Processo nº 288/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 27 de Fevereiro de 2014
ASSUNTO
- Responsabilidade civil da clínica privada
- Ónus da prova
SUMÁRIO
- A responsabilidade civil por actos ou omissões na prestação de cuidados de saúde por entidades privadas tem natureza extracontratual e contratual e o lesado pode accionar o médico ou o hospital privado com base na responsabilidade civil contratual ou extracontratual, correndo os riscos da sua opção.
- No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, todos os pressupostos da responsabilidade (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal entre o facto e o dano) devem ser provados pelo lesado, autor da acção de responsabilidade, na medida em que são factos constitutivos do direito alegado.
Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 288/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 27 de Fevereiro de 2014
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: Associação de Beneficência do Hospital B (Ré)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 26/06/2009, foi decidido julgar improcedentes os pedidos do Autor, A, deles absolvendo-se a Ré, Associação de Beneficência do Hospital B.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. A decisão recorrida julgou improcedente o pedido do Autor por considerar não verificado o nexo de causalidade entre a conduta dos profissionais de saúde e os danos emergentes na esfera jurídica do autor e porque o autor não logrou provar que os médicos deveriam ter optado por outra via, na intervenção no caso em apreço.
II. Uma leitura sequencial da alínea e) da especificação e da resposta aos quesitos 24ºA, 24ºB e 19º, pela ordem indicada, permite-nos desvendar o nexo de causalidade entre a intervenção dos médicos e os danos verificados na esfera do autor.
III. O autor mantém o pedido de indemnização de MOP$450,000.00 (quatrocentas e cinquenta mil patacas) pelos danos patrimoniais sofridos.
IV. O autor reitera o pedido de condenação da Ré no pagamento de MOP$2,500,000.00 (dois milhões e quinhentas mil patacas) pelos danos morais que sofreu.
V. De acordo com o entendimento sufragado no Acórdãos do STJ, de 17 de Dezembro de 2002, é o médico que está em condições de provar que agiu sem culpa.
VI. Do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 23/2005 do TUI, pode deduzir-se que ao caso se deve aplicar o regime da responsabilidade civil contratual.
VII. O Autor está dispensado de provar a exist6encia de culpa na conduta dos Réus (art. 788º/1 do Código Civil). Inverte-se o ónus da prova.
VIII. A decisão recorrida violou, ao proceder à sua aplicação, o artigo 335º/1 do Código Civil, o qual dispõe que a prova dos factos constitutivos do direito cabe a quem faça a sua invocação.
IX. Violou, ainda, a norma do artigo 788º/1 do mesmo Código, ao não proceder à sua aplicação. Norma que impõe ao infractor a prova de que a falta de cumprimento, ou cumprimento deficiente, não procede de culpa sua.
X. E isto porque, tratando-se no caso de responsabilidade civil contratual, o tribunal recorrido resolveu o litígio através da aplicação de uma norma que não tinha aplicação ao caso.
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A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 408 a 426 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. A Ré é proprietária do estabelecimento hospitalar denominado “Hospital B” (alínea A) da Especificação).
2. Em 3 de Maio de 1996 e em consulta externa da especialidade de urologia no “Hospital B”, foi recomendado ao Autor a laqueação da veio espermática esquerda, submetendo o Autor a uma intervenção cirúrgica (alínea B) da Especificação).
3. Em 10 de Junho de 1996 e em ordem a submeter o Autor à referida intervenção, foi o mesmo sujeito a exames bioquímicos de sangue na mesma unidade hospitalar (alínea C) da Especificação).
4. Em 13 de Junho de 1996, o Autor foi internado no “Hospital B” havendo assinado um documento de internamento e outro autorizando a intervenção cirúrgica (alínea D) da Especificação).
5. Em 14 de Junho de 1996, foi-lhe feita a intervenção cirúrgica de laqueação da veia espermática esquerda, com corte no inguinabdominal inferior esquerdo (alínea E) da Especificação).
6. Entre 14 e 21 de Junho de 1996, o Autor ficou internado no “Hospital B” para tratamento pós-operatório (alínea F) da Especificação).
7. Entre 14 e 18 de Junho de 1996 foi ministrado ao Autor, com uma posologia de 0,75 gramas, por gotas, duas vezes por dia, o antibiótico “Zinacef” (alínea G) da Especificação).
8. Alterado em 19 de Junho de 1996 para o antibiótico “Tarivid”, ministrado por via oral (alínea H) da Especificação).
9. O Autor teve alta em 21 de Junho de 1996 (alínea I) da Especificação).
10. Em 24 de Junho de 1996, em consulta externa no “Hospital B” foi diagnosticado ao Autor edema no escroto (alínea J) da Especificação).
11. E ministrado o antibiótico “Velosef”, por via oral, numa posologia de 0,75g, 4 vezes por dia, por um total de quatro dias, até 28 de Junho de 1996 (alínea K) da Especificação).
12. Em 1 de Julho de 1996, em consulta externa no referido hospital, verificava-se inchaço no escroto e testículo esquerdos (alínea L) da Especificação).
13. Havendo-lhe sido ministrado um tratamento de água morna (alínea M) da Especificação).
14. Em 8 de Julho de 1996, em consulta externa no referido hospital, verificavam-se melhoras no edema do escroto esquerdo (alínea N) da Especificação).
15. Como tratamento de tal situação clínica foi-lhe ministrado tratamento por água morna (alínea O) da Especificação).
16. Em 26 de Julho de 1996, regressado à consulta externa, foi diagnosticado o desaparecimento do edema do escroto esquerdo (alínea P) da Especificação).
17. A partir de 26 de Julho de 1996, o Autor foi dado como curado e não mais regressou ao referido estabelecimento hospitalar para qualquer consulta externa relacionada com a intervenção (alínea Q) da Especificação).
18. A Ré marcou ao Autor consulta da especialidade de urologia, para o dia 29 de Fevereiro de 2000, onde lhe foi aconselhado exame de ultra-sonografia de tipo B e de sémen no “Hospital B” (alínea R) da Especificação).
19. Ao que o Autor se recusou (alínea S) da Especificação).
20. Em data anterior a 2 de Maio de 1996, o Autor sentia dores no abdómen inferior, no escroto esquerdo, no púbis superior e inferior e na urinação (Resposta ao quesito 1º).
21. Em consulta médica no “Hospital B” no dia 2 de Maio de 1996, foi-lhe diagnosticada varicosidade na veia espermática esquerda, que tem por sintomas locais a dilatação e torcimento da veia e a coagulação do sangue no seu interior, no epidídimo-orgão do aparelho genital masculino, constituído pelo enrolamento do canal semínifero, onde se originam as células sexuais masculinas e por onde são conduzidas para o testículo correspondente (Resposta ao quesito 2º).
22. Atendendo ao estado da técnica médica e às condições das diversas unidades hospitalares na maior pare do mundo, para o tratamento da varicosidade da veia espermática, e à data de 14.06.1996, faziam-se três tipos de intervenção cirúrgica:
a) Laqueação na parte superior da veia espermática ou inguinal superior, intervenção de “tipo aberto” ou “abdominoscópio”;
b) Laqueação da veio no inguinabdominal;
c) Laqueação e/ou corte da veia no inguinadominal inferior, intervenção de “tipo aberto” ou “abdominoscópio” (Resposta ao quesito 3º).
23. O chamado C foi o médico responsável pela intervenção cirúrgica e pelo tratamento pós-operatório do Autor (Resposta ao quesito 9º).
24. O antibiótico referido em G) dos factos assentes foi ministrado por via oral (Resposta ao quesito 10º).
25. Em data não apurada, o Autor verificou que o seu testículo esquerdo estava gradualmente a diminuir de tamanho (Resposta ao quesito 18º).
26. O Autor deslocou-se à Segunda Clínica do Hospital de XXX onde lhe foi diagnosticada atrofia do testículo esquerdo (Resposta ao quesito 19º).
27. A situação era irreversível (Resposta ao quesito 20º).
28. Afectaria o volume de produção de sémen (Resposta ao quesito 21º).
29. Afectaria a capacidade reprodutora do Autor (Resposta ao quesito 22º).
30. Um corte ou laqueação da artéria espermática (testicular) leva à imediata ausência de irrigação sanguínea e o testículo inicia imediatamente a sua necrose (morte dos tecidos) (Resposta ao quesito 24º-A).
31. Da morte dos tecidos resulta a Fibrose do órgão e a sua atrofia (Resposta ao quesito 24º-B).
32. O chamado C prestava serviço médico no “Hospital B” (Resposta ao quesito 25º).
33. O tratamento de água morna referida em M) e O) dos factos assentes foi recomendado pelo chamado D, médico no “Hospital B” (Resposta ao quesito 26º).
34. A atrofia total do testículo esquerdo está classificada como uma incapacidade permanente parcial avaliada em 10% (fls. 55) (Resposta ao quesito 28º).
35. O actual aspecto estético dos seus órgãos genitais afecta a vida social do Autor (fls. 253 a 254) (Resposta ao quesito 29º).
36. O humor do Autor alterou-se (Resposta ao quesito 31º).
37. O Autor tem ataques de mau génio (Resposta ao quesito 32º).
38. O Autor trabalharia, pelo menos, até perfazer sessenta anos (Resposta ao quesito 35º).
39. O Autor necessita de recurso a um tratamento psiquiátrico adequado (Resposta ao quesito 36º).
40. Os chamados prestaram ao Autor os serviços médicos necessários (Resposta ao quesito 37º).
41. Mediante retribuição prestada pelo Autor (Resposta ao quesito 38º).
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III – Fundamentação
1. Do regime aplicável: contratual ou extracontratual:
Por Acórdão de 18/01/2006, proferido no Proc. nº 23/2005, foi fixada a seguinte uniformização de jurisprudência:
“A responsabilidade civil por actos ou omissões na prestação de cuidados de saúde em estabelecimentos públicos aos utentes referidos no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 24/86/M, de 15 de Março, tem natureza extracontratual”.
Entende o Autor, ora recorrente, que da referida uniformização de jurisprudência “pode deduzir-se que ao caso se deve aplicar o regime da responsabilidade civil contratual”.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão, pois a transcrita uniformização da jurisprudência não implica necessariamente que a responsabilidade civil por actos ou omissões na prestação de cuidados de saúde em estabelecimentos privados tem sempre a natureza contratual.
Na verdade, o TUI, por Acórdão de 13/11/2013, proferido no Proc. nº 34/2013, entendeu que:
“...Embora os dois regimes de responsabilidade coincidam em grande parte dos respectivos regimes, designadamente nos respectivos pressupostos, há áreas em que os mesmos regimes divergem. São estas, fundamentalmente, as seguintes:
a) A culpa presume-se na responsabilidade contratual (artigo 788.º do Código Civil; todas as normas citadas sem indicação da fonte referem-se ao Código Civil vigente), mas não na responsabilidade extracontratual (artigo 477.º, n.º 1);
b) A responsabilidade extracontratual tem prazos de prescrição mais curtos (artigo 491.º) que o da responsabilidade contratual, que é o geral (artigo 302.º);
c) É diverso o regime da responsabilidade por actos de terceiro (artigos 789.º e 493.º);
d) Em caso de pluralidade de responsáveis na responsabilidade civil contratual só existe solidariedade se a obrigação violada tinha natureza solidária (artigo 506.º), enquanto na responsabilidade extracontratual o regime é o da solidariedade (artigo 490.º);
e) Na responsabilidade extracontratual pode ser graduada equitativamente a indemnização em caso de mera culpa (artigo 487.º) ou de responsabilidade pelo risco (artigo 492.º), o que a lei não prevê para a responsabilidade contratual;
f) Regras de conflitos diversas (artigos 40.º, 41.º e 44.º).
Vejamos, então qual o regime de responsabilidade civil aplicável à actividade médica privada.
De entre as teses possíveis para solucionar o problema, atrás mencionadas, não encontrámos nenhum autor que defenda ser aplicável no caso o regime da responsabilidade extracontratual, independentemente da vontade do lesado, autor da acção de responsabilidade.
Já a tese que entende ser aplicável sempre e só a responsabilidade contratual tem actualmente como defensor XXX. Entende este Professor que ocorre um concurso aparente de responsabilidade contratual e de responsabilidade extracontratual, estando estas duas formas de responsabilidade numa relação de especialidade, pelo que o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual.
Mas esta solução é de rejeitar. Como afirma XXX, com o contrato se não exclui o dever geral de não ofender os direitos ou interesses alheios protegidos pelas regras da responsabilidade delitual.
O sistema da acção híbrida, em que o lesado pode escolher de entre os dois regimes, aquelas normas que mais lhe conviessem, assim compondo e criando um sistema híbrido, era a solução proposta por XXX, embora com algumas ressalvas, nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, e tinha alguns seguidores no direito comparado. O Código Civil não veio a acolher tal proposta.
Tem contra ela a circunstância de a lei não prever nenhum sistema híbrido, pelo que não pode ser uma parte, unilateralmente, a criá-lo.
Mas a tese que, de longe, reúne actualmente, a preferência dos autores é a que deixa nas mãos do lesado a escolha do regime, correndo o risco da opção que faça.
Na verdade, o legislador do Código Civil de Macau, tal como o do Código Civil de 1966, não tomou partido na contenda doutrinal.
Ora, se o facto integra as duas formas de responsabilidade, face ao princípio dispositivo, é ao autor que cabe definir qual a causa de pedir da acção (artigo 5.º do Código de Processo Civil), alegando os factos que integram a mesma.
Como ensina XXX é monopólio do autor a indicação dos factos principais que integram a causa de pedir da acção.
Logo, é o autor que alega o título jurídico no qual baseia a acção, também como decorrência do princípio da autonomia da vontade, correndo os riscos da sua opção.”.
Como se vê, a responsabilidade civil por actos ou omissões na prestação de cuidados de saúde por entidades privadas tem natureza extracontratual e contratual e o lesado pode accionar o médico ou o hospital privado com base na responsabilidade civil contratual ou extracontratual, correndo os riscos da sua opção.
No caso em apreço, analisada a petição inicial, afigura-se que o Autor optou pelo regime da responsabilidade civil extracontratual, pois para além de não ter alegado factos demonstrativos da existência da relação contratual entre ele e a Ré, estruturou a causa de pedir nas acções ou omissões ilícitas e culposas da Ré e do seu agente com as quais lhe causaram prejuízos patrimoniais e morais (vide os artºs 13º, 31º a 39º e 48º da petição inicial).
Além disso, a Ré, na contestação, suscitou a excepção da prescrição do direito de acção para responsabilidade civil extracontratual nos termos do artº 491º, nº 1 do CCM, tendo o Autor, em vez de defender a prescrição ordinária para a responsabilidade contratual nos termos do artº 302º do CCM, concordado que o prazo da prescrição é de 3 anos, só que ele apenas tomou conhecimento do direito que lhe assiste e da pessoa responsável em 25/02/2000 (v. artº 4º a 6º da réplica).
Não ignoramos que após a invocação da supra referida excepção, o Mmº Juíz titular do processo determinou oficiosamente notificar as partes para esclarecerem em qual o tipo de relação estabelecida entre as mesmas da qual veio a realizar a intervenção cirúrgica e os tratamentos pós-operatórios, e em resposta ao ordenado, veio o Autor, pela primeira vez, dizer de forma conclusiva, isto é, sem alegar factos demonstrativos da sua existência, que os serviços médicos prestados pela Ré se baseavam num contrato de prestação de serviços (vide fls. 123 e 127 dos autos).
Contudo, não nos parece que esta última afirmação do Autor releve para a determinação do regime da responsabilidade civil aplicável ao caso sub justice, por duas ordens de razões:
A primeira consiste na falta de alegação de factos concretos e demonstrativos da existência da relação contratual entre ele e a Ré.
A segunda consiste no princípio da estabilidade da instância previsto no artº 212º do CPCM, nos termos do qual “Citado o réu, a instância deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidade de modificação consignadas na lei”.
Pelo exposto, é de concluir que o Autor optou pelo regime da responsabilidade civil extracontratual no caso sub justice.
É, assim, o regime da responsabilidade civil extracontratual que se aplica.
Sendo o regime de responsabilidade civil extracontratual aplicável ao caso, é de se aplicar as regras gerais do ónus da prova, previstas nos artigos 335.º a 337.º do Código Civil, a saber:
- Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (artº 335.º, n.º 1).
- A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (artº 335.º, n.º 2).
- Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (artº 335.º, n.º 3).
As regras anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine (artº 337.º, n.º 1).
Para o Autor, uma leitura sequencial do facto assente na al. E) da especificação e dos provados com os quesitos 24ºA, 24ºB e 19º, permite concluir a existência do nexo de causalidade entre a intervenção cirúrgica e os danos causados ao Autor.
Esses factos são:
1. Em 14 de Junho de 1996, foi-lhe feita a intervenção cirúrgica de laqueação da veia espermática esquerda, com corte no inguinabdominal inferior esquerdo (alínea E) da Especificação).
2. Um corte ou laqueação da artéria espermática (testicular) leva à imediata ausência de irrigação sanguínea e o testículo inicia imediatamente a sua necrose (morte dos tecidos) (Resposta ao quesito 24º-A).
3. Da morte dos tecidos resulta a Fibrose do órgão e a sua atrofia (Resposta ao quesito 24º-B).
4. O Autor deslocou-se à Segunda Clínica do Hospital de XXX onde lhe foi diagnosticada atrofia do testículo esquerdo (Resposta ao quesito 19º).
Perante os factos supra transcritos, admitimos que a atrofia do testículo esquerdo do Autor resultou da intervenção cirúrgica de laqueação da veia espermática esquerda, com corte no inguinabdominal inferior esquerdo.
Provado portanto o nexo da causalidade entre o facto e o dano.
Mas isto não é suficiente para exigir a responsabilidade civil extracontratual da Ré, já que há-de provar ainda, cumulativamente, outros pressupostos, a saber: a ilicitude e a culpa.
Como é sabido, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual todos os pressupostos da responsabilidade (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal entre o facto e o dano) devem ser provados pelo lesado, autor da acção de responsabilidade, na medida em que são factos constitutivos do direito alegado.
A fim de se apurar a eventual ilicitude e culpa da Ré, foram seleccionados os seguintes quesitos para a base instrutória:
6º
Atendendo ao estado da técnica à data da intervenção e ao estado clínico do A, ponderando as vantagens dos diversos tipos de intervenção, o respectivo grau de perigosidade, tempo de intervenção, riscos na administração de anestésicos e grau de probabilidade de aparecimento de complicações pós-operatórias e resultados clínicos obtidos, impunha-se que lhe fosse feita uma intervenção de tipo aberto na parte superior do inguinal?
7º
Devido à ignorância de qual o tipo de intervenção cirúrgica que se impunha no caso, o chamado C optou pela laqueação e/ou corte da veia no inguinabdominal inferior, por intervenção de “tipo aberto” ou “abdominoscópio”?
8º
Essa operação cirúrgica só é aconselhada para os casos de recorrência de varicosidade da veia espermática que determina uma longa duração da intervenção, uma maior dimensão da área operada, com os consequentes maiores riscos de complicações pós operatórias e inflamações?
11º
A utilização dos antibióticos foi inadqueada para combater as inflamações e complicações pós-operatórias?
12º
E agravou o processo de cicatrização?
13º
Deveria ter sido ministrado um antibiótico mais reactivo, de largo esperctro, administrado de cinco a sete dias, numa primeira fase, por via intravenosa?
14º
Dever-se-ia ter continuado a ministrar o mesmo antibiótico, numa segunda fase, por via oral, por um período de sete a catorze dias?
15º
Era desaconselhada a administração do antibiótico por via oral, numa primeira fase?
16º
Era desaconselhada a alteração do antibiótico ministrado excepto se efectivamente provado que o mesmo é ineficaz?
17º
Os tratamentos referidos em M) e O) dos factos assentes eram insuficientes para combater a inflamação, sendo necessário tomar outras medidas de forma a atenuar a vulnerabilidade da complicação, como a continuação de administração de antibiótico?
Realizado o julgamento, todos os supra quesitos foram considerados como não provados.
O Autor não impugnou a decisão da matéria de facto.
Nesta conformidade, não estando provada a ilicitude e culpa da Ré, não resta outra alternativa que não seja a improcedência da acção.
Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pelo Autor, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao mesmo.
Honorários do patrono oficioso no montante de MOP$6.000,00.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 27 de Fevereiro de 2014.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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288/2010