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Processo nº 295/2012
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 13/Março/2014

Assuntos:
- Princípio da audiência dos interessados
- Subsídio de residência
- Aposentados do Território de Macau que optaram pelo regime da CGA
- Princípio da igualdade

SUMÁRIO:
    1. Com o estabelecimento da RAEM, abre-se um novo regime, enquadrado pela Lei Básica, constituindo-se uma outra pessoa colectiva de direito público, fazendo parte integrante da República Popular da China, diferente da pessoa jurídica que era o Território de Macau.
    
    2. O estatuto do aposentado é um estatuto diferente do estatuto do funcionário e assenta numa outra relação jurídica.
    
    3. A relação jurídica do aposentado que optou por transferir o recebimento da sua pensão pela CGA não pode ter como sujeito passivo a RAEM, situação que dimana da Declaração Conjunta e da Lei Básica.
    
    4. Diversos diplomas, promanados da Administração portuguesa, procuraram acautelar a situação dos funcionários, fosse dos que pediram a integração nos serviços da República Portuguesa, fosse dos que se aposentassem.
    
    5. Em relação aos aposentados, foi definido o quadro dos seus direitos até 19 de Dezembro de 1999, entre outros se contando o subsídio de residência e o acesso aos cuidados de saúde.
    
    6. A lei de então condicionou a atribuição do subsídio de transporte à intenção de fixação de residência em Portugal e condicionava a atribuição do subsídio de residência a uma residência efectiva em Macau, para além dos demais requisitos.
    
    7. Invocando razões de humanidade e desenraizamento, a menos de um mês da transferência da administração, fez-se desaparecer a limitação da atribuição do subsídio de residência até 19 de Dez./1999, mantendo-se os demais requisitos decorrentes do ETAPM para a sua atribuição.
    
    8. Ao optarem por fixar residência em Portugal, ou tal se presumindo, como decorria expressamente da lei para quem recebeu o subsídio de transporte e de bagagens, deixaram os aposentados ligados à CGA de poder receber o subsídio de residência. Mesmo tornando a Macau, interrompida se mostrava a situação que a lei requeria não tivesse sido descontinuada.
    
    9. Escolhido como parceiro da relação jurídica então instituída a CGA, deixaram os aposentados de ser aposentados da RAEM, só esses sendo contemplados com a Lei n.º 2/2011.
    
    10. Parecendo igual a situação jurídica dos aposentados do Território de Macau que não fizeram tal opção e, assim, discriminatório o tratamento em relação a outros, não o é realmente, pois, ainda que todos eles não sejam aposentados da RAEM, podem beneficiar do regime que os não exclua, fora do regime jurídico estatutário dos aposentados da função pública.

11. Em relação aos aposentados que estabeleceram relação jurídica com a CGA, podem beneficiar eles dos direitos e regalias que o legislador ordinário lhes confira, mas não na qualidade estatutária de aposentados da RAEM.

O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 295/2012
(Recurso Contencioso)

Data : 13 de Março de 2014

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificado nos autos, vem interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do acto do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 1/03/2012, exarado na Informação n.º 044/NAJ/LRB/, que lhe indeferiu o abono do subsídio de residência.
Conclui da seguinte forma as suas alegações facultativas de recurso, onde desenvolve e explicita algumas das ideias expressas nas suas alegações iniciais:
    1. Por acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 1/03/2012, exarado na Informação n.º 018/NAJ/LRB/2012 e notificado a coberto do Ofício n.º 006/NAJ/LRB/2012, foi indeferido o abono do subsídio de residência ao ora recorrente, que havia sido requerido ao abrigo do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
    2. O recorrente nunca se pronunciou no procedimento de 1.º grau, que culminou com o acto da Senhora Directora dos Serviços que naquele procedimento indeferiu o pedido formulado pelo recorrente.
    3. A violação do direito de audiência do recorrente imposto pelos artigos 10.º e 93.º e seguintes, ambos do CPA, consubstancia vício de forma determinante da invalidade do acto recorrido, conducente à sua anulação.
    4. A falta de audiência, naquele procedimento, da APOMAC, organismo representativo dos trabalhadores aposentados e pensionistas, detentora de legitimidade para esse efeito, ao abrigo do n.º 1 do artigo 55.º do CPA, viola o disposto no artigo 10.º do mesmo Código, que adicionalmente assegura a intervenção das Associações que defendam os interesses dos interessados, quando envolvidos em procedimentos administrativos, violação de lei que fere de invalidade o acto recorrido, devendo por isso ser anulado.
    5. A dispensa da audiência de interessados prevista no artigo 97.º do CPA exige uma decisão devidamente fundamentada nesse sentido.
    6. Não existe no procedimento administrativo qualquer decisão da Senhora Directora da DSF, que dispense a audiência de interessados, e respectiva fundamentação, pelo que a decisão da entidade recorrida que sancionou tal actuação ofende a regra do artigo 97.º do CPA, o que consubstancia vício de violação de lei conducente à anulabilidade do acto recorrido.
    7. A Lei n.º 2/2011 expressamente afastou o critério de residência como condição para a atribuição do subsídio previsto no seu artigo 10.º.
    8. Essa decisão consta do Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano Financeiro de 2011, na área da Administração e Justiça e da Nota Justificativa que acompanhou o ante-projecto da Lei n.º 2/2011.
    9. O abono do transporte para Portugal ao abrigo do DL n.º 14/94/M, não impede ao recorrente o acesso ao direito previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
    10. O artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 afastou expressamente o critério da residência em Macau como requisito para a concessão do subsídio previsto nessa norma, pelo que o acto recorrido, fazendo depender a atribuição do subsídio ao critério de residência em Macau, viola o disposto naquela regra, o que o torna anulável por vício de violação de lei.
    11. A entidade recorrida indeferiu a atribuição do subsídio de residência com fundamento nos DL n.ºs 14/94/M, 38/95/M e 96/99/M, diplomas que em Macau executavam o DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, que definiu várias componentes para o denominado processo de integração, para aferir dos requisitos de acesso a um direito previsto em legislação da RAEM - a Lei n.º 2/2011.
    12. A faculdade de transferir a responsabilidade do pagamento das pensões para a CGA para aqueles que exerceram funções na administração pública do Território de Macau e se aposentaram antes de 19 de Dezembro de 1999, decorreu do Ponto VI do Anexo I da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, assinado em Pequim em 13/04/1987.
    13. Na Declaração Conjunta a Parte Chinesa só se responsabiliza pelo pagamento das pensões de aposentação e de sobrevivência dos trabalhadores da administração pública que se aposentassem depois de 19 de Dezembro de 1999.
    14. A Parte Portuguesa assegurou o pagamento das pensões aos aposentados de Macau até 19/12/1999 pelo DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, com a consequente regulamentação no Território de Macau, através do DL n.º 14/94/M, do DL n.º 38/95/M e do DL n.º 96/99/M.
    15. Havendo aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA que permaneceram em Macau, o DL n.º 38/95/M e o DL n.º 96/99/M concede-lhes o direito ao subsídio de residência, mesmo quando tenham exercido total ou parcialmente os direitos conferidos pelo n.º 3 do artigo 17.º DL n.º 14/94/M, maxime o direito de transporte.
    16. Transferiu-se a responsabilidade pelo pagamento de pensões de pessoas que permaneceram como aposentados de Macau após 20 de Dezembro de 1999 com todos os direitos inerentes a essa condição, salientando-se o acesso a assistência médica e medicamentosa: os cuidados de saúde.
    17. Foi regulada a forma de pagamento das suas contribuições para efeitos de acesso aos cuidados de saúde, nos termos do regime geral em vigor à data da transferência da pensão de aposentação para a CGA, a efectuar directamente junto dos Serviços de Saúde de Macau, por iniciativa de cada um dos interessados.
    18. Situação que ainda hoje se mantém para todos os aposentados, independentemente de terem ou não transferido a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA e de terem ou não accionado o direito a transporte para Portugal enquanto direito conexo.
    19. Não resulta da legislação invocada no acto recorrido nem dos respectivos preâmbulos que os aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA e receberam o abono de transporte não beneficiam do subsídio de residência porque a lei os considerava residentes de Portugal.
    20. Mesmo que o recorrente não estivesse abrangido pelo direito ao subsídio de residência previsto naqueles diplomas, a aferição dos pressupostos de acesso a esse mesmo direito definido, ex novo, na Lei n.º 2/2011, só pode ser feita com base na previsão do artigo 10.º desta Lei, única lei vigente na matéria no ordenamento jurídico da RAEM.
    21. O acto recorrido, aferindo dos pressupostos ao subsídio requerido com base nos DL n.ºs 14/94/M, 38/95/M e 96/99/M, incorre em violação do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, vício que o invalida.
    22. O DL n.º 96/99/M eliminou do n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 38/95/M o limite temporal para o acesso dos aposentados ao subsídio de residência bem como a condição de os mesmos residirem em Macau.
    23. A alínea b) do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, abandona o requisito da prévia existência do direito ao subsídio de residência, no momento da transferência das pensões para a CGA, permitindo que os aposentados que reunissem as condições previstas no artigo 203.º do ETAPM beneficiassem daquele direito, mesmo que anteriormente o não detivessem.
    24. Se o legislador apenas pretendesse eliminar o limite temporal fixado, bastaria proceder à alteração do n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 38/95/M, eliminando a referência a 19/12/1999, mantendo a restante redacção da norma.
    25. A expressão "mantido", no corpo do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, não comporta qualquer referência ao passado.
    26. A expressão "mantido", no corpo do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, afirma que o direito, em abstracto, permanece no ordenamento jurídico da RAEM, englobando aqueles que não estavam a beneficiar do abono mas que a ele pretendiam aceder, seja pela primeira vez, seja na sequência de uma interrupção de pretérito.
    27. Os SAFP emitiram Parecer, em Fevereiro de 2002, afirmando que são aposentados de Macau, para todos os efeitos legais segundo o regime jurídico fixado pelas normas legais aplicáveis, aqueles que transferiram a responsabilidade do pagamento das suas pensões para a CGA.
    28. O Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade aqui recorrida, decidiu em 24/07/2001, ser legal que os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento da sua pensão para a CGA tivessem direito ao subsídio de residência, de acordo com um parecer da sua assessoria jurídica elaborado em 23/07/2001.
    29. Os SAFP, em Maio de 2011, através do ofício n.º 1105120001/DIR, defenderam que o pessoal abrangido pelo DL n.º 96/99/M continua a beneficiar do regime de residência previsto na Lei n.º 2/2011, desde que não esteja abrangido por nenhuma das situações indicadas no n.º 2 do seu artigo 10.º.
    30. Não existe qualquer obrigação de continuidade no acesso ao subsídio de residência a coberto da legislação de 1994, 1995, 1999 e 2011.
    31. A ausência de Macau num determinado período temporal ou o exercício do direito a transporte ao abrigo do artigo 17.º do DL n.º 14/94/M, não fazem decair o critério de residência para efeitos de acesso ao direito ao subsídio.
    32. A entidade recorrida acolheu como fundamento da sua decisão um parecer jurídico que se pronuncia sobre a questão da residência em Macau, matéria regulada na Lei n.º 8/1999.
    33. A Lei n.º 8/1999 apenas exige que aqui se tenha residência legalmente consentida, presumindo residentes de Macau os portadores de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM, como é o caso do ora recorrente.
    34. O acto recorrido sustenta que o recorrente fixou residência em Portugal, sem que conste no procedimento qualquer documento que demonstre o que alega, em sentido inverso do dever estabelecido no n.º 1 do artigo 86.º do CPA.
    35. O acto recorrido afasta, implicitamente, a qualidade de residência que a Lei n.º 8/1999 lhe confere, enquanto titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, para efeitos de atribuição de um direito previsto na legislação da RAEM.
    36. O acto recorrido traduz que o pensionista que se ausente da RAEM, no âmbito de um processo de integração que admite o transporte por conta do território em função de uma intenção de residência em Portugal, fica impedido de voltar a residir em Macau e usufruir dos direitos que as leis lhe conferem, por isso lhe retirando o direito ao subsídio de residência, que a Lei n.º 2/2011 lhe concede.
    37. Do acto recorrido resulta que a ausência de Macau numa determinada situação ao abrigo de legislação soberana portuguesa condiciona a percepção de um abono geralmente concedido a quem se inclua nas classes inactivas da administração pública de Macau e que aqui permaneça, o que é ilegal, na medida em que o princípio básico do estatuto dos residentes de Macau não pode ser restringido na sequência de uma ausência, ainda que temporária, encontrando-se por isso o acto recorrido ferido de violação de lei, por ofensa aos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999, o que o torna anulável.
    38. A diferença de tratamento pela entidade recorrida, face à mesma situação factual e à mesma legislação, em 2001 e 2011, consubstancia uma violação do Princípio da Igualdade previsto no artigo 25.º da Lei Básica, que no âmbito de actos praticados no exercício de poderes vinculados é susceptível de os invalidar, por erro nos pressupostos de direito, conducente à sua anulação.
    39. O direito previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do DL 14/94/M engloba o transporte de pessoas, bagagens e veículo ligeiro de passageiros, sendo o exercício de qualquer um deles condicionado à decisão fixação de residência em Portugal, de acordo com a definição do conteúdo deste direito efectuada pelo n.º 4 da mesma norma e diploma.
    40. A entidade recorrida distingue, para efeitos de aferição da pretensa fixação de residência em Portugal, entre aqueles a quem foi abonado o transporte de pessoas dos a quem foi abonado o transporte de bagagens e/ou veículo automóvel.
    41. A lei não prevê qualquer distinção de tratamento a conferir àqueles que exerceram o direito ao transporte previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do DL 14/94/M, consoante o tipo de transporte que requereram e beneficiaram - de pessoas, bagagem ou veículo - pois condiciona todos e cada um deles à fixação de residência em Portugal.
    42. A entidade recorrida não pressupõe a fixação de residência em Portugal para aqueles que exerceram o direito a transporte de bagagem e/ou de veículo, ao abrigo da alínea a) do n.º 3 e do n.º 4 do artigo 17.º do DL n.º 14/94/M, mas pressupõe a fixação de residência em Portugal para aqueles que exerceram o direito a transporte de pessoas, ao abrigo da mesma norma.
    43. A entidade recorrida devia ter decidido que também aqueles que exerceram o direito a transporte de pessoas, isoladamente ou em conjunto com os demais abonos, têm exactamente o mesmo direito ao subsídio de residência, previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
    44. A diferença de tratamento, face a um direito de transporte que se encontrava sujeito à mesma condição, traduz vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, decorrente da violação do Princípio da Igualdade previsto no artigo 25.º da Lei Básica.
    
    Nestes termos pede se anule o acto baseado:
    a) em vício de violação de lei do artigo 97.º do CPA e em vício de forma por preterição da audiência do interessado, imposta pelo artigo 93.º do mesmo Código;
    b) em vício de violação de lei por ofensa ao artigo 10.º da Lei n.º 2/2011;
    c) em violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que os diplomas em que se sustentou a decisão recorrida não impunham que o direito ao subsídio de residência se encontrasse constituído na esfera jurídica do recorrente à data da entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, nem este diploma exige qualquer outro requisito que não os previstos no seu artigo 10.º;
    d) vício de violação de lei por ofensa aos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999;
    e) em violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que existe uma desigualdade de tratamento consubstanciada na decisão de indeferimento do pedido formulado pelo recorrente, quanto à interpretação da mesma legislação efectuada em 2001 pela entidade recorrida e quanto à presunção de fixação de residência do recorrente com os demais interessados que requereram e lhes foi concedido o mesmo direito a transporte, ao abrigo do n.º 3 e 4 do artigo 17.º do DL n.º 14/94/M.
    
    2. XXX, o Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida nos autos à margem identificados, apresentou contestação, concluindo em síntese conclusiva:
    I. Na RAEM, a audiência dos interessados, regulada nos artigos 93.º e ss. do Código do Procedimento Administrativo (CPA), é uma decorrência do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares e do princípio da participação, plasmados nos artigos 9.º e 10.º do referido Código.
    II. A conformação da relação jurídico-administrativa envolve, por definição, ponderação de interesses públicos e dos administrados. Os portadores destes últimos não poderão ser mantidos fora do procedimento. Daí a importância de que se reveste a audiência dos interessados.
    III. Que se concretiza mediante a possibilidade do interessado participar de forma útil no procedimento. A audiência dos interessados serve para obter factos e interesses relevantes para a decisão. Ou seja, não é uma mera formalidade procedimental. A audiência dos interessados há-de revestir-se de alguma utilidade. Existe uma teleologia inerente à sua realização. Não se trata de uma mera pronúncia do interessado, mas sim de um pronúncia útil.
    IV. Quando as questões que importem à decisão e as provas já foram fornecidas pelo interessado ou são de conhecimento oficial ou oficioso da Administração a audiência dos interessados pode e deve ser dispensada, por constituir mera duplicação.
    V. Caberia ao recorrente o ónus de demonstrar, ou pelo menos sugerir, a insuficiência desses elementos ou que outros poderiam ter sido carreados para o procedimento pela audiência do interessado. Nunca o recorrente mencionou sequer tais elementos.
    VI. Não se vislumbra na legislação em vigor, nem o recorrente cita, qualquer norma que preveja a necessidade de um despacho que dispense a audiência prévia, como pretende o recorrente. Ou a audiência é indispensável e a sua não realização implica pelo menos a anulabilidade do acto, ou é dispensável e o acto é legítimo, salvo outra causa de invalidade.
    VII. A audição de associações que defendem os interesses dos particulares aqui em causa, seria importante na decisão de conceder ou não subsídio a esse grupo de cidadãos. Ora não é isso que está em apreço. O que se questiona é a interpretação e aplicação que se faz da Lei n.º 2/2011, que segundo o recorrente autoriza o pagamento de um subsídio e segundo a Administração não.
    VIII. Inexiste preterição de audiência dos interessados quando todos os elementos relevantes para a tomada de decisão são do conhecimento da Administração. Sendo certo que nunca o recorrente mencionou, sequer, que contribuição poderia ter carreado para o procedimento.
    IX. Não se verifica, in casu, violação de lei por preterição da audiência dos interessados, soçobrando toda a argumentação do requerente.
    X. O Decreto-Lei n.º 14/94/M visava a aplicação a Macau do Decreto-Lei n.º 357/93 de 14 de Outubro. Definindo este a integração nos quadros da República Portuguesa dos funcionários do então Território de Macau, o que aquele fez foi regular as condições, em Macau, do modo como se processaria essa integração.
    XI. O recorrente por se encontrar nas condições prevista na Lei, transferiu a responsabilidade pela sua pensão para a CGA. Isto no âmbito do processo de integração, tendo em conta a transferência da Administração da República Portuguesa para a República Popular da China em 20 de Dezembro de 1999.
    XII. Efectuada a transferência da responsabilidade pela pensão para a CGA, previa o Decreto-Lei n.º 14/94/M no artigo 17.° n.º 4 a possibilidade de estes pensionistas beneficiarem de viagem para Portugal para si e familiares, transporte de bagagens e veículo ligeiro, desalfandegamento, bem como seguro.
    XIII. Dada a extensão do direito consagrado neste número, não se trata de ter direito a uma passagem para Portugal, mas de garantir o transporte de todos os bens móveis do funcionário para Portugal, uma vez que tal é feito na condição de fixar residência em Portugal.
    XIV. Dos aposentados que transferiram a responsabilidade para a CGA nem todos requereram o transporte para Portuga1. Ficaram alguns a habitar casas património da Administração ou de outros entes públicos, ou apenas permaneceram em Macau.
    XV. Reconhecendo a situação especial destes pensionistas veio o Decreto-Lei n.º 38/95/M no preâmbulo "proceder à sua clarificação, (aplicação do ETAPM) aproveitando-se, ainda, esta oportunidade para acolher outras soluções previstas naquele Estatuto, adaptando-as aos condicionalismos próprios deste processo (de integração)".
    XVI. Segundo o ETAPM, apenas os aposentados residentes em Macau e cuja pensão fosse paga pelo então Território, tinham direito a subsídio de residência. O Decreto-Lei n.º 38/95/M vem modificar a situação dizendo que, após a transferência da responsabilidade pela pensão para a CGA, estes pensionistas manteriam o subsídio. Em suma, os aposentados que perderiam o direito a subsídio de residência por passarem a sê-lo pela CGA, excepcionalmente, manteriam este direito, enquanto residissem em Macau, e até Dezembro de 1999.
    XVII. Os outros aposentados da CGA, que tinham exercido o direito a transporte não tinham direito a subsídio de residência. Porque não se enquadravam nas previsões do Decreto-Lei n.º 38/95/M. Não estavam na situação excepcional de receber pensão não paga pelo Território, mas residirem em Macau. Ao aceitar, na condição de fixar residência em Portugal, o abono de viagem e direitos conexos, ficaram excluídos dos destinatário do Decreto-Lei n.º 38/95/M. Este decreto não lhes era destinado. A sua situação estava totalmente resolvida pela aplicação do Decreto-Lei n.º 14/94/M.
    XVIII. O Decreto-Lei n.º 38/95/M, cria uma norma excepcional que veio a ser revogada pelo Decreto-Lei n.º 96/99/M que diz no preâmbulo: "Contudo, parte significativa destes aposentados e pensionistas tencionam continuar a residir em Macau para além de 19 de Dezembro de 1999, mantendo a condição de arrendatários de moradias do Território, bem como o acesso ao subsídio de residência.
    XIX. A que aposentados se refere a Lei? É óbvio que aos que tendo transferido a responsabilidade pelo pagamento da pensão para a CGA, continuaram a residir em Macau, pelo que, excepcionalmente, foi-lhes mantido o direito a subsídio de residência, que doutro modo lhes seria negado pelo ETAPM. O que se confirma no último parágrafo, falando-se em manutenção. Só se pode manter o que já se tem, facto que parece ser ignorado do recorrente, como demonstra no artigo 59.° da sua contestação.
    XX. Assim sendo, alcança-se que tal como não estavam contemplados no Decreto-Lei n.º 38/95/M, continuam excluídos do Decreto-Lei n." 96/99/M, os pensionistas da CGA que fixaram residência em Portugal, como decorrência da aplicação do n.º 4 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 14/94/M.
    XXI. Mais, que não é a condição de residência em Macau plasmada no artigo 203.° do ETAPM que importa para avaliar do direito à sua percepção, mas sim o Decreto-Lei n.º 96/99/M e os que o antecedem na regulação da mesma questão.
    XXII. Analisando o parecer referido pelo recorrente verifica-se que se trata de uma questão muito diferente da do recorrente. Trata-se de um funcionário aposentado, que após a transferência da responsabilidade da pensão para a CGA, continuou a residir em Macau, em moradia do património do Território.
    XXIII. Adquiriu posteriormente moradia própria com o recurso a crédito, e foi-lhe deferido e mantido por duas vezes o subsídio de residência. Quando voltou a requerer a manutenção do subsídio, foi-lhe recusado. Após reclamação vieram o Núcleo de Apoio Jurídico da DSF e o Senhor Secretário para a Economia e Finanças confirmar que tinha direito ao subsídio. De resto, absolutamente de acordo com a tese que vem sendo expendida.
    XXIV. Nunca se manteve um direito a subsídio de residência, em abstracto, para os pensionistas em geral da CGA e agora renascido pela alteração das condições antes previstas no artigo 203.° do ETAPM. Os que utilizaram o direito a transporte para Portugal, obviamente deixaram de ter direito a subsídio de residência, e o consagrado nos Decretos-Lei n.º 38/95/M e 96/99/M não se lhes aplica.
    Pelo que inexiste vicio de violação de lei porque a lei nem sequer se aplica ao recorrente.
    XXV. Pugna o recorrente por uma leitura directa do artigo 10.° da Lei n.º 2/2011.
    Em suma, entende que uma vez que não se exige agora a residência em Macau, tem, como aposentado, direito a subsídio de residência. Regista-se o facto, corolário dessa argumentação, que o recorrente reconhece não ter residência em Macau.
    XXVI. Certamente que o recorrente não admite, por absurdo, que qualquer reformado, seja de onde o for, residente onde for tem direito a subsídio de residência pago pela RAEM.
    XXVII. Pelo que sempre se há-de conceder que deve haver uma limitação do universo de aposentados a quem a RAEM deve abonar subsídio de residência.
    XXVIII. Pelo que quando no artigo 10.° da Lei n.º 2/2011 se refere aos aposentados, forçosamente será aos aposentados da RAEM. A quem esta paga a pensão.
    XXIX. E é precisamente a este conjunto que não pertence o recorrente. Não é aposentado da RAEM, é aposentado da CGA. E tem residência em Portugal.
    XXX. No âmbito do processo de integração, transferiu a responsabilidade pela sua pensão para a CGA e na condição de fixar residência em Portugal, foram-lhe abonados todos os direitos referidos no artigo 17.° n.º 3 e 4 do Decreto-Lei n.° 14/94/M. De outro modo, está integrado na Administração Pública de Portugal, como pensionista.
    XXXI. O que permite concluir que não se verifica violação de Lei n.º 2/2011 na não atribuição de subsídio de residência ao recorrente, uma vez que não é aposentado da RAEM.
    XXXII. Inexiste vício de violação da Lei n.º 9/1999 quando o estatuto de residente nunca foi posto em causa no procedimento, nem sequer levado em conta, não tendo servido para fundamentar o acto que o recorrente pretende ver anulado.
    Termos em que entende dever ser negado provimento ao recurso, por inexistência dos vícios de forma e violação de lei, mantendo-se o acto.
    
    3. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças oferece alegações facultativas, reafirmando no essencial o anterior alegado, invocando ainda as normas da Lei Básica que seriam aplicáveis.

    4. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    Tem o presente recurso por objecto o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 1/3/12 que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão da directora dos Serviços de Finanças de indeferimento de pretensão do recorrente, A, em receber subsídio de residência ao abrigo da Lei 2/2011, assacando aquele ao acto vícios de forma por falta de audiência prévia, violação de lei, por erro nos pressupostos, afronta do art° 10° da citada Lei 2/2011 e 2°, 4°, 5° e 7° da Lei 8/1999, acrescentando, já em sede de alegações, o atropelo da igualdade.
    Vejamos:
    O direito do interessado a ser ouvido no procedimento, consagrado no art° 93°, CP A, concretiza-se na possibilidade de aquele participar, de forma útil, no procedimento, utilidade essa atinente ao próprio, com a faculdade de apresentar a sua motivação e argumentos que possam, de algum modo, conformar a decisão a ser tomada, constituindo também específica forma de controlo preventivo relativamente à Administração, à qual, desta forma, é possibilitada uma mais ponderada e adequada decisão, mediante a recolha de elementos e dados porventura relevantes para a mesma, permitindo-se, pois, melhor ponderação dos interesses em presença.
    Nestes parâmetros, resulta evidente que o direito conferido por lei para pronúncia dos interessados no procedimento há-de conter algum efeito útil não se justificando a mesma quando todos os dados pertinentes a boa decisão se encontram já na posse da Administração, sob pena de se estar a proceder a uma repetição desnecessária, sendo certo que aquela não deixa de se encontrar sujeita ao dever de celeridade, desburocratização e eficiência.
    Terá sido precisamente isso que o legislador terá tido em vista ao consignar a dispensa de audiência se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importam à decisão – al. a) do art° 97°, CPA.
    Ora, no caso, ao formular a sua pretensão, o recorrente introduziu todos os dados e provas que julgou pertinentes e relevantes para o efeito, para além dos que sabia serem do conhecimento oficial e oficioso da Administração, não se vendo que os elementos constantes do procedimento não constituam fundamento suficiente para a decisão, nem que outros, relevantes, pudessem ter sido carreados para o efeito (os quais, aliás, o próprio interessado não adianta), não se descortinando que na motivação do decidido se tenha lançado mão de prova ou elemento "surpresa ", pelo que forçosamente haverá que concluir que, a registar-se a almejada audiência, a mesma não poderia passar, no caso, da mera duplicação do já devidamente registado no procedimento, razão por que a dispensa daquela terá plena justificação, não carecendo tal dispensa, como é óbvio, de qualquer acto administrativo prévio que a sustente, já que a audiência dos interessados constitui, em si, uma formalidade, um elemento do procedimento, dispensável ou indispensável, com as consequências inerentes.
    Por último, não faz também qualquer sentido a argumentação sobre pretensa ofensa do art° 10°, CPA por falta de audição da APOMAC, por essa associação defender os interesses dos aposentados, reformados e pensionistas de Macau : não sendo crível que se pretendesse a audição de tal associação relativamente ao caso de cada aposentado, tal pronúncia destinar-se-ia à atribuição (genérica) do subsídio de residência aos aposentados da COA que requereram passagens na condição de fixarem residência em Portugal.
    Só que, não é isso que aqui se encontra em causa, mas tão só a não concessão casuística do almejado subsídio de residência, na interpretação feita da Lei 2/2011, matéria para que, obviamente, se não impunha a pretendida consulta.
    Esgrime o recorrente, já em sede de alegações e tendo como pretexto a prova, designadamente documental, produzida no âmbito do recurso, com a afronta da igualdade, ao que descortinamos, fundado em 2 vertentes essenciais :
    - a existência de um despacho do então SEF de 24/7/01 em que por anuência a parecer da respectiva assessoria e por reporte ao art° 203° ETAPM, existe pronúncia no sentido de ser legal que os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento da sua pensão para a CGA tivessem direito ao subsídio de residência, em circunstâncias que o recorrente pretende serem análogas à do caso presente e
    - a circunstância de, reportando-se o "direito a transporte" a que alude o art° 17° do Dec Lei 14/94/M (cfr. n° 4), não só às pessoas, mas também às bagagens, veículo ligeiro de passageiros e seguro, a entidade recorrida apenas ter accionado a ficção legal da fixação da residência em Portugal, supostamente impeditiva do direito almejado, relativamente aos aposentados e pensionistas que requereram e obtiveram o transporte de pessoas (com ou sem bagagem e veículo), indeferindo-lhes o pedido de atribuição de subsídio de residência, do mesmo passo que o deferiu relativamente àqueles que requereram e a quem foi abonado apenas o transporte de bagagens e, ou, veículo ligeiro de passageiros.
    Cremos revelar-se claro não lhe assistir razão também neste domínio, pelo menos quanto à afronta do princípio da igualdade com que esgrime.
    É que o facto de, em determinado momento histórico, por referência a determinada legislação, se ter tomado determinada decisão, não invalida e em nada releva, como é óbvio, relativamente a decisão tomada em período bastante posterior, em diferente circunstancialismo e contexto legal, sendo que, por outra banda, independentemente da razão que possa, porventura, assistir ao recorrente no escrutínio e análise do tipo de transporte requerido e abonado aos pensionistas e aposentados e respectivas consequências à luz do preceituado no art° 17° do Dec Lei 14/94/M, a verdade é que acaba por ser o próprio a esclarecer que os casos efectivamente idênticos mereceram similar tratamento, sendo a diferenciação estabelecida precisamente pelo diferente tipo de transporte requerido e abonado : transporte de pessoas, com ou sem bagagem e veículo ligeiro num "bloco" e transporte de apenas bagagens e ou veículo ligeiro noutro "bloco".
    A diferenciação de tratamento resulta, pois, de diferente circunstância.
    Podendo, porventura, questionar-se, como o faz o recorrente, a legalidade dessa diferenciação, a verdade é que se não descortina, a esse propósito, a ofensa da igualdade.
    De todo o modo, não deixaremos de frisar a nossa não compreensão das razões por que a Administração condiciona a ficção da decisão de fixação de residência em Portugal à efectivação do transporte de pessoas, quando o normativo (n.º 4 do art° 17° do Dec Lei 14/94/M de 23/2) não reporta qualquer destrinça entre aquelas e as bagagens, veículo ligeiro de passageiros ou seguros.
    Porquê, à luz de tal dispositivo, ficcionar a decisão da fixação da residência em Portugal apenas relativamente ao transporte de pessoas?
    Adiante ...
    No que tange à pretensa violação de lei, cremos que não andaremos muito arredados da verdade ao entendermos que a questão fulcral a delucidar no caso presente será a de saber se o recorrente, enquanto funcionário aposentado do então Território de Macau, tendo transferido a responsabilidade pelo pagamento da sua pensão para a Caixa Geral de Aposentações no processo de integração (tendo em conta a transferência da Administração da República Portuguesa para a República Popular da China em 20/12/99) e requerido e obtido, para si e seus familiares, os direitos consagrados nos nºs 3 e 4 do art° 17° do Dec Lei 14/94/M (viagem aérea para Portugal, transporte de bagagens e veículo ligeiro e seguro), terá ou não direito ao abono do subsídio mensal de residência a que se reporta o n.º 1 do art° 10° da Lei 2/2011 de 1/4.
    Desde logo, uma nota : encontramo-nos, de forma geral, de acordo com a análise empreendida pela entidade recorrida no que concerne ao âmbito de aplicação dos diversos diplomas legais que têm regido sobre a matéria, ou seja, no essencial e para o que agora nos ocupa, concordamos que, tendo o exercício do direito a que supra nos reportamos ficado legalmente condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal, o recorrente terá, por esse motivo, deixado de poder usufruir do subsídio de residência a que se reportava o n.º 1 do art° 203°, ETAPM, não se podendo arrogar, melhor dizendo, ficando também excluído como "destinatário" das previsões sobre a matéria contempladas pelo Dec. Lei 38/95/M de 7/8, pela razão simples que, nos termos legais, havia, sob ficção legal, fixado residência em Portugal e tais diplomas se reportavam expressamente a residentes em Macau, revelando-se inquestionável, à luz daqueles diplomas, que a situação dos aposentados que transferiram a responsabilidade para a CGA se revela diversa, conquanto tenham ou não exercido o direito de viagem para Portugal nos termos sobreditos, apresentando-se clara a manutenção do subsídio relativamente aos que não fizeram uso daquele direito e sucedendo o inverso ao que o fizeram, como é o caso do recorrente.
    Algo diversa se apresenta, porém, a nosso ver, a apreciação do disposto sobre a matéria pelo Dec. Lei 96/99/M de 29/11, diploma que visou garantir aos aposentados e pensionistas que transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA, a manutenção dos direitos respectivos, designadamente o subsídio de residência (al. b) do arte 1°).
    É que, se bem se atentar, o seu arte 3° revogou expressamente a al. b) do arte 3 ° do arte 17° do Dec Lei 14/94/M e o n.° 2 do arte 3 ° do Dec Lei 38/95.
    E, percebendo-se que na génese dessa revogação se encontrará fundamentalmente, para compatibilização, a necessidade de "quebrar" o prazo limite (19/12/99) do abono do subsídio em questão, a verdade é que era em tais normativos revogados que se expressava o condicionalismo da residência em Macau como condição de percepção do subsídio, sendo que, embora o teor do preâmbulo do citado Dec Lei 96/99/M pareça continuar a apontar como visados os aposentados, naquelas condições específicas, que continuavam a residir em Macau, o normativo aplicável – al. b) do arte 1° - não expressa tal circunstância como condicionante do abono daquele benefício.
    Como, de resto, o não faz a Lei 2/2011, diploma que, regulando o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da RAEM, revogou o estipulado na matéria pelo ETAPM (art°s 203° a 212°), sendo que no seu art° 10°, sob o epíteto de "Direito ao subsídio ", se contempla, sem distinções o acesso ao mesmo dos aposentados, em parte alguma se descortinando qualquer diferenciação "negativa" relativamente aos aposentados que, tendo transferido a responsabilidade para a CGA, usufruíram dos direitos contemplados nos já citados nºs 3 e 4 do art. 17° do Dec Lei 14/94/M, ou, dizendo de outra forma, não se alcança do diploma em causa qualquer dispositivo que limite o acesso do direito ao abono do subsídio de residência aos aposentados residentes na Região.
    Poderá, porventura, argumentar-se, a esse nível, com o elemento histórico e sistemático, o que, aliás, a entidade recorrida não deixou de empreender.
    Só que, para além da especificidade do sucedido com o Dec. Lei 96/99/M e respectivas revogações, o já mencionado Dec. Lei 38/95/M de 7/8 destinou-se, conforme os termos do preâmbulo respectivo, a clarificar e adaptar o ETAPM a determinadas situações específicas do processo de integração dos funcionários de Macau nos Serviços da República Portuguesa e da transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a CGA, sendo certo que, como já se frisou, de acordo com o art° 24° da Lei 2/2011, as normas daquele Estatuto (art°s 203° e 204°) referentes à atribuição do subsídio em questão foram expressamente revogadas, passando a vigorar na matéria, "tout court" as disposições daquele diploma, onde, repete-se, em parte alguma se configura o reporte à residência em Macau como condicionante no acesso ao benefício.
    Aceita-se que, conforme defendido pela entidade recorrida, deve haver uma limitação do universo de aposentados a quem a RAEM deve abonar subsídio de residência, reportando-se, naturalmente, o normativo em causa - art° 10° - aos aposentados da RAEM.
    Só que, aceitando a Administração abranger nesse conceito, para efeitos de atribuição do subsídio de residência, os funcionários que, no processo de integração, transferiram a responsabilidade pelo pagamento das pensões para a CGA e mesmo aqueles que, nessas condições, requereram e obtiveram o direito ao transporte de bagagens e, ou, veículo ligeiro de passageiros para Portugal, não se descortina, à luz do novo diploma em questão, razão válida para afastar do acesso a esse subsídio os aposentados que, nas mesmas condições, no processo de integração, solicitaram e obtiveram o transporte de pessoas para o mesmo país, sendo certo que, no caso do recorrente, não deixou o mesmo de deter o estatuto de residente da RAEM e aqui efectivamente residir.
    E, não se diga que, neste contexto, a atribuição daquele subsídio ao recorrente e casos similares constituiria um absurdo por natureza, como parece pretender a recorrida : a partir do momento em que a Administração decide conceder aos aposentados que transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA (e a quem, portanto, não paga as respectivas pensões) o subsídio de residência, neles se abrangendo mesmo os que, naquelas condições, requereram e obtiveram o transporte para Portugal de bagagens e, ou veículo ligeiro de passageiros e seguro, não se vê que constitua maior "salto" ou algo de transcendente que se possa concluir que, a partir da publicação da Lei 2/2011, tenha a mesma Administração decidido estender a concessão do mesmo aos aposentados naquelas mesmas condições, mas que entenderam requerer também o transporte de pessoas para o mesmo país.
    Que se saiba, "a questão humana e social", a "idade avançada", as dificuldades de se encontrarem "alternativas de residência compatíveis com a pensão auferida", algumas das razões invocadas no preâmbulo do Dec. Lei 96/99/M para a manutenção do subsídio de residência aos visados, não serão monopólio dos aposentados que não requereram as passagens para Portugal, ou que só para ali requereram o transporte de bagagens e, ou veículo, razão por que, não estabelecendo o n.º 1 do art° 10° da Lei 2/2011 qualquer distinção ou destrinça relativamente aos aposentados, se entende como incorrecta a interpretação efectuada do preceito.
    Donde, sermos, por tal via, a entender merecer provimento o presente recurso.
    
    5. Ao longo do processo colheram-se oficiosamente vários elementos, nomeadamente as actas relativas aos Trabalhos Preparatórios da Lei n.º 2/2011 e vários elementos respeitantes aos aposentados do tempo da Administração portuguesa junto do Exmo Senhor Director dos SAFP.
    6. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes, respigados da documentação junta aos autos pelas partes, do processo instrutor e das diligências realizadas pelo Tribunal:
1. O ora recorrente é aposentado com pensão paga pela Caixa Geral de Aposentação de Portugal, (CGA). Requereu e viu ser-lhe deferida a transferência da responsabilidade pela pensão para aquela entidade ao abrigo do estipulado no Decreto-Lei n.º 14/94/M.
2. De acordo com o previsto no artigo 17.° n.º 3 e 4 do supra citado Decreto-Lei, o recorrente requereu e foram-lhe concedidos todos os direitos aí estabelecidos.
3. O Recorrente apresentou uma declaração para efeitos de atribuição do subsídio mensal de residência, previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
4. Através do Ofício n.º 3876/DDP/DCP/2011, de 20/07/2011, da Direcção dos Serviços de Finanças (doravante "DSF") o Recorrente foi notificado da decisão que recaiu sobre o pedido do referido subsídio, da qual se transcreve o seguinte: "... verifica-se que V Ex.ª já auferiu da passagem aérea para residência em Portugal, pelo que não preenche os requisitos estipulados no Decreto-Lei n.º 96/99/M. Nestes termos, não é possível proceder à atribuição do dito subsídio..."
5. Tomou o recorrente conhecimento dos documentos instrutores da decisão que lhe permitiram alcançar que o acto de indeferimento se fundamentou, em termos de apropriação, no Ofício n.º 1106010005/DIR, de 1/06/2011, expedido pela Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública.
6. Mais ficou o recorrente ciente que a decisão da Senhora Directora da DSF que lhe indeferiu o pedido de abono do referido subsídio, foi exarada em 20/07/2011 na informação n.º 052/DCP/2011.
7. Afirma a Senhora Directora da DSF, na identificada Informação, o seguinte: "Tendo em consideração o parecer do ofício n.º 110601005/DIR e de acordo com a confirmação do Fundo de Pensões de que os 147 aposentados, constantes da lista, já levantaram as despesas de transporte aéreo, para regressarem e residir em Portugal, pelo que concordo com a promoção, indefiro a concessão do subsídio aos mesmos, pois não preencheram o disposto no DL n.º 96/99/M, segundo o qual se fixou que os aposentados deveriam residir em Macau após a transferência de soberania."
8. Não se conformando com tal decisão o ora recorrente apresentou, em 20/09/2011, recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, impugnando graciosamente o despacho de indeferimento da Senhora Directora da DSF.
9. A decisão que veio a ser proferida foi de indeferimento, através do despacho que constitui o acto recorrido, com os fundamentos que melhor se extraem da análise vertida nos anexos I e II ao Ofício n.º 006/NAJ/LRB/2012.
10. É do seguinte teor o despacho recorrido:
Despacho do Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 01/03/12
Notificação
    Por referência ao recurso apresentado por V. Ex.ª, recebido no Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças em 13/02/2012, fica pela presente notificado, nos termos dos artigos 68.º e ss. do Código do Procedimento Administrativo, do despacho do Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, exarado em 01 de Março de 2012 s/a Informação n.º 044/NAJ/LRB/2012, de 17 de Fevereiro, consistindo o seu teor no seguinte:
    “駁回訴願, 維持原來決定。
    簽署 : XXX 2012年3月1日”
    "Indefiro o recurso Mantenho a decisão recorrida".
    Ass.: XXX, aos 01.03.2012."
    
    11. Da informação referida reproduzem-se os fundamentos de facto e de direito que sustentam o presente despacho.

    “Questão prévia
    Insere-se o presente recurso numa série, que versa a mesma questão de facto, a decidir no âmbito de mesma legislação. A motivação consiste no indeferimento da pretensão a receber subsídio de residência, nos termos da Lei n.º 2/2011, apresentada por aposentados da Caixa Geral de Aposentações (CGA).
    A questão de fundo, é a de saber se os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento das pensões de reforma para a CGA, e beneficiaram do direito a transporte de pessoas e bens para Portugal, na condição de aí fixarem residência, ao abrigo do estipulado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º do DL l4/94/M, face ao disposto no n.º 1 do artigo 10º da Lei 2/2011, passam a ter direito a receber subsídio de residência, uma vez que deixou de constar neste normativo a condição de residência na RAEM.
    Entendem os recorrentes que sim. Eliminada a exigência de residência, a condição estabelecida no DL 14/94/M deixaria de operar e portanto podem começar a receber subsídio de residência.
    A Administração assim não entendeu e indeferiu todos os pedidos. Na verdade, sendo aposentados da CGA e, presumidamente, residentes em Portugal, estão completamente desligados da Administração da RAEM. Excepcionalmente, por considerações de ordem social e justiça social, aos aposentados da CGA que decidiram manter a residência em Macau, não usufruindo das passagens previstas no DL 14/94/M, foi mantido o direito a subsídio de residência. Como melhor se explica infra.
    Inconformados com a decisão, recorreram hierarquicamente, apresentando todos os recursos a mesma argumentação de fundo. Assim sendo, foi um primeiro recurso apreciado e submetido a decisão superior, com a proposta de indeferimento. Atendendo à identidade da questão de fundo e do enquadramento jurídico, a decisão final deve ser a mesma para todos os recorrentes.
    Superiormente, foi decidido proceder a uma reavaliação da questão. Efectuada a reavaliação, não se encontraram fundamentos legais na legislação actualmente em vigor, para alterar o sentido da decisão. Procedeu-se, quiçá, a uma melhor explanação dos fundamentos da proposta de indeferimento.
    Veio esta a merecer a concordância superior. Pelo exposto, é lícito esperar que todos os recursos venham a merecer idêntica decisão, com base na fundamentação ora expendida.
    Recurso hierárquico necessário.
    Deu entrada a 20 de Setembro de 2011 nestes Serviços recurso hierárquico necessário, interposto por A, e aí melhor identificado, do indeferimento da pretensão a subsídio de residência apresentado pelo recorrente.
    Objecto do recurso
    Constitui objecto do presente recurso o despacho da Sr.ª Directora da Direcção dos Serviços de Finanças, (DSF) lavrado na informação n.º 52/DCP/2011, de 20/07/2011, que indeferiu a pretensão a subsídio de residência do ora recorrente.
    O Senhor Secretário para a Economia e Finanças é a entidade competente para decidir, nos termos do disposto no artigo 153.° e no n.º 2 do artigo 156.° ambos do Código do Procedimento Administrativo.
    Dos factos
    1. O ora recorrente apresentou uma declaração para efeito de atribuição de subsídio de residência nos termos do artigo 10.° n.º 1 da Lei n.º 2/2011, a que juntou cópias do BIRP, do cartão de pensionista da Caixa Geral de Aposentações (CGA), caderneta bancária e recibo da CEM.
    2. A 20/07/2011 foi elaborada a informação n.º 052/DCP/2011, na qual foi ex arado despacho da Sr.ª Directora da DSF da mesma data.
    3. Pelo oficio 5164/SAP/DDP/DCP/2011 de 19/08/2011 da impossibilidade de proceder à atribuição do subsídio de residência visado.
    4. Consta do procedimento que o recorrente exerceu o seu direito a transporte para Portugal, nos termos do n.º 3 e ss. do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 14/94/M de 23 de Fevereiro.
    Apreciação do recurso
    O recorrente assaca ao despacho da Sr.ª Directora supra mencionado, o acto administrativo em causa, três vícios:
    
    I. Vício de forma, por preterição da audiência prévia
    II. Vício de violação de lei - artigo 10.° da Lei n.º 2/2011
    III. Vício de violação de lei - artigos 2.°, 4.°, 5.° e 7.° da Lei 8/1999
    
    I. Sobre o pretenso vício de forma
    1. Começa-se por analisar o vício de forma, uma vez que a confirmar-se a razão do recorrente o acto é anulável, ex vi do artigo 124.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), independentemente da conformidade ou não do seu conteúdo com a Lei.
    2. Tem o recorrente absoluta razão quando diz que não foi chamado a pronunciar-se oralmente ou por escrito e que inexistem, in casu, os motivos elencados no artigo 96.° do CPA em que tal formalidade é dispensável.
    3. Já não quando cita o aresto do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo 234/2003. Na própria citação constante do ponto 21 do recurso, diz-se "... nas circunstâncias concretas do caso ...". E, no caso, trata-se de um procedimento sancionatório, onde, é óbvio, a audição do interessado configura-se nos moldes de um direito de defesa, de contraditar. O que aqui não se aplica.
    4. Cabe aqui dizer que, se a cada pretensão dos particulares fosse a Administração obrigado a promover audiências, os serviços ficariam paralisados. Importantes como são, o direito que assiste aos particulares de serem ouvidos, artigo 10.º do CPA, não é um direito absoluto. Pelo que o legislador previu as situações em que a audiência é dispensável.
    5. Crucial para aferir da eventual preterição desta formalidade essencial, é o disposto no artigo 97.º do CPA (sublinhados nossos):
Artigo 97.º
(Dispensa de audiência dos interessados)
O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
    b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
    6. A questão é de saber se o interessado já se pronunciou ou não sobre as questões que importem ao procedimento.
    7. Ora quando o interessado apresentou a declaração que consta do procedimento, todos os elementos pertinentes à decisão ficaram expressos.
    8. Aliás, o recorrente não faz menção, nas suas doutas alegações, de qualquer elemento que pudesse ter carreado para o procedimento, que tivesse a virtualidade de alterar o sentido da decisão ou habilitar a uma melhor apreciação e decisão.
    9. Compreende-se o equívoco do recorrente. A Administração bastou-se com uma declaração, acompanhada com cópias de documentos para iniciar o procedimento. Tivesse o recorrente apresentado um requerimento, claro se tornaria a inexistência da necessidade da audiência.
    10. Porque, reitera-se, não é necessário que para todos os requerimentos se tenha de socorrer de audiência do interessado. No caso trata-se, apenas, de aplicar o que dispõe Lei ao pedido do interessado, concessão de subsídio de residência ao abrigo do estipulado no artigo 10.° da Lei 2/2011, sendo conhecidos todos os dados jurídicos relevantes. Como prevê o artigo 97.° a) do CPA. Sendo certo que, ainda que se pretendesse dever a mesma ter sido observada, a sua preterição jamais teria caracter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.
    11. Pelo que soçobra a argumentação do recorrente.
    12. Em conclusão, inexiste qualquer preterição de audiência prévia.
    II. Vício de violação de lei - artigo 10.° da Lei n.º 2/2011
    1. Entende o recorrente que o artigo 10.° da Lei n.º 2/2011 deve ser interpretado literalmente. Para o que interessa ao caso, atribui subsídio de residência a todos os reformados, com as únicas excepções contidas no seu n.º 2.
    2. Por lapso, no ponto 42 refere o recorrente o Decreto-Lei n.º 35/95/M, quando queria dizer Decreto-Lei n.º 38/95/M. E faz uma interpretação de parte do articulado no n.º 2 do seu artigo 3.°. Vejamos todo o texto deste número:
2. Os pensionistas que têm direito a subsídio de residência, nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, após a transferência da respectiva pensão para a CGA mantêm esse direito, até 19 de Dezembro de 1999, enquanto residirem no território de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças.
    3. Quer o recorrente concluir deste número que o termo "mantêm" apenas quer dizer que o direito, em abstracto, permanece no ordenamento jurídico da RAEM.
    4. Não se consegue acompanhar o raciocínio do recorrente. Do texto retira-se que:
a) quem tem nos termos do ETAPM direito a subsídio de residência - condição prévia;
b) depois de transferirem a pensão para a CGA
c) mantêm esse direito
d) na condição de continuarem a residir em Macau
É óbvio que quem tem direito a subsídio de residência nos termos do ETAPM e que não transferiu a pensão para a CGA continua a ter esse direito. A norma pretende regular a situação dos que, tendo direito a subsídio de residência, transferiram a pensão para a CGA.
    5. E para estes determina que, na condição de continuarem a residir em Macau, esse direito será mantido, até 19 de Dezembro de 1999.
    6. Se bem se entende o alcance que o recorrente quer retirar desta norma, ela significaria que o direito a subsídio de residência, permanece no ordenamento da RAEM, pelo que, quando se alteram os pressupostos da sua concessão, como o faz a Lei n.º 2/2011, apenas há que cuidar da verificação destes novos pressupostos para conceder o direito.
    7. Diga-se de passagem, que esta norma foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 96/99/M.
    8. Supõe o recorrente, mal, que ausência de Macau, ou o uso do direito consagrado no artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 14/94/M, não põe em causa o critério de residência, pelo que, a todos os reformados agora residentes em Macau, se deve aplicar directamente o estipulado no Lei n.º 2/2011.
    9. Para clarificar a situação, urge fazer uma recapitulação mais completa da situação jurídica em questão.
    10. O Decreto-Lei n.º 14/94/M de 23 de Fevereiro veio regulamentar a aplicação no então Território de Macau do Decreto-Lei 357/93 de 14 de Outubro - legislação da República Portuguesa -. No artigo 2.° define-se o seu âmbito de aplicação. Na alínea b) refere-se ao pessoal que reuna condições de transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações. É neste pessoal que se integra o recorrente.
    11. Reza o 17.°, sob a epígrafe Direitos, na parte que nos interessa, (sublinhados nossos):
3. Ao pessoal a quem tenha sido autorizada a transferência das respectivas pensões para a CGA é mantido o direito a:
a) Transporte para Portugal por conta do Território;
….
4. O direito a transporte referido neste artigo compreende o transporte de pessoas, o transporte e desalfandegamento de bagagens e de veículo ligeiro de passageiros, bem como os respectivos seguros, sendo o seu exercício condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal.
    12. Ou seja, define o conteúdo do direito, e uma condição para o seu exercício: fixação de residência em Portugal. Como consequência, aos aposentados que fizessem a transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações e exercerem o direito a transporte, a Lei presumia que tivessem fixado residência em Portugal.
    13. De outro modo, considerava que tinham deixado de residir em Macau. E daí retirava as consequência no que tange ao subsídio de residência: deixavam de poder usufruir desse direito, atento o facto de não terem residência em Macau, para esse efeito.
    14. Posteriormente, veio o Decreto-Lei n.º 38/95/M esclarecer no seu artigo 3.°, que para os pensionistas que tendo transferido a sua pensão para a CGA, tinham direito a subsídio de residência, nos termos do ETAPM, isto é, que residiam em Macau, e enquanto aqui residissem, lhes era assegurado o subsídio de residência, até 1911211999.
    15. Por exclusão de partes, os outros, como é óbvio, que não residiam em Macau, por terem beneficiado do direito a transporte, continuavam a não ter esse direito. Note-se que tudo se passa durante a Administração Portuguesa. São aposentados da Administração Portuguesa, que optaram por receber as suas pensões pela Caixa Geral de Aposentação de Portugal e que usufruíram do direito a transporte para Portugal, porque aí iam fixar residência. A ligação ao então Território de Macau deixava, em termos legais de existir. Passaram a ser aposentados de Portugal.
    16. Ainda mais tarde, o Decreto-Lei n.º 96/99/M veio prolongar esse direito no tempo. Retirou o limite temporal anteriormente estabelecido, 19/12/1999. Mais esclarecedor é, no entanto, o preâmbulo:
... parte significativa destes aposentados e pensionistas (da CGA mas que se tinham mantido em Macau, sem exercer o direito a transposte) tencionam continuar a residir em Macau para além de 19 de Dezembro de 1999, mantendo a condição de arrendatários de moradias do Território, bem como o acesso ao subsídio de residência. Assim, o Governo de Macau não pode alhear-se da questão humana e social, atendendo à idade avançada da maior parte destes cidadãos, à dificuldade destes encontrarem alternativas de residência compatíveis com a pensão auferida, assim como ao desenraizamento provocado pelo abandono da sua residência habitual e da comunidade circundante.
    17. O presente diploma visa, por questões humanas e sociais, portanto excepcionalmente, garantir aos aposentados e pensionistas que tinham transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA, a manutenção dos referidos direitos
    18. O conjunto dos pensionistas da CGA continuou a compreender duas classes: os que tinham mantido a residência em Macau, e os que, tinham utilizado o direito de transporte para Portugal. Os primeiros viram estendido esse direito no tempo. Os segundos, continuaram a ser considerados como não residentes em Macau, para o efeito de pagamento de subsídio de residência.
    19. Aliás, o preâmbulo deste normativo é bem explícito. Trata-se de proteger os reformados que, apesar de o serem pela CGA, por manterem a residência em Macau, devem ser auxiliados.
    20. Os outros estão afastados dos cuidados da Lei. O Decreto-Lei 14/94/M operou um corte.
    21. A remissão para o ETAPM, feito no artigo 1.º do Decreto-Lei 96/99/M, tem por âmbito de aplicação, por pressuposto, a classe de reformados da CGA que mantiveram a sua residência em Macau.
    22. Significa que não é a exigência de residir em Macau plasmada no artigo 203.° n.º 1 do ET APM que aqui opera em primeiro lugar. A que opera em primeiro lugar é a referida, contida no Decreto-Lei 14/94/M.
    23. Após satisfazer esse requisito, é que passam a operar os pressuposto do artigo 203.° do ETAPM.
    24. Chegados a 2011, a Lei 2/2001 revogou a norma referida no ponto anterior.
    25. Mas não revogou a primeira exigência estabelecido no Decreto-Lei 14/94/M. E por isso esta continua a operar.
    26. E é por força deste normativo que, os pensionistas da CGA, que beneficiaram do direito a transporte, não têm direito a subsídio de residência.
    27. A Lei n.º 2/2011 não criou um direito ex novo para estes aposentados. Alargou o âmbito dos beneficiários, com a supressão da restrição da posse de habitação própria livre de encargos e a residência.
    28. Importa esclarecer que não se trata, como diz O""requerente, de uma espécie de "trato sucessivo". Do que se trata é de determinar o regime jurídico a que está sujeito o requerente. E da continuidade do sistema jurídico da RAEM, como consta do artigo 8.° da Lei Básica.
    29. Acresce que este entendimento está conforme com o facto do recorrente, embora residente permanente da RAEM, só agora vir requerer o subsídio em causa. Se se tratasse de mera questão de residência, sempre teria tido direito ao subsídio.
    30. Fica assim demonstrada a inexistência de violação da Lei 2/2011 pelo acto em crise.

III. Do vício de violação de lei - artigos 2.°, 4.°, 5.° e 7.° da Lei 8/1999
    1. Com o devido respeito, que é muito, não se acompanha a argumentação do recorrente no que concerne à violação da Lei 8/1999.
    2. É que em todo o procedimento nunca foi posto em causa o estatuto de residente da RAEM do recorrente.
    3. Como supra se referiu, a lei considerou que, o exercício do direito ao transporte para Portugal é condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal.
    4. E preciso é convir que a norma faz sentido. Tudo o conteúdo do direito, transporte de pessoas, bens, seguros, entre outros, é compreensível visando a finalidade de fixação de residência fora da, agora, RAEM.
    5. Nunca como um prémio.
    6. Os termos em que está redigida a norma não implicam qualquer consideração sobre o estatuto de residente ou não. O recorrente foi e é livre de estabelecer residência onde melhor lhe aprouver, de acordo com as leis locais.
    7. O que o lei fez foi condicionar um direito. Exercido o direito, considera a lei que a condição foi satisfeita e retira daí as devidas consequências. Para os efeitos que a lei pretende regular.
    8. Não é nada de novo. Como exemplo, o artigo 5.° do ETAPM diz:
Artigo 5.º
(União de facto)
1. Aqueles que não sendo casados ou, sendo-o, se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens e vivam, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges são havidos como cônjuges para efeitos do presente diploma.
    9. Não se trata de uma alteração ao Código Civil então vigente. Apenas para efeitos de aplicação do estatuto, se criou uma regra se restringe o seu âmbito de aplicação ao estatuto. E que tem consequências, pacificamente aceites.
    10. Repete-se não se descortina lugar algum onde se tenha posto em causa o estatuto de residentes do recorrente. Como supra se demonstrou, nem isso é necessário.
    11. Pelo que não pode haver qualquer violação da Lei 8/1999, quando ela nunca foi considerada, nem sequer tida em conta, no procedimento que se concluiu com a acto administrativo sub judice.

結論 Conclusão
當上訴人向當局遞交含作出決定的所有資料的申請書時,就不存在忽略預先聽證的形式瑕疵,因為《行政程序法典》第九十七條a項規定,當作出決定的所有資料已被提供時,免除預先聽證,這就如本個案。肯定上訴人沒有可證明預先聽證的任何理由或資料附入程序。除此之外,即使不是這樣理解,忽略絕沒有無效的標誌,因為採取的決定是唯一可依法而行的決定。
Quando o recorrente apresenta um requerimento à Administração onde constam todos os elementos pertinentes à tomada de uma decisão, inexiste vício de forma por preterição de audiência prévia, uma vez que o artigo 97.º alínea a) do CPA, dispensa a audiência prévia quando, como no caso, todos os elementos atinentes à decisão já foram fornecidos. Sendo certo que o recorrente não aduz qualquer razão ou elemento a carrear para o procedimento que pudesse justificar a audiência prévia. Além disso, ainda que assim se não entendesse, a preterição jamais teria carácter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.



正如第14/94/M號法令第十七條第三款和第四款的明確規定,上訴人是依照在葡萄牙定居的條件,才能行使運輸人和物往葡萄牙的權利。為止,上訴人不列入第96/99/M號法令範圍內,因為這項法令僅適用已將退休金和撫恤金責任轉往退休事務管理局且已決定留居澳門的退休人士。這項法令澄清及擴展了載於第14/94/M號法令的1999年12月19日房屋津貼日期的權利。為此,第2/2011號法律不適用於上訴人,因為這項法律僅擴展了受惠人的範圍,而這些受惠人不是因為第14/94/M號法令而被排除的人士。為此,沒有違反第2/2011號法律。
O recorrente, ao ter exercido o direito a transporte de pessoas e bens para Portugal, consagrado no artigo 17.° n.º 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 14/94/M, fê-lo, na condição de fixação de residência em Portugal como é claramente expresso nessas normas. Por isso fica excluído do âmbito de aplicação do Decreto-Lei 96/99/M, uma vez que este apenas se aplica aos reformados que, tendo efectuado a transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações, tinham decidido permanecer em Macau. Este decreto veio clarificar e estender o direito a subsídio de residência para lá da data de 19/12/1999, que constava do Decreto-Lei n.º 14/94/M. Pelo que ao recorrente é inaplicável a Lei n.º 2/2011. Esta apenas alarga o âmbito de beneficiários, de entre os que, não foram excluídos pelo Decreto-Lei n.º 14/94/M. Pelo que não houve violação da Lei n.º 2/2011.


在作出有關行為的程序中,上訴人的居民身份沒有被考慮,故沒有違反法律的瑕疵,尤其是第8/1999號法律第二條、第四條、第五條和第七條規定。法律為着本身規定的目的,才制定上訴人留居葡萄牙方得行使運輸權的條件。第14/94/M號法令、被上訴批示及依該批示完成的程序等均沒提及上訴人有否居民身份。
Não existe vício de violação de lei, nomeadamente dos artigos 2.°, 4.°, 5.° e 7.° da Lei 8/1999, quando em parte nenhuma do procedimento que conduziu à prolacção do acto sub judice, se desconsiderou o estatuto de residente do recorrente. É a lei que condiciona o exercício ao direito a transporte do recorrente à fixação de residência em Portugal, para os efeito que a própria lei visa disciplinar. Não se pronuncia nem o Decreto-Lei n.º 14/94/M, nem o despacho recorrido, nem o procedimento que culminou nesse despacho sobre o estatuto de residente ou não do recorrente.”
    
12. O Exmo Senhor Director dos SAPM, proficientemente, em resposta ao que foi solicitado por este Tribunal, através do oficio n.º 1705, datado de 25 de Outubro de 2012, e na sequência da recolha de informação junto dos serviços relacionados, informou :
    “1) No que concerne ao número de funcionários e agentes que optaram pela integração no regime da Caixa Geral de Aposentações (CGA) até ao dia 20 de Dezembro de 1999 e o número dos que foram abonados de subsídio de transporte para Portugal:
    - 373 funcionários e agentes optaram pela integração nos quadros da República Portuguesa, e 3.377 aposentados e pensionistas de sobrevivência optaram pela transferência das pensões para a CGA, nos termos do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro e demais regulamentação que regulam o processo de integração, (dados fornecidos pelo Fundo de Pensões);
    - Dos funcionários e agentes que optaram pela integração no regime da CGA até ao dia 20 de Dezembro de 1999, beneficiaram do subsídio de transporte para Portugal:
    i) 204 (requereram o transporte em nome do titular), (dados fornecidos pela Direcção dos Serviços de Finanças) ;
    ii) 277 (requereram o transporte em nome do titular e dos seus familiares). (idem).
    2) Sobre, se esses aposentados continuam ou não a beneficiar dos cuidados de saúde na RAEM:
    - Do pessoal que optou pela integração no regime da CGA até ao dia 20 de Dezembro de 1999\,942 descontaram para usufruirem de assistência na doença neste ano, (dado fornecido pelos Serviços de Saúde).
    3) Acerca do número de funcionários e agentes que permaneceram no regime normal de aposentação do então Território de Macau, e se estes recebem ou não o subsídio de residência ao abrigo da Lei n.º 2/2011, de 28/03/2011 :
    - Antes do retomo, o número de funcionários e agentes que não optaram pela transferência das pensões para a CGA foi de 155. De acordo com os dados reportados até ao dia 31 de Outubro do corrente ano, 59 já faleceram; relativamente aos restantes 96, 90 estão a receber o subsídio de residência, nos termos do (Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau), e os últimos 6 não o podem receber dado estarem a habitar em moradia do património da RAEM ou de qualquer outra pessoa colectiva de direito público, (dados fornecidos pela Direcção dos Serviços de Finanças e pelo Fundo de Pensões).
    Para qualquer esclarecimento adicional, queira por favor contactar a Sra. Lo da Divisão de Planeamento de Pessoal do Departamento de Planeamento e Recrutamento dos Trabalhadores dos Serviços Públicos, através do n.º de telefone XXXXX. “
13, Colheram-se junto da Assembleia Legislativa os elementos referentes às actas dos Trabalhos Preparatórios no respeitante à feitura da Lei n.º 2/2011, cujo conteúdo se mostra junto aos autos e aqui se dá por reproduzido.
    
IV - FUNDAMENTOS

1. As questões a conhecer no presente recurso reconduzem-se à análise dos vícios assacados ao acto e passam, no fundo, no que respeita à pretensa violação de lei e pressupostos de facto, pela correcta interpretação do regime legal aplicável ao caso,
Vícios invocados de que cumpre conhecer:
- violação do princípio da audição dos interessados;
- Violação de lei e de erro nos pressupostos de facto;
- violação do princípio da igualdade.
    Vamos seguir aqui a fundamentação por nós exposta no Proc. n.º 197/2012, de 27/Fev., deste Tribunal de Segunda Instância.
    
    2.1. Invoca o recorrente o vício onde diz faltar audiência prévia no procedimento.
Sem razão, porém.
    2.2. Suscita o recorrente uma ilegalidade no âmbito do processo que culminou com o despacho ora impugnado, concretizada no facto de não terem sido previamente ouvidos os interessados.
    Alega que o direito de audiência de interessados na formação das decisões administrativas é uma regra de elementar justiça, sendo por excelência a concretização do aludido princípio da sua participação no procedimento administrativo até à tomada da decisão final. Por isso e por não se verificarem no procedimento onde se insere o acto recorrido as regras previstas no artigo 97.º do CPA, sob a epígrafe "Dispensa de audiência dos interessados", é manifesto que o ora recorrente, ao invés do que afirma a entidade recorrida, nunca nele se pronunciou.
    Nem existe no procedimento qualquer decisão formal ou mera proposta que tenha merecido a concordância da Senhora Directora da DSF que dispense aquela audiência.
    Mais acresce não ter a entidade recorrida cumprido com o que adicionalmente postula o artigo 10.º do CPA que, no sentido de assegurar o princípio da participação plena dos interessados na actividade administrativa, manda atender à intervenção, também, das Associações que defendam os seus interesses quando envolvidos em procedimentos administrativos, no caso, a "Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau", abreviadamente designada por "APOMAC".
2.3. Responde a entidade recorrida que não faria sentido que, nas centenas de actos administrativos quotidianamente elaborados, fosse sempre obrigatório proceder à audiência prévia dos interessados. É bom de ver que isso paralisaria, sem qualquer dúvida, a Administração. Que também está sujeita ao dever de celeridade, desburocratização, e eficiência (cfr. artigo 12.° do CPA).
    Por exemplo, o indeferimento de um pedido de justificação por incumprimento de um prazo, de um subsídio de família, por rendimento superior ao previsto na lei, certamente que não requer audiência do interessado. E fácil é de entender que, estando todos os dados pertinentes à decisão na posse da Administração, a audiência dos interessados seria uma formalidade inútil, isso mesmo prevendo o artigo 97.° alínea a) do CPA.
    A situação do recorrente não suscita qualquer dúvida, nem à Administração nem ao próprio recorrente. Os elementos constantes do procedimento são suficientes e constituem fundamento bastante para a tomada da decisão.
    Quanto ao facto de não ter sido ouvida a Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau, certamente não pretende o recorrente que, para cada aposentado fosse ouvida a APOMAC.
    O que está em causa é a interpretação que se faz da Lei n.º 2/2011, que segundo o recorrente autoriza o pagamento de tal subsídio e segundo a Administração não.
    
    2.4. Conhecendo…
    Afigura-se-nos assistir razão à entidade recorrida, visto o objecto da decisão a tomar, face à desnecessidade de uma instrução integrante da actividade administrativa, carreando factos e novos elementos úteis para a tomada da decisão final, pelo que aquela formalidade se mostra degradada, não se devendo a Administração prestar, como é óbvio, à prática de actos inúteis, só fazendo sentido ouvir os recorrentes se estes pudessem contribuir para uma outra decisão, através de uma efectiva e real possibilidade de apresentação de factos, razões ou motivos susceptíveis de poderem inverter o indeferimento do pedido de atribuição do subsídio de residência.
    A Administração estava apenas vinculada à sua interpretação da lei, pelo que os eventuais factos, motivos ou razões a apresentar na sede pretendida se mostrariam irrelevantes e inócuos, nunca passíveis de alterar o sentido desse acto.
    O fim legal dessa formalidade, autonomizada na estrutura do procedimento pelos artigos 93.º e segs. do CPA, é o de proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento, chamando a atenção do órgão competente para a relevância de certos interesses ou pontos de vista adquiridos no procedimento.
    Este direito de audiência prévia só é assegurado se se traduzir numa possibilidade real e efectiva de apresentar factos, motivos, argumentação e razões susceptíveis de constituir, tanto uma cooperação para a decisão, como também elementos de um controlo preventivo por parte do particular em relação à Administração.1 O direito a ser ouvido tem uma dimensão funcional que se traduz na contribuição do particular para o apuramento dos factos relevantes, mas tem também uma dimensão garantística 2.
    Na primeira, valoriza-se o facto de os particulares carrearem para o procedimento as informações necessárias à decisão com vista à sua instrução completa, através de um procedimento dialogante, favorecendo-se igualmente a legitimação das decisões. Na última, concretiza-se a participação dos interessados enquanto indivíduos portadores de interesses próprios que importa salvaguardar no procedimento, permitindo-lhes que transmitam o seu ponto de vista sobre o caso em apreço, de modo a não os reduzir a meros objectos da actividade administrativa.
    Em qualquer das suas dimensões trata-se de um meio de que os particulares dispõem para desde logo controlar e influenciar a actividade da Administração comunitária numa fase em que a decisão ainda não está tomada.
Encerra uma ideia de pacificação social, evitando uma conflitualidade judicial3, não só pela maior aceitabilidade da decisão que proporciona4, mas porque permite igualmente um auto e hétero controle, fazendo ponderar interesses que contrapostos no procedimento poderiam levar a outra decisão e que de outro modo não chegariam ao conhecimento da Administração. Esta intervenção permite que os particulares possam defender o seu ponto de vista “podendo moldar, afinal, o conteúdo da decisão que os vai afectar”5 limitando-se assim a margem de livre apreciação do órgão decisório. De facto, a participação dos interessados não cumpre, por si só, o objectivo que se pretende, porquanto deve ser igualmente obrigatória a ponderação do seu resultado pela entidade decisora. Como o próprio nome indica, a audiência deve ser prévia a uma tomada de decisão e depois de se terem reunido os elementos necessários que irão servir de base à decisão.
    Limita-se a discricionariedade administrativa, quer quanto ao tipo de actos instrutórios a levar a cabo, quer ao conjunto de interesses a ponderar. A crescente “porosidade” legislativa, ao permitir ampla margem de apreciação ao órgão decisor, deve exigir também uma crescente participação procedimental de modo a obter-se um completo apuramento formal dos interesses a prosseguir e consequentemente uma decisão materialmente correcta.
    2.5. Não é, porém, o caso presente. Estamos em condições de afirmar a desnecessidade da audiência prévia dos interessados neste procedimento, na medida em que o poder exercido pela Administração tem natureza estritamente vinculada. Isto é, ele mais não decorre do que da mera interpretação do regime aplicável aos aposentados que optaram por receber a sua pensão da CGA portuguesa.
    Uma decisão de indeferimento vinculada à lei impõe-se a todos e a audiência, no caso, só poderia ter cariz interpretativo, reflectindo porventura os interesses da parte interessada que emita parecer, sendo certo que, ainda aí, o recorrente não deixa de ter oportunidade de se pronunciar aquando do recurso hierárquico, não deixando de poder esgrimir com todos os argumentos tidos por relevantes para convencer de posição contrária à tomada em 1º grau.
    2.6. Acresce, visto o grande número de interessados que recorreu e que colocou a pretensão à Administração, estamos em crer, que se observa uma situação integrante da previsão da 1ª parte do n.º 1 do art. 96º do CPA, não fazendo sentido que a Administração fosse ouvir cada um dos interessados que não deixaram de actuar em massa sobre a sua interpretação acerca do regime aplicável a uma generalidade de pessoas com os mesmos interesses.
    2.7. Como não fazia sentido, visto o objecto do thema decidendum, ouvir a APOMAC, - pretender-se-ia que fosse ouvido na centena ou centenas de casos -, audição essa que se limitaria à junção de um parecer jurídico, necessariamente favorável à parte interessada.
    Para além de que não se configura uma situação de violação do art. 10º do CPA que prevê, no âmbito da observância do princípio da participação, a audição das associações de classe, pois não está em causa uma medida que afecte os interesses da classe, enquanto tal, nomeadamente em termos de regulação dos interesses corporativos respectivos, antes cabendo tão-somente a interpretação das normas que é suposto terem regulado já esses interesses. Ora, para interpretar as normas, não se ouve a classe representativa.
     2.8. Integrando ainda no presente vício a alegação respeitante à falta de audição dos interessados, a propósito do caso referido de outro aposentado referido, mostra-se ela completamente inócua, não sendo, por um lado, aquela tomada de posição vinculativa, por outro, como acentua a entidade recorrida, o que se constata é que o recorrente não deixou de ter conhecimento dos contornos do caso, deles se servindo nos termos argumentativos que bem lhe aprouve.

Do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito

3.1. Pretende o recorrente beneficiar do subsídio de residência que diz ser-lhe concedido pela Lei n.º 2/2011, de 28 de Março.
Está em causa o despacho da entidade recorrida que sufragou a posição da Administração (Direcção dos Serviços de Finanças) que não reconhece o direito ao subsídio de residência de uma parte do pessoal aposentado, os que se aposentaram antes da criação da RAEM e cujas pensões foram transferidas para a Caixa Geral de Aposentações em Portugal, nos termos do Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro.

3.2. Não sendo expressa ou clara a letra da referida lei, antes apontando em sentido contrário, no sentido da não inclusão dos ditos funcionários na sua previsão atributiva do direito, importa desde já reter que o artigo 10ª da Lei n.º 2/2011 -
"Direito ao subsídio
    1. Os trabalhadores dos serviços públicos que se encontrem em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados, incluindo os magistrados aposentados, têm direito a um subsídio mensal de residência, nos termos previstos na presente lei, ainda que existam entre eles relações de parentesco e residam na mesma moradia.
    2. Não têm direito ao subsídio de residência aqueles que habitem em moradia do património da RAEM ou de qualquer outra pessoa colectiva de direito público ou que recebam mensalmente subsídio para arrendamento ou equivalente." -,

    não pode ser desligado do artigo 1º, n.º 1 que delimita o âmbito da sua previsão:
“A presente lei regula o regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família dos trabalhadores dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM.”
Parece que o legislador é muito claro ao pretender abranger apenas os trabalhadores da RAEM.
É evidente que os aposentados ao abrigo da Administração portuguesa, no âmbito do Território de Macau, não deixaram de prestar serviço público neste mesmo espaço territorial de Macau, geograficamente o mesmo, mas juridicamente diferente do da RAEM.
3.3. É verdade que os beneficiários da sua actuação, enquanto se manteve a relação de serviço público prestado, são os destinatários e titulares do interesse público, a população em geral, que não mudou por mero passo de mágica, mantendo-se as relações sociais e a prossecução daquele mesmo interesse público, ainda que estabelecidas relações jurídicas diferentes. Só que estas razões, enquanto justificativas da atribuição de direitos a titulares de relações jurídicas estabelecidas com outrem, só por opção política da nova pessoa jurídica podem valer, a partir do momento em que o legislador não os abrangeu.
Como ensina Marcelo Caetano aposentado é aquele que deixa de estar em funções, a partir do momento em que deixa de estar na actividade do serviço.6 É verdade que é este mesmo Mestre que nos diz que o aposentado não perde a qualidade de funcionário. Não ocupando lugar nos quadros e estando dispensado definitivamente de exercer cargos não tem direito ao lugar nem outros direitos decorrentes do exercício das funções, mas pode conservar os que deste sejam separáveis (v.g. honras, assistência na doença) e mantém o tratamento do lugar por que foi aposentado.7 Podemos considerar que a situação do aposentado corresponde à substituição da relação jurídica de emprego público, enquanto agente que se encontrava no activo, por uma outra nova relação jurídica que estabelece um novo complexo de direitos, deveres e incompatibilidades.8
Esta asserção, contudo, se funciona e se encaixa perfeitamente num quadro de manutenção dos sujeitos da relação jurídica de emprego público, enquanto vigente e após a sua cessação, já não assim quando se verifica uma modificação jurídica-institucional dos sujeitos da relação de emprego público, e, especialmente, quando um dos sujeitos opta por estabelecer uma nova relação jurídica, materializada na opção por ter por contraparte, enquanto aposentado, uma entidade jurídica estranha à RAEM, como é o caso da Caixa Geral de Aposentações.
Importa não esquecer que a RAEM , enquanto “parte inalienável da República Popular da China”, artigo 1º da Lei Básica, autorizada a exercer um alto grau de autonomia e a gozar de poderes executivo, legislativo e judicial independente, artigo 2º, se define como “uma região administrativa local da República Popular da China que goza de um alto grau de autonomia e fica directamente subordinada ao Governo Popular Central”, artigo 12º da Lei Básica, decorrendo das competências e atribuições dos respectivos órgãos o reconhecimento de uma personalidade jurídica de direito público que de modo algum se confunde com a definição que era dada no Estatuto Orgânico, artigo 2º, onde se definia que o território de Macau constitui uma
“pessoa colectiva de direito público interno e goza, com ressalva dos princípios e no respeito dos direitos, liberdades e garantias estabelecidas na Constituição da República e no presente Estatuto, de autonomia administrativa, económica, financeira e legislativa”.
Não será despiciendo termos presente esta diferenciação, pois “cada pessoa colectiva de direito público tem os seus órgãos - que pensam e decidem por ela - e os seus agentes, funcionários ou não, que, na essência, executam as decisões daqueles”.9
3.4. Emerge desta formulação a conceptualização de uma relação jurídica de emprego público, cuja titularidade subjectiva é encabeçada pela Administração, por um lado, e pelo agente, por outro.
É assim que deparamos com um conjunto de normas, constantes quer da Lei Básica, quer da Lei da Reunificação, na esteira do que fora proclamado na Declaração Conjunta no sentido de manter e enquadrar os funcionários que continuassem a prestar serviço na RAEM (cfr. artigos 98º, 99º e 100º da Lei Básica e artigo 5º da Lei da Reunificação).
Já assim não se pronuncia o legislador naqueloutra relação jurídica dos aposentados.
Não cabe aos Tribunais o pronunciamento sobre a justeza de uma dada opção; cabe-lhes tão somente dizer o direito que rege uma determinada situação.
4. Esta leitura com que abrimos, reconhece-se, não deixa de ser demasiado simplista, ainda que decorrente da letra das normas, pelo que importa analisar mais profundamente e, vista a excepcionalidade da situação que se nos apresenta, há que procurar integrar o regime do estatuto dos aposentados com a génese e evolução do subsídio de residência ora reclamado.
4.1. A fim de indagar se esse pretenso direito ao subsídio de residência é consagrado por algum diploma legar ou se decorre do regime e princípios aplicáveis.
    O Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, relativamente à questão do subsídio de residência por parte dos trabalhadores da Administração Pública, dispõe no seu artigo 203.º:

"(Atribuição)
    1. Os funcionários e agentes em efectividade de funções, desligados do serviço para efeitos de aposentação ou aposentados, que residam em Macau e recebam, total ou parcialmente, vencimento, salário ou pensão por conta do Território, têm direito a um subsídio de residência de montante constante da tabela n.º 2, ou de importância igual à renda paga se esta for inferior àquela quantia.
    2. O direito ao subsídio é atribuído a todos os funcionários e agentes ainda que existam entre eles relações de parentesco e residam na mesma moradia.
    3. O direito previsto no número anterior é extensivo aos assalariados com mais de seis meses de serviço efectivo e ininterrupto, enquanto se mantiverem em funções.
    4. Exceptuam-se do disposto no n.º 1 os trabalhadores que se encontrem numa das seguintes situações:
    a) Habitem casa do património do Território, dos serviços autónomos ou dos municípios;
    b) Tenham casa própria, salvo quando esteja sujeita a encargos de amortização.
    (...)"
    
    A norma, na sua redacção primitiva, estabelecia as seguintes condições de atribuição do direito:
    “(1) Os funcionários e agentes que se encontram em efectividade de funções, desligados do serviço para efeitos de aposentação ou aposentados;
    (2) Que residam em Macau;
    (3) Que recebam, total ou parcialmente, vencimento, salário ou pensão por conta do Território.
    Não tendo direito a tal subsídio
    (1) Os que habitem casa do património do Território;
    (2) Os que tenham casa própria e sem quaisquer encargos.“
    
    4.2. Posteriormente, o legislador decidiu, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 80/92/M, de 21 de Dezembro, proceder à alteração do n.º 3 do artigo 203.° do ETAPM, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
    "3. O direito previsto no número anterior é extensivo aos assalariados com mais de seis meses de serviço efectivo e ininterrupto, enquanto se mantiverem em funções."
    
    4.3. Mais tarde, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 62/98/M, de 28 de Dezembro, procedeu-se à alteração dos n.º 7 e 8 do artigo 203.° do ETAPM, passando a ter a seguinte redacção:
    
    "7. No decurso do mês de Dezembro de cada ano, o trabalhador, com subsídio de residência atribuído deve apresentar, junto do respectivo serviço, a declaração a que se refere o n.° 5, bem como o recibo da renda de casa ou da retribuição, a que se refere o n.º 6, relativo ao mês imediatamente anterior.
    8. Haverá redução rateada do subsídio de residência no caso do valor da renda ser inferior ao montante global dos subsídios atribuídos a trabalhadores que residem na mesma casa."
    
    4.4. Daqui decorre que, não obstante as alterações introduzidas, os requisitos atributivos do direito se mantiveram inalterados.
Só com a redacção do artigo 10º da Lei n.º 2/2011, de 28 de Março, no seu artigo 10°, se vêm a alterar aqueles requisitos, restando, em termos de requisitos positivos, apenas um:
    Encontrarem-se em efectividade de funções ou desligados do serviço para efeitos de aposentação, bem como os aposentados.
    O legislador teve ainda o especial cuidado de enumerar os casos daqueles que não têm direito ao subsídio de residência, nomeadamente:
    (1) os que habitem em moradia do património do Governo;
    (2) que recebam mensalmente subsídio para arrendamento.
    
    Estas as diferenças entre o regime ante e post Lei n.º 2/2011, havendo que ter presente o universo dos destinatários das respectivas previsões:
    Claramente,
    - todos os funcionários da RAEM vindos ou não da Administração anterior);
    - todos os aposentados da RAEM (antes ou depois da Lei n.º 2/2011).
    
    E os aposentados antes do estabelecimento da RAEM? A lei não o refere e será que tinha de referir essas situações?
    Desde logo se constata que só teria de se pronunciar se se entendesse que no estatuto dos aposentados antes da RAEM, tal como acima visto, na nova relação jurídica constituída com a aposentação, se operou uma modificação subjectiva na titularidade dessa relação jurídica.
    
    5.1. Aqui chegados, há que ver o que se passou então com os aposentados antes da RAEM, nomeadamente com aqueles que se aposentaram antes da criação da RAEM e que transferiram as respectivas pensões para a CGA de Portugal, como é o caso do ora recorrente.
    
     Relativamente ao pessoal que transferiu as respectivas pensões para Portugal, antes de Dezembro de 1999, encontravam-se eles impedidos, desde que não residissem em Macau, de requerer o subsídio de residência junto do Governo da RAEM antes da data de entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, de 28 de Março, uma vez que não reuniam o requisito consagrado no n.º 1 do artigo 203.° do ETAPM: residir em Macau.
    Mas colocada assim a questão, afigura-se-nos que ela está ferida de morte à partida, pois a questão reconduz-se ao obstáculo primeiro à atribuição desse subsídio, a partir do momento em que esses funcionários e agentes optaram pela constituição de uma nova relação jurídica, cujo novo titular passou a ser a Administração de Portugal, a Caixa Geral de Aposentações.

5.2. Vejamos então o enquadramento em que foi tomada tal opção, antes de 1999, mais propriamente antes do estabelecimento da RAEM.
Do anexo I, VI, da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China Sobre a Questão de Macau, de 13 de Abril de 1987, assinada em Pequim e publicada no BOM n.º23, 3º Suplemento, em 7/6/1988, resulta que
“Após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os nacionais chineses e os portugueses e outros estrangeiros que tenham previamente trabalhado nos serviços públicos (incluindo os de polícia) de Macau podem manter os seus vínculos funcionais e continuarão a trabalhar com vencimentos, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores. Os indivíduos acima mencionados que forem aposentados depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau terão direito, em conformidade com as regras vigentes, a pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência.”
O Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 43, de 25 de Outubro, veio definir o quadro legal dentro do qual era garantido aos funcionários de Macau o direito de integração nos serviços da República Portuguesa, bem como a possibilidade dos funcionários já aposentados, ou que reunissem condições de aposentação até 19 de Dezembro de 1999, poderem transferir a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para Portugal, sendo permitida ainda a definição de alternativas à integração.
Estabelece, por outro lado, o citado Decreto-Lei n.º 357/93, que era da exclusiva competência do Governador regulamentar a aplicação daquele diploma no Território, no prazo de 120 dias após a data da sua entrada em vigor em Macau, o que constitui objecto deste Decreto-lei:
“Artigo 9.º
Inscrição na Caixa Geral de Aposentações
(...)
2 - O pessoal que, reunindo as condições de aposentação até 19 de Dezembro de 1999, declare expressamente que pretende fazê-lo até essa data pode requerer a transferência da responsabilidade das respectivas pensões de aposentação e sobrevivência para a CGA.
Artigo 10.º
Aposentação e sobrevivência
(...)
5 - As pensões referidas nos números anteriores, calculadas segundo o regime de Macau, ficarão, quanto à sua evolução futura, sujeitas ao regime vigente para os demais aposentados e pensionistas de sobrevivência da CGA."

O Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro, dentro dos condicionalismos impostos pelo facto de este ser um diploma regulamentar e de alguns imperativos resultantes da própria natureza do período de transição, salvaguarda os direitos e interesses dos funcionários públicos, procurando conciliar este objectivo com a responsabilidade pela garantia do funcionamento eficiente da Administração, do que decorria a necessidade de se encontrarem soluções, a um tempo, justas e equilibradas.
Culmina, assim, - como aí preambularmente se aponta -, um processo político e legislativo, em que foi possível uma ampla participação, dando-se acolhimento aos anseios e expectativas de um largo estrato dos funcionários públicos de Macau, permitindo responder tanto àqueles que, como opção, pretendem no futuro permanecer em Macau, como àqueles que pretendem a sua integração nos serviços da República Portuguesa ou, ainda, optar pelas demais soluções consagradas neste diploma.
Aí se prevê:
“Artigo 2.º
(Âmbito da aplicação)
O presente diploma aplica-se ao pessoal que nos termos do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro, se encontre numa das seguintes situações:
a) Reúna condições de integração nos serviços da República Portuguesa;
b) Reúna condições de transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e de sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações (CGA).
Artigo 3.º
(Antecipação da aposentação)
1. O pessoal que até 19 de Dezembro de 1999 possa reunir as condições de aposentação voluntária e requeira a transferência de responsabilidades da respectiva pensão para a CGA, pode requerer a antecipação da aposentação.
2. As condições de aposentação do pessoal a que se refere o número anterior e as regras de cálculo da respectiva pensão, bem como das pensões de sobrevivência a que tiverem direito os herdeiros hábeis em caso de falecimento do subscritor antes de ocorrer a aposentação, são as previstas no regime da função pública de Macau.
Artigo 9.º
(Reconhecimento da opção)
1. Os funcionários e agentes abrangidos pelo disposto no presente diploma devem, no prazo de um ano contado da data da sua entrada em vigor, requerer ao Governador o reconhecimento de um dos seguintes direitos, a efectivar até 19 de Dezembro de 1999:
(...)
b) Aposentação com transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e de sobrevivência para a CGA;
Artigo 14.º
(Articulação com a CGA)
1. Para efeitos da inscrição na CGA, prevista nos n.os 1 e 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro, o Fundo de Pensões de Macau procede ao envio do processo àquela Caixa, no prazo de 30 dias contados da data da publicação prevista no n.º 7 do artigo 9.º do presente diploma.
2. O pessoal abrangido pelo disposto no número anterior é inscrito na CGA pela categoria de que era titular à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro, no caso de opção pela integração, ou pela categoria ou cargo relevante para aposentação nos termos da legislação de Macau, no caso de opção pela aposentação com transferência de responsabilidades.
Artigo 17.º
(Direitos)
(…)
3. Ao pessoal a quem tenha sido autorizada a transferência das respectivas pensões para a CGA é mantido o direito a:
a) Transporte para Portugal por conta do Território;
b) Continuar a habitar moradia do Território, até 19 de Dezembro de 1999 e enquanto residir em Macau, mediante o pagamento da respectiva renda;
c) Acesso a cuidados de saúde, mediante o pagamento da respectiva contribuição.
4. O direito a transporte referido neste artigo compreende o transporte de pessoas, o transporte e desalfandegamento de bagagens e de veículo ligeiro de passageiros, bem como os respectivos seguros, sendo o seu exercício condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal.
5. O transporte de familiares, de bagagens e de veículo ligeiro de passageiros pode ser efectuado a partir da data do despacho que reconheça um dos direitos a que se refere o n.º 1 do artigo 9.º do presente diploma, mediante requerimento, com expressa renúncia a esse transporte quando se verificar a deslocação do titular do direito.
6. O exercício dos direitos referidos nos números anteriores rege-se, com as necessárias adaptações, pelas normas constantes do ETAPM.
7. Todos os direitos não referidos no n.º 2 do presente artigo que o pessoal a desvincular nos termos deste diploma haja adquirido, são considerados remidos com o pagamento da compensação pecuniária a que se refere o artigo anterior.”
Destes normativos é patente a transferência das responsabilidades para a CGA, novo titular da relação jurídica então constituída, em face do facto determinante do estado de aposentado.

6. Da adaptação do regime a uma situação provisória
6.1. Não obstante, veio a dispor o artigo 3.° do Dec. Lei n.º 38/95/M, de 7 de Agosto:
"(Renda de casa)
    1. O montante devido mensalmente a título de renda de casa pelos pensionistas, na situação a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro, após a transferência da respectiva pensão, é o que resultar das disposições legais em vigor à data da transferência, sendo o pagamento efectuado no serviço ou entidade a quem cabe a administração das moradias.
    2. Os pensionistas que têm direito a subsídio de residência, nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, após a transferência da respectiva pensão para a CGA mantêm esse direito, até 19 de Dezembro de 1999, enquanto residirem no território de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças."
    
    Desta norma decorre que se trata de uma disposição transitória que produz efeitos até à data do estabelecimento da RAEM, ou seja, até ao dia 20 de Dezembro de 1999.
    Altera-se um dos principais requisitos constantes do regime geral, passando a ter direito ao subsídio de residência (pago pelo Governo de Macau), mesmo que a pensão não seja paga pelo Governo de Macau, uma vez que os interessados residam no território de Macau.
    Deixa de ser o Fundo de Pensões a efectuar o pagamento do subsídio de residência, transferindo-se esta responsabilidade para a Direcção dos Serviços de Finanças.
    Muito próximo da data da transferência, o então governo português em Macau aprovou o Decreto-Lei n.º 96//99/M, de 29 de Novembro, que pelo artigo 3° veio revogar o n.º 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 38/95/M, de 7 de Agosto.
    No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/99/M, de 29 de Novembro, o legislador justifica-se da seguinte forma:
    
    "(...)
    Contudo, parte significativa destes aposentados e pensionistas tencionam continuar a residir em Macau para além de 19 de Dezembro de 1999, mantendo a condição de arrendatários de moradias do Território, bem como o acesso ao subsídio de residência.
    Assim, o Governo de Macau não pode alhear-se da questão humana e social, atendendo à idade avançada da maior parte destes cidadãos, à dificuldade destes encontrarem alternativas de residência compatíveis com a pensão auferida, assim como ao desenraizamento provocado pelo abandono da sua residência habitual e da comunidade circundante.
    Neste sentido o presente diploma visa garantir aos aposentados e pensionistas que transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA, a manutenção dos referidos direitos.
    (...) "10
    
    Estabelecendo o legislador, no artigo 1º:
    
“Ao pessoal a quem seja autorizada a transferência das respectivas pensões para a Caixa Geral de Aposentações é mantido o direito a:
a) Continuar a habitar moradia do Território enquanto residir em Macau, mediante o pagamento da respectiva renda no serviço ou entidade a quem cabe a administração de moradias;
b) Subsídio de residência nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças.”
Artigo 2.º
(Manutenção de direitos)
O disposto no artigo anterior não prejudica os demais direitos previstos nos Decretos-Leis n.ºs 14/94/M, de 23 de Fevereiro, e 38/95/M, de 7 de Agosto.”
    
    6.2. Cremos residir aqui a “pedra de toque” na dilucidação que nos preocupa. Desde logo, em cima da transferência, o Governo de então, embora tenha sido sensível a uma realidade social, legisla, regulando uma situação que poderia ser humanamente muito carente, reconhece-se, assegurando um direito para o futuro a um conjunto de pessoas que optara pela aposentação por Portugal, revogando legislação que já o fizera anteriormente, com natureza transitória até 19 de Dez./99.
    Porquê? A resposta é avançada no Preâmbulo.
    Mas qual o alcance dessa abrangência?
    Ao remeter pela al. b) do art. 1º para os termos do ETAPM, não será que essa atribuição ficou desde logo coarctada, face aos requisitos que o artigo 203º do ETAPM impunha?
    Se assim era, tão claro, por que razão o recorrente e demais interessados, nas suas alegações, apenas se lhe referem de raspão, fazendo radicar o seu direito antes no diploma de 2011?
    Se assim era, por que razão os aposentados que optaram pela CGA não vieram pedir, ainda antes da Lei n.º 2/ 2011, lhes fosse pago o subsídio de residência que seria, prima facie conferido por essa lei?
    O facto de não terem formulado tal pedido não é condição do indeferimento, nem isso importa neste momento, na certeza de que, no caso sub judice, a inércia no passado não seria impeditiva do direito no presente.
O certo é que a mesma lei que lho concedia, logo no artigo seguinte lho retirava, por falta de verificação dos pressupostos do artigo 203º do ETAPM:
- i.residirem em Macau e
- ii. receberem total ou parcialmente, vencimento, salário ou pensão por conta do Território;
- iii. não habitarem casa do património do Território, dos serviços autónomos ou dos municípios;
- iv. não terem casa própria, salvo quando sujeita a encargos de amortização).
    6.3. Estas interrogações e de certa forma a incongruência do legislador, levam-nos a indagar sobre o que sobraria, ou seja quais os casos, as situações não excluídas do subsídio de residência, hesitações que estão espelhadas nas posições dúbias, se não contraditórias, da Administração. Vislumbramos apenas como compatível, sob pena de não se retirar qualquer efeito útil a esse diploma, a irrelevância da alínea ii), pois que o legislador não podia deixar de saber que os destinatários visados o foram exactamente porque optaram receber a sua pensão sem ser por conta do Território.
    6.4. Alega-se que os Serviços da Administração e Função Pública, aquando da elaboração do Ofício-Circular n.º 032/DTJ, de 11 de Fevereiro de 2002, dizendo que "Os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento das suas pensões para a Caixa Geral de Aposentações, não deixaram de ser, por esse facto, para todos os efeitos legais, aposentados de Macau, segundo o regime jurídico fixado pelas normas legais aplicáveis ... " terão reconhecido a existência do direito no post RAEM.
    Critério este que também consta de um parecer elaborado em 2001 pela assessoria jurídica do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, na sequência da impugnação de um acto de indeferimento de atribuição do subsídio de residência, da autoria da DSF, que se sustentava exactamente no mesmo fundamento que vem agora invocado pela entidade recorrida mas que, em 2001, seguiu diferente interpretação, no sentido que pelo ora recorrente é defendido. Apresentada reclamação que impugnou esta decisão, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças pronunciou-se em sentido favorável ao pedido, admitindo como base legal que os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento da sua pensão para a CGA tinham direito ao subsídio de residência.11
    É neste contexto que se afirma que a Exma Senhora Secretária para a Justiça afirmou tal direito, que este foi reconhecido pelo Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que se alude a parecer favorável dos SAPF, enfim, que se reitera urbi et orbi a proclamação desse direito.
    Assim, a interpretação da Administração, em momento anterior (Julho de 2001 e Fevereiro de 2002 - parecer da assessoria do Senhor Secretario para a Economia e Finanças e Ofício dos SAFP n.º 032/DTJ e também na vigência da Lei n.º 2/2011 (em Maio de 2011, através do ofício n.º 1105120001, dos SAFP), tudo apontaria para a concessão do subsídio de residência sem qualquer restrição ou condição fundamentada no exercício do direito ao transporte, a coberto do Decreto-Lei n.º 14/94/M, em sentido inverso ao que foi agora decidido no âmbito do procedimento que conduziu à prolação do acto recorrido.
    A este propósito, a proclamação, por parte da Senhora Secretária, aquando das LAG de 2011, não refere expressamente a inclusão do grupo de aposentados, onde o recorrente se insere, como beneficiário da anunciada lei, mas tão-somente a eliminação do critério da residência.
    
    6.5. Mas lei, lei que a conferisse, nada. O único diploma que parece contemplar tal pretensão, numa primeira leitura menos atenta, é o citado Dec.-lei n.º 96/99/M, de 29 de Nov., mas que a si próprio se desmente, em face dos requisitos que faz pressupor e tanto assim que só quando eles desaparecem, com a Lei n.º 2/2011, só quando os obstáculos parecem desaparecer, se lhes veda a porta na delimitação do âmbito que vem regular a atribuição do subsídio aos aposentados, aferidos em função da prestação de emprego público na RAEM.
    O desnorte sobre a interpretação destas normas parece instalado e a entidade recorrida na sua contestação chega a sustentar, ao arrepio de outras interpretações da Administração que, por não receber qualquer pensão paga pelo Território, ficaria qualquer pensionista da CGA excluído do subsídio de residência. Tal como não estavam contemplados no Decreto-Lei 38/95/M, continuariam excluídos do Decreto-Lei n.º 96/99/M, os pensionistas da CGA que fixaram residência em Portugal, como decorrência da aplicação do n.º 4 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 14/94/M.
    Desta incompleição normativa nos dá conta o Parecer do CCAC12, que, em bom rigor, contrariamente às notícias veiculadas, não reconhece nas normas a consagração do direito, antes se pronuncia por uma sugestão, de cariz político-legislativo, clarificadora e atributiva do direito que entendia dever ser reconhecido.
    
    7. Posição da Direcção dos Serviços de Finanças e da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública
    7.1. Entremos agora nos detalhes da argumentação da Administração, já que o recorrente nas suas alegações se serve, como argumento, das posições que, aqui e ali, foram tomadas em benefício da sua tese, para além de que sempre ajudarão à compreensão da génese da formação da vontade ínsita à decisão tomada.
    A Direcção dos Serviços de Finanças informa o recorrente que, após apreciação dos dados fornecidos, uma vez que ele recebera o subsídio de transporte e tendo fixado residência em Portugal, não preenchia os requisitos consagrados no Decreto-Lei n.º 96/99/M.
    Decisão que se baseou no seguinte parecer n.º 052/DDP/2011 (de 20 de Julho de 2011):
    
    "(...)
    2. Após a recolha de dados do pessoal supracitado, podemos dividi-los em três grupos:
    1) Aqueles que transferiram as suas pensões para a CGA de Portugal sem terem recebido ainda qualquer subsídio de transporte para fixação de residência em Portugal,
    2) Aqueles que transferiram as suas pensões para a CGA de Portugal e que receberam o subsídio de transporte para fixação de residência em Portugal, e
    3) Aqueles que recebem pensão de sobrevivência através da CGA de Portugal.
    3. Antes da entrada em vigor da Lei n» 2/2011, os nossos serviços têm vindo a atribuir, nos termos do Decreto-Lei n.º 96/99/M e das disposições consagradas no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M, um subsídio máximo correspondente a MOP 1.000 (mil patacas) ao pessoal do grupo 1) acima citado, ou seja, aqueles que não habitam casa do património da RAEM e tenham casa arrendada ou casa própria mas ainda sujeita a encargos de amortização.
    (...)"
    De acordo com o exposto, a DSF entendia que nada impedia que fosse aplicado o Decreto-Lei n.º 96/99/M, de 29 de Novembro, entendendo como uma das condições negativas para se requerer o subsídio de residência, o facto de nunca terem solicitado o subsídio de transporte para a fixação de residência em Portugal.
    É naquele parecer que se estriba a DSF para indeferir os pedidos de subsídio de residência, no pressuposto de que quem recebeu o subsídio de transporte tinha fixado residência em Portugal, deixando, por essa razão, de preencher os requisitos impostos pelo Dec.-lei n.º 96/99/M.
    Na mesma linha, defende a entidade recorrida que o subsídio de transporte de que beneficiou o recorrente pressupunha a fixação de residência em Portugal (cfr. alínea a) do n.º 3 e n.º 4 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M), o que afasta o preenchimento dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 96/99/M, de 29 de Novembro que, segundo alega, condicionava a manutenção do direito ao subsídio de residência, de acordo com os requisitos previstos no ETAPM, apenas a quem residisse em Macau (cfr. alínea b) do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M).
    
    Defende a entidade recorrida que a opção exercida ao abrigo da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do DL n.º 14/94/M - transporte para Portugal por conta do território - concedido na condição de fixação de residência em Portugal, tinha como consequência a impossibilidade de receber subsídio de residência, uma vez que este era condicionado à residência em Macau.
    Esta conclusão, segundo alega, decorre do esclarecimento que consta do segundo parágrafo do preâmbulo do DL n.º 38/95/M e do n.º 2 do artigo 3.º

deste diploma, o que significa que os aposentados que transferiram a responsabilidade das suas pensões para Portugal mas que permaneceram em Macau recebem subsídio de residência.
    Já quanto aos que optaram pelo transporte para Portugal, diz a entidade recorrida, deles nunca cuidou a legislação citada. Precisamente porque a sua situação estava totalmente resolvida. Tinham a pensão paga por Portugal e residiam, para os efeitos da Lei, em Portugal.
    Partindo destas premissas, conclui: "a alteração em 2011 das condições para receber o subsídio de residência nunca os pode afectar. A sua situação, derivada da aplicação do DL n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro, excluiu-os do âmbito de aplicação quer do DL n.º 38/95/M, de 7 de Agosto, quer da legislação que se segue." (…) a sua situação ficou resolvida com a aplicação do Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro. Ao optar pelas viagens e direitos conexos, deixaram de ter ligação a Macau afigurando como inviável, com o apoio na legislação existente, estender o direito a subsídio de residência aos pensionistas em questão."
    
    7.2. Em relação a este argumento não se deixa de dizer desde já que ele peca na medida em que não se pode interpretar este diploma, a partir do momento da entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, usando uma lei que ela própria revogou. Referimo-nos à revogação do art. 203º do ETAPM, operada pelo art. 24º da Lei n.º 2/201.
    O que importa, de todo o modo, é saber se a referida lei passou a conferir ou não o peticionado direito, por esse ou por outro argumento.
    
    8. De um pretenso erro nos pressupostos de facto na decisão proferida.
    8.1. Alega o recorrente que a entidade recorrida pressupõe que ele não requereu a atribuição do subsídio em causa em data anterior à vigência da Lei n.º 2/2011 porque sabia que a ele não tinha direito - este pressuposto é errado, constituindo-se, assim, um novo vício do acto recorrido conducente à sua anulabilidade. O recorrente não tinha direito ao subsídio de residência previsto no artigo 203.º do ETAPM porque se encontrava abrangido pela excepção prevista no n.º 4 daquela norma e Estatuto, e não pelas razões aduzidas pela entidade recorrida.
    Teria sido por essa razão, ciente do impedimento legal para acesso ao subsídio de residência de acordo com a restrição imposta pela alínea b) do n.º 4 do artigo 203.º do ETAPM que o recorrente não requereu a atribuição daquele abono.
    
    8.2. Sobre este alegado vício, como está bem de ver, esse facto invocado, ainda que do domínio volitivo e intencional, é completamente inócuo, não se colhendo do acto impugnado que foi por essa razão que lhe foi denegado o direito, isto é, que lhe foi indeferido o subsídio de residência no pressuposto de que o recorrente sabia que não lhe assistia aquele direito, por ter deixado de residir em Macau.
    Essa afirmação não pode deixar de ser compreendida no reforço da interpretação da lei por parte da Administração, como mera retórica, não sendo porque o recorrente nunca pediu o subsídio ao longo de mais de uma década que lhe indefere o pedido à concessão do aludido direito.
    Soçobra ainda aqui, nesta vertente, o apontado vício.
    
    9.1. A este propósito, na análise que vínhamos desenvolvendo, situação diferente será o período que medeia entre o Dec.- Lei 96/99/M e a Lei n.º 2/2011, período em que o recorrente realmente não formulou o pedido do subsídio à Administração da RAEM.
Aí o que se observa é que se mantém a falta do requisito da residência a que o artigo 203º do ETAPM obrigava.

9.2. Do alcance desse requisito passamos a curar.
O exercício do direito ao subsídio de transporte para Portugal, previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 14/94/M, estava sujeito ao disposto no n.º 4 do mesmo artigo - “O direito a transporte referido neste artigo compreende o transporte de pessoas, o transporte e desalfandegamento de bagagens e de veículo ligeiro de passageiros, bem como os respectivos seguros, sendo o seu exercício condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal” - ., isto é, o requerente tinha que ter a intenção de fixar residência em Portugal.
Daí que se presuma que os aposentados que exerceram o direito ao subsídio de transporte não residem em Macau e tenham regressado a Portugal.
    
    
    9.3. Não vamos desenvolver especialmente esta matéria, mas afigura-se-nos, contrariamente ao que pretende o recorrente, tratar-se aí de uma residência de facto e não jurídica. A manutenção do direito previsto no Decreto-Lei n.º 96/99/M estava dependente da residência dos aposentados em Macau, só assim fazendo sentido o pagamento de uma viagem, de um transporte para o próprio e sua família, do transporte dos seus pertences, pois que não se concebe - e a lei não deixou de ser clara - tal concessão em termos meramente virtuais ou turísticos.
    
    9.4. Diz o recorrente, referindo-se à al. b) do art. 1º do DL n.º 96/99/M que ao pessoal a quem fosse autorizada a transferência das respectivas pensões para a CGA, sem destrinça, quanto aos que receberam o abono de uma viagem para Portugal, é mantido o direito a subsídio de residência nos termos do ETAPM.
    A alteração introduzida, acrescenta, terá sido significativa para a elucidação da questão - enquanto no n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 38/95/M o legislador referia a prévia existência do direito ao subsídio de residência, abandonou essa exigência no DL n.º 96/99/M.
    Não tem razão o recorrente. Não é verdade que no Decreto-Lei n.º 96/99/M não se exija que os aposentados residam em Macau para que sejam beneficiários do subsídio de residência; esse requisito está indirectamente consagrado, pela remissão para o ETAPM, até 2011, ideia que sai reforçada com os fins proclamados no Preâmbulo - o direito concede-se a quem tenha a intenção de continuar a viver em Macau, não obstante a opção pela CGA - , não sendo curial que aí se inclua quem deixou de residir e volte aqui a residir.
    A alínea a) do artigo 1.º do Decreto-Lei 96/99/M dispõe que, no caso de os aposentados ainda permanecerem em Macau, se mantém o direito a habitar moradias do governo (que já lhes foram distribuídas). E ao abrigo da alínea b) do mesmo artigo, se mantém o direito ao "subsídio de residência nos termos do ETAPM, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças.
    A ideia de manutenção de uma situação anterior é explícita e se há um corte, se o aposentado sai, se foi para Portugal, o que não deixa de ser presumido pelo pagamento das viagens, deixa de reunir os requisitos.
    
    9.5. Esta questão das viagens não é de somenos, ainda aqui, contrariamente ao que pretende o recorrente. Não são as viagens de quem vai e vem, não são as viagens turísticas, para férias, negócios ou por outras razões. São, têm que ser, di-lo a lei, as viagens de quem vai fixar residência em Portugal.
    
    Ora, nada disto tem a ver com a situação jurídica do residente, enquanto condição jurídico-política de cidadania, de ligação a um Estado, a uma cidade-Estado, a um determinado ordenamento com autonomia jurídica. É verdade que se pode ser cidadão/residente de um determinado Estado e não residir, não morar, não fazer ali o seu centro de vida e de negócios; noutras palavras, morar noutro lugar. Ou morar até num e noutro local, ter dois domicílios - haja em vista o disposto no artigo 83º, n.º 1 do CC. Essas situações são normais e comuns, para mais num Mundo cada vez mais próximo e globalizado. Só que aí estamos a falar de outra coisa.
    O que aqui releva é a residência de facto, a residência real que até pode ter consequências jurídicas, como a que ora se retira, da presunção estabelecida por lei em relação a quem recebeu o subsídio de transporte.
    9.6. Invoca-se ainda a Lei n.º 8/1999, sobre o estatuto do Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau que define quem é considerado residente de Macau, apenas exigindo que aqui se tenha residência legalmente consentida, afirmando que se presumem residentes de Macau os portadores de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM, como é o caso do ora recorrente.
    Por isso, pelo fundamento resultante do facto de ter fixado residência em Portugal, sem que conste no procedimento qualquer documento que tal demonstre, em sentido inverso do dever estabelecido no n.º 1 do artigo 86.º do CPA, se violaram as regras que resultam da Lei n.º 8/1999, ao afastar-se a atribuição de um direito previsto na legislação da RAEM, a qualidade de residência que aquela lei confere, enquanto titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau.
    Continua, afirmando que aquele princípio básico do estatuto dos residentes de Macau não pode ser restringido na sequência de uma ausência, como parece resultar do acto recorrido que, na prática, o que diz, é que a ausência de Macau numa determinada situação ao abrigo de legislação soberana portuguesa condiciona a percepção de um abono geralmente concedido a quem se inclua nas classes inactivas da administração pública de Macau e que aqui permaneça, o que é ilegal.
    Por essas razões diz que o acto recorrido se encontra ferido de violação de lei ao ofender os artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999, pelo que emergem vícios que ferem de invalidade o acto recorrido, o que o torna anulável.
    
    9.7. Sobre isto, apenas no que tange ao discurso decorrente do estatuto de residente, da possibilidade de ausência da RAEM e de o residente poder ir viver, morar e trabalhar para outro lugar do Mundo, tem razão o recorrente.
    Argumenta-se até, a outro nível, com o facto de que aposentados houve que foram para outros lugares do Mundo.
    Só que essa possibilidade nada tem a ver com o efeito presuntivo que a lei atribuiu a um dado facto, a intenção de fixar residência em Portugal ao receber-se o subsídio de transporte.
    A residência, tal como dizemos noutro lugar, não é a residência jurídica do residente permanente, mas sim a residência material. Para além disso, a presunção que se liga a determinado facto, qual seja o da presumida residência em Portugal.
    O ponto reside em saber se há elementos que afastem o requisito da residência, pois se aqui não continuaram a morar perderam também o direito. No caso da opção por Portugal, com a atribuição do subsídio, face ao disposto no já referido n.º 4 do Dec.- lei n.º 14/94 teremos de ter por presumida a fixação da residência em Portugal.
    E o ónus do afastamento dessa presunção sempre estaria do lado do recorrente.
    Ao falarmos em presunção é porque, para se ser mais rigoroso, no limite, não estaria excluída a possibilidade de se considerar que aquela intenção de fixação de residência em Portugal não foi concretizada, pelo que o interessado sempre continuou a morar em Macau.
    Não é, no entanto, o que nos deva ocupar na situação presente, porque não colocada.
    Até porque se os aposentados regressaram à Região, mesmo assim não satisfaziam o requisito da manutenção da residência em Macau, face ao disposto no sempre aludido Decreto-Lei n.º 96/99/M, já que a perderam, não se dando aí uma novação da situação jurídica requerida. E das duas uma: ou receberam os subsídios de transporte de pessoas e mercadorias indevidamente e essa questão também é omitida ou foram para Portugal para regressar depois e aí perdem o direito.
    
    9.8. Para que fique bem claro, do que temos estado a falar é do período que medeia entre 29/Nov./1999 e 1/Abril/2011 (período que mediou entre o Dec.- lei n.º 96/99/M e a Lei n.º 2/2011.

10. Do estabelecimento da RAEM
10.1. A partir de 20 de Dezembro de 1999 surgiu uma nova realidade jurídica conformada com os ditames da Lei Básica e se o reconhecimento da Região de Macau como parte integrante da República Popular da China se processou sem sobressaltos e sem rupturas, na linha da proclamação da Declaração Conjunta de Pequim, de 1987, se bem que se haja mantido o sistema legal pré-vigente - Artigo 8º da Lei Básica:
“As leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau mantêm-se, salvo no que contrariar esta Lei ou no que for sujeito a emendas em conformidade com os procedimentos legais, pelo órgão legislativo ou por outros órgãos competentes da Região Administrativa Especial de Macau”
- o certo é que nasce um novo ente, uma nova pessoa colectiva de direito público, ainda que integrada de pleno direito na RPC.
Pensamos que a própria articulação dos diplomas vigentes conduz a interpretação, não sendo sequer necessário fazer uso do disposto no artigo 98º da lei Básica que estabelece,
À data do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os funcionários e agentes públicos que originalmente exerçam funções em Macau, incluindo os da polícia e os funcionários judiciais, podem manter os seus vínculos funcionais e continuar a trabalhar com vencimento, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores, contando-se, para efeitos de sua antiguidade, o serviço anteriormente prestado.
Aos funcionários e agentes públicos, que mantenham os seus vínculos funcionais e gozem, conforme a lei anteriormente vigente em Macau, do direito às pensões de aposentação e de sobrevivência e que se aposentem depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, ou aos seus familiares, a Região Administrativa Especial de Macau paga as devidas pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência.”,
havendo quem veja nela uma proclamação das situações únicas que seriam salvaguardadas pelo Governo de Macau, após o estabelecimento da RAEM.
Na esteira, aliás, do proclamado na Declaração Conjunta, cap. VI do Anexo I :
“Após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os nacionais chineses e os portugueses e outros estrangeiros que tenham previamente trabalhado nos serviços públicos (incluindo os de polícia) de Macau podem manter os seus vínculos funcionais e continuarão a trabalhar com vencimentos, subsídios e benefícios não inferiores aos anteriores. Os indivíduos acima mencionados que forem aposentados depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau terão direito, em conformidade com as regras vigentes, a pensões de aposentação e de sobrevivência em condições não menos favoráveis do que as anteriores, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência. (…)”
10.2. Da articulação destas normas e do próprio estabelecimento de uma nova entidade jurídica, resulta a constituição de diferentes relações jurídicas entre Administração e administrados, o que se extrai da própria expressão “podem manter os seus vínculos funcionais”. O que não significa que mantenham. Ora, se isto é assim para quem continuasse a trabalhar na RAEM, por maioria de razão será para quem renunciou a vincular-se com ela, escolhendo um novo parceiro na relação jurídica do aposentado, tal como dissemos, aquando do início da nossa fundamentação.
10.3. Nesta interpretação que se pode apodar de redutora, se não algo restritiva, não caberiam então os direitos de que essa categoria de aposentados continua a beneficiar, nomeadamente o acesso a cuidados de saúde, estabelecido na al. c) do n.º 3 do artigo 17º do Dec.- lei n.º 14794/M, de 23 de Fevereiro.
A norma da Lei Básica, dir-se-á, nesse caso, respeitaria tão-somente à definição dos beneficiários da aposentadoria assumida pela RAEM, não estando em causa a atribuição de outros direitos fora de um quadro que o legislador ordinário entenda conceder e manter.
Mas se assim é para alguns direitos que permanecem - direito aos cuidados de saúde (segundo informações por nós recolhidas, em 2012, foram 942 os aposentados que optaram pela integração no regime da CGA, antes de 20/12/1999 e que descontaram para usufruírem de assistência na doença em Macau) -, por que não em relação ao subsídio de residência?
A resposta continua a ser negativa. Como vimos e defendemos, se esse direito se enquadra no seu estatuto de aposentado, essa responsabilidade, como tal, não foi assumida pela RAEM, fosse por via da Lei Fundamental, fosse por via da lei ordinária, ao exigir-se o requisito da residência até 2011; fora desse quadro, do quadro estatutário, ao não contemplar as situações daqueles que deixaram de residir em Macau e, depois, da Lei n.º 2/2012, face ao âmbito dos destinatários dos direitos ali consagrados.

11. Da natureza do subsídio
    11.1. Há uma achega ainda a esta discussão e se prende com a natureza do subsídio em causa.
    Tal como se vem delineando, esse subsídio, quer na sua génese, quer na consagração legislativa que se lhe seguiu, servia para o funcionário fazer face aos custos da sua instalação e do seu alojamento. Esta necessidade impunha-se com maior premência quando o funcionário servia fora do local das suas raízes, situações que requeriam uma maior protecção, fosse para fazer face aos custos e flutuações do mercado da habitação, fosse por razões de um sacrifício acrescido no desempenho das suas funções.
    Mas as coisas evoluem e também nesse domínio o subsídio de residência deixou de ser um subsídio para aquelas situações excepcionais e passou, porventura por razões até de dignidade da função, a ser extensivo a todos os funcionários que não tivessem residência própria ou que lhes fosse fornecida pela Administração.
    Como está bem de ver esta natureza do subsídio não é dissociável de uma necessidade de residir em determinado local.
    Essa característica manteve-se até à Lei n.º 2/2011 e tais razões eram imanentes ao estatuto tanto do funcionário como do aposentado.
    
    11.2. Aí, a natureza desse subsídio transmuta-se e ao deixar a residência na RAEM de ser um requisito da sua atribuição, esse direito, ainda que mantendo a mesma designação, passa a ser um complemento remuneratório quase automático do estatuto do funcionário e do aposentado da RAEM.
    Daqui se retira mais um argumento: como pode um aposentado da CGA beneficiar das regalias complementares de ambos os estatutos, desaparecendo a característica que o ligava às necessidades decorrentes da residência em determinado local?

12. Voltando ao novo regime
    12.1. O novo regime do subsídio de residência em vigor exclui os dois requisitos previstos no ETAPM, sendo indubitável que se amplia o leque dos seus beneficiários. Actualmente já não se exige que os mesmos residam em Macau, mas somente que sejam aposentados abrangidos por aquela lei.
    Não obstante a preocupação em descortinar o espírito do legislador, “o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (artigo 8º, n.º 1 do CC), tendo este Tribunal diligenciado em descobrir nos Trabalhos Preparatórios da Lei de 2011, algo que esclarecesse inequivocamente o que a letra das normas pudesse esconder, o certo é que nada de concreto se encontrou.
    Daí, nada que infirme as conclusões a que chegamos, tendo em vista exactamente a unidade do sistema, a intenção que decorre da Lei Básica, a regulação das situações estatutárias estabelecidas com a RAEM.
    
12.2. Poder-se-á tentar abalar esta construção invocando as situações daqueles aposentados que não optaram pela CGA e que nada disseram. Também eles não estabeleceram uma relação jurídica com a RAEM. Segundo os dados recolhidos no decurso deste processo junto dos SAFP serão em número de 155. De acordo com os dados reportados até ao dia 31 de Outubro do corrente ano, 59 já faleceram; relativamente aos restantes 96, 90 estão a receber o subsídio de residência, nos termos do (Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau), e os últimos 6 não o podem receber dado estarem a habitar em moradia do património da RAEM ou de qualquer outra pessoa colectiva de direito público
Assim, é possível identificar os seguintes grupos distintos de situações:
- os aposentados que optaram pela CGA. Dentro destes:
• os que nunca requereram o subsídio de transporte e que actualmente residem noutro lugar do Exterior que não em Portugal, independentemente de se terem aposentado antes da sua integração nos Serviços da República Portuguesa ou em 1999, têm direito ao subsídio de residência, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, de 28 de Março.
• Os que requereram o subsídio de transporte.
- Os aposentados que nada requereram ou optaram por receber a pensão por Macau.
    
    12.3. Se entendermos, como entendemos, que o teor do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, de 28 de Março, não os abrange, em relação a eles regerão as normas próprias dos seus regimes e dos diplomas que não se mostrem revogados, isto, se não se entender que a lei Básica os exclui, não nos parecendo ser essa a vontade do legislador daquela lei, privilegiando nós uma interpretação inclusiva daquela Lei fundamental, ou seja, que o legislador quis assumir as responsabilidades do novo regime, estabelecendo um pacto com os seus servidores, mas não marginalizando os que serviram o Território e ficariam sem amparo se a RAEM não lhes desse a mão, situação de desamparo que já não se observa com os que serviram o Território mas se acolheram sob outra protecção.
    Em relação a este últimos, grupo onde se insere o recorrente, têm o amparo como residentes que são, conferido pelo estatuto de cidadania e protecção que as leis lhe dispensam. Como funcionários que foram e aposentados que são da CGA, só caso a caso, direito a direito, beneficiarão dos direitos que os órgãos próprios da RAEM tenham por bem conceder-lhes.
    Pode parecer crua esta posição, mas a obediência estrita do julgador à lei não lhe deixa outra opção.
    
13. Desta forma se dá por respondida a questão, ainda que indirectamente suscitada, relativa à preterição do princípio da igualdade na decisão recorrida, ao acenar-se com o tratamento discriminatório em relação às diferentes situações.
    E se com tal pretensa violação se refere o recorrente ao tratamento de outro caso que veio a ter em 2001 despacho favorável do Exmo. Senhor Secretário para Economia e Finanças, como está bem de ver, não se pretenda que analisemos aqui esse caso. Fica apenas o seguinte registo: sempre importa saber se o caso é igual e a entidade recorrida bem se encarrega de o analisar, apontando para a dissimilitude das situações. Não sabemos, nem isso tanto interessa; na exacta medida, em que, mesmo que assim fosse, no exercício de poderes vinculados e que decorrem da interpretação da lei, a Administração não se auto vincula com uma decisão assente em interpretação que, passados mais de dez anos, entende não ter sido a mais acertada.
    
14. À guisa de síntese conclusiva
    Com o estabelecimento da RAEM, abre-se um novo regime, enquadrado pela Lei Básica, constituindo-se uma outra pessoa colectiva de direito público, fazendo parte integrante da República Popular da China, diferente da pessoa jurídica que era o Território de Macau.
    O estatuto do aposentado é um estatuto diferente do estatuto do funcionário e assenta numa outra relação jurídica.
    A relação jurídica do aposentado que optou por transferir o recebimento da sua pensão pela CGA não pode ter como sujeito passivo a RAEM, situação que dimana da Declaração Conjunta e da Lei Básica.
     Diversos diplomas, promanados da Administração portuguesa, procuraram acautelar a situação dos funcionários, fosse dos que pediram a integração nos serviços da República Portuguesa, fosse dos que se aposentassem.
    Em relação aos aposentados, foi definido o quadro dos seus direitos até 19 de Dezembro de 1999, entre outros se contando o subsídio de residência e o acesso aos cuidados de saúde.
    A lei de então condicionou a atribuição do subsídio de transporte à intenção de fixação de residência em Portugal e condicionava a atribuição do subsídio de residência a uma residência efectiva em Macau, para além dos demais requisitos.
    Invocando razões de humanidade e desenraizamento, a menos de um mês da transferência da administração, fez-se desaparecer a limitação da atribuição do subsídio de residência até 19 de Dez./1999, mantendo-se os demais requisitos decorrentes do ETAPM para a sua atribuição.
    Ao optarem por fixar residência em Portugal, ou tal se presumindo, como decorria expressamente da lei para quem recebeu o subsídio de transporte e de bagagens, deixaram os aposentados ligados à CGA de poder receber o subsídio de residência. Mesmo tornando a Macau, interrompida se mostrava a situação que a lei requeria não tivesse sido descontinuada.
    Escolhido como parceiro da relação jurídica então instituída a CGA, deixaram os aposentados de ser aposentados da RAEM, só esses sendo contemplados com a Lei n.º 2/2011.
    Parecendo igual a situação jurídica dos aposentados do Território de Macau que não fizeram tal opção e, assim, discriminatório o tratamento em relação a outros, não o é realmente, pois, ainda que todos eles não sejam aposentados da RAEM, podem beneficiar do regime que os não exclua, fora do regime jurídico estatutário dos aposentados da função pública.
Em relação aos aposentados que estabeleceram relação jurídica com a CGA, podem beneficiar eles dos direitos e regalias que o legislador ordinário lhes confira, mas não na qualidade estatutária de aposentados da RAEM.

15. Face ao exposto, tudo visto e ponderado, julgar-se-á o recurso improcedente.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pelo recorrente com a taxa de justiça de 4 Ucs.

Macau, 13 de Março de 2014,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
(voto a decisão, concordando com os fundamentos expostos no Acórdão que não colidam com a minha posição já exposta no Proc. n.° 297/2012, de que fui Relator).
José Cândido de Pinho
Estive presente
  Mai Man Ieng

    
1 - Vamos enquadrar este direito dos administrados à luz do estudo de Carla Vicente, Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República, no âmbito do Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Comunitárias que decorreu na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no ano de 1999/2000
2 -. Sérvulo Correia , “O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa”, in Cadernos de Ciência de Legislação n.º 9/10, INA, 1994, 151
3 - David Duarte, “Procedimentalização, participação e fundamentação: para uma concretização do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro decisório”, Almedina, Coimbra, 1996,. 41 e 168.
4 - Paulo Otero faz, no entanto, notar certas opiniões que vão no sentido oposto: a informação prévia da decisão origina a idealização de uma decisão por parte do administrado a qual como nem sempre coincidirá com a decisão final pode fomentar a discórdia e resistência à decisão, in Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, Coimbra Editora, 1992, 268.
5 - Jorge Miranda, “O Direito de informação dos administrados”, in O Direito n.º III/IV, 1988, 459.

6 - Marcelo Caetano, Man. Dto adm., 9ª ed.,770
7 - Ob. cit., 771
8 - João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, 2º, Almedina, 1055

9 - João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, I, Almedina, 1985, 7
10 - Não se esquece o disposto no artigo 4º, 1, 1) da Lei da Reunificação, n.º 1/1999, ficando apenas a referência para efeitos de interpretação, fazendo apelo ao elemento histórico
11 - Facto do conhecimento deste Tribunal e considerado já no Proc. n.º 197/2012
12 - Relatório de Actividades, Comissariado Contra a Corrupção, 2011, 119, Parecer jurídico sobre o direito ao subsídio de residência de um determinado grupo de aposentados nos termos da Lei n.º 2/2011, de 28 de Março,

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