打印全文
Processo nº 696/2013 Data: 12.12.2013
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”.
Crime continuado.
Declaração de perdimento.



SUMÁRIO

1. A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; b) um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas; c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.

2. O conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

3. Só ocorrerá “diminuição sensível da culpa” do agente, tradutora de uma menor exigibilidade para que o agente actue de forma conforme ao direito, quando essa tal circunstância exógena se lhe apresenta, de fora, não sendo o agente o veículo, através do qual, a oportunidade criminosa se encontra de novo à sua mercê.

4. É de revogar a “declaração de perdimento” de quantias monetárias e outros objectos possuídos pelos arguidos se da matéria de facto nada constar em relação aos mesmos.

O relator,

______________________

Processo nº 696/2013
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se:
- condenar A, (1°) arguido com os restantes sinais dos autos, como co-autor da prática em concurso real de 9 crimes de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, p. e p. pelos art°s 254°, n.° 1, 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b), todos do C.P.M., na pena (parcelar) de 2 anos e 9 meses de prisão cada;
- condenar o mesmo arguido como co-autor de 3 crimes de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, na forma tentada, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão para dois deles, e na de 1 ano e 3 meses para o restante; e,
- condenar ainda o mesmo arguido pela prática de 1 crime de “falsificação de documento de especial valor”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. c) e 245° do C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
- em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos 13 crimes, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos de prisão;
- condenar B, (2ª) arguida, como co-autora da prática em concurso real de 7 crimes de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, p. e p. pelo art. 254°, n.° 1, 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão;
- condenar C, (3°) arguido, como co-autor de 2 crimes de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, p. e p. pelo art. 254°, n.° 1, 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., um na forma tentada, nas penas de 2 anos e 9 meses e 1 ano e 3 meses de prisão respectivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão.

O mesmo Acórdão declarou também perdidos a favor da R.A.E.M. “os objectos destinados a servir a prática dos crimes e por estes produzidos”; (cfr., fls. 848 a 862).

*

Inconformados, os arguidos recorreram.
Em sede dos seus recursos, e em síntese, questionam a “qualificação jurídico-penal” operada, as “penas” e a “declaração de perdimento a favor da R.A.E.M.”; (cfr., fls. 877 a 904).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que os recursos dos (1° e 2a) arguidos A, e B, devem ser julgados improcedentes, considerando que o recurso do 3° arguido, devia ser julgado parcialmente procedente; (cfr., fls. 911 a 921-v).

*

Admitidos os recursos foram os autos remetidos a este T.S.I..

*

Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Compulsando os recursos interpostos, verifica-se que foram colocadas várias questões jurídicas pelos recorrentes. Acresce que todos os recursos têm quase o mesmo conteúdo e sendo também os fundamentos idênticos, assim, só se justifica um parecer único em prol de celeridade e economia processual.
É o que nós vamos proceder a seguir.
*****
Em primeiro lugar, todos os recorrentes suscitam a questão de errada aplicação do direito por parte do tribunal "a quo"', entendendo que a correcta qualificação dos factos deve ser a figura do crime continuado e não concurso efectivo de vários crimes de passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador.
Com efeito, nos termos do art°29 do C.P.M., prescreve que:
1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo do crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Na jurisprudência dos tribunais de Macau, já foi objecto de análise por várias vezes a figura jurídica de "crime continuado", e é pacificamente aceite que a lei exige os seguintes elementos para a verificação do crime continuado:
Tratando-se de uma "Fictio juris", o crime continuado pressupõe uma pluralidade de condutas naturalisticamente distintos que são unificadas se verificados os seguintes requisitos positivos:
- Unidade de desígnio, resolução ou determinação criminosa ( dolo global );
- Unidade de preceito penal incriminador violado;
- Certa conexão temporal;
Além do negativo:
- Não ofender interesses de natureza pessoal, salvo havendo unidade de sujeito passivo.
In casu, e de acordo com os factos dados como provados, existe, efectivamente, uma certa homogeneidade em relação ao modo de execução de crimes, bem como uma proximidade temporal entre as datas de práticas de crimes.
Porém, para além destes dois factores, não nós pareça que ficaram apurados quaisquer outras circunstâncias exógenas que facilitassem aos arguidos a nova prática de crimes e que lhe diminuíssem a culpa. (Trata-se, ao nosso ver, o fundamento último da figura jurídica do crime continuado)
Por outro lado, consoantes os factos provados, entendemos que também não existe unidade de dolo em relação a cada um dos arguidos nas respectivas práticas de crimes, mas sim, uma renovação sucessiva do dolo .
Para nós, a figura do crime continuado é uma ficção jurídica, através da qual o legislador pretende "beneficiar" o agente dos crimes, unificando artificialmente vários actos objectivos parcelares, tratando-os como se fossem um acto singular.
Ora, tem sentido de formular a seguinte questão:
Porquê é que o legislador quis "beneficiar" o agente?
Com efeito, como acima já foi referido, o alicerce da figura do crime continuado reside-se em uma atenuação da culpa do agente, considerando que o agente como um "incapaz" que se fosse perante determinados factos externos, no sentido de que o agente é levado ou impulsionado à prática de crimes pelas circunstâncias exógenas, ficando ele quase irresistível às tentações criadas pelos factores externos que lhe são alheios.
Ou seja, o legislador entende que a conduta do agente nesta situação é menos censurável em termos de culpa.
No caso em apreço, estamos perante uma cena totalmente distinta do crime continuado.
Para além de não se verificar um preenchimento total dos requisitos legais do crime continuado, estamos enfrentado com um "agravamento" de culpa dos recorrentes, isto é, com o primeiro "sucesso" obtido pela primeira vez através do uso de cartão, as intenções criminosas dos agentes ficam mais fortalecidas e tomando" mais determinantes nas práticas posteriores e sucessivas de novos crimes e até eles puseram essas intenções nas práticas segundo as suas próprias vontades.
No fundo, é o impulso de ambição interna que está a funcionar, até podemos dizer que os recorrentes actuaram "activamente" e não "passivamente" como na hipótese de crime continuado.
Daí que não vemos razões nenhumas para que o agravamento da culpa do agente deva ser protegida!
Ora, a não verificação de um dos pressupostos da figura do crime continuado impõe o seu afastamento, fazendo reverter a figura da acumulação real ou material. (cfr. os acórdãos do T.S.I. de 20/0112000 do proc. nº 1275, de 03/02/2000 do proc. nº 1267)
Em resumo, o que está verdadeiramente em causa é uma situação de concurso efectivo de crimes e não crime continuado.
*****
Quanto à questão da medida concreta da pena.
Todos os recorrentes alegam que as penas encontradas pelo tribunal recorrido são demasiadamente pesadas por não ter considerado a figura do crime continuado e das circunstâncias atenuantes.
Salvo o respeito, pensamos que esta questão fica prejudicada pela nossa negação de aplicabilidade do crime continuado para o presente caso.
De qualquer modo, especialmente no que se concerne aos recorrentes A e B, podemos dizer que de acordo com os números vezes de crimes praticados, bem assim como os montantes envolvidos, as pena aplicadas pelo tribunal recorrido pecam por demasiadas benevolentes, uma vez que em termos de culpabilidade, ambos os recorrentes merecem de uma censura penal mais grave em relação ao terceiro recorrente C, pelo que deveriam ser agravadas as respectivas punições para marcar uma diferença adequada e proporcional entre culpa deles e a culpa do terceiro recorrente senão por força do princípio de "reformatio in peju"
Quanto à suspensão de execução da pena invocada pelos todos os recorrentes, trata-se também de uma questão sem sentido face às conclusões acima que nós chegamos na matéria da pena concreta, uma vez todas as penas aplicadas (todas ultrapassaram três anos de prisão) já estão fora de admissibilidade legal de concessão de suspensão de execução da pena.
*****
Para além das questões levantadas pelos recorrentes, verificamos que existe outra que o tribunal "a quem" pode e deve conhecer oficiosamente.
Na verdade, o tribunal "a quo" qualificou algumas condutas dos recorrentes como prática de crimes de passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador na sua forma tentada, por entender que nalgumas situações os recorrentes não conseguiram obter benefício patrimonial ilegítimo através do uso dos cartões de crédito falsos.
No entanto, como dizia pelo Prof, Almeida Costa, no Comentário Conimbrincense do Código Penal, Tomo II, pago 769.
"Dado que a lesão do bem jurídico só ocorre com a entrada em circulação da moeda, o delito constitui, do ponto de vista em apreço, um crime de perigo abstracto ou presumido, não dependendo da prova de que, em concreto, se verificou o risco efectivo daquela entrada em circulação."
Desenvolvendo esta ideia ao caso concreto, significa que desde o momento em que o agente entregou o cartão falso ao estabelecimento ou loja comercial para proceder ao pagamento, o crime fica já consumado, não depende de consumação do negócio ou de nenhum real prejuízo causado para o destinatário.
Assim sendo, e de acordo como os factos dados como provados, todos os actos praticados pelos três recorrentes integram já na figura de consumação do crime e não ficam só na fase de tentativa.
Pelo exposto, este tribunal "a quem" deve re-qualificar os factos, alterando a condenação de todos os crimes tentados nos crimes condenados.
Eis o nosso parecer”; (cfr., fls. 936 a 939).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. “O 1º arguido A, a 2ª arguida B e o 3º arguido C são “pilotos” (utilizam nas lojas cartões de crédito falsos fornecidos por associação falsificadora de cartões de crédito) duma associação falsificadora de cartões de crédito, que mandou “coordenador dos pilotos” para fornecer a estes cartões de crédito falsos, supervisionar o processo do uso destes e guardar os objectos adquiridos pelos “pilotos” com os cartões falsos.
A fim de utilizar com sucesso em Macau os cartões de crédito falsos, a associação falsificadora entregue aos “pilotos” documentos de identificação falsos com a intenção de esconder as suas verdadeiras identidades.
Para obter benefício ilegítimo, durante Novembro de 2012, os três arguidos utilizavam os cartões de crédito falsos oferecidos pela associação supracitada em diversos estabelecimentos comerciais Macau, causando prejuízos a outrem.
*
No início de Novembro de 2012, o 1º arguido deslocou-se a Macau e obteve do “coordenador” vários cartões de crédito falsos e um falso passaporte de Singapura n.º CXXXXXX5 cujo titular chama-se D (fls. 37 dos autos, no passaporte falso encontra-se a imagem do rosto do arguido).
Depois de ter chegado a Macau, o 1º arguido, sob a instrução, acompanhamento e supervisão do “coordenador” e utilizando o falso passaporte de Singapura com o nome de titular de D e os cartões de crédito falsos, realizou as seguintes compras:
Em 7 de Novembro de 2012, pelas 18h07, na loja “E”, o 1º arguido adquiriu com sucesso um cinto utilizando o cartão de crédito falso n.º 371536XXXXXX005, gastando em total catorze mil e oitocentas patacas (MOP$14.800,00).
Em 9 de Novembro de 2012, pelas 02h42, no restaurante F, o 1º arguido utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX6212 para pagar a conta de quatro mil, setecentas e cinquenta e uma patacas (MOP$4.751,00).
Em 10 de Novembro de 2012, pelas 00h20, no restaurante F, o 1º arguido utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX6212 para pagar a conta de cinco mil, seiscentas e setenta e cinco patacas (MOP$5.675,00).
Em 10 de Novembro de 2012, cerca das 00h24, no restaurante F, o 1º arguido utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX6212 para pagar a conta de trezentas e trinta patacas (MOP$330,00).
Em 10 de Novembro de 2012, pelas 16h19, no restaurante F, o 1º arguido utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX6212 para pagar a conta de dezassete mil, seiscentas e doze patacas (MOP$17.612,00).
Em 11 de Novembro de 2012, pelas 13h26, na farmácia «G», o 1º arguido utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX3247 para pagar a conta de quatrocentas e vinte e cinco patacas e oitenta avos (MOP$425,80).
Em 11 de Novembro de 2012, pelas 17h04, na loja «H», o 1º arguido utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX3247 para pagar a conta de oito mil, quatrocentas e sessenta e três patacas e quarenta avos (MOP$8.463,40).
Em 12 de Novembro de 2012, pelas 14h44, na loja «I», o 1º arguido utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX3431 para comprar dois sacos no valor total de vinte mil, oitocentas e setenta patacas (MOP$20.870,00).
Em 13 de Novembro de 2012, pelas 15h47, na loja «J», o 1º arguido pretendeu comprar um relógio no valor de cinquenta e nove mil patacas (MOP$59.000,00) com dois cartões de crédito falsos n.º 431307XXXXXX9854 e n.º 426684XXXXXX3247, mas não conseguiu porque os cartões falharam.
Em 13 de Novembro de 2012, pelas 16h30, na loja «K», o 1º arguido tentou comprar um relógio no valor de dezasseis mil, seiscentos e vinte e cinco dólares americanos e setenta e quatro centavos (USD$16.625,74) utilizando cartões de crédito falsos, mas não conseguiu porque os cartões falharam.
Em 13 de Novembro de 2012, pelas 17h53, na loja «L», o 1º arguido utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX5281 para comprar um saco no valor de oito mil, novecentas e oitenta e duas patacas (MOP$8.982,00).
Em 13 de Novembro de 2012, pelas 18h22, na loja «M», o 1º arguido tentou comprar um relógio no valor de cento e vinte mil patacas (MOP$120.000,00) com três cartões de crédito falsos, respectivamente, n.º431307XXXXXX4597, n.º 438857XXXXXX5281 e n.º 438857XXXXXX7863, mas não conseguiu porque os cartões falharam.
*
No início de Novembro de 2012, a 2ª arguida deslocou-se a Macau e obteve do “coordenador” vários cartões de crédito falsos nos quais se encontram o nome desta.
Depois de ter chegado a Macau, a 2ª arguida, sob a instrução, acompanhamento e supervisão do “coordenador” e utilizando os cartões de crédito falsos com o seu nome, realizou as seguintes compras:
Em 9 de Novembro de 2012, pelas 12h48, no Hotel N, a 2ª arguida utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX8253 para o pagamento da conta de mil e noventa e duas patacas e cinquenta avos (MOP$1.092,50).
Em 9 de Novembro de 2012, cercas das 18h00, na loja «O», a 2ª arguida utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX8998 para adquirir um saco e uma carteira, no valor total de onze mil, cento e cinquenta patacas (MOP$11.150,00).
Em 10 de Novembro de 2012, cercas das 12h11, no Hotel P, a 2ª arguida utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX1270 para pagar a conta de dois mil, trezentas e doze patacas (MOP$2.312,00).
Em 10 de Novembro de 2012, cercas das 20h03, na loja “K”, a 2ª arguida utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º 4388576056378253 para a compra dum relógio no valor de duzentas e sessenta e três mil patacas (MOP$263.000,00).
Em 11 de Novembro de 2012, cercas das 12h46, no Hotel Q, a 2ª arguida utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX2387 para pagar a conta de três mil, quinhentas e sessenta e cinco patacas (MOP$3.565,00).
Em 11 de Novembro de 2012, cercas das 17h46, na loja “R”, a 2ª arguida utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX2387 para comprar um saco no valor de trinta e duas mil patacas (MOP$32.000,00).
Em 11 de Novembro de 2012, cercas das 22h27, no restaurante F, a 2ª arguida utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX8253 para pagar a conta de trinta e oito mil, quinhentas e vinte e uma patacas (MOP$38.521,00).
*
No início de Novembro de 2012, o 3º arguido deslocou-se a Macau e obteve do “coordenador” vários cartões de crédito falsos nos quais se encontram o nome daquele.
Depois de ter chegado a Macau, o 3º arguido, sob a instrução, acompanhamento e supervisão do “coordenador” e utilizando os cartões de crédito falsos com o seu nome, realizou as seguintes compras:
Em 8 de Novembro de 2012, cerca das 16h26, na loja «O», o 3º arguido utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX8790 para adquirir um saco no valor de onze mil e seiscentas patacas (MOP$11.600,00).
Em 16 de Novembro de 2012, cerca das 13h15, na casa de penhores «S», o 3º arguido pretendeu comprar um anel de ouro com o cartão de crédito falso n.º 43XXXXXXXXXX72, mas a transacção não foi realizada porque o cartão falhou. Examinando o cartão, o trabalhador da loja suspeitou que o mesmo fosse falso, pelo que chamou a polícia.
Tendo chegado ao local, o pessoal policial deteve o 3º arguido e encontrou na sua posse 21 cartões de crédito suspeitosamente falsos.
Realizada a peritagem na PJ, provou-se que os supracitados 21 cartões de crédito que pertencem ao 3º arguido são todos falsos.
*
Os três arguidos, com intenção de obter para si benefício ilegítimo, concertando-se com o falsificador de cartões de crédito, agiram como “pilotos” ao utilizar, muitas vezes, nas lojas de Macau, cartões de crédito falsos fornecidos por outrem, causando prejuízos a terceiros.
O 1º arguido, a fim de utilizar em Macau cartões de crédito falsos, mostrava o passaporte de Singapura falso, com intenção de esconder a sua identidade verdadeira, pelo menos nas lojas “E” e “J” onde utilizava os cartões falsos.
A conduta do 1º arguido também pretende afectar a credibilidade dos documentos deste tipo e a segurança e confiança que estes mostram em relação geral, e prejudica os interesses da RAEM e de terceiros.
Os três arguidos agiram de forma livre, voluntária, consciente e dolosa ao praticar a sua conduta, bem sabendo que esta é legalmente proibida e punida.
*
Também se provou:
Segundo o certificado do registo criminal, nenhum dos três arguidos tem antecedente criminal em Macau.
Segundo o 1º arguido, ele está desempregado, tem a seu cargo os pais, e tem como a habilitação literária o 5º ano do ensino secundário.
Segundo a 2ª arguida, ela é estudante, não tem encargo familiar e tem como a habilitação literária o ensino universitário.
Segundo o 3º arguido, ele é operário de cortina e recebe mensalmente cerca de dois mil ringgit de Malásia, tem a seu cargo a mãe e tem como habilitação literária o 5º ano do ensino primário.
*
Factos não provados
Não se provaram os restantes factos relevantes constantes da acusação que não se conformam com os factos provados acima referidos, nomeadamente:
Em 11 de Novembro de 2012, pelas 6h39, em T Sauna, o 1º arguido utilizou com sucesso o cartão de crédito falso n.º XXXXXXXXXXXX3247 para pagar a conta de nove mil e trinta e cinco patacas (MOP$9.035,00). (vd. fls. 217 a 220 dos autos)
O 1º arguido sempre mostrava o supracitado passaporte de Singapura falso quando utilizava os cartões de crédito falso”; (cfr., fls. 852 a 854-v).

Do direito

3. Vem os arguidos dos autos recorrer do Acórdão do T.J.B. que os condenou nos termos atrás já explicitados.

E, como cremos que resulta do que se deixou relatado, não discutem os recorrentes a “decisão da matéria de facto”, colocando apenas “questões de direito” relacionadas com a “qualificação jurídico-penal das suas condutas”, a(s) “penas” e “declaração de perdimento”.

Sem mais demoras, vejamos, começando-se pela “qualificação jurídico-penal”.

–– O (1°) arguido recorrente, A, entende que se devia considerar que cometeu apenas um “crime continuado” de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, (em vez de 9), e 1 outro, também continuado, na forma tentada, (em vez de 3).

A (2ª) arguida B, considera também que devia ser apenas condenada pela prática de 1 (só) crime “continuado” de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, (em vez de 3), sendo igualmente o (3°) arguido C de opinião que devia ser condenado como autor de 1 (só) crime continuado, (em vez de 2, um consumado e o outro tentado).

Porém, e como bem nota o Ilustre Procurador Adjunto, não nos parecem adequadas tais pretensões.

Vejamos.

Nos termos do art. 29° do C.P.M.:

“1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

E sobre a matéria em questão teve já este T.S.I. oportunidade de considerar o que segue:

“A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; b) um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas; c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores”; (cfr., Ac. de 27.09.2012, Proc. n.° 681/2012).

Temos também entendido que “o conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, e que, a não verificação de um dos pressupostos da figura do crime continuado impõe o seu afastamento, fazendo reverter a figura da acumulação real ou material”; (cfr., v.g., o Acórdão de 21.07.2005, Proc. n.°135/2005, e recentemente, o Acórdão de 26.07.2013, Proc. n.° 89/2013).

Face ao exposto, inviável é a consideração no sentido de integrar a conduta dos ora recorridos uma continuação criminosa.

O cerne do crime continuado, (o seu “traço distintivo”), está na existência de uma circunstância exterior que diminua, consideravelmente, a culpa do agente.
Na verdade, de harmonia com uma concepção normativa pura da culpa, vê-se nesta não somente uma demonstração da vontade interior, mas ainda, e também, o resultado da situação ambiente exterior.
Ora o agente, na acção penalmente relevante, é motivado não só pelo processo psico-fisiológico de motivação da vontade, mas também pelas reais circunstâncias que, a cada vez, encara.
E, assim, a questão essencial está em saber em que medida a “solicitação externa” diminui a censura que determinada(s) conduta(s) merece(m).
Eduardo Correia, (in “Direito Criminal”, II, pág. 211), refere-se à “disposição exterior das coisas para o facto”, da “existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilita a repetição da actividade criminosa”.
Nesta conformidade, só ocorrerá “diminuição sensível da culpa” do agente, tradutora de uma menor exigibilidade para que o agente actue de forma conforme ao direito, quando essa tal circunstância exógena se lhe apresenta, de fora, não sendo o agente o veículo, através do qual, a oportunidade criminosa se encontra de novo à sua mercê.

Como bem nota P. Pinto de Albuquerque, (in “Comentário do C.P. à luz da Constituição da República”…, pág. 162), “a diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa não há diminuição sensível da culpa. Ao invés, a culpa pode até ser mais grave por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso”.

E, não se pode também olvidar, como refere E. Correia, (ob. cit. pág. 96), que “a experiência e as leis da psicologia ensinam-nos que, em regra, se entre diversos actos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que porventura inicialmente os abrangia a todos se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são já a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo. Daqui resulta então que se deve considerar existente uma pluralidade de resoluções sempre que se não verifique, entre as actividades do agente, uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência normal de vida e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação”; (no mesmo sentido, veja-se o recente Acórdão do T.U.I. de 13.11.2013, Proc. n.° 57/2013).

Aqui chegados, e não nos parecendo que as condutas dos arguidos possam ser qualificadas como a prática do crime de “passagem de moeda falsa” na forma continuada, já que se nos afigura que de todas as vezes que cometeram o crime em questão houve uma “nova decisão”, improcedem os recursos na parte em questão.

–– Quanto às “penas”.

Vejamos.

Com o Acórdão recorrido decidiu-se:
- condenar A, (1°) arguido com os restantes sinais dos autos, como co-autor da prática em concurso real de 9 crimes de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, p. e p. pelos art°s 254°, n.° 1, 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b), todos do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão cada;
- condenar o mesmo arguido como co-autor de 3 crimes de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, na forma tentada, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão para dois deles, e na de 1 ano e 3 meses para o restante; e,
- condenar ainda o mesmo arguido pela prática de 1 crime de “falsificação de documento de especial valor”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. c) e 245° do C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
- em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos 13 crimes, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos de prisão;
- condenar B, (2ª) arguida, como co-autora da prática em concurso real de 7 crimes de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, p. e p. pelo art. 254°, n.° 1, 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão;
- condenar C, (3°) arguido, como co-autor de 2 crimes de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, p. e p. pelo art. 254°, n.° 1, 252°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., um na forma tentada, nas penas de 2 anos e 9 meses e 1 ano e 3 meses de prisão respectivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão.

Ao crime de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador” pelos (3) arguidos cometido cabe a pena de 2 a 12 anos de prisão, (quando consumados), e a de 1 mês a 8 anos quando na “forma tentada”.

E, perante estas molduras legais, atentos os critérios estatuídos nos art°s 40° e 65° do C.P.M., e tendo os arguidos agido com dolo directo e intenso, cremos que evidente é que nenhuma censura merecem as penas parcelares fixadas.

Com efeito, as mesmas encontram-se bem próximas do seu limite mínimo (apenas a 9 meses de deste), sendo até de se considerar benevolentes.

No que toca ao crime de “falsificação de documentos de especial valor”, e sendo a pena para este crime de 1 a 5 anos de prisão, manifesto é também que nenhuma censura merece a decisão recorrida (na parte em questão).

Quanto ao “cúmulo jurídico das penas”, há que ter presente o estatuído no art. 71° do C.P.M., onde se prescreve que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”.

E, no que a esta questão diz respeito, tem esta Instância considerado que “na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.10.2012, Proc. n.° 703/2012, e mais recentemente, de 07.02.2013, Proc. n.° 1010/2012).

No caso, também de forma clara se conclui que excessivos não são as penas únicas fixadas aos arguidos, pois que em total harmonia com o transcrito art. 71° do C.P.M., sendo de considerar as mesmas (aqui) bastante benevolentes, nada havendo a acrescentar.

–– Passa-se agora para a “declaração de perdimento”.

Pois bem, prescreve o art. 101° do C.P.M. que:

“1. São declarados perdidos a favor do Território os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a moral ou ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
2. O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa possa ser punida pelo facto.
3. Se a lei não fixar destino especial aos objectos declarados perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio”.

Por sua vez, estatui o art. 103° do mesmo C.P.M.:

“1. Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Território.
2. São também perdidos a favor do Território, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido directamente adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes.
3. O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
4. Se a recompensa, as coisas, direitos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Território do respectivo valor”.

No caso dos presentes autos, e com o Acórdão ora recorrido declarou-se perdidos a favor da R.A.E.M. “os objectos destinados a servir a prática dos crimes e por estes produzidos”.

E, vem os ora recorrentes recorrer deste segmento decisório, pedindo a “devolução dos seus telemóveis e quantias monetárias” que possuíam, alegando violação do art. 101° do C.P.M..

Ora, cremos que se impõe reconhecer razão aos ora recorrentes.

Com efeito, a factualidade provada nenhuma referência faz aos “telemóveis” dos arguidos, nem tão pouco explicita se as quantias que detinham era resultado (“produto”) dos crimes que cometeram.

Daí, nesta parte, e sem necessidade de outras considerações, procede o recurso.

–– Por fim, vejamos a questão pelo Ilustre Procurador Adjunto suscitada em sede do seu Parecer.

Diz este Ilustre Magistrado que “o tribunal “a quo” qualificou algumas condutas dos recorrentes como prática de crimes de passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador na sua forma tentada” e que de acordo com factualidade provada devem ser tais crimes considerados “consumados” .

Sem embargo do muito respeito por outro entendimento, não cremos que assim seja.

Com efeito, nas situações em questão foi o “pagamento” com os cartões de crédito liminarmente rejeitado, não nos parecendo ter havido “circulação de moeda”.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar parcialmente procedentes os recursos.

Pelo decaimento pagarão os arguidos a taxa de justiça de 10 UCs.

Honorários à Exma. Defensora no montante de MOP$2.500,00.

Macau, aos 12 de Dezembro de 2013

________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator)

_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 696/2013 Pág. 36

Proc. 696/2013 Pág. 35