Processo nº 65/2013
(Revisão de Sentença do Exterior)
Data: 27Fevereiro/2014
Assuntos:
- Revisão de Sentença do Exterior
SUMÁRIO :
É de confirmar uma sentença proferida pelos Tribunais do Interior da China, relativa a um divórcio litigioso por ruptura dos laços e deveres conjugais que comprometem irremediavelmente a vida em comum, desde que se mostre a autenticidade e inteligibilidade da decisão revidenda, desde que transitada, não se tratando de matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau e não se vendo em que tal confirmação possa ofender os princípios de ordem pública interna.
O Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 65/2013
(Revisão de Sentença do Exterior)
Data : 27/Fevereiro/2014
Requerente : A
Requerido : B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, mais bem identifica nos autos, vem requerer junto deste Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M. a REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA proferida na República Popular da China, que aí dissolveu o seu casamento com B, também de nacionalidade chinesa, também ele ali mais bem identificado, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1°
Requerente e requerida casaram em 28 de Outubro de 1993, na R.P. da China, em 中國遼寧省民政廳.
Contudo,
2°
Por sentença proferida em 21 de Março de 2008, pelo Tribunal Popular da Zona Yuexiu da Cidade de Guangzhou da Província Guangzhou (廣東省廣州市越秀區人民法院), China, foi este casamento dissolvido, por divórcio, tudo nos termos da certidão que se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (cfr. Doc. n.º 1).
3°
Aquela sentença foi proferida em última instância e já transitou - cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 1200° do C.P.C. de Macau.
Por outro lado,
4°
Não há dúvidas quanto à autenticidade dos documentos supra referidos - alínea a) do citado artigo.
5°
O Tribunal que proferiu a decisão é o competente, não se verificando igualmente as outras situações previstas na alínea c) do citado artigo.
6°
Não há lugar à invocação de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a Tribunal da R.A.E.M. - alínea d) do citado artigo.
7°
Foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes - alínea e) do citado artigo.
8°
Não contém, finalmente, a decisão judicial a rever e confirmar qualquer conteúdo que conduza a um resultado incompatível com a ordem pública de Macau - alínea f) do citado artigo.
Termos em que, por preenchidos os requisitos enumerados no artigo 1200° do Código de Processo Civil, requer a revisão e confirmação daquela decisão proferida pelo Tribunal Popular da Zona Yuexiu da Cidade de Guangzhou da Província Guangdou (廣東省廣州市越秀區人民法院), China, de molde a poder produzir efeitos na R.A.E.M ..
Foi oportunamente citado o requerido que não deduziu qualquer oposição.
O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
Relativamente ao processo de divórcio que correu seus termos no Tribunal Popular do distrito de Yuexiu da cidade de Guangzhou da província de Guangdong, da república Popular da China, aí foi proferida decisão judicial por acórdão proferido em 5 de Março de 2008 e que entrou em vigor em 21 de Março de 2008, conforme certidão junta aos autos, a fls 4 a 10, cujo teor do acórdão e certidão aqui se dá integralmente por reproduzido e cuja tradução é a seguinte:
“TRIBUNAL POPULAR DO DISTRITO DE YUEXIU DA CIDADE DE GUANGZHOU DA PROVÍNCIA DE GUANGDONG
ACÓRDÃO CIVIL
Yue Fa Min Yi Chu Zi, n.º XXXX (2007)
Autor, B, de sexo masculino, nascido a 19 de Maio de 1967, da etnia Han, residente na Cidade de Guangzhou, XXXX.
Mandatário constituído, C, advogado do Escritório de Advogados de XXX de Guangdong.
Ré, A, de sexo feminino, nascida a 21 de Abril de 1969, da etnia Han, residente na Cidade de Guangzhou, XXXX.
Mandatário constituído, D, advogado do Escritório de Advogados de XXX de Guangdong.
O autor, B, intentou a acção de divórcio contra a ré, A. Tendo admitido a acção, este Tribunal formou o tribunal colectivo nos termos da lei e procedeu à audiência de julgamento à porta aberta, na qual, estiveram o autor B e o seu mandatário constituído C, e a ré A e o seu mandatário constituído D. O julgamento já foi concluído.
O autor B, alegou que casou com a ré em 28 de Outubro de 1993, e a ré deu à luz uma filha E em 24 de Março de 1995 e um filho F em 22 de Junho de 2001. Após o casamento, a ré mostra um carácter muito forte, até exigiu que o nome do chefe da família na caderneta de censo tenha que ser o seu. Com melhoria das condições económicas, o autor e a ré compraram conjuntamente três fracções na Cidade de Guangzhou. Porém, o carácter da ré tornou-se mais violento, destruindo aleatoriamente as coisas em casa e impondo ao autor a violência familiar. O autor tentou o melhor para suportar devido à família e às crianças, porém, a ré aproveitou esta vontade, criando mais problemas irracionais. O autor e a ré quase tornaram-se em inimigos. O autor não pode dar-se bem com a ré, brigando sempre com ela. E a ré também xingou e bateu nos familiares do autor e até quase causou morte. Não tem nenhuma afeição conjugal com a ré e não pode viver juntamente com ela. A relação conjugal, na prática, só existe pelo nome e hoje as duas vivem em separação a longo tempo. As partes têm os seguintes bens comuns: 1. Três fracções em Guangzhou: uma sita na Cidade de Guangzhou, 番禺區鈡村鎮祈福新村XXXX (este imóvel tem certidão de propriedade e o proprietário é a ré); uma sita na Cidade de Guangzhou, 番禺區鈡村鎮祈福新邨XXXX (este imóvel é propriedade hipotecada e foi comprado em nome da ré); outra sita na Cidade de Guangzhou, 越秀區起義路XXXX (este imóvel é propriedade hipotecada e foi comprado em nome da ré). 2. Duas lojas em Macau: Sitas na Rua Pescadores n.º XXXX, Macau (as duas lojas estão ligadas), ambas são registadas em nome da ré. 3. Uma fracção sita em Macau: XXXX, Rua dos Pescadores, Macau. Este imóvel tem certidão de propriedade e o proprietário é o autor. 4. Fracção e equipamentos electrónicos, estoques e mercadorias nas lojas. 5. O depósito bancário detido em título da ré e da sua irmã mais velha F, no valor de RMB 2.000.000,00. 6. Uma Sociedade de Comércio L de Guangzhou, Limitada, com capital social registado de RMB 500.000,00, era explorada conjuntamente pelo autor e pela ré e detida em título destas, no entanto, a ré já levantou dois camiões de mercadorias armazenadas na Sociedade em 30 de Abril, no valor de RMB 10.000.000,00, e actualmente a Sociedade encontra-se no estado de paralisia. Face ao exposto, o autor pede ao Tribunal que: 1. Seja decretado o divórcio; 2. A filha, E e o filho F fiquem à guarda e custódia do autor; 3. E sejam divididos em metade os bens comuns dos cônjuges supracitados.
A ré A alegou que: 1. Concordou com o divórcio, mas o autor deve assumir a responsabilidade de culpa do divórcio. 2. Quanto ao poder paternal, antes a ré empregou a irmã mais velha para cuidar dos filhos e actualmente os dois vivem com a ré, mais, a ré (sic.) tem registo criminal, logo, ambos os filhos devem ficar à guarda e à custódia da ré e o autor não precisa de pagar alimentos. 3. Quanto aos bens comuns, salvo os referidos pelo autor, ainda há uma Sociedade de Vestuário H de Hangzhou, Limitada, os trâmites de registo comercial desta Sociedade foram efectuados em 31 de Janeiro de 2001 pela agência constituída e o respectivo registo foi aprovado em 12 de Março de 2007, e em 16 de Abril do mesmo ano foi apresentado o requerimento de alteração por aumento do capital social registado no valor de RMB 500.000,00 a RMB 2.000.000,00. Embora esta Sociedade seja registada em nome do autor, os verdadeiros subscritores do capital eram a ré e o autor. Além disso, o autor tem intenção de tirar o capital e transferi-lo para o seu parente, I. A marca registada “H” já foi comprada pela Sociedade e passou a ser detido em título de I. O autor mandou o tesoureiro da Sociedade, F, transferir uma quantia no valor de RMB 1.500.000,00 para a conta bancária de I para constituir a Sociedade em Hongzhou e comprar um imóvel para explorar a referida Sociedade, e o imóvel foi comprado em nome de I, este acto deve ser considerado como uma evasão dos bens comuns dos cônjuges, logo, este capital deverá pertencer aos bens comuns dos cônjuges. 3. A ré confirmou a quantia referida pelo autor, no valor de RMB 2.000.000,00, mas exigiu ao autor a prestação da prova para mostrar que esta quantia está detida em título da ré e da sua irmã mais velha F, e depois divide-se esta quantia. 4. E a Sociedade de Comércio L de Guangzhou, Limitada era explorada em nome de J e de K, e a quantia no valor de RMB 2.000.000,00 detida em título de F pertence à referida Sociedade, pelo que esta quantia não pertence aos bens comuns dos cônjuges. Em 30 de Abril de 2007, a ré só transportou dois camiões de mercadorias, uma vez que no acordo de divórcio, o autor concordou em oferecer à ré as mercadorias importadas pela respectiva Sociedade, no valor de RMB 2.500.000,00, portanto, o tratamento desses bens já foi acordado pelas partes. A ré não sabia bem o valor exacto dos dois camiões de mercadorias e o autor disse que as mercadorias valem RMB 10.000.000,00, a ré reconheceu o aludido assunto. Porém, na altura há mais de dois camiões de mercadorias no armazém, pelo que a ré exigiu a deduzir a quantidade dos estoques no armazém conforme a quantidade das mercadorias dos dois camiões e dividir-se estes estoques como bens comuns dos cônjuges. Além disso, o preço da marca desta Sociedade, no valor de RMB 1.300.000,00, deve também ser tratado como bens comuns dos cônjuges. E o carro da Mercedes-Benz, de matrícula de XXXX, detido em título de K, accionista da Sociedade, pertence aos bens comuns dos cônjuges por ser bem da Sociedade. 5. Os objectos dentro dos imóveis referidos pelo autor têm que ser divididos junto com os imóveis. 6. As lojas em Macau referidas pelo autor não eram exploradas pela ré.
O autor B respondeu à ré, A, sobre as questões da marca e do carro: 1. O carro da Mercedes-Benz, de matrícula XXXX, foi detido em título de K, pelo que não pertence aos bens comuns dos cônjuges. 2. Quer as partes, quer a Sociedade de Comércio L de Guangzhou, Limitada, não são titulares da marca “L”. O titular desta marca é I, quer dizer, foi I que adquiriu esta marca do mão do titular original e esta aquisição já foi confirmada pela Administração da Marca, pelo que a mesma não pertence aos bens comuns dos cônjuges. E o montante de RMB 1.300.000,00 é o preço de agenciamento da marca, o que significa que só compra o direito de utilização da marca e precisa de pagar taxas de renovação anualmente.
Através da investigação, foi provado que o autor e a ré se casaram em 28 de Outubro de 1993, e a ré deu à luz uma filha E em 24 de Março de 1995 e um filho F em 22 de Junho de 2001. A seguir, surge contraditório entre as partes devido ao problema económico. As partes começaram a viver em separação desde Março de 2007, e a filha E e o filho F começaram a viver com a ré deste Junho de 2007 até hoje.
Em 7 em Setembro de 2000, a ré comprou uma fracção da Sociedade do Imobiliário M de Guangzhou, moradia essa sita na Cidade de Guangzhou, 越秀區起義路XXXX (com área bruta de construção de 192,36m2, o endereço escrito no certidão da propriedade predial é 越秀區起義路XXXX). O modo de pagamento: pagar uma caução no valor de RMB 10.000,00, a primeira prestação no valor de RMB 270.452,00 e a quantia remanescente, no valor de RMB 1.100.000,00, será paga através do empréstimo hipotecário. Em 15 de Junho de 2007, o Banco Industrial e Comercial da China S.A., Sucursal da Zona de Desenvolvimento da Tecnologia Nova e Alta de Guangzhou, emitiu uma carta de cobrança à ré, na qual se escreve expressamente que o valor remanescente do empréstimo da ré até 21 de Maio de 2007 é de RMB 452.712,40. Em 23 de Junho de 2007, a ré vendeu este imóvel ao actual proprietário N, a preço de RMB 1.400.000,00. Em 12 de Janeiro de 2007, a ré comprou uma fracção da Sociedade do Imobiliário “Qi Fu Xin Cun” do Distrito de Fanyu da Cidade de Guangzhou, fracção essa sita na Cidade de Guangzhou, 番禺區祈福新邨内XXX. Esta fracção tem valor total de HKD 2.810.373,00, equivalente ao valor da conversão em RMB 2.810.373,00 conforme o câmbio na altura. O modo de pagamento exige pagar respectivamente uma caução no valor de HKD 10.000,00, e depois a primeira prestação no valor de HKD 552.074,60 e a quantia remanescente antes da data indicada. Em 18 de Junho de 2007, a Sociedade do Imobiliário “Xi Fu Xin Cun” do Distrito de Fanyu da Cidade de Guangzhou emitiu um certidão que o valor total devido pela ré para comprar a referida fracção é de HKD 1.266.149,00. Mais se prova que, a Administração Municipal de Recurso da Terra e Gestão de Habitação do Distrito de Fanyu da Cidade de Guangzhou emitiu um certidão da propriedade, provando que a ré tinha comprado uma fracção sita na Guangzhou, 番禺祈福新村XXX em 2005 (com área bruta de construção de 75.30 m2), e o actual proprietário, O comprou da ré A esta fracção a preço de RMB 710.000,00 em Outubro de 2007.
Na audiência, a ré provou que, durante o período de separação, tinha pago respectivamente em 24 de Setembro de 2007 e em 12 de Outubro de 2007 ao Banco Industrial e Comercial da China S.A., Sucursal de Macau duas quantias no valor de HKD 100.000,00 (equivalente ao valor de RMB 95.000,00) e de HKD 483.384,10 (equivalente ao valor de RMB 459.214,90), e taxa de atraso no valor de HKD 21.309,50 (equivalente ao valor de RMB 20.244,00), no total de RMB 574.458,90, para compra da fracção sita na Cidade de Guangzhou, 番禺區祈福新邨内XXXX. O autor não reclamou contra esta prova.
Para provar que a Sociedade de Comércio L de Guangzhou, Limitada, foi investida conjuntamente pela ré e pelo autor e as partes já chegaram a um acordo sobre a divisão deste bem, a ré prestou seguintes provas: 1. Em 10 de Janeiro de 2004, o autor e a ré celebraram um acordo de “partilha dos bens no divórcio”: 1) pertencerá à ré o imóvel investido pela Sociedade de Comércio L de Guangzhou, Limitada, sita em 天河區中成路XXXX; 2) pertencerão ao autor os bens não investidos pela Sociedade; 3) a filha E fica à guarda e custódia da ré e todas as despesas ficam a cargo da ré; 4) o filho F fica à guarda e custódia do autor e todas as despesas ficam a cargo do autor. 2. Em 26 de Março de 2007, o autor e a ré celebraram um “acordo do divórcio”, chegando novamente a um consenso relativa à partilha dos bens comuns após o divórcio. Pertencerão à ré os seguintes bens: XXXX, Rua dos Pescadores, Macau; a fracção sita em Guangzhou, 起義路XXXX; a fracção sita em 番禺祈福新村XXXX; a fracção sita em 祈福新邨XXXX; o jipe “Honda”, de matrícula XXXX; as duas Lojas H, uma sita em Macau, Avenida de Lopo Sarmento de Carvalho, n.º XXX, r/c e outra sita em Macau, Avenida do Infante D. Henrique, n.ºs XX a XX, r/c; antes do dia 26 de Março de 2007, o autor concordou em oferecer à ré as Lojas H em Macau, o dinheiro das mercadorias importadas da Sociedade de Comércio L, Limitada, e as mercadorias no valor de RMB 2.500.000,00 (o valor foi calculado com desconto de 80% de preço de venda). Pertencerão ao autor os seguintes bens: o jipe da Mercedes-Benz, de matrícula de XXXX; a Sociedade de Comércio L de Guangzhou, sita em Guangzhou, 天河區中成路XXXX; a partir de então, o preço de mercadoria de H importada da Sociedade de Comércio L pela ré é calculado com desconto de 80% de preço de venda. O autor entende que os dois acordos só provam a existência da grande divergência entre as partes e mostram uma manifestação de vontade de divórcio, no entanto, com as alterações das circunstâncias, o autor ficou a discordar com o conteúdo relativo à partilha dos bens e ao poder paternal nos acordos. E no acordo do divórcio do ano 2007 pode provar que o negócio em Macau ficará a cargo da ré no caso de se divorciar.
Mais se prova que, o representante legal da Sociedade de Comércio L de Guangzhou, Limitada é J e os accionistas são J e K. Segundo o Relatório de Teste do Capital emitido em Novembro de 2002 pela Sociedade de Auditores R de Guangzhou, Limitada, J e K, cada um contribuiu uma quantia no valor de RMB 250.000,00 para requerer o registo da constituição da Sociedade de Comércio L de Guangzhou. Segundo o arquivo da Administração da Indústria e Comércio da Cidade de Hangzhou de 24 de Maio de 2007, regista-se que o representante legal da Sociedade de Vestuário H de Hangzhou é P, e os investidores deste Sociedade são P com capital no valor de RMB 1.400.000,00 e Q com capital no valor de RMB 600.000,00. E o requerente do registo da marca “H” é I.
Após a investigação, o representante legal da Sociedade de Comércio L de Guangzhou, Limitada é J e os accionistas são J e K. Segundo o Relatório de Teste do Capital emitido em Novembro de 2002 pela Sociedade de Auditores R de Guangzhou, Limitada, J e K , cada um contribuiu uma quantia no valor de RMB 250.000,00 para requerer o registo da constituição da Sociedade de Comércio L de Guangzhou. Segundo o arquivo da Administração da Indústria e Comércio da Cidade de Hangzhou de 4 de Maio de 2007, regista-se que o representante legal da Sociedade de Vestuário H de Hangzhou é P, e os investidores deste Sociedade são P com capital no valor de RMB 1.400.000,00 e Q com capital no valor de RMB 600.000,00. E o requerente do registo da marca “H” é I. (Sic.)
Mais, o autor pediu ao presente Tribunal que seja investigada a situação das contas bancárias da ré: 1. O n.º da conta bancária do Banco da Construção, sucursal da Rua de Shatai da Cidade de Guangzhou: XXXX, o saldo desta conta até 26 de Dezembro de 2007 é de RMB 3.040,48; 2. O n.º da conta bancária do Banco da Agricultura, agência da Rua de Xihu da Cidade de Guangzhou: XXXX, o saldo desta conta até 12 de Dezembro de 2007 é de RMB 2.245,17; 3. O n.º da conta bancária do Banco Comercial da Cidade de Guangzhou, sucursal de Beijing: XXXX, o saldo desta conta até 18 de Dezembro de 2007 é de RMB 0,00; 4. O n.º da conta bancária do Banco Industrial e Comercial, agência da Rua Jingxi da Cidade de Guangzhou: XXXX, o saldo desta conta até 21 de Dezembro de 2007 é de RMB 4.764,99; 5. O n.º da conta bancária do financiamento do Banco Industrial e Comercial, sucursal da Rua Xihu: XXXX, o saldo desta conta até 12 de Dezembro de 2007 é de RMB 22.555,41.
As contas bancárias do autor B são os seguintes: o n.º da conta do Banco da Construção, sucursal de Shatai da Cidade de Guangzhou: XXXX, o saldo desta conta até 12 de Dezembro de 2007 é de RMB 0,00.
Este Tribunal entende que, o autor requereu o divórcio com a ré devido à ruptura da afeição conjugal e a ré concordou com o divórcio, pelo que deve ser decretado o divórcio. Existe divergência relativa ao poder paternal entre as partes. As partes começaram a separar-se em Junho de 2001, e a filha legítima E e o filho F vivem com a ré até hoje, e actualmente a filha E e o filho S (sic.) alegaram expressamente ao Tribunal que queriam viver com a ré, e dado a alteração do ambiente da vida não é favorável ao crescimento são dos filhos, este Tribunal decide respeitar a escolha dos filhos e entende que vai considerar o pedido da ré de que queria viver com a filha E e o filho F. A ré desistiu voluntariamente dos alimentos do autor, e o que foi admitido por este Tribunal. O autor, embora não possa criar directamente os filhos, tem direito de visita e a ré tem dever de auxílio. Durante a constância do matrimónio, a fracção hipotecada, sita na Cidade de Guangzhou, 番禺區鈡村鎮祈福新邨XXXX, que foi comprada a título da ré, ainda está amortizada até hoje, ambas as partes não adquiriram o direito pleno de propriedade desta fracção, logo, segundo os respectivos dispostos, não é adequado condenar a pertença do direito de propriedade da aludida fracção sita na Cidade de Guangzhou, 番禺區鈡村鎮祈福新邨XXXX. A fracção sita na Cidade de Guangzhou, 越秀區起義路XXXX, e a fracção sita na Guangzhou, 番禺祈福新村月XXXX pertencem aos bens comuns dos cônjuges, durante o período da acção do divórcio, a ré, sem consentimento do autor, transferiu e vendeu secretamente os bens comuns dos cônjuges, o que vale crítica mais severa. A ré adquiriu uma quantia no valor de RMB 2.110.000,00 como contrapartida da venda, sem consentimento do autor, da fracção sita na Cidade de Guangzhou, 越秀區起義路XXXX e da fracção sita na Guangzhou, 番禺祈福新村XXXX. Esta quantia no valor de RMB 2.110.000,00 deve deduzir o dinheiro no valor de RMB 574.458,90 já pago pela ré durante o período de separação, para a compra da fracção (bem comum) sita na Cidade de Guangzhou, 番禺區鈡村鎮祈福新邨XXXX, logo, é o dinheiro no valor de RMB 1.535.541,10 como bem comum para se dividir. Quer dizer, o autor e a ré podem adquirir respectivamente uma metade, sendo o valor de RMB 767.770,55. Durante o período da acção, o saldo da conta bancária da ré é de RMB 32.606,00, e a ré pode adquirir uma metade desta quantia no valor de RMB 16.303,00. O autor pretendeu a partilha dos objectos dentro da fracção, mas não prestou respectiva prova, logo, o que não será processado. As duas lojas em Macau (sitas na Rua pescadores XXXX, Macau) e uma fracção em Macau (XXXX, Rua dos Pescadores, Macau), como não se situam no Interior da China e consequentemente, não se pode averiguar a situação real, não serão processadas neste caso. O autor pretendeu que uma quantia no valor de RMB 20.000.000,00 detida em título da ré e da sua irmã mais velha pertence aos bens comuns e a ré pretendeu que a taxa da marca no valor de RMB 1.300.000,00 também pertence aos bens comuns, ambas as pretensões das partes não foram verificadas por faltar provas. Ambos o autor e a ré alegaram a divisão dos bens da Sociedade de Comércio L de Guangzhou, Limitada, e da Sociedade de Vestuário H de Hangzhou, Limitada, mas segundo os respectivos registos industriais e comerciais, estas duas Sociedades não são constituídas com capitais das partes; o titular da marca “L” é I; e as partes reconheceram que o carro da Mercedes-Benz, de matrícula de XXXX, era utilizado em título de K e não há outras provas para verificar que este carro pertence aos bens comuns. Sendo assim, os bens da Sociedade de Comércio L de Guangzhou, Limitada, e da Sociedade de Vestuário H de Hangzhou, Limitada, o carro da Mercedes-Benz, de matrícula de XXXX, a taxa da marca “L” no valor de RMB 1.300.000,00, todos supracitados não serão processados neste caso. Face ao exposto, nos termos dos art.ºs 32.º, 36.º da Lei de Matrimónio da RPC, e do art.º 21.º das Interpretações Relativas a Algumas Questões em Aplicação do Regime de Casamento do RPC pelo Supremo Tribunal Popular, e conforme Alguns Pareceres Específicos do Supremo Tribunal Popular Relativos à Questão das Alimentos dos Filhos nos Processos de Divórcio Conhecidos pelo Tribunais Populares, vem este Tribunal julgar o seguinte:
1. É decretado o divórcio entre o autor B e a ré A.
2. Após o divórcio, E, filha legítima, e F, filho legítimo, ficam a cargo da ré A, e todas as despesas ficam a cargo dela. O autor B pode visitar a filha E e o filho F uma vez por uma semana depois de produzir efeitos jurídicos o presente acórdão.
3. A partir do dia da produção de efeitos jurídicas do presente acórdão, a ré A deve pagar uma quantia ao autor B, no valor de RMB 767.770,55, pela venda dos bens comuns dos cônjuges, isto é, a fracção sita na Cidade de Guangzhou, 越秀區起義路XXXXX, e a fracção sita na Cidade de Guangzhou, 番禺祈福新村XXXX.
4. A ré A deve pagar ao autor B uma quantia no valor de RMB 16.303,00, a título da parte divisada do saldo da conta bancária do autor B, dentro de 10 dias a partir do dia da produção dos efeitos jurídicos do presente acórdão.
5. Foi indeferido o restante pedido do autor B.
As custas da admissão no valor de RMB 37.168,00 e as custas da conservação de bens no valor de RMB 5.000,00 foram pagas previamente pelo autor B. O autor B deve pagar as custas da admissão no valor de 18.584,00 e as custas da conservação de bens no valor de RMB 2.500,00; e a ré A deve pagar as custas da admissão no valor de 18.584,00 e as custas da conservação de bens no valor de RMB 2.500,00.
Da presente decisão, pode-se recorrer ao Tribunal Popular de Nível Médio da Cidade de Guangzhou da Província de Guangdong, no prazo de 15 dias a contar da data de recepção do presente acórdão, através da apresentação da petição de recurso junto deste Tribunal, cujos números das cópias a apresentar devem corresponder aos números das partes.
Conforme o teor solicitado e os dispostos relativos à cobrança, a parte que interpôs o recurso, deve pagar previamente as custas da admissão ao Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Guangzhou da Província de Guangdong dentro de 7 dias a contar do dia seguinte da apresentação da petição de recurso. Seria considerado retirada do recurso automaticamente quando não pagasse as referidas custas dentro do prazo.
Presidente do Tribunal Colectivo: XXXX
XXXX
XXXX
Aos 5 de Março de 2008.
(Carimbo: Tribunal Popular do Distrito de Yuexiu da Cidade de Guangzhou)”
Essa sentença foi certificada nos seguintes termos:
“TRIBUNAL POPULAR DO DISTRITO DE YUEXIU DA CIDADE DE GUANGZHOU DA PROVÍNCIA DE GUANGDONG
CERTIDÃO DA ENTRADA EM VIGOR DO ACÓRDÃO
(2007) Yue Fa Min Yi Chu Zi, n.º XXXX
À Sra. A:
Tendo concluído o julgamento do processo de divórcio entre o autor B e a ré A ((2007) Yue Fa Min Yi Chu Zi, n.º XXXX), este Tribunal proferiu o acórdão em 5 de Março de 2008 e notificou-o ao autor e à ré de forma directa ao mesmo dia. Este acórdão já entrou em vigor em 21 de Março de 2008. O Tribunal tomou providência cautelar neste caso.
Aos 2 de Fevereiro de 2010.
Carimbo: Tribunal Popular do Distrito de Yuexiu da Cidade de Guangzhou”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida em processo de divórcio pelo Tribunal Popular do distrito de Yuexiu da cidade de Guangzhou da província de Guangdong, da República Popular da China, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
- Requisitos formais necessários para a confirmação;
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
- Compatibilidade com a ordem pública;
2. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida em acção de divórcio intentada pelo marido do ora requerente no Tribunal respectivo da cidade de Guangzhou, proferida em 5 de Março de 2008, cujo conteúdo facilmente se alcança, por ruptura conjugal e impossibilidade de recuperação do convívio e harmonia entre o casal, em particular no que respeita à parte decisória - dissolução do casamento -, sendo certo que é esta que deve relevar.2
4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.
5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio requerido apenas por um dos cônjuges e contestado pela outra parte.
6. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6
E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar o acórdão que dissolveu o casamento, decretando o divórcio entre a ora requerente e o seu marido, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a dissolução do casamento, até por mútuo consenso, constatando-se da documentação que se alegou que o casamento chegou a um ponto em que já não era possível continuar, por comprovada violação dos deveres e ruptura dos laços conjugais, situação essa que a sentença não deixa de reflectir.
Também a regulação dos filhos que ficaram com mãe, garantindo-se a visita do pai, bem como o acordo de partilha dos bens em nada contende com a ordem interna,
O pedido de confirmação de sentença do Exterior não deixará, pois, de ser procedente.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a decisão proferida no processo de divórcio litigioso entre a requerente A e o requerido B, (2007) Yue Fa Min Yi Chu Zi, n.º XXXX, com acórdão proferido no dia 5 de Março de 2008, que decretou o divórcio dos cônjuges e com produção de efeitos jurídicos em 21 de Março de 2008, tal como consta do acórdão certificado nos autos de fls 4 a 10.
Custas pela requerente.
Macau, 27 de Fevereiro de 2014,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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