ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
Veio o Advogado estagiário Dr. B, como defensor de A, detido à ordem do Comissariado contra a Corrupção, requerer a providência de habeas corpus do detido, com os seguintes fundamentos:
1. No dia 6 de Dezembro de 2006, pelas 11h45 da noite, o agente do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) C, seguido por vários outros agentes do comissariado, dirigiu-se ao [Endereço] (domicílio do arguido A), onde deteve o arguido A, depois de ter exibido o mandado de detenção emitido pelo adjunto do CCAC D. O arguido tem sido preso até à presente data.
2. O respectivo mandado de detenção foi emitido pelo adjunto do CCAC D na qualidade de autoridade de polícia criminal de Macau,
3. No qual se indicou que o arguido A era suspeito de ser membro de sociedade secreta, crime esse que vem previsto no artigo 1.º, n.º 1, alínea p) e n.º 2 da Lei n.º 6/97/M.
4. No entanto, neste mandado de detenção não se referiu que há fortes indícios de que o arguido tivesse praticado o crime acima mencionado.
5. Nos termos do artigo 240.º, n.º 2 do CPPM, as autoridades de polícia criminal só podem ordenar a detenção fora de flagrante delito por iniciativa própria, quando estiverem reunidos os três requisitos a seguir expostos: a) se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva; b) existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga; e c) não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária.
6. O tal caso em que é admissível a prisão preventiva referido na alínea a) do artigo anterior não será simplesmente preenchido quando a pena que venha a ser condenada é superior a três anos, tal como referido no mandado de detenção, antes devem ser preenchidos os requisitos geral e especial previstos nos artigos 186.º e 188.º do CPPM (cfr. o Código de Processo Penal de Macau, Manuel Leal – Henriques, fls. 537).
7. Ao abrigo do art. 186.º, exige-se os indícios fortes da pratica de crime doloso punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos.
8. No entretanto, o mandado de detenção limita-se a indicar que o arguido era suspeito de praticar o crime, sem ter apontado indícios fortes da prática dolosa do supradito crime.
9. Além disso, o mandado de detenção não mencionou o preenchimento do requisito geral previsto pelo art. 188.º.
10. Portanto, o supradito mandado de detenção não está conforme com o art. 240.º n.º 2 alínea a).
11. Ainda mais, nos termos do art. 240.º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Penal de Macau, só quando existirem elementos que tornem fundado o receito de fuga, as autoridades de polícia criminal podem ordenar a detenção.
12. No entanto, este mandado de detenção apenas referiu que o arguido fugiu por ter medo de punição ou pretendeu escapar às pressões diversas, o que não é bem fundado, sendo uma mera suspeita.
13. Pelo que isso não corresponde ao art. 240.º n.º 2 alínea b).
14. Ademais, o mandado de detenção também não corresponde ao art. 240.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, pelas seguintes razões:
15. O dia 6 de Dezembro de 2006 é o dia de expediente do Ministério Público e Juízo de Instrução Criminal. Naquele dia, o Comissariado contra a Corrupção absolutamente tiveram tempo suficiente para entregar o processo junto ao M.º P.º ou ao J.I.C de forma que estes emitissem o mandado de detenção após sua análise dos autos.
16. Porém, o C.C.A.C sem ter cumprido de tal forma, emitiu o mandado de detenção nos termos do art. 240.º n.º 2 alínea c).
17. Mas o requerente considerou que não existiu o supradito carácter urgente, pois sendo ontem o dia de expediente do M.º P.º e J.I.C, o C.C.A.C como tinha realizado o inquérito por longo período, tem absolutamente tempo para requerer junto ao M.º P.º e ao J.I.C.
18. No mandado de detenção, indica-se que não se consegue comunicar à P.J atempadamente, o que obviamente não corresponde à situação real.
19. Portanto, o mandado de detenção emitido pelo adjunto do Comissariado contra a Corrupção D, obviamente não corresponde ao art. 240.º n.º 2 alínea c) do Código Penal de Macau.
20. Face aos termos expostos, o mandado de detenção emitido pelo adjunto do comissariado contra a corrupção D obviamente não preenche todos os requisitos do art. 240.º n.º 2 do Código de Processo Penal de Macau.
21. Portanto, não é legal o mandado de detenção emitido pelo adjunto do Comissariado contra Corrupção, pelo que é considerado emitido pela autoridade incompetente, o que corresponde ao art. 206.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal.
II – Fundamentação
Como se retira dos fundamentos invocados pelo detido, transcritos atrás, este limita-se a invocar irregularidades do mandado de detenção.
Ora, os fundamentos para habeas corpus em caso de detenção por qualquer autoridade, são apenas os seguintes:
a) Estar excedido o prazo de entrega ao poder judicial;
b) Manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos;
c) Ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
d) Ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei não permite (204.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Irregularidades do mandado de detenção – que aqui não cabe apreciar - não são fundamento para habeas corpus, devendo ser suscitadas perante a entidade a que o detido vier a ser presente.
É certo que o requerente veio alegar que o mandado foi emitido por autoridade incompetente por o mesmo não ser legal.
Mas não é assim. O facto de o mandado de detenção poder conter irregularidades, não transforma a sua emissão em prática de acto por entidade incompetente.
E, a verdade é que o Adjunto do Comissariado contra a Corrupção é considerado autoridade de polícia criminal (arts. 31.º, 28.º e 19.º da Lei n.º 10/2000)) podendo ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, quando:
a) Se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva;
b) Existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga; e
c) Não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária. (art. 240.º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
O mandado de detenção considera que o detido é suspeito da prática crime de corrupção activa p. e p. pelo artigo 339.º, n.º 1 do Código Penal e crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo artigo 1.º, n.º 1, alínea p) e artigo 2.º da Lei n.º 6/97/M.
O último crime é doloso e punível com pena com limite máximo superior a 3 anos de prisão, pelo que pode ser aplicada a medida de prisão preventiva [art. 186.º, n.º 1, alínea a) Código de Processo Penal].
No mandado invoca-se ainda o perigo de fuga e que não foi possível comunicar à autoridade judiciária, pelo que estão preenchidos todos os requisitos para a detenção fora de flagrante delito por autoridade de polícia criminal.
Não há, pois, fundamento para habeas corpus, por a detenção ter sido efectuada por entidade competente, sendo o requerimento manifestamente infundado.
III – Decisão
Face ao expendido, indefere-se a providência de habeas corpus, por manifestamente infundada.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC e condenando-se o mesmo no pagamento de cinco mil patacas por o requerimento ser manifestamente infundado (art. 205.º, n.º 4 do Código de Processo Penal).
Fixa-se o prazo de 5 dias para junção da procuração e ratificação do processado por parte do detido (art. 82.º do Código de Processo Civil).
Notifique o Requerente, o seu Defensor e o Comissariado Contra a Corrupção.
Macau, 07 de Dezembro de 2006.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
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Processo n.º 49/2006