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Processo nº 757/2013
(Autos de recurso penal)


Relatório

1. A, com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor de 1 crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. b) e c) do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos; (cfr., fls. 166 a 168-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“A) Não existe dolo na afirmação do Recorrente de que trabalhava na companhia XX Airconditioiner Engineering;
B) Seria perfeitamente desculpável que o Recorrente se considerasse trabalhador da empresa, não distinguindo se o vínculo se estabeleceu com esta ou com o seu pai, enquanto sub-empreiteiro, por ser matéria facilmente, e usualmente, confundível, dada a sua especiosidade jurídica.
C) O facto de o pagamento do salário não ser directamente feito pela companhia, mas sim pelo pai do Recorrente e, bem assim, a curta duração da relação de trabalho, não são critérios definidores da relação, pelo que não são suficientes para concluir que não existia uma relação laboral;
D) Em lado algum da douta decisão recorrida se dá por provado que o ora Recorrente sabia que o documento que o seu pai obteve da companhia, era falso;
E) Concluiu a douta decisão a quo que a condenação que o Recorrente usou para o efeito do pedido de autorização de residência para a sua esposa era falsa, mas sem que estabelecesse a autoria de tal documento. Mas,
F) Não se provou que fosse o Recorrente a produzir tal declaração, tal como não se provou que o mesmo tivesse conhecimento de que a mesma era falsa.
G) Ora, usar um documento falso desconhecendo a sua falsidade não integra os elementos típicos do tipo de crime previsto e punido pelo art.° 244.° do Código Penal.
H) O Recorrente foi condenado pela prática do crime de falsificação previsto nas alíneas b) e c) do art.° 244.° do Código Penal, as quais dispõem:
«b) fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, ou
«c) usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado, falsificado ou alterado por outra pessoa,»
I) Ora, ou se conclui que (i) o agente fez constar falsamente um facto de um documento, portanto, seu, i.e., fabricado por si, ou se conclui que (ii) o documento foi fabricado por outrem. As duas realidades não são compatíveis. Ou uma coisa, ou a outra.
J) As dúvidas persistentes relativamente aos assinalados aspectos, não permitem, a um juízo prudente, arredar o princípio da presunção de inocência do Recorrente, que deve, pois, no limite, beneficiar do princípio in dúbio pro reo;
L) A douta decisão a quo mostra-se inquinada pelos vícios previstos no n.° 2 do art.° 400.° do Código de Processo Penal”; (cfr., fls. 192 a 200-v).

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Em Resposta entende o Ministério Público que o recurso deve ser rejeitado; (cfr., fls. 203 a 205).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer com o teor seguinte:

“Devidamente analisado todos os elementos constantes nos presentes autos, a conclusão que chegamos não pode ser outra senão a improcedência total do recurso interposto.
Em primeiro lugar, pensamos que a nossa colega junto ao tribunal "a quo" já evidenciou na sua resposta a falta de razão dos fundamentos invocados no recurso.
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Para nós, resta aqui só chamar a atenção pela seguinte:
O recorrente ocupou toda a sua motivação na questão de três vícios de matéria de facto, alegadamente verificados na sentença recorrida, argumentando que o tribunal "a quo" analisou erroneamente as provas produzidas na audiência e tirou daí uma convicção também errada.
Ma pensamos que a realidade é outra.
Com efeito, basta uma análise cuidadosa à matéria de facto dada como provada, temos de reconhecer que nenhum dos vícios relativos aos factos se tenham efectivamente verificados.
Na verdade, muitas questões levantadas pelo recorrente limitam-se à questão do direito (interpretação sobre a natureza da relação jurídica entre o recorrente e a companhia XX) e o seu entendimento relativo ao preenchimento do tipo incriminador de falsificação de documento e não verdadeiramente vícios de facto.
Seja como for, vamos directamente às questões suscitadas.
No que se concerne ao vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é do nosso entendimento que tal vício nunca se existiu, pelo simples razão de que toda a matéria de facto relevante para a decisão, tanto da acusação como da defesa foi integralmente investigada e examinada pelo tribunal "a quo".
De facto, pensamos que o tribunal recorrido cumpriu-se escrupulosamente o seu dever de conhecimento do objecto da causa, não se vê que o tribunal "a quo" tenha omitido de pronunciar ou investigar as matérias trazidas à audiência, quer constante na acusação quer constante na defesa.
Assim, pura e simplesmente, improcede o recurso nesta parte.
E no que se concerne ao vício de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável de fundamentação, e em suma, entendia o recorrente que tinha efectivamente celebrado um contrato de trabalho com a companhia "XX", e caso assim se não entenda, não deveria dado como provado que ele tinha conhecimento na falsidade do facto constante no documento.
Ora, pensamos que o recorrente continua a não ter razão.
De acordo com os factos provados, sendo certo que o recorrente chegou a prestar trabalho no estabelecimento da companhia "XX", mas tal facto foi derivado de outro contrato de prestação de serviço (empreitada) celebrado entre o dono da dita companhia e o pai do recorrente, que na altura era também empregador verdadeiro do recorrente.
Isto é, falta em absoluta nenhuma característica jurídica de relação laboral entre o dono da dita companhia e o recorrente.
Ou seja, em nenhuma lado da matéria de facto se conseguiu demonstrar ou pelo menos indiciar a característica própria da relação laboral, que é a subordinação jurídica.
Assim, os factos dados como assentes pelo tribunal "a qual" não são, de maneira nenhuma, contraditórios. Bem pelo contrário, dado por verificado os elementos subjectivo e objectivo do crime de falsificação de documento. E a conclusão que o tribunal tirou é racional e lógica, não violando qualquer experiência humana.
Daí que a conclusão que o tribunal recorrido chegou, negando a existência de um contrato de trabalho propriamente dito é totalmente correcta.
Efectivamente, pensamos que o recorrente se caiu num equívoco, confundindo a fronteira onde acaba o princípio de livre convicção do tribunal e onde começa o vício de erro notório na apreciação da prova.
No caso em apreço, não podemos deixar de afirmar que existem meios de provas claras em apontar para o preenchimento do tipo de falsificação do documento previsto no art° 244, n° 1, al.c) do C.P.M., tanto no seu aspecto objectivo como no seu aspecto subjectivo.
E o mais importante é que não se descortina no caminho da formação de convicção do tribunal qualquer coisa que implica uma violação manifesta das regras de lógica e de experiência comum, assim, podemos afirmar, sem qualquer margem para dúvida, que a convicção assim formada é inatacável.
Assim sendo, o recurso também não merece de provimento nesta parte.
Por tudo acima ficou dito, o recurso não merece de provimento e deve ser rejeitado.
Eis o nosso parecer”; (cfr., fls. 214 a 216).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 166-v a 167, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença do Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. b) e c) do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos.

E como resulta das suas conclusões de recurso que se deixaram transcritas, é o recorrente de opinião que devia ser absolvido, invocando, para tal, a sua “falta de dolo” e/ou o “princípio da presunção de inocência”, acabando por afirmar que “a douta decisão a quo mostra-se inquinada pelos vícios previstos no n.° 2 do art.° 400.° do Código de Processo Penal”; (cfr., concl. L).

Sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não se mostra de acolher o assim considerado, sendo antes de se sufragar o entendimento pelo Ministério Público assumido, em especial, o do Ilustre Procurador Adjunto que, em nossa opinião, dá cabal resposta ao pelo recorrente alegado, (e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

Vejamos.

No caso dos autos, e em síntese, provado está que, para efeitos de autorização de residência em Macau da sua esposa, o arguido apresentou na P.S.P. um documento com o qual pretendia provar que, no período de 02.06.2009 a 13.04.2011, manteve uma relação de trabalho com a empresa de ar condicionado “XX”, que se veio a apurar ser “falso”.

E, provado estando também que o documento não foi emitido pela dita empresa, (embora nele estivesse aposto um carimbo desta), e que o recorrente não chegou a ter “um contrato de trabalho” com a mesma empresa, diz (essencialmente) o recorrente que desconhecia tal facto, que pensava que trabalhava para a aludida empresa e que desculpável seria o seu desconhecimento.

Pois bem, desde já se consigna que se limita o recorrente a imputar genericamente à decisão recorrida “os vícios do ar. 400°, n.° 2 do C.P.P.M.”, (cfr., concl. L), sem os especificar e justificar na sua motivação de recurso e (restantes) conclusões.

Porém, e independentemente do demais, consigna-se que não se vislumbram tais maleitas, já que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, proferindo uma decisão que se nos apresenta clara, lógica e isenta de qualquer contradição, não tendo igualmente desrespeitado as regras sobre o valor da prova tarifada, regras de experiência ou legis artis, não se verificando assim nenhum dos vícios do art. 400°, n.° 2 do C.P.P.M..

Em concreto, e quanto ao “dolo do arguido”, não se pode esquecer que o mesmo se “provou”, (motivos não existindo para se alterar o assim decidido dado que, como se disse, inexiste(m) vício(s) de matéria de facto), sendo ainda de notar que não se mostra de considerar que um arguido com mais de 40 anos, (nascido em 1972), não saiba se mantém uma “relação de trabalho” com a empresa cuja declaração que apresentou diz respeito.

Por sua vez, quanto ao princípio “in dubio pro reo”, pouco há também a dizer.

Com efeito, temos entendido que este princípio “identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre,em favor dele, um “non liquet”, e que, perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, (em harmonia com o princípio “in dúbio pro reo”), decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. o Ac. de 06.04.2000, Proc. n.° 44/2000 e , mais recentemente de 19.09.2013, Proc. n.° 157/2013).

No caso dos autos, e lendo-se a decisão ora recorrida, não se alcança onde, quando, como e em que termos teve o Tribunal a quo “dúvidas sobre a matéria de facto”, tendo, mesmo assim, decidido em desfavor do arguido.

Aliás, em sede de fundamentação são expostos os “motivos da sua convicção” que facilmente permitem concluir pelo contrário, ou seja, que não teve dúvidas ao decidir a dita matéria de facto.

Nesta conformidade, e esclarecidas que se nos mostram ter ficado as questões colocadas, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Macau, aos 08 de Janeiro de 2014
José Maria Dias Azedo
Proc. 757/2013 Pág. 12

Proc. 757/2013 Pág. 13