Processo nº 355/2008
(Autos de recurso contencioso)
Data: 27/Fevereiro/2014
Assunto: Contratação de trabalhadores não residentes
Erro sobre os pressupostos de facto
Exercício de poderes discricionários
Erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários
SUMÁRIO
- Mostrando-se inscritos na Bolsa de Emprego residentes à procura do cargo de empregados de mesa, se o recorrente não logrou oferecer prova concreta de que não havia em Macau trabalhadores locais para satisfazer a procura daquelas funções, antes pelo contrário se constata ter a recorrente criado obstáculos para o sucesso da oferta de contratação de residentes, não há erro nos pressupostos de facto na decisão que indeferiu o pedido de contratação, por transferência, de trabalhadores não residentes.
- É conferido à Administração, no exercício dos seus poderes discricionários, o poder ou a liberdade de escolher, de entre uma série de soluções possíveis, aquela que lhe pareça melhor para o caso concreto, a fim de satisfazer a necessidade e o interesse públicos legalmente previstos.
- Tendo sido autorizada à recorrente a contratação de 31 trabalhadores não residentes, entre os quais 15 para empregados de mesa, e por outro lado, havendo disponibilidade de mão-de-obra residentes, além do mais provado ficou que a recorrente não se empenhou em dar preferência à contratação de trabalhadores locais, o acto em crise que indeferiu a contratação de mais trabalhadores, fundado na defesa dos interesses dos trabalhadores locais, não é desrazoável.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 355/2008
(Autos de recurso contencioso)
Data: 27/Fevereiro/2014
Recorrente:
- A´s of Chicago Macau Limitada
Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A´s of Chicago Macau Limitada, sociedade constituída em Macau, melhor identificada nos autos, notificada do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 18 de Abril de 2008, que indeferiu o pedido de contratação, por transferência, de 20 trabalhadores não residentes para exercerem as funções de empregados de mesa no Restaurante A´s the Steak House, vem interpor o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, em cujas alegações facultativas formulou as seguintes conclusões:
- A entidade recorrida indeferiu a pretensão da recorrente no que concerne à contratação por transferência de 20 trabalhadores não residentes para ocuparem o cargo de empregados de mesa, “considerando a proporção dos trabalhadores não residentes nas instalações do requerente, este já foi concedido proporcionalmente, a contratação de trabalhadores não residentes por isso neste momento, o requerente não preenche as condições para a concessão de novas quotas de trabalhadores não residentes”;
- A recorrente é uma sociedade que tem por objecto a exploração e gestão de restaurantes, encontrando-se a explorar em Macau, o Restaurante A’s the Steak House, desde 28 de Agosto de 2007, o qual está localizado no Hotel B da Taipa e ocupa uma área de cerca de 9000 pés quadrados, com capacidade para receber 235 clientes no restaurante, nas salas privadas e no bar e funciona ininterruptamente, ao longo dos 365 dias do ano, das 3h da tarde à 1h da manhã;
- Os mais de 76 Restaurantes A’s the Steak House caracterizam-se pela manutenção do seu estilo próprio e tão especial, na decoração do espaço, na hospitalidade e na comida de elevada qualidade que servem aos seus clientes, encontrando-se ao longo destes 30 anos referenciados como um dos melhores e mais populares restaurantes do mundo, cuja especialidade são os bifes, sendo certo que, todas as refeições são fornecidas com um serviço de luxo;
- O estilo que a empresa recorrente trouxe para Macau é o mesmo que o de todos os outros Restaurantes A’s the Steak House do mundo: luxuoso, confortável, com uma decoração muito elegante, uma hospitalidade de renome, primando-se pelo atendimento de todos os seus clientes com um elevado nível de requinte;
- Para corresponder às necessidades que lhe são impostas pela sua missão de receber todos os seus clientes com um elevado nível de requinte – sem olvidar as obrigações contratuais e legais a que se encontra vinculada, nomeadamente, no que concerne ao horário de trabalho, descanso semanal, feriados, etc. – o Restaurantes A’s the Steak House atribuí ao seu pessoal um horário por turnos;
- Tendo em consideração a manutenção da excelência da hospitalidade de que se pauta e prima, cada um dos seus empregados não deve servir mais do que 3 meses de clientes. Pelo que se estima que o número de empregados de mesa de que necessita ao seu serviço não é inferior a 35;
- No caso em concreto, a contratação de trabalhadores não residentes, i) é devida por inexistência e/ou insuficiência de trabalhadores residentes aptos a prestar trabalho em condições de igualdade de custos e de eficiência, ii) é limitada temporalmente, iii) não contribui de forma alguma para a redução dos direitos laborais dos residentes ou de quaisquer outros trabalhadores, iv) não provoca, directa ou indirectamente, a cessação, sem justa causa, de contratos de trabalho, v) não foram detectadas quaisquer violações ou omissões previstas no Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e Despacho n.º 49/GM/88 de 16 de Maio, as quais seriam susceptíveis de afastar qualquer ponderação favorável na concessão da autorização de importação de mão-de-obra de trabalhadores não residentes;
- O referido despacho incorre no vício de violação da Lei, porque não obstante não ter aferido dos requisitos de aplicabilidade das supra referidas disposições legais, não teve em consideração os “…sectores de actividade económica, consoante as necessidades do mercado, a conjuntura económica e as tendências de crescimento sectoriais”, conforme prevê o disposto no n.º 4 do artigo 9º da Lei n.º 4/98/M, no qual se estipula mais um critério segundo o qual pode ser definido o recurso é prestação de trabalho por trabalhadores não residentes;
- O despacho constante do acto recorrido, viola claramente a ratio legis da Lei n.º 4/98/M, no Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e no Despacho n.º 49/GM/88 de 16 de Maio;
- A génese das disposições legais supra mencionadas não se prendem unicamente com critérios de proporcionalidade entre a contratação de trabalhadores residentes e não residentes, pois se assim fosse, o mesmo seria dizer que uma empresa ficaria à mercê da disponibilidade da mão-de-obra local oferecida e não aquela que fôra designada pelos seus próprios critérios selectivos;
- A decisão recorrida não tem em conta a realidade actual, que não é minimamente comparável com a realidade do passado, pois o célere desenvolvimento que Macau tem sofrido nestes últimos anos tem sido nota de destaque mundial, levando a que o investimento se acentue de dia para dia e a mão-de-obra se escasseie do mesmo modo, uma vez que a procura é muito superior à da oferta;
- Para se acompanhar e apoiar o desenvolvimento é necessário que se facultem alicerces que suportem todos quantos aqui depositem a sua marca de confiança;
- Conforme se prevê no n.º 3 do art.º 2º da Lei n.º 4/98/M de 27 de Julho “A política de emprego deve ser coordenada com as demais políticas socioeconómicas, na prossecução dos objectivos enunciados na presente lei.”
- Um dos objectivos enunciados na referida lei é o da contratação de recursos humanos locais (cfr. art.º 9º da Lei 4/98/M), e se uma das necessidades socioeconómicas tem sido a especialização de mão-de-obra (primordialmente em determinadas áreas da restauração), serão necessárias medidas de instrumentalização para que a coordenação das duas seja possível. Coisa que não se tem verificado!
- O acto recorrido padece do vício de violação de lei, porquanto estão preenchidos, no pedido efectuado pela recorrente, os requisitos legais para o deferimento do pedido e os mesmos não foram observados pela autoridade recorrida – cfr. art.ºs 1º, 2º, 5º, 9º alínea d) do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e art.ºs 1º e 2º, alíneas b.1), b.2) e b.4) do Despacho n.º 49/GM/88 de 16 de Maio, art.ºs 3º, 4º, 5º e 7º do CPA e art.ºs 4º, 8º, 11º, 25º, 35º, 40º, 41º, 43º, 103º, 114º e 115º da Lei Básica da RAEM;
- A actividade que a recorrente desenvolve é a de exploração em Macau, de um dos restaurantes de luxo mais bem referenciados internacionalmente, que absorve com o seu nome uma série de serviços que não podem ser descurados sob pena de se prejudicar toda uma cadeia de restaurantes com o mesmo nome;
- A recorrente não descuidou das obrigações legais, tendo inclusivamente, ainda que sem sucesso, desencadear todos os esforços que estavam ao seu alcance para a contratação de trabalhadores locais;
- A recorrente depara-se com a escassez e indisponibilidade de mão-de-obra em Macau, não lhe sendo permitida a transferência de mão-de-obra que se pretende;
- Da contestação da entidade recorrida decorre um único argumento: a existência de uns meros 160 desempregados em Macau, mas não resulta da mesma que esses 160 desempregados preenchem os requisitos para trabalhar no estabelecimento de luxo da recorrente que requer qualificação superior. Administração não dá, portanto, outra a solução à recorrente que não passe por encerrar a sua actividade em Macau por escassez de mão-de-obra;
- No caso sub Júdice estamos perante uma situação em que cabia à Administração escolher uma conduta condicionada ao preenchimento de conceitos integrantes do interesse público subjacente à concessão ou denegação da autorização de contratação de mão-de-obra não residente, aqui valorados em função do cumprimento das leis da RAEM, cuja observância é condição essencial do deferimento do pedido;
- A lei, ao conferir os poderes discricionários, pretende que eles sejam exercidos em face da existência de certas circunstâncias cuja apreciação conduza o agente a optar, entre as várias decisões possíveis, aquela que considere mais adequada à realização do fim legal, daí que se a decisão se fundamentar numa falsa ideia sobre os factos, se estes não existirem nos termos supostos, a lei acaba por ser violada no seu espírito;
- E não se deixa de reconhecer que a sindicabilidade do preenchimento do conceito de “proporcionalidade” e sua avaliação podem ser laboradas em erro, exactamente se aquelas circunstâncias se não verificarem;
- A Administração, perante a comprovada inexistência do mão-de-obra local que cumpra os requisitos para ocupar os mencionados cargos, mesmo assim, entendeu indeferir a almejada autorização de contratação quotas para contratação de trabalhadores não residentes, pelo que não lhe seriam concedidas mais para que esse número não fosse superior ao número de trabalhadores residentes também contratados;
- Torna-se difícil configurar o absurdo que é limitar a possibilidade de contratação de trabalhadores não residentes ao número de trabalhadores locais, mesmo em situações que o mercado local não oferece a mão-de-obra que cumpra com os requisitos, para o exercícios das funções que os empregadores pretendem, condicionando apenas essa possibilidade ao facto dos interessados terem a trabalhar para si mais trabalhadores residentes do que não residentes!
- Essa homogeneidade é conveniente, mas a ela terão que acrescer circunstâncias ponderosas e determinantes, tais como o interesse do desenvolvimento económico e social harmonioso e integrado da RAEM;
- A decisão ora posta em crise demonstra uma total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, que pressupõe a violação dos princípios de justiça, imparcialidade, igualdade e proporcionalidade na decisão proferida ao restringir a contratação de trabalhadores não residentes, sem que se apresentem soluções que garantam as necessidades de mão-de-obra da recorrente;
- A recorrente tem ao seu serviço trabalhadores locais, pois sempre que estes satisfazem os requisitos para o preenchimento de vagas da empresa, são os que prioritariamente são escolhidos em preterição da importação de trabalhadores não residentes;
- A recorrente antes de requerer a transferência dos trabalhadores em causa para empregados de mesa, tentou encontrar recursos locais, contudo não obstante os esforços desencadeados, não só junto de entidades privadas (i.e. publicação de inúmeros anúncios no jornal “Macau Daily”, um dos mais lidos de Macau) como também através da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego e Instituto de Formação Turística de Macau, não foi possível encontrar número suficiente de trabalhadores locais para o exercício dessas funções, por insuficiência ou inexistência de mão-de-obra em Macau;
- A recorrente ao efectuar o pedido de transferência daqueles trabalhadores, fê-lo consciente de que o mesmo não iria colocar em causa postos de trabalhadores locais e que essa mesma transferência de mão-de-obra seria imprescindível à prossecução dos projectos que tem em Macau na área da restauração;
- Da leitura dos textos legais consagrados pelos Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e Despacho n.º 49/GM/88 de 16 de Maio, é lícita conclusão que a autorização de importação de mão-de-obra do exterior da RAEM, é dada no exercício de discricionariedade por ocorrer uma ampla margem de livre apreciação ou de auto determinação;
- A aprovação da transferência dos trabalhadores não impedirá, nem tão-pouco interromperá o recrutamento de mão-de-obra local, nem é esse o objectivo da recorrente;
- A recorrente necessita urgentemente, de proceder à contratação de mais pessoal para a categoria de “empregados de mesa” porque os 19 trabalhadores revelam ser um número manifestamente insuficiente para servir com rigor e qualidade um restaurante com capacidade para 235 clientes;
- Com 18 trabalhadores, cada um terá de servir em média, 12 mesas, ficando muito aquém das expectativas supra referidas de 1 empregado para um número não superior a 3 mesas e dúvidas não restam que impossível se torna a qualquer ser humano atender com rigor e prontidão 12 mesas ao mesmo tempo;
- Inexiste mão-de-obra local com as qualificações necessárias;
- O acto impugnado, não ponderou sobre a coordenação que deve existir entre a política de emprego e as demais políticas socioeconómicas, na prossecução dos seus objectivos, violando a lei e manifestando uma total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários.
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso, e se anule o acto recorrido, com todas as consequências legais.
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 104 a 112 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte parecer:
“Vem “A’s of Chicago Macau, Lda” impugnar o despacho de 24/4/08 do Secretário para a Economia e Finanças que, na sequência de recurso hierárquico, manteve decisão de indeferimento de contratação, por transferência, de 20 trabalhadores não residentes para exercerem as funções de empregados de mesa no restaurante “A’s the Steak House”, assacando-lhe, ao que conseguimos sintetizar, vícios de violação de lei, por afronta de variadíssimas disposições legais e total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, com atropelo dos princípios da justiça, imparcialidade, igualdade e proporcionalidade.
Sem necessidade de nos debruçarmos especificamente sobre a análise de cada um dos princípios que a recorrente vê afrontados, até por que os mesmos se não encontram devidamente concretizados, caracterizados e consubstanciados, dir-se-á que a argumentação daquela assenta numa ideia básica: sendo uma sociedade que tem por objecto a exploração e gestão de restaurantes, encontrando-se a explorar em Macau o restaurante “A’s the Steak House”, localizado no hotel “B” na Taipa, tem carência e necessidade de contratar os 20 empregados de mesa em causa, que satisfaçam os padrões de exigência e qualidade daquele restaurante, sendo que, apesar de ter empreendido esforços nesse sentido, não lhe foi possível proceder à contratação de pessoal residente para aquele efeito, por insuficiência ou inexistência de mão de obra disponível em Macau.
Ora, é precisamente tal asserção que a entidade recorrida põe em causa ao indeferir o peticionado, fundando-se no disposto no art.º 9º da Lei 4/98/M de 27/7, por “já ter sido autorizada a contratação de um número de trabalhadores não residentes adequado à dimensão do estabelecimento e a proporção dos trabalhadores não residentes e residentes”.
Vê-se, pois, bem que, no fundo, o que a recorrente põe em crise são os pressupostos de facto em que a recorrida se estribou no indeferimento operado.
Mas, não vemos que lhe assista razão.
Na apreciação do requerimento da recorrente, atinente à contratação de trabalhadores não residentes, os normativos aplicáveis deixam, como é evidente, ao órgão decisor certa liberdade de apreciação acerca da conveniência e da oportunidade sobre o respectivo deferimento.
Encontramo-nos, pois, face a acto produzido no exercício de poderes discricionários que, constituindo embora uma peculiar maneira de aplicar as normas jurídicas se encontram, todavia, sempre vinculados a regras de competência, ao fim do poder concedido, a alguns princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, a regras processuais e ao dever de fundamentação, não existindo, como é óbvio, qualquer excepção ao princípio da legalidade mesmo na vertente da reserva de lei.
E, como é evidente, o erro sobre os pressupostos de facto subjacentes à decisão, releva também no exercício de poderes discricionários, pois que a livre apreciação pretendida pelo legislador ao conceder aqueles poderes falseia-se se os factos em que assenta a decisão não forem correctos.
Daí que se entenda que constitui sempre um momento vinculado do acto discricionário a constatação dos factos realmente ocorridos: os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo discricionário devem ser sempre verdadeiros.
Só que, não se vê que no caso vertente o não sejam:
- por um lado, à recorrente já havia sido autorizada a contratação de um total de 31 trabalhadores não residentes, entre os quais se contam 15 empregados de mesa;
- por outro, não é sequer contestada, a tal nível, a baixa “ratio” de trabalhadores residentes relativamente aos não residentes;
- por outra banda, é pública e notoriamente conhecida a actual situação de desemprego na Região, encontrando-se inscritos nas Bolsas de Emprego milhares de residentes da RAEM, não se vendo que para as funções pretendidas, dentro do sector de empregados de mesa de restaurante, não existam trabalhadores locais habilitados para o efeito e,
- finalmente, ainda que fosse real a necessidade de contratar mais mão de obra para o efeito, o que se constata do procedimento é que a recorrente, antes do acto em crise, abriu apenas uma oferta de emprego na Bolsa de Emprego, exigindo, além do mais, como condições o 12º ano de escolaridade, 1 ano de experiência profissional, idade superior a 23 anos e o conhecimento de 3 línguas (mandarim, cantonense e inglês), exigências que, estranhamente, se não vêm vertidas relativamente aos não residentes, oferecendo um salário mensal de MOP$6.500,00, sendo que, como é óbvio, tais exigências e salário relativos ao segmento profissional em questão não demonstram efectiva vontade e empenhamento na contratação de mão de obra residente (o que parece ter-se confirmado em nova oferta de emprego operada já após o acto em escrutínio), sendo certo que à altura do indeferimento se encontravam inscritos na Bolsa de Emprego para aquelas funções, 166 candidatos.
Afigura-se-nos, assim, que, do acervo probatório carreado para o procedimento e próprios autos resulta como comprovado, demonstrado e correspondente com a realidade que a recorrente não mostrou empenho ou real vontade em proceder ou dar preferência à contratação de trabalhadores residentes, não fazendo o melhor possível nesse sentido.
Donde, poder concluir-se corresponderem à realidade os pressupostos subjacentes à decisão.
De resto, como é evidente, o fim que a lei visou ao conferir à entidade recorrida o poder de autorizar a contratação de trabalhadores não residentes não coincide, necessariamente, com os fins especificamente visados pelas entidades privadas que procuram o deferimento de tal pretensão: só reflexamente (uma vez que interessa também à Administração um efectivo e salutar desenvolvimento das actividades levadas a cabo na Região) e dependendo do interesse comum e colectivo é que tais interesses privados poderão ser contemplados.
Ora, do conteúdo do acto em crise consegue descortinar-se, com clareza, que o que essencialmente motivou o indeferimento questionado foi a defesa de postos de trabalho para os residentes da RAEM, numa altura em que a situação do mercado de trabalho se apresenta desfavorável, sendo certo que existem trabalhadores locais disponíveis e aptos para o desempenho das funções pretendidas, afigurando-se, pois, a decisão como adequada, sensata e razoável, já que deve ser apanágio dos órgão de Estado responsáveis a defesa dos postos de trabalho dos respectivos cidadãos nacionais, só autorizando a contratação de mão de obra não residente no caso de insuficiência ou incapacidade daqueles.
Motivo por que, não se vislumbrando a ocorrência de qualquer dos vícios assacados ao acto, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Em 27 de Dezembro de 2007, a recorrente deu entrada no Gabinete para os Recursos Humanos um pedido de transferência de 20 trabalhadores não residentes para exercerem as funções de empregados de mesa no Restaurante A´s the Steak House por si explorado (cfr. fls. 49 a 54 do processo administrativo).
Por despacho do Coordenador do Gabinete, de 11 de Fevereiro de 2008 (cfr. fls. 41 a 43 do processo administrativo), foi indeferido o pedido, com fundamento no seguinte:
“經綜合考慮到本澳勞動市場的狀況,申請人在是次申請中所提供的資料或理據對第4/98/M號法律第九條的滿足程度,以及上述為舒緩申請人人力資源不足而作出的部份批准,根據二月一日第12/GM/88號批示規定,並行使公佈於2007年05月16日澳門特別行政區政府公報第20期第二組53/2007號經濟財政司司長批示所轉授的權限,本人不批准其餘20(二十)名外地雇員的承轉申請。”
Notificada do despacho, a recorrente apresentou em 4 de Março de 2008 apresentou reclamação junto do Coordenador do Gabinete para os Recursos Humanos, tendo este proferido em 18 de Março de 2008 despacho que concordou com a proposta de indeferimento da reclamação formulada pela recorrente1 (cfr. fls. 81 e seguintes do processo administrativo).
Desta decisão veio a recorrente interpor recurso hierárquico para o Sr. Secretário para a Economia e Finanças, tendo este proferido em 18 de Abril de 2008 despacho que concordou com a proposta de indeferimento do recurso2 e que manteve o indeferimento do pedido decidido pelo Coordenador do Gabinete para os Recursos Humanos em 11 de Fevereiro de 2008 (cfr. fls. 2 a 5 do processo administrativo).
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A recorrente começa por assacar à decisão recorrida vício de violação de lei, por entender que o Exmº Senhor Secretário ao decidir não teve em consideração os “sectores de actividade económica, consoante as necessidades do mercado, a conjuntura económica e as tendências de crescimento sectoriais”, conforme se prevê no nº 4 do artigo 9º da Lei nº 4/98/M, nem teve em conta a realidade actual, designadamente o célere desenvolvimento que Macau tem sofrido nos últimos anos e a escassez de mão-de-obra verificado na Região.
A entidade recorrida indeferiu o pedido da recorrente com fundamento em já ter sido autorizada a contratação de um número de trabalhadores não residentes adequado à dimensão do estabelecimento e devidamente ponderada a proporção dos trabalhadores não residentes e residentes.
Na verdade, a recorrente apenas discorda da decisão recorrida, entendendo que a Administração não ponderou as necessidades do mercado, a conjuntura económica e as tendências de crescimento sectoriais, as quais são requisitos legais para o deferimento do seu pedido de contratação, por transferência, de trabalhadores não residentes.
Estatui-se no artigo 9º da Lei nº 4/98/M, de 29 de Julho, o seguinte:
“(Complemento dos recursos humanos locais)
1. A contratação de trabalhadores não residentes apenas é admitida quando, cumulativamente, vise suprir a inexistência ou insuficiência de trabalhadores residentes aptos a prestar trabalho em condições de igualdade de custos e de eficiência e seja limitada temporalmente.
2. A contratação de trabalhadores não residentes não é admitida quando, apesar de verificados os requisitos constantes do número anterior, contribua de forma significativa para a redução dos direitos laborais ou provoque, directa ou indirectamente, a cessação, sem justa causa, de contratos de trabalho.
3. A contratação de trabalhadores não residentes depende de autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
4. O recurso à prestação de trabalho por trabalhadores não residentes pode ser definida por sectores de actividade económica, consoante as necessidades do mercado, a conjuntura económica e as tendências de crescimento sectoriais.”
O acto em crise foi produzido no exercício de poderes discricionários pela Administração, à qual é conferido por lei o poder ou a liberdade de escolher, de entre uma série de soluções possíveis, aquela que lhe pareça melhor para o caso concreto, a fim de satisfazer a necessidade e o interesse público protegido pela norma que o confere.
Mas é sabido, o exercício de poderes discricionários não está sujeito a sindicância pelos tribunais, salvo em caso de erro manifesto ou total desrazoabilidade.
Aliás, ao contrário do que defende a recorrente, não se mostra verificado que a Administração tenha deixado de ponderar os vários factores invocados pela mesma, nem que os motivos utilizados pela entidade recorrida para justificar o indeferimento não corresponda à realidade, caso em que se verificaria o erro sobre os pressupostos de facto.
O erro sobre os pressupostos de facto subjacentes à decisão releva no exercício de poderes discricionários, exigindo-se que os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo devem ser verdadeiros, de modo que o órgão decisor possa actuar de forma livre e esclarecida, sem que a sua vontade seja viciada.
Assim, no tocante à proporção verificada entre trabalhadores não residentes e residentes, constata-se que já foi concedido à recorrente um total de 31 trabalhadores não residentes, entre os quais contavam 15 empregados de mesa, mas só foram contratados 4 trabalhadores locais em tempo parcial para assegurar o serviço de bar, mesa e salas privadas, daí que corresponde à realidade a baixa proporção de trabalhadores residentes relativamente aos não residentes.
Por outro lado, alega a recorrente se encontrar com dificuldade na contratação de trabalhadores residentes com as qualificações necessárias para desempenhar o cargo de empregados de mesa no seu restaurante.
Pelo contrário, entendeu a entidade recorrida que havia trabalhadores locais habilitados para trabalhar como empregados de mesa de restaurante, nomeadamente encontravam-se inscritos na Bolsa de Emprego para aquelas funções 166 candidatos, ou seja, havia disponibilidade de trabalhadores locais.
Daí que, embora seja verdade que a oferta de contratação de trabalhadores residentes foi apresentada pela recorrente na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais e que os anúncios para recrutamento de trabalhadores locais foram publicados no Macao Daily News, mas para que o vício (erro sobre os pressupostos de facto) se torne procedente, a recorrente terá que provar a inexistência de trabalhadores locais para satisfazer a procura de empregos por si fornecidos, sem que, no entanto, haja qualquer imputação de culpa a si própria nessa falta de contratação.
Salvo o devido respeito, entendemos que não logrou a recorrente oferecer prova concreta de que não havia em Macau trabalhadores residentes disponíveis para desempenhar as funções pretendidas pela recorrente, antes pelo contrário haviam candidatos inscritos na Bolsa de Emprego e que estavam interessados em trabalhar como empregados de mesa, assim como não se excluía a possibilidade de trabalhadores residentes terem respondido a essa oferta mas terem sido recusados.
Tanto mais, constata-se que pela recorrente foram exigidas aos candidatos locais as seguintes qualificações quando abriu a oferta de emprego: 12º ano de escolaridade, 1 ano de experiência profissional, idade superior a 23 anos, conhecimento de 3 línguas (inglês, mandariam e cantonense), e é necessário ser fluente em inglês, mas aos candidatos foi oferecido apenas um salário mensal de MOP$6,500!
Com estas exigências, crê-se estar a recorrente a criar obstáculos para o sucesso da oferta.
Curiosamente, as mesmas qualificações não foram exigidas aquando da contratação de trabalhadores não residentes.
Tudo isto para apontar que os pressupostos de facto subjacentes à decisão correspondem à realidade, podendo o órgão decisor actuar de forma livre e esclarecida, sem que a sua vontade seja viciada.
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A recorrente alega ainda que a decisão recorrida manifesta uma total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, no sentido de que a Administração, perante a inexistência de mão-de-obra local com as qualificações necessárias para o desempenho do cargo, em vez de autorizar, veio indeferir a autorização para contratação de trabalhadores não residentes.
Como acima se referiu, para além de não ser verdade esse facto, trata-se aqui do exercício de poderes discricionários pela Administração, à qual é conferido por lei o poder ou a liberdade de escolher, de entre uma série de soluções possíveis, aquela que lhe pareça melhor para o caso concreto, a fim de satisfazer o interesse público protegido pela norma que o confere.
O fim primordial que a lei visou ao conferir à Administração esse poder de autorizar (ou não) a contratação de trabalhadores não residentes é precisamente para assegurar a protecção dos direitos e interesses dos trabalhadores residentes, e pode, em determinadas circunstâncias, designadamente consoante as necessidades do mercado, a conjuntura económica e as tendências de crescimento sectoriais, decidir se deve autorizar a contratação dos trabalhadores não residentes com o objectivo de suprir a inexistência ou insuficiência de trabalhadores locais em condições de igualmente de custos e de eficiência.
Estatui-se nos termos do artigo 21º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso que constitui fundamento do recurso, entre outros, o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 363/2009, em 19 de Maio de 2011, “A desrazoabilidade a que alude o artigo 21º, 1, d) do CPAC, aliás, adjectivada de total, deve ser entendida de forma a deixar um espaço livre à Administração, salvaguardados os limites próprios do poder discricionário, nomeadamente os limites internos decorrentes dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça, proporcionalidade ou outros vertidos no Código do Procedimento Administrativo, assim se pondo cobro a eventuais abusos.”
Também se referiu no Acórdão deste TSI, Processo 647/2010, que a expressão “total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários pode comportar-se o sentido de uma absurda e desmesurada aplicação do poder discricionário administrativo perante um determinado caso real e concreto. E a decisão desrazoável é aquela cujos efeitos se não acomodam ao dever de proteger o interesse público em causa, aquela que vai para além do que é sensato e lógico tendo em atenção o fim a prosseguir, um acto absurdo ou por vezes irracional”.
No vertente caso, tendo sido autorizada à recorrente a contratação de 31 trabalhadores não residentes, entre os quais 15 para empregados de mesa, e por outro lado, havendo disponibilidade de mão-de-obra residentes, além do mais provado ficou que a recorrente não se empenhou em dar preferência à contratação de trabalhadores locais, o acto em crise que indeferiu a contratação de mais trabalhadores, fundado na defesa dos interesses dos trabalhadores locais, nunca é desrazoável, pelo que verificado não está o vício alegado.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
Custas pelo recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
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Macau, 27 de Fevereiro de 2014
Tong Hio Fong
Presente Lai Kin Hong
Victor Manuel Carvalho Coelho João A. G. Gil de Oliveira
1 A proposta de indeferimento da reclamação tem o seguinte teor:
“事由:聲明異議
收件編號:06738/ENT/GRH/08
檔案編號:10215
企業名稱:RESTAURANTE A’S THE STEAK HOUSE
RESTAURANTE A’S THE STEAK HOUSE於27/12/2007申請承轉21名非專業外地工人,於11/02/2008經第03205/IMO/GRH/2008號批示獲批准其中1名外地工人(擔任廚師職務),而其餘20名(侍應)則不獲批准;批文中指出,考慮到本澳勞動巿場的狀況、申請人在該次申請中所提供的資料或理據、以及上述為舒緩申請人人力資源不足而作出的部分批准,不批准該20名外地工人之承轉申請。
就上述不批准的決定,申請人於04/03/2008入信提出聲明異議。有關上述信件內容,簡述如下(詳閱該信件):
(一) RESTAURANTE A’S THE STEAK HOUSE佔地9,000平方呎,最多可容納235名顧客,營業時間由15:00至01:00;
(二) 為經營上述場所,已投資超過HKD$30,000,000;
(三) 申請人要求每一名侍應不能為超過3檯顧客服務,故最少需要35名侍應;
(四) RESTAURANTE A’S THE STEAK HOUSE的規模將會繼續擴展,目標為增加最多可容納顧客數目30%;
(五) 由開始籌備開業至今,申請人一直有透過不渠道嘗試招聘本地工人,但仍未能成功達到足夠人手;
(六) 現時申請人只聘有18名員工擔任侍應或同類職級,其中包括3名本地兼職工人及15名外地僱員。
翻查本辦公室檔案,根據第01252/INF/GRH/08號報告(見附件),RESTAURANTE A’S THE STEAK HOUSE現聘有本地工人19名,外勞配額有32名(包括經第03205/IMO/GRH/2008號批示獲批的1名外地僱員),外地僱員比例為62.7%。勞工事務局現有166名求職者擬從事侍應工作。
綜上所述,考慮到申請人場所現時僱用本地及外地僱員的比例情況下,已獲批給相應的外地僱員予以協助,現階段暫未有條件可給予申請人更多的外地僱員配額,建議考慮維持原決定。
呈上級鈞鑒
二零零八年三月十二日澳門特別行政區人力資源辦公室
高級技術員
XXX”
2 A proposta de indeferimento do recurso que foi submetida ao Exmº. Senhor Secretário para a Economia e Finanças tem o seguinte conteúdo:
“事由:為20名非技術勞工承轉不獲批准提出訴願
檔案編號:10215
申請人名稱:RESTAURANTE A’S THE STEAK HOUSE
收件編號:09945/ENT/GRH/08 日期:2008.03.28
於2007.12.27「RESTAURANTE A’S THE STEAK HOUSE」申請承轉原獲准在路氹XXXX股份有限公司的20名非技術勞工。
經第03205/IMO/GRH/2008號批示,批准了1名人員之承轉,另並考慮到本澳勞動巿場的狀況,申請人在是次申請中所提供的資料或理據對第4/98/M號法律第九條的滿足程度,以及上述為舒緩申請人人力資源不足而作出的部分批准,不批准該其餘19名外勞申請。
於2008.03.08申請人提出聲明異議,經06320/IMO/GRH/2008號不獲批准。
申請人於2008.03.28提出訴願,現為19名不批准提出訴願,理由如下:
- 全世界其有76間分店
- 為一所高級食府
- 在美國有上巿
- 在威尼斯人的餐廳能容納235客戶
- 超過2億股資
- 一年不休,營業時間由1500-0100
- 為確保服務質素,一名員工只會負責三枱客戶
- 曾在澳招聘,但不果
- 現只有4名本地兼職及15名外勞
考慮到已批准32名人員予申請人場所,而外勞比例為62.7%,建議維持不批准之申請。
呈上級台鑒
高級技術員
XXX ”
*
另外,人力資源辦公室主任還提出以下補充意見:
“申請人雖提交了書面解釋,但仍不足以構成新的理解證明支持其是次申請,同時亦考慮到以申請人場所現時雇用本地及外地雇員的比例情況下,已獲批給相應的外地雇員予以協助,現階段暫未有條件可給予申請人更多的外地雇員配額。
因此,建議維持原不批准的決定。
此呈
司長鈞鑒
主任
二零零八年四月九日”
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Processo 355/2008 Pág 1