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Recurso nº 963/2010
Data: 27 de Fevereiro de 2014

Assuntos: - Revogação da suspensão
- Inibição da condução







SUMÁRIO
1. O artigo 109° da Lei n° 3/2007 prevê dois casos especiais em que, durante o período de suspensão da execução da sanção de inibição de condução e da sanção de cassação de carta de condução.
2. No primeiro caso, se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa.
3. Daí, implica necessariamente a revogação da suspensão da execução da sanção de inibição de condução.
4. No segunda caso, se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a suspensão da execução da sanção de cassação de carta de condução é sempre de revogar e determina-se a execução imediata da cassação.
5. Os regimes estabelecidos no artigo 109° da Lei de Trânsito Rodoviário, ao prever esses dois casos especiais nunca afastam a hipótese da aplicação da revogação da suspensão da inibição de condução.
6. A lei ao conferir ao Tribunal o poder de aplicação da suspensão da execução da inibição de condução, deve ser logicamente atribuir a ele o poder de revogação.
7. A lei estabeleceu expressamente o regime de revogação no nº 2 e n° 3 do citado artigo 109°, porque estes são regimes especiais e confere ao julgador o poder vinculado, não tendo qualquer poder de escolha, a título de discricionariedade, ou de espaço de decisão.
8. O artigo 127º do CPP ao prever o regime da reincidência e prorrogação da pena aplicado à contravenção, “nas contravenções não se aplicam as normas do presente Código relativas à reincidência e à prorrogação da pena”, não fez inclusão do regime de revogação da suspensão, logicamente, este regime deve recorrer ao regime geral do Código Penal aplicável à contravenção nos termos do artigo 124° n° 1 do Código Penal.
O Relator,







Recurso n°963/2010

Recorrente: A






Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:

I – RELATÓRIO
Em 7 de Abril de 2008, no processo nº CR2-08-0081-PSM do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Base, após julgamento em processo sumário e perante tribunal singular, foi o arguido A condenado, pela prática de uma crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artº. 90º, n.º 1 da Lei n.º 3/2007, na pena de dois(2) meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à razão de sessenta patacas ($60) por dia, o que perfaz um montante de Três Mil e seiscentos Patacas ($3,600).
Na mesma sentença, foi o arguido também condenado com a pena acessória de inibição de condução, nos termos do art.90º nº 1 da Lei nº 3/2007, por um período de um (1) ano, suspende a execução da sanção de inibição de condução aplicada por um (1) ano (art.109º nº1 da Lei nº3/2007).
Posteriormente, por despacho judicial datado de 28 de Junho de 2010, foi revogada a suspensão da execução da sanção acessória aplicada, por ter o arguido cometido várias transgressões durante o período de suspensão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso do despacho judicial de revogação de suspensão, tendo oferecido as seguintes fundamentos:
1. Foi pelo Mm.º Juiz de Tribunal proferida a douta decisão ora recorrida, da qual resultou a revogação da suspensão da execução da sanção acessória aplicada ao ora Recorrente.
2. O Recorrente, no dia 7 de Abril de 2008, foi punido com pena de dois (2) meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à razão de sessenta patacas ($60) por dia, o que perfaz um montante de Três mil e seiscentas Patacas ($3,600), e
3. Uma pena acessória de inibição de condução, nos termos do art.º 90°, n.º 1 da L.T.R, por um período de um (1) ano, suspensa a execução da sanção de inibição de condução aplicada por um período de (1) ano (art.º 109º, n.º 1 da mesma Lei), devido aos motivos atendíveis.
4. Na decisão ora recorrida, o Mm.º Juiz salientou que “Durante o período de suspensão da execução da sanção acessória o transgressor cometeu várias transgressões. Tal impõe a conclusão de que a mera ameaça da execução da sanção não obteve o seu desiderato base, ou seja, evitar que o transgressor cometesse qualquer outro ilícito”,
5. As transgressões cometidas pelo Recorrente durante o período da suspensão em causa foram:
- Nove transgressões previstas no art.º 48.º da L.T.R.;
- Nove transgressões previstas no art.º 9.º da L.T.R.;
- Seis transgressões previstas no n.º 1 do art.º 21.º do R.A. 35/2003, e
- Três transgressões previstas no art.º 5.º do R.T.R.
6. Nenhuma destas transgressões acima referidas, impliquem na pena de acessória de inibição de condução.
7. Desde da data da prática do crime referido no articulado 2.º, o arguido nunca veio a cometer um outro crime da mesma natureza, nem infracções graves ou muito graves que impliquem a proibição ou inibição de condução.
8. Fazendo uma interpretação do art.º 109.º, podemos levar às seguintes conclusões:
9. Não prevê que pode ser revogada uma suspensão da execução de inibição de condução, por se verificar nova infracção que não implique a inibição de condução cometida durante o período de suspensão, ou seja,
10. Mesmo praticando uma nova infracção durante o período de suspensão, e sendo esta nova infracção uma que seja punível com a inibição de condução, a sanção a aplicar será executada sucessivamente com a da suspensa.
11. Por fim, apenas está previsto a revogação da suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução,
12. Se durante o período de suspensão se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução,
13. Caso o Recorrente estivesse na situação de ter sido suspensa a execução da pena de cassação da carta de condução,
14. Nunca determinaria a revogação desta suspensão, por ele não ter praticado qualquer infracção que implicaria na inibição de condução.
15. Dest arte, o Mm.º Juiz não deveria ter revogada a suspensão da execução da sanção acessória (inibição de condução) ora aplicada.
16. Ao revogar a suspensão da execução da sanção de inibição de condução, Mm.º Juiz, violou e não interligou os comandos previstos do art.º 109º da L.T.R.
Concluindo
Termos em que deverá ser revogada a decisão, porquanto, não se encontram preenchidos os requisitos nos termos do art.º 109º da L.T.R,
Nestes termos e nos demais de Direito, ao recurso em apreço deverá ser dado provimento e, por via dele, ser revogado a decisão recorrida, e tudo com as legais consequências.

A Digna Magistrada do MºPº apresentou resposta, entendeu que se deve julgar improcedente o presente recurso, e tendo oferecido as seguintes conclusões:
1. A decisão de revogação da suspensão da execução da pena acessória aplicada ao arguido foi por fundamento de o Tribunal entender que a mera ameaça da execução da sanção não obteve o seu desiderato base.
2. Entendemos que a decisão de revogação da suspensão da execução da pena acessória aplicada nestes autos não violou o disposto no artigo 109.º da Lei do Trânsito Rodoviário.
Nestes termos, e nos demais de direito devem V. Exas. Venerandos Juizes julgar o recurso improcedente.

Nesta Instância, a Digna Procuradora-Adjunta pronunciou-se pelo provimento do recurso.

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos.
Cumpre decidir.

II – FACTOS
Por sentença datada de 7 de Abril de 2008, nos presentes autos de CR2-08-0081-PSM, foi o arguido A julgado e condenado, pela prática de uma crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artº. 90º, n.º 1 da Lei n.º 3/2007, na pana de dois(2) meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à razão de sessenta patacas ($60) por dia, o que perfaz um montante de Três Mil e seiscentos Patacas ($3,600).
Na mesma sentença, foi o arguido também condenado com a pena acessória de inibição de condução, nos termos do art.90º nº 1 da Lei nº 3/2007, por um período de um (1) ano, suspende a execução da sanção de inibição de condução aplicada por um (1) ano (art.109º nº1 da Lei nº3/2007).
Durante o período de suspensão, o arguido cometeu cerca de 27 infracções, descritas a fls.32 a 36 que se dão por aqui reproduzidos.
Posteriormente, por despacho judicial datado de 28 de Junho de 2010, foi revogada a suspensão da execução da sanção acessória aplicada, por ter o arguido cometido várias transgressões durante o período de suspensão, cujo teor é o seguinte:
“Durante o período de suspensão da execução da sanção acessória o transgressor cometeu várias transgressões. Tal impõe a conclusão de que a mera ameaça da execução da sanção não obteve o seu desiderado base, ou seja, evitar que o transgressor cometesse qualquer outro ilícito.
Em face disso revoga-se a suspensão da execução da sanção acessória aplicada nestes autos.
Notifique, sendo transgressor também para apresentar a carta de condução no CPSP, no prazo de 10 dias após o trânsito da presente decisão, sob pena de cometer um crime de desobediência.
Advirta-se o arguido que conduzir no período de inibição determina a prática de crime de igual natureza.”

III – FUNDAMENTOS
Veio o arguido a alegar de que a lei de trânsito rodoviário nunca determinaria a revogação da suspensão de pena acessória de inibição da condução, por ele não ter praticado qualquer infracção que implicaria na inibição de condução, não devendo revogar a suspensão da execução da sanção acessória (inibição de condução) ora aplicada e ao revogar a suspensão da execução da sanção de inibição de condução, Mm.º Juiz, violou e não interligou os comandos previstos do artigo 109º da L.T.R.
Vejamos então.
Prevê-se o art.109º da Lei do Trânsito Rodoviário o seguinte:
Artigo 109º (Suspensão da execução da sanção)
“1. O tribunal pode suspender a execução das sanções de inibição de condução ou de cassação da carta de condução por um período de 6 meses a 2 anos, quando existirem motivos atendíveis.
2. Se durante o período de suspensão se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa.
3. A suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução é sempre revogada, se, durante o período de suspensão, se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução.
4. A revogação referida no número anterior determina a execução da sanção de cassação da carta de condução.”
Como se vê claramente, o que está previsto neste artigo 109° da Lei n° 3/2007 são os dois casos especiais em que, durante o período de suspensão da execução da sanção de inibição de condução e da sanção de cassação de carta de condução.
No primeiro caso, se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa.
Daí, implica necessariamente a revogação da suspensão da execução da sanção de inibição de condução anteriormente decretada, para que esta inibição possa ser executada sucessivamente com a nova inibição, ou seja, recorrem ao concurso efectivo das penas de inibição.
No segunda caso, se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a suspensão da execução da sanção de cassação de carta de condução é sempre de revogar (no 3°) e determina-se a execução imediata da cassação (n° 4).
No caso vertente, verifica-se que o recorrente cometeu, no período de suspensão, várias infracções rodoviárias (cfr. fls. 33 a 36 dos autos).
Como nenhuma dessas infracções é susceptível de se aplicar a sanção de inibição de condução, parecia que não deva levar à aplicação da suspensão da inibição de condução, face ao disposto nesse artigo 109°.
A questão a colocar será esta: será o legislador quis com apenas essas duas previsão impedir a revogação duma de suspensão da inibição quando vier a verificar a prática das infracções não previstas neste artigo?
O que é essencial é que os regimes estabelecidos nesse artigo 109° da Lei de Trânsito Rodoviário, ao prever o regime quer de revogação da suspensão da pena acessória de cassação de carta de condução, ou sa inibição da condução, quer de aplicação imediata de inibição de condução no período de suspensão de execução da inibição de condução, nunca afastam a hipótese da aplicação da revogação da suspensão da inibição de condução.
Primeiro, a lei ao conferir ao Tribunal o poder de aplicação da suspensão da execução da inibição de condução, deve ser logicamente atribuir a ele o poder de revogação.
Segundo, a lei estabeleceu expressamente o regime de revogação no nº 2 e n° 3 do citado artigo 109°, porque estes são regimes especiais e confere ao julgador o poder vinculado, não tendo qualquer poder de escolha, a título de discricionariedade, ou de espaço de decisão.
Terceiro, artigo 127º do CPP ao prever o regime da reincidência e prorrogação da pena aplicado à contravenção, “nas contravenções não se aplicam as normas do presente Código relativas à reincidência e à prorrogação da pena”, não fez inclusão do regime de revogação da suspensão, logicamente, este regime deve recorrer ao regime geral do Código Penal aplicável à contravenção nos termos do artigo 124° n° 1 do Código Penal.
Sendo certo, neste Tribunal de Segunda Instância tinha jurisprudenciado no Acórdão em 17-11-2005 no proc. n° 269/2005, no sentido de considerar não aplicável à pena acessória de inibição de condução o regime de suspensão da execução da pena de prisão previsto no artigo 48° do CPM, no âmbito do anterior Código de Estrada em que não estabeleceu o regime de suspensão da pena acessória de inibição e cassação, como o que aparece no artigo 109° acima citado, entendimento esse que não de deve valer para o presente caso.
Daí que é lógico concluir pela possibilidade da revogação da suspensão da execução da sanção acessória.
Decidida esta questão, como não tem mais questões, é de julgar improcedente o recurso.
Ponderado resta decidir.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça de 5 UC’s.
Fixa-se em MOP$2,000 como honorários à ilustre defensora do recorrente, a pagar pelo recorrente.
RAEM, aos 27 de Fevereiro de 2014


_________________________
Tam Hio Wa
(Relator)
(com declaração de voto em anexo)

_________________________
Choi Mou Pan
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)




Processo n.° 963/2010 (Recurso Penal)
Recorrente: A
Data: 27 de Fevereiro de 2014

Declaração de voto

Fico vencida por seguinte razão:
Veio, no presente recurso o arguido a alegar de que nenhuma das transgressões por ele cometidas durante o período de suspensão implique na pena de acessória de inibição de condução e ao abrigo do art.109º da Lei do Trânsito Rodoviário, não deveria ser revogada a suspensão da execução da sanção acessória aplicada. Portanto, entende o arguido de que o despacho de revogação violou o disposto no art. 109º da Lei do Trânsito Rodoviário.

Nos presentes autos, concordo com o tal referido pela Digna Magistrada do MºPº no seu douto parecer: “De facto, nos termos do n° 2 do art° 109° da Lei n° 3/2007, se durante o período de suspensão da execução da sanção de inibição de condução se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa.
Salvo o devido respeito por entendimento diverso, parece-me certo que a execução sucessiva acima referida implica necessariamente a revogação da suspensão da execução da sanção de inibição de condução anteriormente decretada.
É de afirmar que a revogação da suspensão da execução da pena acessória tem como pressuposto a prática de nova infracção que implique a inibição de condução.
No caso vertente, verifica-se que o recorrente cometeu, no período de suspensão, várias infracções rodoviárias (cfr. fls. 33 a 36 dos autos).
No entanto, nenhuma dessas infracções é susceptível de se aplicar a sanção de inibição de condução.
Daí que a não aplicação ao caso sub judice do n° 2 do art° 109° da Lei n° 3/2007.”

Assim sendo, por as infracções entretanto cometidas por recorrente não eram susceptíveis de se aplicar a sanção de inibição de condução, não se constituiu fundamento para a revogação da suspensão da execução da pena acessória nos termos do citado art.109º.

No entanto, será a aplicabilidade no presente caso do disposto do art.54º do Código Penal ?
Outra vez citado o douto parecer da Digna Magistrada do MºPº: “Por um lado, a norma contida no art° 54° do CPM prevê apenas a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
No que concerne à suspensão da execução da pena acessória, o Tribunal de Segunda Instância tem decidido que a suspensão da execução da pena principal não abrange a suspensão da execução da pena acessória e o instituto apenas tem aplicação quando está em causa uma pena de prisão (cfr. Ac.s de 30-10-2003, proc. n° 226/2003; de 6-11-2003, proc. n° 215/2003; de 19-2-2004, proc. n° 294/2003 e de 4-3-2004, proc. n° 46/2004).
Não obstante se tratar, nos referidos processos, da proibição de entrada nas salas de jogo, pena acessória aplicada quando o agente for condenado pelo crime de usura para jogo, certo é que aquele entendimento não deixa de valer também para situações em que estejam em causa outras penas acessórias.
E no douto Acórdão proferido em 17-11-2005 e no proc. n° 269/2005, o Tribunal de Segunda Instância deixou muito claro o seu entendimento no sentido de considerar não aplicável à pena acessória de inibição de condução o regime de suspensão da execução da pena de prisão previsto no art° 48° do CPM.
Daí que é lógico concluir também pela inaplicabilidade do art° 54° do CPM para efeitos de revogação da suspensão da execução da sanção acessória.
Por outro lado, o regime de suspensão da execução da sanção de inibição de condução previsto no n° 1 do art° 109° da Lei n° 3/2007 é muito diferente do regime estabelecido no art° 48° do CPM, nomeadamente quando se falam nos pressupostos e fundamentos dos regimes.
Na realidade, a suspensão da execução da sanção de inibição de condução opera-se “quando existirem motivos atendíveis”, enquanto o regime do art° 48° do CPM exige que “a simples censura do facto e ameaça de prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição”.
Ora, pese embora a existência de certa semelhança entre as normas do n° 2 do art° 109° da Lei n° 3/2007 e do art° 54° do CPM, na parte respeitante à prática de nova infracção ou crime, parece-nos que não é de aplicar esta segunda norma nos casos de sanção acessória.”

Portanto, tal como defendo no acórdão do Recurso nº. 814/2012, datado de 28 de Janeiro de 2014, não se aplica no presente caso o mercanismo previsto no art.54º do Código Penal, e seria de revogar o despacho em causa.

Relator vencida

___________________________
Tam Hio Wa

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TSI-963/2010 P.16