Processo nº 658/2013
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 20/Março/2014
Assuntos:
- Poder paternal; obrigações decorrentes dos pais decorrentes da continuação dos estudos enquanto maiores.
SUMÁRIO :
1. Se os pais de dois estudantes, já maiores, assumiram a seu cargo as dívidas contraídas perante o A., por estas visarem as necessidades de alojamento, habitação e ensino dos seus filhos, também eles réus na acção, nos termos dos artigos 1558°, n.º 1, b), 1734°, ambos do Código Civil, e, por força dos artigos 1735° e 1844°, n.º 2, do mesmo Código, aquelas despesas não deixam de decorrer das obrigações ínsitas ao exercício do poder paternal por parte dos pais em relação aos filhos que se encontravam a tirar o curso superior em Inglaterra e que foram alojados em casa do A.
2. Entre dois documentos tendentes à demonstração dos montantes em dívida, um, elaborado quando terminou o alojamento, assinado pelo autor e por alguns dos réus, estudantes, que reconheceram um determinado valor das despesas de alojamento e alimentação por si feitas, e, outro, unilateral, elaborado pelos réus, passados alguns anos, depois de terem sido prestados aqueles serviços, junto aos autos, apenas aquando da contestação, será de privilegiar o primeiro como probatoriamente mais consistente, entendimento reforçado por um conjunto de factos instrumentais adjuvantes da formação da convicção neste sentido.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 658/2013
(Recurso Civil)
Data : 20/Março/2014
Recorrente : A
Recorridos : B
C
D
E
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, ora recorrente, intentou acção declarativa de condenação contra os réus B, C, D, E, pedindo, em síntese, que estes fossem condenados ao pagamento da importância de MOP648.890,06, acrescida de juros moratórios no montante de MOP 293.987,20, perfazendo assim o valor global de MOP 942.877,26.
Como fundamento alegou que celebrou com o 1° réu um contrato nos termos do qual, a troco de uma prestação pecuniária a cargo deste, prestaria serviços de alojamento aos 3° e 4° réus, seus filhos e da 2ª ré, na sua casa no Reino Unido, durante o período em que aqueles frequentavam os respectivos cursos de ensino superior nesse país.
Durante esse período, fez adiantamentos em dinheiro aos 3º e 4º Réus para estes fazerem face a várias despesas.
Alegou que os réus não procederam ao pagamento total das prestações acordadas nem à restituição de todos os adiantamentos feitos pelo autor, cujo saldo ascendia a £ 53.334,16, em 13 de Outubro de 2002, apesar de nunca terem negado essa dívida nem a responsabilidade pelo seu pagamento.
Em sede de contestação, os réus alegaram o pagamento integral de todas as quantias devidas ao autor, juntando aos autos cópias de comprovativos de pontuais transferências bancárias.
Depois de analisar os documentos apresentados na contestação e conferir as referidas transferências para amortização de parte da divida acima referida, o autor reduziu o pedido para MOP 442.424,56, importância, essa, acrescida dos juros vencidos e vincendos, desde 14 de Outubro de 2002.
A douta sentença recorrida, proferida em 7 de Maio de 2013, julgou parcialmente procedente por provado o pedido do autor, condenando o 1º e 2º RR. no pagamento da quantia de £ 12.030,53, acrescida de juros de mora, tendo absolvido os 3º e 4º RR. do pedido.
A, inconformado com a douta sentença proferida, dela vem recorrer, alegando, em síntese conclusiva:
1. O Autor e ora Recorrente intentou a presente acção declarativa de condenação contra os Réus pedindo, em síntese, que estes fossem condenados ao pagamento da importância de MOP$ 442.424,56, correspondendo a acrescida dos juros vencidos e vincendos desde 14 de Outubro de 2002.
2. O valor peticionado resulta de uma dívida, à data de em 13 de Outubro de 2002, no montante de £ 53.334,16, deduzida dos pagamentos parciais efectuados pelos Réus depois dessa data, no montante de £ 17.000.
3. A douta sentença recorrida, proferida em 7 de Maio de 2013, considerou parcialmente procedente por provado o pedido do autor, ao reconhecer que não foram lhe foram pagas prestações pecuniárias devidas no âmbito da celebração de um acordo de alojamento a favor dos 3° e 4° Réus, que abrangia também a possibilidade de adiantamentos em dinheiro àqueles, destinados a satisfazer as suas necessidades, durante o seu período de estadia, o qual durou entre Setembro de 1998 e 2000, condenando porém o 1° Réu ao pagamento da quantia de £ 12.030,53, acrescida de juros de mora.
4. Não obstante, há três aspectos do seu conteúdo com o qual o autor discorda e que justifica a apresentação deste recurso.
Do valor indemnizatório:
5. O valor sobre o qual o aresto recorrido se baseou para calcular o montante da dívida ao recorrente resultou do conteúdo do documento a fls. 64 a 66, considerando, o dito aresto que, foi elaborado e inclusivamente junto aos autos pelos Réus, nele reconhecendo que deviam a importância de £ 29.030,53. Assim, deduzindo os pagamentos efectuados pelos Réus no montante de £ 17.000, foi encontrado o montante de £ 12.030,53 como dívida por liquidar ao recorrente.
6. Ora, com o devido respeito, o recorrente não pode deixar de discordar decisão tendo em consideração que os 3° e 4° Réus assinaram uma declaração em 13 de Outubro de 2002 - que consta nos autos sob o documento a fls. 7, que aqui se dá por integralmente reproduzido admitindo e reconhecendo que o montante da dívida para com o recorrente, àquela data, ascendia, na realidade, a £ 53.334,16, englobando as prestações pecuniárias com o alojamento, os reembolsos dos adiantamentos prestado pelo recorrente, e também os juros ca1u1ados desde as datas dos vencimentos das prestações não liquidadas, e não os ditos £ 29.030,53.
7. De acordo com o depoimento prestado pela testemunha F, filha dos 1° e 2° Réus e irmã dos 3° e 4°, a instâncias da mandatária do autor, estes mantinham contactos regulares com o seu pai em Macau, nos quais discutiam a situação frnanceira decorrente da estadia daqueles no Reino Unido - ao mino 15 e mino 19, da gravação da audiência (tradução para língua portuguesa), donde resulta que os 3° e 4° Réus não poderiam deixar de estar a par do acordo entre o 1 ° Réu e o recorrente e as suas condições, e bem assim, de conhecer os montantes das prestações devidas pelo alojamento que se encontravam por pagar.
8. No que respeita aos montantes dos adiantamentos efectuados pelo recorrente, seria ainda mais contra-senso considerar que os 3° e 4° Réus os desconhecessem, na medida em que estes foram feitos a pedido dos próprios e à medida que necessitavam de cumprir as suas obrigações, sublinhando-se que os mesmos serviam para fazer face a despesas médicas, escolares e outras do dia-a-dia.
9. Mais: o 1° Réu acordou com o recorrente que este seria reembolsado das quantias que efectivamente adiantasse aos 3° e 4° Réus, sendo que, nos termos do art. 335°, n° 1 C.C, caberia ao recorrente provar que os prestou e em que montantes. Sendo os 3° e 4° Réus os beneficiários directos desses adiantamentos, como se referiu, o recorrente tem o direito a exigir destes declaração que comprove que os receberam - e o seu quantitativo - art. 345° e 776°, ambos do C.C.
10. Acresce que, por força do acordo sobre os adiantamentos, o 1º Réu atribuiu, necessária e objectivamente, os poderes aos seus filhos, 3º e 4º Réus, de praticarem actos que produzissem efeitos na sua própria esfera jurídica, pelo que a declaração prestada no documento a fls. 7 não pode deixar de ter as necessárias cominações legais para aquele.
11. Por outro lado, tal como ficou provado, os adiantamentos foram feitos a pedido de todos os Réus, sendo este pedido efectuado no âmbito do acordo do alojamento, entendendo, por isso, o recorrente que, desde então, os 3º e 4º Réus passaram a assumir igualmente as obrigações quer com o alojamento, quer sobre os reembolsos dos adiantamentos. É que, na realidade, nem o 1º, nem os 3º e 4º Réus, faziam distinção sobre quem assumia concretamente as obrigações decorrentes de ambos os acordos, levando aliás o recorrente a crer que seriam todos os Réus, pelo que a obrigação destes deve ser solidária nos termos dos art. 505º n.º 2 e 506º, ambos do C.C.
12. Porém, a verdade é que apesar dos Réus não deixarem de assegurar ao recorrente que pagariam tudo, vieram a atrasar os pagamento dos valores acordados e, em 13 de Outubro de 2002 encontravam-se vencidas e por pagar prestações pelo alojamento e os reembolsos pelos adiantamentos efectuados pelo recorrente.
13. Neste contexto, os 3º e 4º Réus tinham o necessário conhecimento do montante global em dívida ao recorrente, bem como legitimidade e poderes para se reconhecerem como devedores em seu nome e em representação dos 1º e 2º Réus, do montante e dos respectivos juros capitalizados, que, somados, perfazem a dita quantia de £ 53.334,16, à data de 13 de Outubro de 2002, culminando no facto de terem outorgaram o documento junto aos autos a fls. 7, de forma livre e expontânea, e cuja autenticidade e conteúdo, diga-se, não foi objecto de impugnação ou de arguição de qualquer vício por parte dos Réus.
14. Todos estes factos são, aliás, corroborados pelas testemunhas XX, XX e XX - que presenciaram a assinatura da declaração a fls. 7, pelos 3º e 4º Réus - e XX, cujos depoimentos se encontram prestados nos autos por carta rogatória a fls. 178 a 181, 202 a 213, 233 a 241 e 149 a 158, respectivamente, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
15. Por isso, considerando que a declaração assinada pelos 3° e 4° Réus, que consta a fls. 7, reúne todos os pressupostos e requisitos legais para comprovar não só do montante em dívida, como ainda o seu contúdo é de índole a refletir-se na esfera de todos os Réus, deverá ser o seu conteúdo, mormente o valor nele constante, ser relevado para efeitos de cálculo do montante em dívida ao recorrente.
16. Por outro lado, o documento a fls. 64 a 66 foi elaborado unilateralmente pelos Réus e os montantes nele apresentados, especialmente no que concerne aos valores descontados, nunca foi reconhecido pelo recorrente, desconhecendo-se, aliás, como foram, tais valores, obtidos pelos Réus, sendo que não pode ser àquele imposto unilateralmente. Importa ainda destacar que o mesmo documento não reflete a contabilização de juros devidos pela mora do pagamento das prestações e dos adiantamentos, que, como consta nos autos, haviam sido acordados entre o recorrente e o 1° Réu.
17. Em contraponto, o documento assinado pelos 3° e 4° Réus apresenta o montante e o reconhecimento efectivo da dívida por parte dos Réus, com a correspondente capitalização dos juros devidos, demonstrando de forma clara e inequívoca que era esse o valor assente entre todas as partes, que sempre asseguraram que haveriam de pagar tudo, promessa infelizmente incumprida conforme se demonstra pela prova feita nos autos.
18. Assim, a douta sentença recorrida padece de vício de erro na apreciação da prova, na parte em que não considerou o valor da declaração prestada pelos 3° e 4° Réus para efeitos de determinação do montante em dívida.
19. É que face aos elementos vertidos nos autos, designadamente ao dito documento a fls. 7 e atento aos demais factos provados nos quesitos 4°, 5° e 6°, deverá levar à alteração da resposta ao quesito 7°, no sentido de considerar que o valor em dívida ao recorrente era de £ 53.334,16, à data de 13 de Outubro de 2002.
20. Valor esse, sim, que deverá ser descontando dos montantes entretanto pagos pelos Réus referidos nos quesitos 8° e 9°, de £ 17.000,00, assistindo assim ao recorrente o direito a reclamar o pagamento de £ 36.334.16, acrescido dos respectivos juros moratórios desde a data de interpelação.
Da absolvição dos 3° e 4° Réus:
21. Como decorre do acima exposto, o recorrente não pode igualmente concordar com a absolvição dos 3° e 4° Réus, por entender que não deve ser essa a decisão a extrair da factualidade provada, devendo antes, serem aqueles solidariamente responsáveis pelo pagamento da dívida em causa, tendo em atenção o facto de que, conforme reconhecido pela douta sentença recorrida, os 3° e 4° Réus foram os beneficiários directos da dívida, bem como, participaram de forma aciva e directa no acordo com o recorrente e por conseguinte na contracção das obrigações em relação a este.
22. De relevar que os 1° e 2° Réus tinham mais de 18 anos de idade à data dos factos em apreço, tendo, em princípio, plena capacidade de exercício de direitos, estando habilitados a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens - art. 118° do C.C. -, sendo, assim, responsáveis pelo cumprimento das obrigações por si assumidas, não obstante os 1° e 2° Réus assumissem a seu cargo as dívidas contraídas perante o recorrente, por estas visarem as necessidades de alojamento, habitação e ensino dos 2° e 3° Réus, nos termos dos artigos 1558°, n° 1, b), 1734°, ambos do C.C, e por força dos artigos 1735° e 1844°, n° 2, ambos igualmente do C.C.
23. Porém, não se poderá olvidar aquilo que foi acima dito, isto é, que os 3° e 4° Réus, na sua condição de maioridade, têm ampla capacidade e liberdade de reger a sua esfera jurídica e consequentemente de assumir obrigações e contrair dívidas, que, no caso em apreço contraíram em conjunto com os seus pais, independentemente de caber a estes suprir as despesas em causa.
24. Assim, neste particular, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 118°, 505° n° 2 e 506°, todos do C.C., não podendo os 3° e 4° Réus deixar de ser, solidáriamente com os 1° e 2° Réus, responsáveis pela dívida para com o recorrente.
Dos juros:
25. Como se antevê do acima exposto, entende-se que os Réus foram interpelados para o pagamento da dívida em questão em 13 de Outubro de 2002, pelo que constituiram-se em mora a partir dessa data - art. 794°, n.º 1 do C.C. Assistindo ao recorrente o díreito a ser indemnizado pela mora, essa indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora - art. 795°, n.º 1 do C.C.
26. Não obstante, para efeitos da presente acção, o recorrente considera que os Réus se constituíram em mora perante si a partir do dia seguinte ao da declaração do reconhecimento da dívida, assinada pelos 3° e 4° Réus, a fls. 7.
27. Consequentemente, à quantia de £ 36.334.16, que corresponde a MOP $ 442.059,56 (à taxa de câmbio de MOP $12,1665 por cada libra, à data da entrada da acção em 19 de Dezembro de 2008), acrescem juros à taxa legal de 6%, desde 14/10/2002 até 10/07/2006 e de 9,75% a partir de 11/07/2006 - cfr. art. 552°, n.º 1 do C.C. e Ordem Executiva n° 9/2002, e Ordem Executiva n.º 29/2006, respectivamente.
28. À data da redução do pedido - em 30 de Abril de 2009 - os juros vencidos calculados nos termos acima descritos ascendiam à importância total de MOP$ 253.348,97, perfazendo assim o montante global que se reclama, de MOP$ 695.408.53, ao qual acrescem ainda os juros vencidos e vincendos, desde a data de 30 de Abril de 2009 até ao integral pagamento.
Termos em que, pede, deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a douta sentença recorrida no sentido de condenar os réus, solidariamente, a pagar ao recorrente a importância global de MOP$ 695.408.53, acrescida dos juros vencidos desde a data da redução do pedido - em 30 de Abril de 2009 - e dos vincendos, até ao integral pagamento.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Da Matéria de Facto Assente:
- Os Réus B e mulher C, são pais dos Réus D e E (alínea A) dos factos assentes).
- Na sequência de acordo celebrado entre o Autor e o Réu marido, o primeiro comprometeu-se a receber em sua própria casa, no Reino Unido, os filhos do segundo, que iam, ambos, estudar para aquele País, ao nível do Ensino superior (alínea B) dos factos assentes).
- Assim, ajustaram as condições de alojamento as instalações a ocupar pelos dois rapazes, os serviços domésticos, relacionados com a lavagem e tratamento das roupas de cama, de banho e pessoais, e as referições, tudo quanto é usual em casos como tais (alínea C) dos factos assentes).
*
Da Base Instrutória:
- O Autor e o 1° Réu combinaram o preço a ser pago ao Autor pela estadia dos 3° e 4° Réus, a qual se iniciou em Setembro de 1998 e terminou em Outubro de 2000 (resposta ao quesito da 1° da base instrutória) .
- O 1° Réu foi deixando atrasar o pagamento dos valores acordados os quais se iam acumulando (resposta ao quesito da 2° da base instrutória) .
- O 1° Réu ia sempre dizendo ao Autor que pagaria tudo (resposta ao quesito da 3° da base instrutória).
- A pedido dos Réus, o Autor adiantou dinheiro do seu próprio bolso para honrar compromissos dos 3° e 4° Réus (resposta ao quesito da 4° da base instrutória).
- O Autor chegou a pagar as propinas do estabelecimento de ensino que os 3° e 4° Réus frequentavam - o Southwark College, em Londres, consultas médicas, tratamentos dentários e viagens (resposta ao quesito da 5° da base instrutória).
- o Autor chegou a dar aos 3° e 4° Réus dinheiro de bolso para o dia a dia (resposta ao quesito da 6° da base instrutória).
- Em 13 de Outubro de 2002, o montante do preço e as quantias adiantadas pelo Autor, por pagar pelos Réus, atingiram £ 29.030,53 (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- Em resposta às solicitações feitas pelo Autor aos Réus para procederem ao pagamento, o 1° Réu procedeu à transferência ao Autor as seguintes quantias nas seguintes datas (resposta aos quesitos das 8° e 9° da base instrutória):
1. £ 2.000,00 em 16/08/2004
2. £ 3.000,00 em 04/01/2005
3. £ 2.000,00 em 04/02/2005
4. £ 5.000,00 em 03/05/2005
5. £ 5.000,00 em 02/09/2005.”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Determinação do montante da dívida
- Da absolvição dos 3° e 4° Réus:
- Dos juros
2. Valor da dívida
2.1. A douta sentença recorrida considerou que o montante da dívida reclamada pelo A. aos RR., antes de deduzidos os pagamentos entretanto efectuados de £ 17.000,00, ascendia a £ 29.030,53, levando assim à condenação dos 1º e 2º RR ao pagamento da quantia de £ 12.030,53.
Para a determinação desse montante - expresso na resposta ao quesito 7º - o Tribunal louvou-se na fundamentação do julgamento de facto vertido a fls 337:
“A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos de fls. 6, 7, 49 a 66, juntos aos autos, no depoimento das testemunhas ouvidas por meio de carta rogatória e em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permitiu formar uma síntese quanto aos apontados factos.
Em especial, reconheceu que o Autor chegou a adiantar dinheiro aos 3° e 4° Réus para poderem fazer face a uma série de despesas porque os documentos juntos inclusivamente o de fls. 64 a 66, elaborado pelos próprios Réus, são claros de que houve tais adiantamentos.
Também entendeu que nem o preço pelo alojamento foi integralmente pago nem os adiantamentos foram integralmente restituídos ao Autor porque, novamente os documentos acima referidos assim indicam.
A isso acresce que as testemunhas do Autor que não têm qualquer interesse directo com o litígio foram claros a reconhecer o mesmo.
No que se refere o valor das quantias por pagar ao Autor, o tribunal apenas conseguiu apurar que, em 13 de Outubro de 2002, o valor acumulado por pagar era de £29.030,53 visto que os próprios Réus elaboraram o documentos de fls. 64 a 66 reconhecendo que deviam £29.030,53 ao Autor.
Relativamente aos pagamentos feitos pelos Réus, deu apenas como provados os indicados na resposta aos quesitos 8° e 9° e não indicou os pagamentos feitos antes da data de 13 de Outubro de 2002 porque, face ao reconhecimento feito pelos Réus de que deviam £29.030,53 em 13 de Outubro de 2002, não relevam os pagamentos feitos anteriormente.”
Respondendo à reclamação então deduzida, veio a esclarecer a fls 339 e v.:
“O Autor reclama contra a resposta ao quesito 7° alegando os fundamentos referidos a fls. 338 e 338v.
Segundo o Autor, o tribunal devia ter tomado em conta também o documento junto a fls. 7 assinado pelos 3° e 4° Réus bem como as declarações da testemunha XX ouvida por meio de carta rogatória e não tomar apenas em conta o documento de fls. 64 a 66.
No que concerne aos possíveis vícios da resposta, dispõe o artigo 556°, n. 5, do CPC, que "Feito o exame, qualquer dos advogados pode reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta de fundamentação." (sublinhado nosso).
Ora, não houve falta de fundamentação visto que está indicada na parte final do Acórdão de fls. 337 e 337v a forma como foi formada a convicção do tribunal onde se refere expressamente que foram tomadas inclusivamente em consideração o documento de fls. 7 e as declarações da testemunha em questão. O que acontece é que o tribunal depois de assim referir, especificou porque é que não conseguiu apurar dessa prova o valor indicado pelo Autor.
Além disso, do preceito transcrito, vê-se, sem margem para dúvidas, que a deficiência, contradição e falta de fundamentação se referem à decisão e não à apreciação efectuada pelo Tribunal da prova produzida. Isto é, as partes só podem reclamar contra a deficiência ou contradição nas respostas dadas e a falta de fundamentação nas respostas dadas e não contra eventuais vícios no processo de apreciação a não ser os casos referidos no artigo 558°, n.º 2, do CPC.
Os fundamentos invocados pelo Autor traduzem-se na forma como o mesmo valora as provas produzidas que não foi acolhida pelo Tribunal. Não correspondem a deficiência, contradição ou falta de fundamentação a que se refere o artigo 556°, n.º 5, do CPC. Eles destinam-se a pôr em causa a convicção do Tribunal em flagrante violação ao disposto no art. 558°, n.º 1, do CPC.
Assim, vai indeferida a reclamação formulada…”
2.2. Impugna o recorrente o julgamento da matéria de facto, invocando o documento de fls 7.
Não haja dúvidas de que esse documento não deixou de ser valorado, tal como resulta da motivação acima transcrita e o valor peticionado de £53.334,16 não deixou de ser quesitado.
O ponto está em saber se esse documento - sendo esse o único documento decisivo que se contrapõe ao julgamento proferido - tem a virtualidade bastante para inverter o julgamento de facto produzido.
2.3. Os 3° e 4° Réus assinaram uma declaração em 13 de Outubro de 2002, que consta nos autos sob o documento a fls. 7 - que aqui se dá por integralmente reproduzido -, admitindo e reconhecendo que o montante da dívida para com o recorrente, àquela data, ascendia, na realidade, a £53.334,16.
Estes réus eram maiores, estudantes no Reino Unido e não podiam deixar de ignorar as despesas em que incorriam, referentes não só às despesas resultantes do seu alojamento em casa do A. , como ainda dos adiantamento que eram feitos por este, não só para pagamento de propinas como para dinheiro de bolso dos irmãos estudantes, 3º e 4º réus.
Aquele montante, referido no doc. de fls 7, englobava as prestações pecuniárias com o alojamento e alimentação e também os juros calculados até àquela data.
De acordo com o depoimento prestado pela testemunha F, filha dos 1° e 2° Réus e irmã dos 3° e 4°, a instâncias da mandatária do autor, estes mantinham contactos regulares com o seu pai em Macau, nos quais discutiam a situação financeira decorrente da estadia daqueles no Reino Unido.
O 1° réu acordou com o recorrente que este seria reembolsado das quantias que efectivamente adiantasse aos 3° e 4° réus, o que não deixa de resultar da conjugação da globalidade da matéria dada como provada, nomeadamente que entre o A. e o 1º R. foi celebrado um contrato de alojamento e prestação de diversos serviços relacionados com aquele alojamento e habitação para os filhos do último, a frequentarem um curso superior em Inglaterra.
Sabemos até que o A. que não deixava até de considerar os estudantes acolhidos em sua casa como bons rapazes lhes chegou a pagar propinas e adiantar dinheiro de bolso, a pedido dos réus (todos eles, não se restringe, na resposta que tenha sido só a pedido dos rapazes, 3º e 4º RR.), como expressamente vem comprovado.
Ao assinarem tal documento, com plena capacidade de exercício, perante um documento tão explícito sobre a conta-corrente relativa às despesas por si feitas, não podiam eles ignorar o alcance e conteúdo do referido documento.
A questão da assunção da responsabilidade pela dívida é outra questão que adiante se apreciará.
Apesar de os réus não deixarem de assegurar ao recorrente que pagariam tudo, a verdade é que vieram a atrasar os pagamentos dos valores acordados e, em 13 de Outubro de 2002 encontravam-se vencidas e por pagar prestações pelo alojamento e os reembolsos pelos adiantamentos efectuados pelo recorrente.
Acresce que o 1º réu deixou passar muito tempo, vários anos, desde o momento em que aquele alojamento cessou, 2002, para proceder apenas a um pagamento parcial (em 2004 e 2005) e, mesmo assim, efectuando um pagamento parcial e faseado.
2.4. Ora, o que acontece é que na decisão recorrida se faz tábua rasa desse documento, através do qual se reconhece o montante em dívida. É certo que esse documento é apenas assinado pelo 3º e 4º RR. e dir-se-á que esse reconhecimento não vincula os seus pais, os dois primeiros RR. Essa, no entanto, é outra questão, como já acima se frisou.
O que está em causa é saber qual o valor dos serviços que foram dispensados e que integram o crédito do A. perante os RR. ou só perante alguns deles.
Não obstante uma cuidadosa e sempre louvável explicitação da motivação da matéria de facto, o certo é que ficamos sem saber por que razão se desprezou o referido documento, elaborado em cima dos acontecimentos, não impugnado, nada se avançando com razões que o possam abalar.
Trata-se de um documento que não reproduz a mera pretensão do A., antes encerra uma declaração confessória da dívida, se é que com aptidão para vincular os declarantes (3º e 4º RR) ao seu cumprimento enquanto beneficiários de serviços cujo pagamento eventualmente competiria aos detentores do poder paternal (1º e 2º RR), enquanto se não completassem os estudos daqueles, face ao disposto no artigo 1844º, n.º 2 do CC.
2.5. Ao invés, no julgamento efectuado relevou-se um documento apresentado já na pendência do processo, o documento a fls. 64 a 66 elaborado pelos RR., apenas de sua responsabilidade, segundo o qual reconheciam apenas um montante inferior, de £29.030,53, documento esse que não reflecte a contabilização de juros devidos pela mora do pagamento das prestações e dos adiantamentos, que, como consta nos autos, haviam sido acordados entre o recorrente e o 1° Réu.
2.6. Ora, entre os dois valores, um reconhecido pelo A. e aceite pelos 3º e 4º RR, beneficiários directos dos serviços prestados e outro, apenas pelos RR., afigura-se-nos não haver razões fortes para privilegiar este em detrimento daquele.
Isto, para já não reforçar este entendimento com base nas respostas afirmativas das testemunhas ao quesito 7º, vista a natureza do seu conteúdo e as razões de ciência das mesmas que não lhes permitia quantificar os valores em causa, visto o espaçamento no tempo e a diferente natureza dos serviços prestados.
Em suma, os 3° e 4° Réus tinham o necessário conhecimento do montante global em dívida ao recorrente, como, além disso, tinham capacidade para se reconhecerem como devedores da dita quantia de £53.334,16, à data de 13 de Outubro de 2002.
Para além do documento em si, há factos instrumentais que parecem corroborar a ideia de que o montante em dívida seria o valor que foi admitido no referido documento. Assim:
- Desde logo foi consensualizado entre as partes conflituantes num momento em que ainda não havia conflito e em cima dos acontecimentos, dias após o fim da prestação dos serviços;
- Trata-se de um documento, cujo valor é reconhecido pelos beneficiários directos dos serviços prestados;
- Os pais dos beneficiários directos, enquanto beneficiários indirectos muito provavelmente não terão deixado de ter conhecimento desse valor, facto transmitido pelos seus filhos estudantes no Reino Unido;
- Não obstante, passaram alguns anos sem que os devedores, os RR. efectuassem qualquer pagamento, manifestamente vencido, fosse daquele que eles próprios reconheciam ou de qualquer outro valor, sendo simples de mais, passados 7 anos, vir aos autos apresentar as suas contas;
- Depois, do doc. de fls 7 alcança-se que os rapazes, 3º e 4º RR. trabalhavam em part-time no restaurante do A.e que este compromete-se a acertar as contas dos salários devidos, mais tarde, podendo depreender-se que esse acerto ou falta dele poderá ter originado alguma diferença de valores, tanto mais que dos autos resulta correr outra acção para dilucidação dessa questão. Trata-se, todavia de matérias diferentes, não sendo a dívida de salários compensável comum a dívidas reclamadas nos autos, até porque não equacionado no presente processo.
2.7. Nesta conformidade, a douta sentença recorrida padece de vício de erro na apreciação da prova, na parte em que não considerou o valor da declaração prestada pelos 3° e 4° Réus para efeitos de determinação do montante em dívida, mais concretamente, não se percebe porque não se aceita o valor aí reconhecido, não obstante fazer-se-lhe referência, visto o respectivo circunstancialismo, pelo que se altera a resposta ao quesito 7°, no sentido de considerar que o valor em dívida ao recorrente era de £53.334,16, à data de 13 de Outubro de 2002.
Valor esse que deverá ser descontando dos montantes entretanto pagos pelos RR. referidos nos quesitos 8° e 9°, de £ 17.000,00, assistindo assim ao recorrente o direito a reclamar o pagamento de £ 36.334.16, acrescido dos respectivos juros moratórios desde a data de interpelação.
3. Da absolvição dos 3° e 4° Réus:
Entramos agora na discussão da responsabilidade dos 3º e 4º RR.
3.1. Se acima dissemos que a declaração assinada pelos 3° e 4° RR., que consta a fls. 7, tem a virtualidade bastante para comprovar o montante em dívida, questão diversa será a determinação dos responsáveis por essa dívida. Por outras palavras, se ela se repercute na esfera jurídica de todos os réus.
O recorrente pugna pela condenação solidária dos réus no pagamento da dívida em causa, até porque os 3º e 4º RR foram os beneficiários directos da dívida e os 1° e 2° RR. participaram de forma activa e directa no acordo com o recorrente e por conseguinte na contracção das obrigações em relação a este.
É certo que os 1° e 2° RR. tinham mais de 18 anos de idade à data dos factos em apreço, tendo, em princípio, plena capacidade de exercício de direitos, estando habilitados a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens - art. 118° do C.C. -, sendo, assim, responsáveis pelo cumprimento das obrigações por si assumidas.
Do contexto da factualidade apurada, retira-se que os 1° e 2° RR. assumiram a seu cargo as dívidas contraídas perante o A., ora recorrente,, por estas visarem as necessidades de alojamento, habitação e ensino dos 2° e 3° RR., nos termos dos artigos 1558°, n.º 1, b), 1734°, ambos do Código Civil, e, por força dos artigos 1735° e 1844°, n.º 2, do mesmo Código, aquelas despesas não se deixam de decorrer das obrigações ínsitas ao exercício do poder paternal por parte dos pais em relação aos filhos que se encontravam a tirar o curso superior em Inglaterra.
Não vamos aqui esmiuçar a questão da vinculação dos estudantes em relação aos progenitores, ao assinarem a referida declaração de fls 7, pois, como já se foi adiantando, a relevância dada àquele documento não decorre do reconhecimento da vinculação de terceiros, em particular do representante pelo seu representado, colhendo-se antes a responsabilidade do representante no disposto no artigo 1736º, n.º 1 do CC, aí se prevendo até a vinculação ao cumprimento das obrigações dos filhos:
“O poder de representação compreende o exercício de todos os direitos e o cumprimento de todas as obrigações do filho, exceptuados os actos puramente pessoais, aqueles que o menor tem o direito de praticar pessoal e livremente e os actos respeitantes a bens cuja administração não pertença aos pais.”
3.2. Nesta particular questão não nos deixamos de louvar no que foi doutamente expendido na sentença recorrida:
“Entende o Autor que todos os Réus são responsáveis pelo pagamento da quantia sendo os 3° e 4° Réus responsáveis pelo facto de serem os beneficiários directos das prestações feitas pelo Autor.
Conforme os factos assentes, a quantia ainda em dívida resulta da soma das prestações pecuniárias pelo alojamento parcialmente não pagas e os adiantamentos feitos pelo Autor aos 3° e 4° Réus. Por outro lado, está provado que foi o 1° Autor quem celebrou o acordo de alojamento enquanto que os adiantamentos foram feitos a pedido de todos os Réus.
Numa primeira aproximação, parece que estão em causa dois tipos de obrigações por serem duas as fontes devendo a responsabilidade pelas despesas de alojamento ser apenas do 1° Réu e a dos adiantamentos ser de todos os quatro Réus. No entanto, não se pode olvidar que os adiantamentos foram feitos no decurso da execução do acordo de alojamento. Assim, deve ser enquadrado como fazendo parte do acordo de alojamento que foi alterado no sentido de abranger também a possibilidade de o Autor fazer adiantamentos aos 3° e 4° Réus destinadas a satisfazer as necessidades destes durante o período de estadia. Assim, os pedidos de adiantamento feitos pelos 2ª a 4° Réus devem ser considerados meros actos de execução do acordo de alojamento não podendo estes Réus ser considerados sujeitos do respectivo contrato.
Segue-se, então, a análise da responsabilidade de cada um dos Réus. No que ao 1° Réu se refere, não se suscita qualquer dúvida de que o mesmo é responsável pelo pagamento da dívida por ter sido ele quem celebrou o contrato de alojamento.
Quanto à responsabilidade da 2ª Ré, apesar de o acordo ter sido celebrado apenas entre o Autor e o 1° Réu, aquela, ainda assim, é responsável pelo pagamento por a dívida em questão ter sido contraída para ocorrer a despesas de educação dos filhos e, como tal, despesas familiares.
Com efeito, nos termos do artigo 1558°, n.º 1, b), do CC, "São da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da. vida familiar."
Do acima exposto vê-se que os 3° e 4° Réus não participaram no acordo de alojamento mas resulta dos factos assentes que foram os beneficiários directos da dívida a cargo dos seus pais.
Apesar do entendimento sufragado pelo Autor, não se julga que os 3° e 4° Réus devam responder pela dívida tendo em conta que as respectivas quantias foram utilizadas na educação dos mesmos.
É que, nos termos do artigos 1733°, n° 1, do CC "Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens".
Por outro lado, dispõem os artigos 1735° e 1844°, n° 2, do CC que "Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua instrução, mantém-se a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete" e "Os alimentos compreende também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor ou, embora maior, se encontrar na situação prevista no artigo 1735°."
Por força dessas normas, são os 1° e 2ª Réus e não os 3° e 4° Réus os responsáveis por essas despesas apesar de serem estes os beneficiários directos das respectivas despesas.”
Assim, sufraga-se o entendimento ali expresso e que vai no sentido da responsabilização apenas dos 1º e 2º RR.
4. Dos juros
4.1. Afirma o recorrente que se entende que os réus foram interpelados para o pagamento da dívida em questão em 13 de Outubro de 2002, pelo que constituíram em mora a partir dessa data - art. 794°, n° 1 do C.C. assistindo ao recorrente o direito a ser indemnizado, correspondendo essa indemnização aos juros a contar do dia da constituição em mora - art. 795°, n.º 1 do C.C.
4.2. Não tem razão o recorrente.
Ainda aqui serve a argumentação da Mma Juíza, aplicando-se a argumentação aos valores que se entendem ser devidos, enquanto disse:
“Nos termos do artigo 793°, n.º 1, do CC, "A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor."
Por sua vez, dispõe o artigo 795°, n° 1, do CC, que "Na obrigação pecuniária a obrigação corresponde aos juros a contar do dia da constituição da mora."
Dispõe o artigo 794°, n° 1, do CC, que “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”
Nada consta dos factos assentes acerca da data acordada em que as prestações e os adiantamentos devem ser pagos nem da data em que foi feita a interpelação dos 1º e 2ª Réus para pagamento.
Apesar de os 3° e 4º Réus terem assinado o documento de fls 7 onde se fez referência à falta de pagamento discutida nos presentes autos, o certo é que nem o 1° nem a 2a assinou o mesmo. A isso acresce que não se pode daí retirar que estes últimos foram interpelados para proceder ao pagamento na data constante deste documento.
O único facto que demonstra que houve interpelação para pagamento é o facto constante da resposto ao quesito 8º e 9º da base instrutória, pois nele se refere que o 1º Réu fez cinco transferências depois das solicitações do Autor para pagamento. Ora, desde facto vê-se que em 16 de Agosto de 2004, os 1º e 2ª Réus já estavam interpelados para pagar. É, assim, a partir desta data que os juros devem ser pagos.
Além disso, porque foram feitos cinco pagamentos parciais em data diferentes, os juros devem ser calculados separadamente e apenas sobre o capital remanescente.
Urge, assim, apurar o capital remanescente depois de cada um dos pagamentos parciais.
Com o pagamento de £ 2.000,00 em 16 de Agosto de 2004, o capital em dívida passou a ser de £ 27.030,53; com o pagamento de £ 3.000,00 em 4 de Janeiro de 2005, o capital em dívida passou a ser de £ 24.030,53; com o pagamento de £ 2.000,00 em 4 de Fevereiro de 2005, o capital. em dívida passou a ser de £ 22.030,53; com o pagamento de £ 5.000,00 em 3 de Maio de 2005, o capital em dívida passou a ser de £ 17.030,53; e com o pagamento de £ 5.000,00 em 2 de Setembro de 2005, o capital em dívida passou a ser de £ 12.030,53.
Posto isto, é de aplicar a taxa de juros legal vigente no respectivo período às quantias acima referidas, nos seguintes termos:
1. De 16/8/2004 até 4/1/2005,6% sobre £ 27.030,53;
2. De 5/1/2005 até 4/2/2005, 6% sobre £ 24.030,53;
3. De 5/2/2005 até 3/5/2005, 6% sobre £ 22.030,53;
4. De 4/5/2005 até 2/9/2005,6% sobre £ 17.030,53;
5. De 3/9/2005 até 6/7/2006, 6% sobre £ 12.030,53;
6. De 7/7/2006 até integral pagamento, 9,75% sobre £ 12.030,53.”
4.3. Consequentemente, à quantia de £ 36.334.16, que corresponde a MOP$ 442.059,56 (à taxa de câmbio de MOP$ 12,1665 por cada libra, à data da entrada da acção em 19 de Dezembro de 2008), acrescem juros à taxa legal de 6%, e de 9,75% a partir de 11/07/2006 - cfr. art. 552°, n° 1 do CC, Ordem Executiva n° 9/2002 e Ordem Executiva n.º 29/2006, respectivamente, a partir dos remanescentes em dívida a partir dos diversos abatimentos, considerando-se os montantes entregues e o que ficou em dívida, tal como nessa parte, considerado na douta sentença.
Assim,
1. De 16/8/2004 até 4/1/2005,6% sobre £ 34.334,16;
2. De 5/1/2005 até 4/2/2005, 6% sobre £ 31.334,16;
3. De 5/2/2005 até 3/5/2005, 6% sobre £ 22.030,53;
4. De 4/5/2005 até 2/9/2005,6% sobre £ 29.334,16;
5. De 3/9/2005 até 6/7/2006, 6% sobre £ 24.334,16;
6. De 7/7/2006 até integral pagamento, 9,75% sobre £ 18.334,16.
Devendo o valor de libras ser calculado em patacas à taxa de câmbio de MOP$ 12,1665 por cada libra, à data da entrada da acção em 19 de Dezembro de 2008.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, revogando parcialmente a decisão recorrida, decide-se:
1. Condenar os 1° e 2ª réus, B e Chan C, a pagar ao autor, A, a quantia de MOP$ 442.059,56 acrescida de juros calculados nos termos consignados a fls 46 do presente acórdão.-
2. No mais, se mantém o decidido na douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente e recorridos, B e Chan C, em ambas as instâncias, na proporção dos decaimentos.
Macau, 20 de Março de 2014,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
658/2013 30/30