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Recurso nº 121/2011
Data: 6 de Março de 2014

Assuntos: - Indicação das normas violadas
- Transacção
- Homologação
- Nulidade do acordo
- Meio de impugnação






SUMÁRIO
1. O recorrente não indicou quais as normas violadas pela decisão recorrida, omissão essa que se constitui uma causa de rejeição do recurso nos termos do artigo 402° n° 2 al. a) do Código de Processo Penal (de 1997, aplicável ao momento da interposição do recurso).
2. O pedido da declaração da nulidade dirigido ao próprio autor da homologação não ser um meio próprio e adequado para o efeito pretendido.
3. A transacção, realidade distinta da sentença que a homologa, pode ser declarada nula ou anulada, mormente com fundamento em vícios da vontade dos outorgantes ou natureza do seu objecto, como a generalidade dos contractos, sendo, todavia, o meio adequado para o efeito a acção a que se refere o mencionado artigo 243° do CPC ou o recurso de revisão; e só esta solução se compagina com a indispensável discussão processual (e inerente alegação e prova dos factos correspondentes) dos invocados vícios da vontade ou da alegada ilegalidade do objecto da transacção, sendo que, em caso de haver transacção, nenhuma apreciação teve lugar sobre o pedido formulado na causa ou dos factos em que se baseia.
4. Na sentença homologatória de uma transacção o juiz limita-se a fiscalizar a regularidade e validade do acordo, que, tratando-se de um negócio jurídico, pode ser declarada nula ou anulada e as suas cláusulas são interpretadas nos termos do art. 228, nº1 e 752, nº2, do Código Civil.
O Relator,
Choi Mou Pan



Recurso n° 121/2011
Recorrente: Companhia de Seguros XXX, Limitada
(XXX保險有限公司)





Acordam no Tribunal de Segunda Instância

  Nos autos do processo nº CR2-08-0082-PCC junto do Tribunal Judicial de Base, depois a discussão e audiência de julgamento onde o Mmº Juiz-Presidente tinha homologado o acordo entre as partes do enxerto cível sobre a indemnização deduzida, a Companhia de Seguros Ásia, Limitada, demandada dos pedidos cíveis, veio aos autos pedir o cancelamento e a desistência do acordo celebrado na audiência acima referida (fl. 505-507), nos seguintes termos:
“O acordo celebrado entre a ora requerente e o requerente do pedido de indemnização cível realizado no pressuposto de que se tratava do ressarcimento ao ofendido do total das despesas médicas por este realizadas, dos salários por ele perdidos e ainda dos danos não patrimoniais por este sofridos.
E, uma vez que havia dúvidas, por parte da ora requerente, relativamente ao facto das despesas médicas apresentadas no pedido de indemnização cível terem, ou não, sido já ressarcidas por outra companhia de seguros e portanto este montante dever ser descontado do total acordado, como aliás já tinha sido alegado pela ora requerente na contestação atempadamente apresentada, ficou combinado que o ofendido entregaria o original das referidas despesas médicas na companhia de seguros, para prova de que, efectivamente, estes montantes não lhe tinham sido ainda pagos.
Sucede, porém, que com grande espanto da ora requerente no dia 19 de Novembro, último dia do prazo que lhe foi concedido, o ofendido entregou alguns recibos das despesas médicas (e diz-se alguns, pois os originais dos recibos cuja cópia se juntou sob os números 204, 205, 207, 214 a 220, 222, 224 a 227, 234, 236 a 240, 242 e 244 não foram entregues), nos quais consta em todos eles e com grande desplante, o carimbo da companhia de seguros XXX e a indicação - clara, expressa e sem margem para quaisquer dúvidas - que os mesmos foram já pagos ao requerente do pedido cível em 23 de Maio de 2005.
Ora, o pedido de indemnização cível entrou em tribunal em 8 de Outubro de 2007.
Esta atitude denota evidente MÁ FÉ por parte do requerente do pedido de indemnização cível, o qual vem requerer em tribunal o pagamento de despesas que já lhe tinham sido pagas há mais de dois anos.
Nestes termos, e face ao acima exposto, requer-se que o referido acordo seja dado sem efeito marcando-se nova data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
Mais requer a condenação do requerente do pedido de indemnização cível como litigante de má fé em multa e numa indemnização à ora requerente de montante não inferior a MOP$100.000,00.”
  Em termos processuais de leitura do acórdão presidida pelo Mm° Juiz-Presidente, foi indeferido o pedidos, nos seguintes termos:
“- o acordo que antecede e nestes autos foi concretizado pelas partes no âmbito da audiência e no uso da plenitude das suas capacidades.
- Não se perscrutou qualquer vício de vontade que o afectasse patologicamente.
- Por outro lado, com o acordo quanto à indemnização cível o ofendido fez a competente declaração de desistência que, como se sabe, tem sempre natureza incondicional.
- Assim, por falta de base legal indefere-se o requerimento que antecede.
- Notifique.”
  
  Com este despacho não conformou, recorreu a Companhia de Seguros de XXX, Limitada, alegando que:
1. O despacho de que se recorre enferma de erro na aplicação da lei;
2. Na verdade, o despacho recorrido olvida as circunstâncias supervenientes que modificaram decisivamente a capacidade cognitiva dos intervenientes e a vontade que os mesmos tinham de efectuar o acordo, para além de tornarem inútil a ideia (conceito) subjacente ao mesmo.
3. De facto, o acordo foi alcançado com o pressuposto subjacente, e claramente expresso, de proceder ressarcimento ao ofendido de todas as despesas patrimoniais e não patrimoniais por este efectuadas em consequência do acidente de viação;
4. Porém, ao se verificar, aquando da entrega parcial dos originais dos recibos que as depesas médicas já tinham sido integralmente pagas por outra seguradora, alteraram-se os dados cognitivos disponíveis da recorrente à data em que celebrou o acordo, e modificou-se a sua vontade de o celebrar.
5. Ao não considerar a alteração das circunstâncias advindas da junção aos autos dos novos documentos o despacho recorrido interpretou erroneamente a lei.
6. Por outro lado, ao indeferir o requerimento apresentado pela recorrente, no qual se requeria a resolução do acordo, o Meritissimo Juiz não tomou em consideração o facto do acordo de transacção não ter ainda transitado em julgado e, por esse motivo, ainda não se ter tornado certo e vinculativo para as partes contraentes.
7. Também quanto a aspecto a recorrente considera que houve uma errada interpretação da lei.
8. Por último, o despacho errou ainda na aplicação da lei quando não considerou o não cumprimento da condição resolutiva constante no acordo de transacção.
9. Dado que, o cumprimento do acordo ficou condicionado à entrega pelo ofendido dos originais dos recibos constantes dos autos, o que não foi por este cumprido, uma vez que só entregou parte destes originais à recorrente.
10. E, não tendo sido cumprida a condição resolutiva o acordo deve ter-se por resolvido.
  A este recurso não houve respostas.
  
  Nesta instância, a Digna Procurador-Adjunto absteve-se a pronunciar dada a limitação da matéria de indemnização cível.
  
  Foram colhidos os vistos.
  Cumpre conhecer.

Como podemos ver claramente, após decisão homologatória da transacção deduzida judicialmente, a recorrente veio, com a invocação da má fé da apresentação dos documentos juntos aos autos, pedir a declaração da nulidade (apesar do uso do termo de “cancelar e desistir”) da transacção.
O Tribunal a quo por ter considerado pela correspondência à vontade real das partes, indeferiu o pedido deduzido.
Vejamos.
De antemão, é de referir que o recorrente não indicou quais as normas violadas pela decisão recorrida, omissão essa que se constitui uma causa de rejeição do recurso nos termos do artigo 402° n° 2 al. a) do Código de Processo Penal (de 1997, aplicável ao momento da interposição do recurso).
Mesmo que tenha que apreciar a questões, é manifesto improcedente o recurso, simplesmente por o pedido da declaração da nulidade dirigido ao próprio autor da homologação não ser um meio próprio e adequado para o efeito pretendido.
Sabe-se que a transacção, realidade distinta da sentença que a homologa, pode ser declarada nula ou anulada, mormente com fundamento em vícios da vontade dos outorgantes ou natureza do seu objecto, como a generalidade dos contractos, sendo, todavia, o meio adequado para o efeito a acção a que se refere o mencionado artigo 243° do CPC ou o recurso de revisão; e só esta solução se compagina com a indispensável discussão processual (e inerente alegação e prova dos factos correspondentes) dos invocados vícios da vontade ou da alegada ilegalidade do objecto da transacção, sendo que, em caso de haver transacção, nenhuma apreciação teve lugar sobre o pedido formulado na causa ou dos factos em que se baseia;1 pois, o n° 2 do artigo 234° do CPC, complementando o sentido do n° 1, tem exclusivamente em vista os casos de nulidade ou de anulação da confissão, desistência ou transacção, baseados na falta de vontade ou nos vícios de consentimento dos outorgantes.2
Como também se sabe, na sentença homologatória de uma transacção o juiz limita-se a fiscalizar a regularidade e validade do acordo, que, tratando-se de um negócio jurídico, pode ser declarada nula ou anulada e as suas cláusulas são interpretadas nos termos do art. 228, nº1 e 752, nº2, do Código Civil.
Independentemente dos fundamentos que levaram à decisão recorrida, esta decisão que indeferiu o pedido de “cancelamento e desistência” do acordo transaccional não merece qualquer censura. É de julgar improcedente o recurso.

Pelo exposto acordam no Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 6 UC’s.
RAEM, aos 6 de Março de 2014
Choi Mou Pan
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
1 Julgado neste sentido, no âmbito do direito comparado a Relação de Lisboa de Portugal no Acórdão de 2009-02-03 do processo n° 9258/2008-7.




2 Acórdão do STJ de 1998-12-10 do processo n° 98B938.
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TSI-121/2011 P.9