recorrente, o certo é que tais circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, não deixaram de ser consideradas e de relevar, não se podendo afirmar com ligeireza que os factos que se subsumem às provisões das leis não foram levados em linha de conta.
Não obstante o n.º 4 do art. 275.° do EMFSM - a acusação deverá conter a indicação discriminada e articulada dos factos integrantes da infracção, a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática, a enumeração das demais circunstâncias que integrem atenuantes e agravantes e ainda a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis - as circunstâncias atenuantes referidas não deixaram de ser consideradas no despacho punitivo, não relevando o facto de a factualidade subjacente não estar ai expressamente reproduzida, mas não deixa de constar no despacho ao remeter para as circunstâncias que tinham sido destacadas na acusação, que claramente se evidenciam dos autos, dos registos juntos ao processo e que a própria recorrente não deixa de identificar.
Sobre o valor e consequência dessas atenuantes adiante voltaremos a falar, aliás, como, a propósito de uma pretensa falta de intenção dolosa já se disse.
7. Discorda a recorrente da pena aplicada.
Alega ainda a recorrente que, apesar de ter faltado durante aqueles dias, tentou justificar as faltas dadas ao serviço por doença, há que relevar que, desses dias, 12 e 13 foram sábado e domingo, dias em que, em princípio, não tem de comparecer ao serviço, e apresentou-se ao serviço no dia 18.02.2011.
A pena de demissão tem de inviabilizar a manutenção da relação funcional, o que não ocorreu, pois a agente ainda foi admitida ao serviço depois de se apresentar, interrogando-se como é que os factos que constam do despacho punitivo (já que as conclusões deles extraídas não resultam como consequência necessária para uma qualquer outra pessoa colocada na posição do julgador) se conclui pela aplicação da pena disciplinar mais grave elencada, aquela que está reservada igualmente para aqueles, designadamente, que cometem factos que integram as als. a), c), f) j), l), m) ou n) do n.º 1 do art. 238.° do EMFSM.
Mais: da acusação não constavam quaisquer factos que demonstrassem repercussões no serviço, ou que, lhe houvessem trazido desonra ou desprestígio, pelo que, igualmente tais factos não constam como provados do despacho punitivo.
No fundo põe a recorrente em causa a falta do pressuposto de aplicação daquela sanção, qual seja a inviabilidade da manutenção da relação funcional.
O artigo 219.° do EMFSM estipula qual a escala de penas a aplicar aos militarizados pelas infracções disciplinares cometidas:
As penas aplicáveis aos militarizados pelas infracções disciplinares que cometerem são as seguintes:
a) Repreensão verbal;
b) Repreensão escrita;
c) Multa até 25 dias;
d) Suspensão de 26 a 120 dias;
e) Suspensão de 121 a 240 dias;
f) Aposentação compulsiva;
g) Demissão.
O artigo 238.° do EMFSM, declara quais os factos violadores de deveres funcionais cometidos pelo militarizado aos quais se aplicam as penas de aposentação compulsiva e demissão, assim prevendo:
1. As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional.
2. As penas referidas no número anterior são aplicáveis ao militarizado que, nomeadamente:
a) Agredir, injuriar ou desrespeitar gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, em local de serviço ou em público;
b) Usar de poderes de autoridade não conferidos por lei ou abusar dos poderes inerentes às suas funções excedendo os limites do estritamente necessário, quando seja indispensável o uso dos meios de coerção ou de quaisquer outros susceptíveis de ofenderem os direitos do cidadão;
c) Encobrir criminosos ou prestar-lhes qualquer auxílio que possa contribuir para frustrar ou dificultar a acção da justiça;
d) Por virtude de falsas declarações causar prejuízo a terceiros ou favorecer o descaminho de armamento;
e) Praticar ou tentar praticar acto demonstrativo da perigosidade da sua permanência na instituição ou acto de desobediência grave ou de insubordinação, bem como de incitamento à desobediência ou insubordinação colectiva;
f) Praticar de forma frustrada, tentada ou consumada crime de furto, roubo, burla, abuso de confiança, peculato, concussão, extorsão, peita, suborno e corrupção, associação de malfeitores, consumo e tráfico de estupefacientes, falsificação de documentos e pertença a sociedade secreta;
g) Tomar parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer serviço da Administração Pública;
h) Violar segredo profissional ou cometer inconfidência de que resulte prejuízo para o Território ou para terceiros;
í) Se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil;
j) Aceitar, directa ou indirectamente, dádiva, gratificação ou participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, em resultado do lugar que ocupa, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
I) Abusar habitualmente de bebidas alcoólicas ou consumir ou traficar estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;
m) For cúmplice ou encobridor de qualquer crime previsto nas alíneas anteriores;
n) Praticar, ainda que fora do exercício das suas funções, acto revelador de ser o seu autor incapaz ou indigno de exercer o cargo ou que implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função.
Verifica-se, assim, que, nos termos da al. i) do n.º 2, se considera que as referidas penas são aplicáveis ao militarizado que "se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil".
Sobre o n.º de dias em que a agente faltou, procurando tirar vantagem do desconto de um Sábado e de um Domingo, essa argumentação não colhe. Primeiro, porque nada nos diz que, enquanto agente policial ela não seria destacada para prestar serviço nesses dias. Depois, porque a lei também não distingue essa situação. Por último, os mínimos da previsão típica estão preenchidos, não sendo a pena aplicada passível de graduação em função do número de dias, sejam eles cinco, sejam trinta ou noventa.
8. Inviabilização da relação funcional
Integrada a materialidade objectiva da previsão típica da aplicação da referida demissão, importa analisar se a falta cometida inviabiliza a manutenção da relação funcional, pressuposto da aplicação da pena de aposentação compulsiva e de demissão, conforme previsto no artigo 238º, nº1 do EMFSM.
E com isto estaremos a entrar igualmente na apreciação da justeza ou adequação da pena aplicada à gravidade da conduta e à censura que ela merece.
A pena de demissão ou de aposentação compulsiva não é de aplicação automática, só podendo ser cominada se os factos revelarem um carácter censurável susceptível de inviabilizar a manutenção da relação funcional - artigo 238º, nº1 do EMFSM.
Trata-se de um conceito indeterminado que a Administração deverá preencher e concretizar através de juízos de prognose assentes na factualidade apurada e em cuja fixação goza de grande liberdade de apreciação, sendo que só os erros manifestos de apreciação na determinação de tais juízos importam violação de lei que ao tribunal cabe sindicar.1 A qualificação dos factos como infracção disciplinar e a sua integração ou subsunção na cláusula geral punitiva é contenciosamente sindicável. Só não é contenciosamente sindicável a fixação da pena disciplinar dentro do escalão respectivo, não podendo o juiz sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar, já que, neste domínio, a intervenção do juiz fica apenas reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas circunstâncias em que se verifica uma notória injustiça ou desproporção manifesta entre a sanção aplicada e a falta cometida.2
O poder disciplinar é discricionário, muito embora tenha aspectos vinculados, sendo um deles o que se relaciona com a qualificação jurídica dos factos reais.3 E no preenchimento da cláusula geral de inviabilidade de manutenção da relação funcional há uma vinculação da Administração, embora compatível com juízos de prognose que andam de mão dada com uma certa liberdade administrativa.
Os factos que implicam a inviabilidade de manutenção da relação funcional para efeito de aplicação de pena disciplinar expulsiva, “são todos aqueles cuja gravidade implique para o desempenho da função prejuízo tal que irremediavelmente comprometa o interesse público prosseguido com esse desempenho e a finalidade concreta que ele se propõe e por isso exige a ablação do elemento que lhe deu causa”4, sendo meramente exemplificativa a enunciação que deles se faz no nº 2 do art. 238º do EMFSM.
Assim, não se deve manter a relação funcional sempre que os factos cometidos pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, comprometam, designadamente, a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a acção da Administração.5 Se o comportamento imputado ao arguido atingir um grau de desvalor que quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente, deve considerar-se inviabilizada a manutenção da relação funcional.
Vem assacada ao recorrente a violação de um conjunto de deveres que afecta gravemente aquela confiança e descredibiliza a corporação
Sustenta a recorrente que faltas por doença ocorrem todos os dias nos serviços, e que, quando justificadas, em nada relevam, nem podem relevar por lei, como consubstanciadoras de inobservância do dever de assiduidade.
Na verdade, dada a escassa repercussão das mesmas no serviço deveriam as mesmas faltas injustificadas ser só punidas com multa, sempre que ocorra ser o agente bom funcionário, exercer as suas funções com competência, zelo, obediência e isenção, correcção e aprumo, como é o caso da recorrente, que tem bom comportamento anterior, louvores, condecorações ou outras recompensas, concedidos em razão da função e publicados em ordem de serviço e boa informação dos superiores de quem depende.
Esta é a opinião da recorrente que não deixa de incorrer aqui num equívoco: é que o circunstancialismo fáctico que levou à demissão não terão sido apenas as faltas que, se justificadas, até não originam sanção alguma. O que é censurável é a conduta da agente perante um alegado erro em relação ao termo das férias - questão que não se consegue digerir facilmente - e a sua passividade em relação a uma diligência que devia ter em justificar a doença. Se assim não fosse estaria aberta a porta para que qualquer agente ou funcionário, invocando a rudimentaridade dos serviços se furtasse à justificação da doença e nem sequer essa impossibilidade se preocupou em demonstrar.
Pode dizer que como pensava que as férias se prolongavam já não seria preciso comprovar a doença porque ainda estava em férias. A censura reside na postura de pouca preocupação e diligência na demonstração do alegadamente sucedido, tudo isto enquadrado no exercício de funções que se devem pautar dor critérios de exigência, disciplina e responsabilidade.
Não fere qualquer sensibilidade a interpretação que se faz de que inviabiliza a manutenção da relação funcional a actuação do agente que vem concretizada e não se mostra infirmada.
De todo o modo não se deixa de considerar esta análise despicienda se se vier a concluir que a pena de demissão é aquela que devia ter sido aplicada, face ao disposto no artigo 240º do EMFSM, excluindo-se a possibilidade de alternativa da aposentação compulsiva.
9. Teria existido erro grosseiro na aplicação da demissão, pois, sendo a demissão e a aposentação ambas aplicáveis ao militarizado que incorra nessa situação, dependeria a aplicação da pena de aposentação de o militarizado reunir, 15 anos de tempo de serviço, pena disciplinar esta que não lhe foi aplicada.
Concorrendo a seu favor quatro circunstâncias atenuantes (incluindo a falta de intenção dolosa) não podia o Comando ter-lhe aplicado a sanção mais grave.
Isto é, sem agravantes e com as referidas atenuantes, deveria ser-lhe aplicada a pena, possível em alternativa mais benéfica, face ao disposto no artigo 64º do CPenal, subsidiariamente aplicável.
Vejamos.
O artigo 239.° do EMFSM dispõe:
1. A pena de aposentação compulsiva é especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
2. Em qualquer caso, a pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o militarizado reunir, pelo menos, 15 anos de tempo de serviço, sem o que lhe será aplicada a pena de demissão.
É verdade eu a recorrente preenche esta condição (quinze anos de tempo de serviço), só que acontece que essa é uma possibilidade, não uma imposição, podendo a Administração optar por uma ou por outra das penas, ficando-se no domínio da discricionariedade não sindicável nesse domínio, se a lei não for peremptória quanto à imposição de uma determinada pena.
Importa então analisar da correcção da aplicação da pena de demissão em detrimento da aposentação compulsiva.
Se observarmos os pertinentes preceitos legais logo se constata que o EMFSM, em sede das penas expulsivas, contém algo mais do que o ETAPM.
É assim que para além de uma norma geral em que ao respectivo tipo tanto cabe a demissão como a aposentação compulsiva - cfr. art 315º do ETAPM - também o EMFSM , para além do artigo 238º, contém a norma do artigo 239º e o artigo 240ª:
A pena de demissão é aplicada ao militarizado que:
a) Tiver praticado qualquer crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos, com flagrante e grave abuso da função que exerce e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Tiver praticado, ainda que fora do exercício das funções, crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos que revele ser o seu autor incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício da função;
c) Praticar ou tentar praticar qualquer acto previsto nas alíneas c), e), f), g), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 238.º
Daqui resulta que se razões de falta de competência ou idoneidade moral do arguido se verificarem deve ser aplicada a pena de aposentação compulsiva, como resulta do nº 1 do art. 239º do EMFSM, o que inculca no sentido de que estes requisitos serão algo que acresce a situações que normalmente seriam até passíveis de uma pena menos grave. Já não faz sentido aplicar esses requisitos quando a pena a aplicar seja a da demissão, especialmente quando a demissão deva ser obrigatoriamente aplicada nos casos do artigo 240º, situação exactamente aqui contemplada.
Será então possível à Administração optar entre a pena de demissão e a pena de aposentação compulsiva, à míngua de uma previsão típica específica para cada uma dessas sanções?
Tal questão coloca-se igualmente em face do artigo 315º do ETAPM. E a este propósito perante a previsão conjunta das duas penas, coloca-se a questão de saber qual a pena aplicável a uma dada infracção perante um concurso de penas previstas para uma mesma conduta. A entidade recorrida defende que se trata de uma mera faculdade, posição a que só se adere se com tal expressão se quer significar poder discricionário de escolha e não já uma mera arbitrariedade. Tal faculdade há-de ter necessariamente os limites decorrentes da adequação da sanção à responsabilidade do arguido.
Nos casos em que o agente esteja em condições de beneficiar de uma pensão, então, aí, pode ser considerada a possibilidade de optar pela aposentação compulsiva, sempre que estejam reunidos os respectivos requisitos, designadamente o dos 15 anos de serviço contados para aquele efeito – cfr. art. 262º, nº 1, d) e 315º,nº3 do ETAPM.
Não se acompanha, assim, o entendimento que de que há um direito automático à aposentação nas situações em que estejam preenchidos tais requisitos.6
Procedendo à respectiva interpretação, desde logo a expressão poderá inculca no sentido de uma faculdade - discricionária e já não arbitrária -, enquanto a parte final significará que, na ausência dos 15 anos de serviço, será aplicada a pena de demissão por não estarem preenchidos os pressupostos da aposentação.
Se é certo que as questões da aposentação e as necessidades disciplinares se põem em planos diversos, também pode acontecer que o legislador, nas situações mais graves, tenha erigido em própria sanção a perda de quisquer pensões a que o agente tivesse direito, não se contentando com a mera aplicação da pena expulsiva circunscrita à aposentação compulsiva.
Este é o entendimento que se colhe em termos de direito comparado, no ordenamento português, onde a lei de Macau bebeu inspiração. Na verdade a Administração não está vinculada à aplicação da pena de aposentação compulsiva pelo simples facto de o arguido preencher o requisito de tempo exigido pelo artigo 262º do ETAPM.7 E sobre o ordenamento de Macau pronunciou-se o Ac. do STA, de 19/2/97, em acórdão relatado pelo Cons. Rui Pinheiro, onde se pode ler: “O poder disciplinar conferido pelo art. 315 do ETAPM comporta um momento discricionário e outro vinculado. A vinculação legal não reside na obrigatoriedade da aplicação da pena de aposentação compulsiva se o funcionário tiver mais de 15 anos de serviço, mas na obrigatoriedade da aplicação da pena de demissão se os não tiver ainda completado.”8
Aliás, o preâmbulo do Dec.-Lei 41/86/M, onde se previa o regime da possibilidade de aplicação da pena de aposentação compulsiva quando o infractor detivesse pelo menos 15 anos de serviço, no seu artigo 1º, regime hoje integrado no actual artigo 239º do EMFSM, proclamava o seguinte:
“A aplicação de pena expulsiva a funcionários ou agentes da Administração reveste-se de particular melindre, na perspectiva de acautelar os interesses do arguido sem ferir a dignidade e prestígio da Administração.
Assim, a Administração, no uso do seu poder discricionário, opta por uma das penas expulsivas, a de aposentação compulsiva ou a de demissão, atendendo, por um lado, à gravidade da infracção e, por outro, aos elementos que relevem a favor do arguido.
No entanto, aquele poder discricionário está necessariamente limitado pelo facto de o arguido não reunir o tempo de serviço legalmente exigido para que lhe seja imposta a pena de aposentação compulsiva.”
Na perspectiva da integração da infracção como prevista no artigo 239º do EMFSM, a lei afasta-a se se verificar uma situação de aplicação injuntiva da pena de demissão, como a que resulta de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos, face ao disposto no artigo 240º do EMFSM.
10. Ainda do apontado erro grosseiro na escolha da pena.
Mesmo que assim se não entendesse, e porque não estando a considerar a medida da pena dentro do mesmo escalão, que se considera poder discricionário do julgador em processo disciplinar, mas a opção por duas penas de diverso escalão, haveria sempre que concluir pela indevida interpretação e aplicação da lei, sempre teria ocorrido um erro grosseiro, pois, ainda que o julgador estivesse a usar de um poder discricionário, verifica-se que o julgador apelando para as circunstâncias atenuantes, e não concorrendo, no caso, quaisquer circunstâncias agravantes, escolhe das duas penas abstractamente aplicáveis (já por si as duas mais graves elencadas na lei), a mais grave.
Elegendo o artigo 256.° do EMFSM a legislação processual penal e o ETAPM, enquanto direito supletivo, ex vi art. 277º a legislação penal como subsidiariamente aplicável, sendo o direito disciplinar um direito punitivo, sancionatório, relativamente novo, sempre se entendeu o recurso a ramos do direito mais acabados, como o direito penal e processual penal para o completar.
E no ramo do direito penal impera o princípio geral que se ao crime forem aplicáveis duas penas de gravidade diversa, permitindo a mais leve, a realização de forma adequada e suficiente das finalidades da punição, deve o julgador optar por esta última (v. como concretização do referido princípio o art. 64.° do Código Penal), donde dever ter sido aplicada a pena alternativa mais leve
Sobre isto, o que se verifica é que procura a recorrente fazer uso, no processo disciplinar, de um princípio que decorre de uma norma do Código Penal, sendo certo que os princípios do procedimento disciplinar não são exactamente pautados pelos valores e interesses ínsitos ao Direito Penal, para além de que não estamos seguros da justeza do raciocínio ínvio de aplicação deste diploma aos militarizados da PSP, o que só se conseguiria por recurso à remissão em segunda via através dos ETAPM.
De qualquer modo estamos perante uma situação que está regulada no estatuto próprio e não há necessidade de recorrer a outro diploma, para além de que a situação inspirada no art. 64º do CP aparta-se em muito da situação do caso sub judice.
Pelas razões já acima aduzidas, face aos factos apurados, mostram-se integrados os elementos objectivos e subjectivos do respectivo tipo da apontada infracção, pelo que não se vislumbra que tenha havido errada subsunção jurídica por parte da entidade recorrida, conduta grave, não parecendo que haja qualquer erro manifesto e grosseiro na pena aplicada, sendo perfeitamente compreensível que a factualidade descrita, alcançando-se perfeitamente o seu conteúdo, ainda que por efeito de remissão para as respectivas normas legais, não se deixa de perceber que o Comando tenha considerado grave a conduta e que a agente não tem condições básicas para continuar o desempenho de funções.
11. Joga a recorrente com uma infelicidade de construção frásica, enquanto se afirmou que seriam as penas que inviabilizam a relação funcional ao indivíduo.
Como se atinge facilmente não são as penas que inviabilizam a relação funcional – ou então inviabilizam-na absolutamente porque se deixa de trabalhar -, mas sim os factos praticados passíveis de sanção disciplinar é que inviabilizam essa relação. Esta interpretação não se deixa de colher claramente do despacho punitivo e mesmo que não se tivesse a boa-vontade de o compreender desta forma, logo num outro parágrafo se afirma que a agente “não possui as condições básicas para continuar o desempenho de funções.”
12. Posto isto, perante a taxatividade da pena aplicada não faz sentido ponderar a relevância do circunstancialismo atenuante. Não obstante a verificação das citadas atenuantes parece que a Administração não tinha outra alternativa à aplicação da referida pena, a partir do momento em que considerou ilegítimas aquelas ausências.
Questão diferente e que não vem equacionada seria o facto de se deverem ter essas ausências como justificadas, ocorrendo nesse caso um eventual erro nos pressupostos de facto que conduziriam a um outro julgamento da situação.
Ou ainda que não justificadas que não tivessem sido ilegítimas, passíveis de integração numa qualquer outra sanção, tal como a própria recorrente chega a equacionar.
13. Ainda que imperfeitamente expresso pela recorrente, não se mostra que tenha sido violado o princípio da proporcionalidade.
Tal violação não se mostram concretizada. A recorrente limita-se a alegar que a pena não se mostra adequada ou proporcionada ao comportamento que adoptou, para além de não ser legalmente admissível.
Traduz-se este princípio na adequação dos meios utilizados em relação aos fins obtidos, impedindo-se assim a adopção de medidas desproporcionais, excessivas ou desequilibradas.
O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, deve ser entendido como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro.9
A proporcionalidade de uma pena disciplinar só pode ser impugnada com base em erro grosseiro ou manifesto.10
Enquanto conceito jurídico administrativo, na medida em que corresponda a uma ideia de variação correlativa de duas grandezas, há-de traduzir os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício dos particulares.
Ora, no caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar e, acima de tudo, a observância da lei.11
14. Quanto a uma possível falta de fundamentação, ainda que imperfeitamente expressa, no que concerne à não indicação expressa das atenuantes, é verdade que a decisão de demissão deve ser fundamentada porque é a fundamentação que permite ao trabalhador avaliar da justiça da decisão e representa uma garantia para ele, uma vez que o direito à impugnação judicial exige, para ser exercitada, o conhecimento das razões justificativas da sanção aplicada.
A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais foram os interesses e os factores considerados na opção tomada.12
Ora, percorrendo a nota de culpa, o relatório final e a decisão punitiva, não vemos como possa toda a descrição da situação de facto e dos fundamentos de direito sofrer de alguma das vicissitudes relativas à falta de fundamentação, pois que daí se atinge todo o circunstancialismo fáctico relevante.
Ao concluir-se pela inviabilidade da relação funcional, não terá deixado a entidade recorrida de apreciar o conjunto das circunstâncias que lhe podiam ser favoráveis, expressamente consignadas na acusação deduzida e que serviu de base de apreciação ao Conselho Disciplinar e necessariamente à entidade recorrida até para justificar o não acatamento da proposta feita.
E não deixa de se observar que as exigências de rigor técnico-jurídico na formulação das diversas peças em processo criminal não são inteiramente transponíveis para as peças elaboradas em processos disciplinares.13
Tudo visto e ponderado, resta decidir no sentido da improcedência do recurso.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
Macau, 5 de Dezembro de 2013
Presente João A. G. Gil de Oliveira
Vítor Coelho Ho Wai Neng José Cândido de Pinho
1 - Ac. STA, proc. 41159, de 24/9/98, http://www.dgsi.pt
2 - Acs STA de 11/6/86, in BMJ 362, 434; de 5/6/90, in BMJ 398,355; de 2/10/90, in BMJ 400, 712; de 23/3/95, proc. 32586; proc. 41159 de 24/9/98, entre outros
3 - Ac. do TCA, proc. 211898, http//www.dgsi.pt
4 -Ac do STA de 6/2/92, proc. 28309, http//www.dgsi.pt
5 -Ac do STA de 30/1194, proc. 32500, http//www.dgsi.pt
6 -Pinheiro Torres, Relação Jurídica de Emprego Público em Macau, 2000, 164 e 165
7 -Ac do STA , proc. 5263/01,de 29/11/2001; proc.41158, de 4/11/98; proc. 41088, de 17/2/99; Parecer do Conselho Consultivo da PGR, P000071988, de 13/10/88, in http://www.dgsi.pt
8 - STA, proc.30356, http://www.dgsi.pt
9 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., 80
10 - Ac do STA de 28/9/99 – Rec. 40991, http//www.dgsi.pt
11 - João Caupers, in Int. ao Dto Administ., 2001, 80
12 -Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim, in CPA comentado, 2001, 591
13 - Ac. STA, de 11/12/2002, proc. 38892, http://www.dgsi.pt
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1004/2012 48/48