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Processo n.º 684/2013 Data do acórdão: 2013-12-05 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– consumo ilícito de estupefaciente
– condição da pena suspensa
– sujeição voluntária ao tratamento da toxicodependência
– consentimento prévio e expresso do condenado
– art.o 50.o, n.o 3, do Código Penal
– art.o 19.o da Lei n.o 17/2009
S U M Á R I O

1. Estando em causa a problemática de sujeição ao tratamento de toxicodependência como condição da suspensão da execução da pena de prisão por crime de consumo ilícito de estupefacientes do art.º 14.º da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, há que aplicar o instituto especial gizado no art.º 19.º desta Lei, e não a regra do n.º 3 do art.º 50.º do Código Penal.
2. O n.º 1 do art.º 19.º desta Lei não fala da obtenção do “consentimento prévio e expresso do condenado” como requisito da imposição da sujeição deste ao tratamento da toxicodependência.
3. Atento o n.º 1 do art.º 19.º, o tribunal só pode suspender a execução da pena de prisão, se, pelo menos, decidir simultaneamente em fazer condicionar a suspensão à sujeição voluntária do condenado ao tratamento ou ao internamento, a fim de o condenado poder tirar a toxicodependência.
4. O adjectivo voluntária empregue na letra desse n.º 1 só pode significar que o condenado não irá ser detido por autoridade policial para se sujeitar coercivamente ao tratamento. Para constatar isto, basta atender à letra do n.º 5 do próprio art.º 19.º.
5. Como o tribunal a quo já decidiu suspender a pena de prisão do arguido recorrente, este terá que cumprir a condição imposta pelo tribunal relativa ao tratamento em internamento, sob pena de não poder ver suspensa efectivamente a execução da sua pena de prisão.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 684/2013
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 45v a 47v dos autos de Processo Sumário n.° CR2-13-0172-PSM do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou pela prática em autoria material, na forma consumada, em 18 de Setembro de 2013, de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 14.º da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (doravante denominada como a Lei de droga), na pena de um mês e quinze dias de prisão, e de um crime de condução sob influência de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 2, da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário), na pena de três meses de prisão, com inibição de condução por um ano e seis meses, e, em cúmulo, na pena única de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova a ser acompanhado pelo Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, e com sujeição voluntária ao tratamento de toxicodependência em regime de internamento, para além da referida inibição de condução, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para impugnar apenas a decisão de imposição da sujeição voluntária ao tratamento de toxicodependência em regime de internamento, alegando, para o efeito, que ele nunca tinha prestado consentimento nos termos do art.º 50.º, n.º 3, do Código Penal (CP), sobre a sujeição ao tratamento em regime de internamento, pelo que tal segmento do dispositivo da sentença devia ser revogado, e que mesmo que assim não se entendesse, sempre não deixaria de pedir a alteração de tal sujeição no sentido de se passar a impor-lhe a sujeição ao mero tratamento de toxicodependência, por a entrada no programa de tratamento em internamento ir afectar a vida do próprio recorrente e da sua família, porque ele se encontrava a trabalhar presentemente como aprendiz de obras de ar condicionado, com cerca de dez mil patacas de rendimento mensal, para sustentar o avô e a avó maternos com doença (cfr. com mais detalhes, as razões de discordância do arguido expostas na motivação de fls. 57 a 61 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 65 a 69v dos autos) o Digno Delegado do Procurador junto do Tribunal recorrido, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 79 a 80), pugnando também pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar (em sede do qual se opinou pela rejeição do recurso) e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já dada por assente no texto da sentença, é de tomar a mesma factualidade como fundamentação fáctica do presente acórdão de recurso, nos termos permitidos pelo art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal (CPP).
De acordo com a fundamentação fáctica da sentença recorrida, o recorrente não é delinquente primário.
Segundo o que consta do certificado de registo criminal do recorrente (a fl. 34 dos autos), ele, em 13 de Junho de 2011, no Processo n.º CR1-11-0102-PSM, já foi condenado por prática de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, na pena de um mês e quinze dias de prisão, suspensa na sua execução por um ano e três meses, com regime de prova e sujeição ao tratamento de toxicodependência.
Da acta de audiência de julgamento então realizada perante o Tribunal a quo, não consta nenhuma referência à prestação, ou não, de consentimento por parte do recorrente sobre a questão de sujeição ao tratamento de toxicodependência em regime de internamento (cfr. o teor dessa acta, lavrada a fls. 44 e seguintes dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O arguido começou por preconizar a tese de violação, pelo Tribunal recorrido, do disposto no art.º 50.º, n.º 3, do CP, mas para este Tribunal ad quem, descabidamente, precisamente porque estando em causa a problemática de sujeição ao tratamento de toxicodependência (mormente em regime de internamento) como condição da suspensão da execução da pena de prisão por crime de consumo ilícito de estupefacientes p. e p. pelo art.º 14.º da Lei de droga, há que aplicar propriamente o instituto especial gizado no art.º 19.º (sobretudo nos n.os 1 e 2) desta Lei, e não a regra do n.º 3 do art.º 50.º do CP.
Como a norma do n.º 1 do art.º 19.º desta Lei não fala da obtenção do “consentimento prévio e expresso do condenado” como requisito da imposição da sujeição deste ao tratamento da toxicodependência (nomeadamente em regime de internamento), fica irremediavelmente prejudicada toda a tese colocada a título principal pelo recorrente na motivação do recurso.
Com efeito, da redacção do n.º 3 do art.º 19.º da mesma Lei de droga, já resulta a hipótese, prevista pelo legislador, de que o condenado não se sujeita voluntariamente ao tratamento ou ao internamento, pelo que é praticamente irrelevante a obtenção, ou não, do prévio consentimento expresso do próprio condenado para efeitos de imposição, pelo tribunal, de sujeição do condenado ao tratamento ou ao internamento.
Na verdade, atento o espírito do n.º 1 do art.º 19.º da Lei de droga, o tribunal só pode suspender a execução da pena de prisão, se, pelo menos, decidir simultaneamente em fazer condicionar a suspensão à sujeição voluntária do condenado ao tratamento ou ao internamento, a fim de o condenado poder tirar a toxicodependência.
E nem se diga que como é voluntária, essa sujeição ao tratamento tem que depender do prévio e expresso consentimento do condenado. Não pode procede este tipo de objecção, porque o adjectivo voluntária empregue na letra do n.º 1 do art.º 19.º da Lei de droga só pode significar que o condenado não irá ser detido por autoridade policial para se sujeitar coercivamente ao tratamento – para constatar isto, basta atender à letra do n.º 5 do próprio art.º 19.º, que reza que a sujeição do toxicodependente a tratamento ou a internamento durante o período de suspensão é executada mediante mandado emitido, para o efeito, pelo juiz, com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, em articulação com os Serviços de Saúde ou com o Instituto de Acção Social. Daí que se compreende a hipótese prevista pelo legislador no n.º 3 do mesmo art.º 19.º, sobre a não sujeição voluntária do toxicodependente ao tratamento.
No caso, em face do antecedente criminal do recorrente referido na parte II do presente acórdão de recurso, o Tribunal a quo até pôde ter decidido em não suspender a pena de prisão, à luz do art.º 19.º, n.º 2, da Lei de droga. E como já decidiu suspender a pena de prisão do recorrente, este terá que cumprir aquela condição imposta mui legalmente pelo Tribunal a quo, relativa ao tratamento em internamento, sob pena de não poder ver suspensa efectivamente a execução da sua pena de prisão.
Nesta perspectiva falando, improcede também o pedido subsidiário do recorrente.
Mostrando-se evidentemente infundado o recurso nos termos supra referidos, é de rejeitá-lo em conferência, nos termos ditados nos art.os 409.o, n.o 2, alínea a), e 410.o, n.o 1, do CPP, sem mais desenvolvimento atento o disposto no n.o 3 desse art.o 410.o.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em rejeitar o recurso, por ser manifestamente improcedente.
Custas do recurso pelo recorrente, com quatro UC de taxa de justiça, e quatro UC de sanção pecuniária referida no art.o 410.o, n.o 4, do Código de Processo Penal.
Comunique o presente acórdão ao Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, ao Instituto de Acção Social e aos Serviços de Saúde, para referência.
Macau, 5 de Dezembro de 2013.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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