Processo n.º 84/2014 /A
(Suspensão de eficácia do acto )
Relator : João Gil de Oliveira
Data : 6/Março/2014
ASSUNTOS:
- Suspensão de eficácia de acto de cancelamento do autorização de residência de menor
SUMÁRIO:
Se um trabalhador obteve autorização de residência e aqui vive desde 2010, com o seu agregado familiar, composto da sua esposa e dois filhos menores que estão a estudar, não há razões para não suspender o acto que não renovou a sua residência, com fundamento numa condenação de 2011, por condução com álcool, factos praticados em 2010, vistos os graves prejuízos advenientes da interrupção dos estudos dos filhos, no meio do ano lectivo, não se vislumbrando prejuízo para o interesse público em aguardar por mais algum tempo até que a situação seja clarificada na acção principal.
Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 84/2014/A
(Suspensão de Eficácia)
Data : 6 de Março de 2014
Requerente: A
Entidade Requerida: Secretário para a Economia e Finanças
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, mais bem identificado nos autos, tendo sido notificado do despacho de Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças (S.E.F.), datado de 29 de Novembro de 2013, que lhe indeferiu a "renovação da autorização de residência na R.A.E.M." - bem como aqueloutras do seu agregado familiar - vem nos termos do art. 121° e segs. do Código de Processo Administrativo Contencioso (C.P.A.C.) requerer a SUSPENSÃO DA EFICÁCIA, alegando o seguinte:
I - DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1.º
O despacho cuja suspensão ora se requer foi proferido pelo Exmo. Secretário para a Economia e Finanças (S.E.F.) ao abrigo de delegação de competências do Exmo. Chefe do Executivo (cfr. doc. n.º 1 que é uma fotocópia simples documento em causa).
2.º
O requerente impugnou, nesta data, contenciosamente aquele despacho, tendo por isso legitimidade para requerer a presente suspensão (art. 121° n.º 1 do C.P.A.C.).
3.º
O acto em causa ainda não foi executado (art. 122° do C.P.A.C. "a contrario")
4.º
A suspensão ora requerida é feita em requerimento próprio e juntamente com a petição de recurso (art. 123° n.º 1, e respectiva alínea b) do C.P.A.C.).
II - DA MARCHA DO PROCESSO:
5.°
O recorrente requereu - e foi concedida, a si e ao seu agregado familiar - a "residência temporária" na R.A.E.M., através do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (I.P.I.M.) (Proc. n.º XXX/2010/01R), ao abrigo do Regulamento Administrativo n° 3/2005, de 4/4, que aprovou "o regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados".
6.°
Em 2 de Junho de 2011, o recorrente foi julgado e condenado em processo-crime que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial de Base com o n° CR3-10-0039-PCS, por factos previstos e punidos pelo art. 90° da Lei de Trânsito Rodoviário, ocorridos em Outubro de 2010.
7.°
Por força deste processo, o despacho recorrido indeferiu, a si e ao seu agregado familiar, a respectiva "renovação autorização de residência na R.A.E.M".
8.°
O recorrente foi previamente notificado para se pronunciar sobre o sentido provável daquela decisão, nos termos dos artigos 93° e 94° do C.P.A., o que fez.
9.°
O despacho recorrido - aquele de indeferimento da "renovação da autorização de residência na R.A.E.M." - limitou-se a concordar com o Parecer emitido por Técnico Superior do I.P.I.M., essencialmente porque:
• A pena imposta ao recorrente em 2011, em processo-crime, foi uma "pena privativa de liberdade";
• O recorrente, aquando do requerimento de residência na R.A.E.M., detinha os pressupostos para o efeito;
• No entanto, posteriormente, o recorrente não obedeceu às leis de Macau.
• Alteraram-se, por isso, com a aludida condenação, aqueles pressupostos, sendo que o recorrente não comunicou tal "situação juridicamente relevante" ao I.P.I.M., no prazo de 30 dias;
• Por outro lado, a condenação do recorrente, ao contrário do que ele refere na sua "audiência prévia", não foi, como diz, uma pena de muita, mas sim uma pena privativa de liberdade porquanto "se ele não pagar a multa tem de cumprir a pena de prisão" (sic);
• Mostram-se violadas as disposições do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e violado o disposto no art. 9°, n.º 2, al. 1) e art. 4° n° 2, al. 2) da Lei n° 4/2003.
III - DA VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DO ACTO
1) Do conteúdo positivo do acto
10.°
Nos termos do art. 120° do C.P.A.C., para se poder suspender a eficácia de um acto administrativo, este tem de ser um acto com conteúdo positivo, que se entende como um acto que impõe a um interessado um ónus ou encargo.
11.°
A decisão do Exmo. S.E.F. que não autorizou a "renovação da residência" do requerente e do seu agregado familiar, é uma acto positivo já que lhe impõe um encargo.
2) Do prejuízo de difícil reparação para o requerente e seu agregado familiar
12.°
O requerente fixou residência na R.A.E.M. no ano de 2009, desempenhando funções muito específicas para a "B Resorts (Macau), S.A." (doc. n.º 2).
13.°
O seu agregado familiar, constituído pelo seu cônjuge e dois filhos menores (v. doc. n.º 1), está também sediado na R.A.E.M.;
14.°
Sendo que o cônjuge do requerente, C é professora de inglês na "Escola D", em inglês "D Middle School" (D中學校) (doc. n.º 3); e
15.°
Os filhos menores do casal, E e F são ambos estudantes, estando inscritos, respectivamente, na "G School of Macao" (澳門G學校) e na "Escola D", em inglês "D Middle School" (D中學校), no presente ano lectivo de 2013/2014 (docs. n.ºs 4 e 5).
16.°
Ora, a execução imediata do acto recorrido tem como efeitos, entre outros, a cessação imediata do contrato de trabalho do requerente, com a inerente cessação do pagamento do seu vencimento que é, em grande parte, o sustento da família;
17.º
A cessação imediata do contrato de trabalho do cônjuge do requerente, esta, que em nada contribuiu para este desenlace; e
18.º
A cessação imediata das actividades escolares dos filhos menores, com todas as consequências negativas que a interrupção a meio de um ano lectivo tem, para o desenvolvimento de uma criança.
Pelo que,
19.º
O requerente e o seu agregado familiar, caso se concretize a execução do acto, passarão por inúmeras dificuldades para fazer face a todos os encargos e despesas, do "encerrar de um capítulo" - mesmo que provisoriamente, como se espera - de mais de 4 anos da sua vida.
20.º
Tais factos constituiriam um prejuízo de difícil reparação para o requerente e para o seu agregado familiar.
3) Da não lesão grave do interesse público prosseguido pelo acto
21.º
Sobre este requisito é jurisprudência pacífica dos Tribunais de Macau que, ressalvando situações manifestas, a grave lesão do interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto.
22.º
Mesmo assim, só existiria grave lesão do interesse público se a suspensão do acto contendesse com a dignidade ou o prestígio da Administração da R.A.E.M..
23.º
O que não é manifestamente o caso, já que, para a Administração da R.A.E.M. e para o público em geral, pouco importará que o requerente se mantenha no seu posto de trabalho;
24.º
Tanto mais que os factos que alegadamente motivaram o acto recorrido ocorreram em 2010 e, até hoje, a sua verificação nunca contendeu com a dignidade e o prestígio da Administração da R.A.E.M..
Por outro lado,
25.º
É manifesto que a suspensão que ora se requer não terá reflexos em termos da finalidade de prevenção geral que o interesse público subjacente ao acto visa prosseguir.
Finalmente,
26.º
Afigura-se ao requerente que os prejuízos seus e de seu agregado familiar são desproporcionalmente superiores aos eventuais prejuízos do interesse público decorrentes de uma suspensão, que se espera, da eficácia do acto recorrido.
4) Da não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso a interpor
27.º
Impõe a alínea c) do n° 1 do referido art. 121º do C.P.A.C. que, para ser deferida a suspensão da eficácia do acto administrativo, não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
28.º
Tem sido entendimento unânime desse Venerando Tribunal que "só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrivel; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência" - v. douto acórdão de 14 de Junho de 2007 proferido no processo n.° 278/2007/A.
29.º
Ora, do Despacho supra identificado cabe "recurso contencioso imediato para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias contado da data de notificação do acto" - ver notificação, com data de 17 de Dezembro de 2013 com a referência n.° 13886/GJFR/2013, doc. n.º 1.
30.º
O Requerente foi notificado do referido Despacho, através do seu mandatário, no dia 7 de Janeiro de 2014, pelo que, em consequência, está em prazo para a interposição do recurso contencioso.
31.º
Assim, sendo o acto em causa recorrível e estando o requerente em tempo de interpôr o devido recurso, verifica-se o requisito negativo imposto pela alínea c) do n° 1 do referido art. 121°, como aliás, tem sido entendimento unânime desse Tribunal.
Nestes termos, por se mostrarem preenchidos os requisitos legais, requer a suspensão da eficácia do acto recorrido.
2. Citada a entidade requerida, oferece o merecimento dos autos.
3. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
Vem A requerer a suspensão de eficácia do Secretário para a Economia e Finanças de 29/11/13, que indeferiu pedido de renovação de autorização de residência na RAEM, devido à existência de condenação criminal em tribunal da Região.
Serve o sublinhado a que procedemos para realçar a “tentação” que nos poderá desde logo assaltar relativamente à consideração do acto suspendendo como acto de conteúdo negativo, insusceptível de suspensão de eficácia, uma vez que deixaria o requerente na mesma situação em que se encontrava antes da sua prática, dele não decorrendo efeitos acessórios ou secundários de carácter ablativo de bem jurídico preexistente, sendo que um eventual deferimento do pedido nunca poderia valer como “ordem” de renovação da residência, o mesmo é dizer não produziria quaisquer efeitos jurídicos.
Mas, talvez não seja bem assim.
Um acto de conteúdo negativo propriamente dito é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de, por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um “status” anterior. Ou seja, trata-se de um acto “neutro” em que nada se adquire ou se perde.
Relativamente a tal tipo de actos, tem-se uniformemente entendido não serem os mesmos susceptíveis de suspensão de eficácia, quer por que tal poderia ser entendido como usurpação de poderes administrativos pelos tribunais, que porque dessa suspensão não adviria qualquer efeito útil para o interessado, designadamente o afastamento das situações danosas caracterizadas na al. a) do art. 121º CPAC.
Começou,
Relativamente a tal tipo de actos, tem-se uniformemente entendido não serem os mesmos susceptíveis de suspensão de eficácia, quer por que tal poderia ser entendido como usurpação de poderes administrativos pelos tribunais, quer porque dessa suspensão não adviria qualquer efeito útil para o interessado, designadamente o afastamento das situações danosas caracterizadas na al. a) do art. 121º CPAC.
Começou, porém, recentemente, a ponderar-se e a obter consagração uma nova categoria de actos que, embora aparentemente de conteúdo negativo, têm efeitos positivos, existindo, dessa forma, uma utilidade na suspensão da respectiva execução, na medida em que dela derivam efeitos secundários positivos, enquadrando-se, desde logo, em tal categoria os actos de que resulte o indeferimento da manutenção de uma situação jurídica anterior, como é o caso, denegando-se renovação de situação jurídica preexistente, ferindo-se as expectativas legítimas de conservação de efeitos jurídicos de acto administrativo anterior, considerando-se que, em tais situações existe, de facto, uma alteração da situação jurídica e de facto do requerente.
Mas, mais : vem-se também entendendo que se alguma utilidade puder advir da suspensão, a ponto de o requerente ir obtendo algum "ganho" até à decisão em definitivo da questão do recurso contencioso, a suspensão será de conceder.
Seja como for e pelos motivos supra anunciados, cremos que, no caso, o acto, se bem que tenha conteúdo negativo, apresenta vertente positiva, a essa vertente tendo o requerente circunscrito o seu pedido, pelo que será de admitir o presente meio processual, nos termos da al. b) do art° 120°, CPAC.
Assim sendo, tanto quanto se alcança da redacção introduzida no art. 121.° do CPAC, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do seu n° 1 para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são cumulativos, bastando a inexistência de um deles para que a providência possa ser denegada.
Tais requisitos são, um positivo (existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar) e dois negativos (inexistência de grave lesão do interesse público e não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do mesmo).
Aceitamos a verificação "in casu" dos dois requisitos negativos, já que se não divisam indícios (e muito menos, fortes) de ilegalidade na interposição do recurso, sendo que, por outro lado, se não vê que os motivos que conduziram à condenação criminal do requerente (art. 90° L.T.R.) assumam gravidade que justifiquem decorrer da eventual suspensão da execução do acto grave prejuízo para o interesse público pela sua presença na Região até decisão do recurso contencioso.
Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tido como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto.
No caso, argumenta o requerente que, da execução imediata do acto decorrerá inevitavelmente a cessação do seu contrato de trabalho na "B Resorts (Macau) SA" com a quebra do pagamento do seu salário, o qual constitui grande parte do sustento da sua família, cessando também o contrato da sua esposa como professora de inglês na "Escola D" , do mesmo passo que os seus dois filhos menores, ambos estudantes, se verão obrigados ao abandono dos seus estudos nas escolas que frequentam, a meio do ano lectivo, com as perniciosas consequências daí advenientes.
Pois bem:
Se, relativamente à perda, pura e simples, dos rendimentos do trabalho, se poderiam suscitar algumas dúvidas quanto à possibilidade de quantificação dos prejuízos, pois estaríamos a falar de salários com montantes concretos e precisos, já quanto à repercussão da falta deles no sustento familiar é situação a apresentar contornos indeterminados, o mesmo sucedendo com o abandono forçado dos estudos dos menores a meio do ano lectivo, daí decorrendo prejuízos que, pela sua própria natureza, se não mostram susceptíveis de concretização ou materialização, apresentando-se, como se apresenta, o acesso à educação como um direito fundamental na sociedade onde nos inserimos.
Tudo razões, por que, por registo cumulativo de todos os pressupostos exigíveis, somos a entender ser de deferir a pretensão formulada.
4. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
O despacho de indeferimento ora recorrido baseou-se nos seguintes pareceres:
“
Parecer do Presidente da Comissão Executiva do IPIM
Secretário para a Economia e Finanças:
Segundo a análise, tendo sido condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 90.º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 5 meses de prisão, substituída por multa, e na pena de inibição de condução pelo período de 1 ano, o requerente não comunicou de forma escrita o IPIM dentro de 30 dias contados desde a alteração da situação jurídica, sendo a falta de comunicação também injustificada. Pelo que foi deduzido parecer desfavorável à concessão de autorização de residência temporária dos seguintes interessados. Venho agora sugerir o indeferimento do respectivo pedido.
Núm.
NOME
RELAÇÃO
1
A
Requerente
2
C
Cônjuge
3
E
Descendente
4
F
Descendente
Submeto à apreciação de V. Exa.
(Ass. Vide o original)
XXX/presidente
Parecer do Director do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência
Concordo com a proposta.
(Ass. Vide o original)
XXX
Director-Adunto
Assunto: Apreciação do requerimento de residência temporária
Comissão Executiva do IPIM:
1. Apresenta-se a seguir a identificação dos interessados e o prazo de validade da autorização de residência temporária:
NNum.
Nome
Relação
Documento
Num. Do documento
Prazo de validade
1
A
Requerente
Passaporte Australiano XXXX
2022/09/11
2013/04/19
2
C
Cônjuge
Passaporte Australiano XXXX
2020/05/19
2013/04/19
3
E
Descendente
Passaporte Australiano XXXX
2017/07/12
2013/01/10
4
F
Descendente
Passaporte Australiano XXXX
2015/03/08
2013/04/19
2. Em 28 de Dezembro de 2010, foi concedida ao requerente pela primeira vez a autorização de residência temporária.
3. A fim de renovação, o requerente apresentou documentos comprovativos de relação de emprego e os respectivos documentos (vd. fls. 19 a 34), para provar que ele ainda exercia o mesmo cargo na mesma instituição e que já declarou/pagou o imposto profissional:
Instituição: B Resorts (Macau), S.A
Cargo: AQUARIUM CURATOR (fls. 19)
Rendimento: 50,000.00 patacas (fls. 19)
Data do início: 11 de Janeiro de 2010 (fls. 19)
4. Através do ofício de 6 de Julho de 2011 (vd. fls. 46 a 49) do CPSP, o IPIM foi notificado de que em 16 de Outubro de 2010, o requerente tinha sido condenado, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 90.º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 5 meses de prisão e na pena de inibição de condução pelo período de 1 ano.
5. Isso é desfavorável à renovação de autorização de residência temporária do requerente de acordo com o RA n.º 3/2005 e o artigo 9.º, n.º 2, al. 1) e artigo 4.º, n.º 2, al. 2) da Lei n.º 4/2003.
6. Pelo que, em 2 de Agosto de 2013, o IPIM realizou a audiência escrita ao requerente através do ofício n.º 08242/GJFR/2013.
7. O requerente apresentou contestação escrita em 19 de Agosto de 2013 através do seu mandatário, indicando que:
1) O requerente recebeu o aviso, que foi escrito em duas línguas, uma é chinês, ou seja a língua oficial, e a outra é inglês, que visa facilitar a comunicação entre o IPIM e os interessados. No entanto, as duas versões eram diferentes, que não só enganaria o requerente mas também afectaria a decisão da Administração. Por isso, pede que seja anulado o acto e que, após redacção, seja de novo emitido o ofício;
2) Apesar de ter sido condenado, o requerente não foi colocado em prisão efectiva e só lhe foi aplicada a pena de multa, tendo ele pagado 76,492.00 patacas. Esta matéria, contudo, não pode ser considerada alteração da situação juridicamente relevante de que resulte o cancelamento da sua autorização de residência temporária;
3) O RA n.º 3/2005 regula o regime de fixação de residência temporária. Se o requerente for técnico especializado, ele deve preencher os elementos referidos nos artigos 8.º e 9.º para pedir a autorização de residência temporária para si e para os membros do agregado familiar. Os fundamentos referidos no artigo 18.º de que resulta o cancelamento da autorização de residência temporária provam-se ainda mantidos; o que alterou é o registo criminal do requerente. E o grau de gravidade deste registo criminal não é suficiente para cancelar a autorização de residência temporária. Além disso, o registo criminal não pertence aos fundamentos do requerimento;
4) Assim sendo, não se verificou extinção ou alteração dos fundamentos referidos no artigo 18.º. Além disso, a circunstância do facto praticado pelo requerente não era suficientemente grave para colocá-lo na prisão, nem causou, designadamente, afectações a terceiro, pelo que a mesma não deve ser considerada a alteração da situação juridicamente relevante, caso contrário, constituir-se-á dupla punição e o cônjuge do requerente que trabalha em Macau também será punida por causa inimputável;
5) O disposto nos artigos 9.º e 4.º da Lei n.º 4/2003 não tem nada a ver com a ora situação do requerente. O artigo 4.º, n.º 2, al. 2) apenas refere a pena privativa da liberdade em relação ao deferimento ou não da fixação de residência em Macau. Tal como se referiu anteriormente, isso não tem relação com o caso do requerente, porque a sua conduta só causou a aplicação da pena de multa;
6) Além disso, o requerente é uma pessoal educada, chefe de família, quadro especializado que exerce na sociedade B Resorts (Macau), S.A um cargo que mais ninguém consegue exercer, isso pode ser provado pelo empregador do requerente.
8. Apresenta-se, em relação à contestação acima referida, a seguinte análise:
(1). Apreciada a versão inglesa da carta de audiência escrita, provou-se que a falta da menção da Lei n.º 4/2003 na carta não afecta a vontade que a mesma pretendia transmitir. O requerente violou a lei de Macau, e a versão chinesa citou expressamente as respectivas normas legais. Também se notou na carta que o texto em língua inglesa era a tradução e, em caso de diferença, prevaleceria a versão em língua chinesa. Na verdade, a língua chinesa também foi a língua de comunicação exigida pelo requerente;
(2). Nos termos do artigo 9.º, n.º 2, al. 1) e artigo 4.º, n.º 2, al. 2) da Lei n.º 4/2003 da RAEM, na determinação da concessão da autorização de residência, deve atender-se que se o requerente tem antecedentes criminais, se há comprovado incumprimento das leis da RAEM ou se ele foi condenado em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior;
(3). Na consideração da concessão da autorização da fixação de residência do requerente, foram ponderados, para além da sua habilitação literária e técnica profissional, também os factos de que se ele tem antecedentes criminais, se incumpriu as leis da RAEM ou se foi condenado em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior. O requerimento foi deferido por não se ter verificado situação contra o requerente;
(4). Autorizada a fixação de residência, foram comprovados o incumprimento das leis da RAEM por parte do requerente e o facto de ele ter sido condenado em pena privativa de liberdade. A alteração do seu registo criminal é, sem dúvida, alteração da situação juridicamente relevante;
(5). O requerente não comunicou o facto ao IPIM de forma escrita dentro de 30 dias contados desde a alteração da situação jurídica.
(6). Apesar de a pena de prisão aplicada ao requerente poder ser substituída por multa, a condenação não era puramente multa. A multa foi o meio substituído da pena de prisão. O requerente seria colocado na prisão se não pagasse a multa, porquanto a sentença real foi a pena de 5 meses de prisão;
(7). Apesar de se indicar que o requerente é educado e tem capacidade profissional especializada que, segundo o seu empregador, ninguém mais possui, segundo a sentença do TJB, o requerente, bem sabendo que tinha tido bebidas alcoólicas e que da condução após a ingestão das bebidas resultaria perigo para os outros utentes da via, agiu de forma livre, voluntária e consciente ao conduzir dolosamente em estado de embriaguez na via pública, e circulava em sentido contrário. Ele bem sabia que a sua conduta era legalmente proibida e punida, mas ainda circulava em sentido contrário ignorando segurança de si próprio e de outrem. Apesar de não ter causado perigo a terceiro, isso é um resultado de sorte, não representa que a conduta pode ser reconhecida ou encorajada.
(8). Face ao exposto, de acordo com o RA n.º 3/2005 e os artigos 9.º, n.º 2, al. 1) e artigo 4.º, n.º 2, al. 2) da Lei n.º 4/2003 da RAEM, sugiro que seja indeferido o pedido de renovação deduzido pelo requerente.
Submeto à apreciação.
Técnico superior”
IV - FUNDAMENTOS
1. O caso
Trata-se de um trabalhador, de nacionalidade australiana, técnico de aquicultura (mestrado em aquicultura) e gerente de um aquário de medusas, instalado no Hotel Encore, um dos maiores do mundo, a quem foi concedida residência temporária em Macau, em 2010, sendo um quadro especializado na B Resorts (Macau) SA, aqui vivendo com o seu agregado familiar, professora e dois filhos menores, que aqui se encontram a estudar.
Em 2010 cometeu um crime por condução sob o efeito do álcool, tendo sido condenado em 2011 numa pena de cinco meses de prisão convertida em multa, fundamento da sua não renovação da residência em 2013.
2. Do acto negativo com vertente positiva
Actualizamos aqui o que dissemos em recente processo, n.º 785/2011/A, de 15/12/2011.
Dispõe o art.º 120º do CPAC que só há lugar a suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
No caso em apreço, o acto administrativo em causa consiste na não renovação da autorização de residência, o que à primeira vista apontaria para um acto negativo insusceptível de suspensão.
Contudo, não é um acto puramente negativo, por ter uma vertente positiva, já que com a não renovação da autorização haverá uma alteração da situação que se vinha mantendo, quebra-se uma expectativa que se terá criado, expectativa ainda que não tutelada mas que radica em toda uma estruturação de vida pessoal, familiar e empresarial a que não se deixa de pôr termo com o abandono da RAEM.
Como já entendeu o TUI1, numa situação ainda que diferente, parece que com o indeferimento do pedido de permanência em Macau, não foi introduzida nenhuma alteração na esfera jurídica dos interessados, já que tanto o filho menor como a sua família continuam na mesma situação jurídica em que se encontravam antes da prática do acto, afigurando intocada a sua esfera jurídica.
É verdade que, com tal indeferimento e a consequente execução do acto administrativo, o menor deve sair de Macau ...
No entanto, tal não implica nenhuma alteração na sua esfera jurídica nem na esfera jurídica da sua família.
O que importará, para se determinar se um acto administrativo é de conteúdo positivo ou negativo e se um acto negativo tem ou não vertente positiva, é a influência, a alteração introduzida pela prolação do acto na esfera jurídica do interessado, acrescentou-se ainda naquele aresto.
Num critério estrito poder-se-ia dizer que a esfera jurídica do recorrente não se alterou, porquanto caducada a autorização de residência de que beneficiara anteriormente, com a denegação da renovação de residência nada lhe foi retirado.
É, no entanto a Doutrina e Jurisprudência que assinalam que, não obstante estarmos perante um acto de conteúdo negativo continua a ser possível a suspensão se esse acto produz acessoriamente efeitos de natureza secundária, caso em que a suspensão a ser decretada tornaria possível a manutenção ou conservação de uma situação jurídica anterior. Trata-se daqueles casos em que para além de um conteúdo denegatório de uma pretensão de ampliação da esfera jurídica de um particular o acto em causa tenha o aludido efeito secundário que se traduz na ablação de um bem jurídico pré-existente, paralisando assim os efeitos secundários de natureza positiva, tal como acontece, designadamente, nos pedidos de prorrogação ou manutenção de situações jurídicas, sempre que a lei admita tal prorrogação ou manutenção.2
Isto para já não falar na admissibilidade da suspensão dos actos negativos, como refere Vieira de Andrade, desde que haja utilidade nessa suspensão e a aparência de bom direito.3
Ora, no caso vertente, emerge nitidamente um efeito secundário ablativo de uma situação pré-existente conformada por acto administrativo anterior e que bem pode continuar a ser merecedora de tutela caso o recorrente venha a lograr êxito quanto à substancialidade do pedido formulado.
Trata-se de uma situação que é algo diferente daquelas outras em que o interessado nada tem em termos de ligação ao ordenamento da RAEM e vê denegado um pedido de autorização; neste caso, obteve uma autorização, aqui residiu por alguns anos, criou laços e ligações. Provisórias e por prazo certo, sem dúvida, mas não deixa de ser legítimo aspirar a uma manutenção da sua esfera jurídica, traduzindo-se a positividade do acto, não na cessação da autorização de residência, não na não renovação, mas no efeito positivo secundário que se traduz no abandono de Macau e na cessação da sua actividade aqui empreendida.
3. Dos requisitos da suspensão de eficácia do acto
Para a procedência do pedido, não basta estarmos perante um acto positivo ou negativo com conteúdo positivo.
Prevê o art. 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.4
A suspensão dessa eficácia depende, no essencial, da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do supra citado artigo 121º do C.P.A.C.:
- previsível prejuízo de difícil reparação para o requerente,
- inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão
- e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
Resulta da Doutrina e Jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no art. 121º supra citado são de verificação cumulativa - importando, no entanto, atentar na excepção do n.º 2, 3 e 4 desse artigo e do art. 129º, n.º 1 do CPA C-, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.5
Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
É importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.
4. A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva deverão ser conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.6
5. Da não ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
A instrumentalidade desta medida cautelar, implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.7
Não obstante não vindo aqui elencados os fundamentos do pedido da impugnação a desenvolver no recurso contencioso, não se deixa de entender que, pelo menos, estará em causa o defesa da expectativa ao direito de residência, baseada em vício invalidante do acto que lhe a denegou.
Perante este quadro, não é difícil ter por integrado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito, pelo menos, à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual do requerente, titular directo do interesse que diz ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas - haja em vista o teor da contestação -, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à actuação do recorrente.
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se ainda aqui verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A.C..
Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.8
6. Dos prejuízos de difícil reparação para o requerente
Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.9
Vejamos que prejuízos alega o requerente.
A este nível invoca o requerente o facto de resultar da imediata execução do acto, além do mais, a cessação da sua actividade profissional, com a consequente quebra de receitas, base de sustentação do seu agregado familiar.
Invoca ainda um prejuízo de difícil reparação para os seus filhos menores que teriam de interromper os estudos nesta fase do ano escolar em que se encontram, com todos os inconvenientes daí resultantes para o desenvolvimento das crianças.
Já não se releva eventual expectativa à residência permanente, porquanto se atendível em termos de projecto de vida, já o não deverá ser em termos de tutela conformadora de uma situação jurídica sob pena de qualquer residente não permanente poder fazer radicar aí uma expectativa que por si só legitimasse a atribuição e um outro estatuto. Isto é, a atribuição do estatuto de residente pode ser negada legitimamente a um não residente permanente, devendo respeitar apenas os respectivos parâmetros condicionantes da sua atribuição.
Bastam aqui as apontadas razões para se ter este requisito por verificado.
7. Lesão de interesse público
Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. E neste particular aspecto o que se observa é que a entidade requerida de nem deduz oposição à suspensão.
A força da autoridade e da Administração ficará abalada por, ainda que provisoriamente, até à prolação de uma decisão devidamente ponderada e definitiva, aguentar mais algum tempo? Será que a permanência daquela família, apenas em termos provisórios, prejudica o interesse público? Se sim, não o conseguimos colher da posição manifestada nos autos.
E questão que desde logo se pode colocar é se a posição da entidade requerida nos autos não preenche o condicionalismo do artigo 129º, n.º 1 do CPAC, o que levaria, sem outros desenvolvimentos, a ter este requisito por integrado.
Não se furtará este Colectivo, no entanto, a dizer algo mais.
Trata-se de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do C.P.A., todo o acto administrativo deve prosseguir.10
Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.11
Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.
Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
Manifestamente não é o caso.
A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
Temos dito e redito que não cabe aos tribunais imiscuírem-se na governação.
Não compete, portanto, a este Colectivo dizer se deve ou não ser renovada a dita autorização de residência e neste procedimento, na observação do presente recurso, avaliar se estará em causa a lesão do interesse público.
Mas, não é difícil avaliar a situação em que o interesse público não fica beliscado com uma suspensão de um acto que nem sequer se manifesta numa imposição em si, numa qualquer expulsão, sendo a saída de Macau uma decorrência secundária do acto em causa. Isto, para acentuar que nem sequer a autoridade ou imagem de autoridade fica posta em causa perante o público que, estamos em crer, não deixará de aceitar que aquela família que aqui residiu por quatro anos, após o cometimento dos factos pretensamente justificativos da não renovação, aqui permaneceu, aqui terá criado alguns laços, aqui possa continuar por mais algum tempo, até que a sua situação esteja definitivamente resolvida. Não choca que possa aguardar provisoriamente, o que decorrerá da suspensão do acto que decretou a caducidade da autorização de residência.
Não está em causa a defesa do interesse público, mas sim indagar se os interesses sublimes particulares que para já se sacrificam sumariamente não se podem compatibilizar com uma melhor ponderação dos interesses em sede própria.
A ponderação que a suspensão irá gerar não se deixa até de compreender, ponderando todo o circunstancialismo do caso.
Ocorre, em consequência, o requisito negativo da alínea b) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC.
Face ao exposto, somos a concluir no sentido da verificação dos diferentes requisitos, da alínea a), bem como nos das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
Razões por que, por verificação cumulativa de todos os requisitos para o efeito, na esteira do objecto da providência, se julgará procedente o pedido de suspensão de eficácia do acto em causa.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento à providência, deferindo o pedido formulado pelo requerente de suspensão de eficácia do acto que indeferiu o pedido de renovação de autorização do ora requerente.
Sem custas, dada a isenção subjectiva da entidade recorrida.
Macau, 6 de Março de 2014
João A. G. Gil de Oliveira
Presente Ho Wai Neng
Victor Manuel Carvalho Coelho José Cândido de Pinho
1 - Ac. 29/2005, de 7 de Dez
2 - Pedro Machete, O Direito, 123, 304
3 - Lições de Dto Administrativo e Fiscal, 124 e ac. STA, processo n.º 042206, de 15/5/97
4 Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
5 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03
6 - Ac. STA 46219, de 5/772000, www//:http.dgsi.pt
7 - Ac. do TSI de 30/5/02, proc. 92/02
8 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A.
9 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
10 - Ac. do T.S.I. de 22 de Novembro de 2001 – Pº205/01/A ; ac. do T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 - Proc.191/01
11 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
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84/2014/A 31/33