Proc. nº 441/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Fevereiro de 2014
Descritores:
-Competência do tribunal
-Execução dos contratos administrativos
-Actos administrativos destacáveis
-Multas contratuais
-Erro na forma do processo
SUMÁRIO:
I - A competência do tribunal deve ser aferida a partir da arquitectura da relação jurídica em litígio segundo a versão trazida a juízo pela mão do recorrente, tendo em consideração o pedido e respectiva causa de pedir formulados.
II - No seio dos contratos administrativos podem surgir decisões do ente público que se assumem como verdadeiros actos administrativos dotados de imposição autoritária e reunindo todas as características contidas na definição dada pelo art. 110º do CPA, como é o caso dos que aplicam multas contratuais.
III - O art. 113º, nº2, do CPAC não cria obstáculo a que o interessado intente no tribunal competente um recurso contencioso com vista à anulação do acto administrativo sancionador emergente da execução de um contrato administrativo. O interessado pode, é certo, avançar imediatamente para a acção sobre o contrato e, estando em presença de um acto com aquelas características, pode usar também do recurso contencioso dirigido a este. Pode fazê-lo porque o nº2, do cit. art. 113º não o proíbe (“…nada o impede…”).
IV - A impugnação contenciosa dirigida contra o acto tanto pode ser feita separadamente através da espécie própria, que é a do recurso contencioso, como na acção sobre contratos em cumulação de pedidos, desde que se verifiquem os requisitos previstos no nº3, do mesmo art. 113º, aplicando-se neste caso o disposto no art. 99º, nº5, do CPAC.
Proc. nº 441/2013
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Nos presentes autos de recurso contencioso que “A, Lda. ” interpôs do acto de 29/05/2013, da autoria do Ex.mo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, veio este suscitar a irregularidade do mandato da recorrente conferido ao advogado subscritor da petição inicial e deduzir a excepção de incompetência do tribunal e/ou inadequação do meio processual utilizado.
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Foi dada à recorrente oportunidade para se pronunciar sobre a matéria exceptiva, o que fez, aproveitando para juntar nova procuração forense e para defender a competência deste TSI para o conhecimento do recurso contencioso, espécie processual que, no seu entender, é a adequada para apreciação de actos que, no âmbito da execução de um contrato, apliquem sanções ao contratante particular, como é o caso de multas contratuais.
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O digno Magistrado do Ministério Público tomou também posição sobre estas excepções, opinando pelo indeferimento de qualquer delas, em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Apreciando.
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II - Pressupostos processuais
1 - O tribunal é absolutamente competente.
E disporá de competência interna em razão da hierarquia para apreciar o objecto dos autos?
Sem dúvida. A competência do tribunal deve ser aferida, como se sabe, a partir da arquitectura da relação jurídica em litígio segundo a versão trazida a juízo pela mão do recorrente, tendo em consideração o pedido e respectiva causa de pedir formulados.
Ora, in casu, a causa de pedir e pedido têm aqui um cunho nitidamente anulatório de um acto pretensamente lesivo. Sendo assim, parece que a mais nenhum tribunal poderia ser reconhecida a competência senão a este TSI, tendo em conta a qualidade funcional e orgânica da entidade alegadamente autora do acto recorrido. Estando nós, assim, em presença de um recurso contencioso com um objecto cuja autoria é imputada a um Secretário Regional do Governo, então ele nunca poderia ser interposto no TA, face ao que dispõe o art. 36º, nº8), (2), da LBOJ.
Improcede, pois, esta excepção.
Diferente é a questão da propriedade do meio, cuja procedência pode, isso é verdade, determinar a alteração da competência do tribunal. Mas, aí a competência só será eventualmente outra porque radicada em diferentes causa de pedir e espécie processual. Disso trataremos de seguida.
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2 -Será o meio processual escolhido o próprio?
A recorrente escolheu o recurso contencioso; a entidade recorrida acha que o meio próprio seria a acção.
Vejamos.
Está em causa um acto que, no decurso da execução de um contrato de prestação de serviços no âmbito de contrato de ampliação das estruturas principais do Novo Terminal Marítimo da Taipa, à recorrente aplicou uma multa prevista no próprio clausulado contratual.
Houve, realmente, tempos em que os actos de aplicação de multa, por respeitarem já ao espaço da execução de um contrato administrativo seriam sindicados no âmbito de uma acção sobre contratos (v.g., na jurisprudência comparada, os Acs. do STA de 15/05/2002, Proc. nº 046106, de 7/10/2004, Proc. nº 0640/04 e de 14/07/2005, Proc. nº 0106/05).
Efectivamente, no seio dos contratos administrativos podem surgir decisões do ente público que se assumem como verdadeiros actos administrativos dotados de imposição autoritária e reunindo todas as características contidas na definição dada pelo art. 110º do CPA. Dizia-se que, sendo actos destacáveis, seriam perfeitamente recorríveis contenciosamente, por terem efeitos definitivos e executórios (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10ª ed., pág, 610 a 614 e Vol. II, pág. 1272 e 1273; Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, pág. 272, e Legalidade e Autonomia Contratual em Contratos Administrativos, 1987, pág.722 e sgs.; Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, pág. 615 e 635).
Porém, nada do que a doutrina e a jurisprudência referidas foram dizendo sobre o tema procede contra o actual quadro legal vigente na RAEM. Não esqueçamos que essa posição jurisprudencial e doutrinal se fundava num regime jurídico/processual que difere daquele que aqui e agora disciplina esta matéria.
Com efeito, o art. 113º, nº2, do CPAC não cria obstáculo a que o interessado intente no tribunal competente um recurso contencioso com vista à anulação do acto administrativo sancionador emergente da execução de um contrato administrativo. O interessado pode, é certo, avançar imediatamente para a acção sobre o contrato e, estando em presença de um acto com aquelas características, pode usar também do recurso contencioso dirigido a este. Pode fazê-lo porque o nº2, do cit. art. 113º não o proíbe (“…nada o impede…”).
Ora, esta utilização da impugnação contenciosa dirigida contra o acto tanto pode ser feito separadamente através da espécie própria, que é a do recurso contencioso, como na acção em cumulação de pedidos, desde que se verifiquem os requisitos previstos no nº3, do mesmo art. 113º, aplicando-se neste caso o disposto no art. 99º, nº5, do CPAC.
Significa isto que o recurso pode perfeitamente prosseguir de forma autónoma, porque tem objecto recorrível contenciosamente e porque está dentro da liberdade de escolha do meio que o Código neste domínio confere ao interessado.
Vale dizer, por conseguinte, que o processo é o próprio.
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3 - Não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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4 - Representação/Da regularidade do mandato
A questão suscitada pela entidade recorrida tem que ver com a procuração forense. Em sua óptica, sendo a recorrente designada “A, Limitada”, a procuração de fls. 27 não pode servir para conferir validamente o mandato ao douto advogado que subscreveu a petição inicial, uma vez que a designação que dela consta é “A, Limitada”.
Valeu a pena ter sido equacionada esta questão, uma vez que a designação da sociedade constante do instrumento de fls. 27 não estava realmente conforme a sua verdadeira designação.
Tendo sido notificado para se pronunciar sobre o assunto, a recorrente logo procurou suprir a irregularidade, fazendo juntar outra procuração com identificação exacta da recorrente e com expressa ratificação de todos os actos praticados pelos mandatários (fls. 181).
Sendo assim, a irregularidade deve considerar-se sanada em termos definitivos.
Podemos agora dizer, por conseguinte, que ambas as partes estão devidamente representadas em juízo.
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5 - Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do recurso.
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Reunindo o processo os elementos necessários à decisão, determina-se que se notifiquem as partes para apresentação de alegações facultativas.
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TSI, 27 de Fevereiro de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho