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Proc. nº 66/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Março de 2014
Descritores:
-Revisão de sentença
-Ordem pública
-Decisão arbitral

SUMÁRIO:

I - Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II - Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III - Não se pode dizer que se verifique violação da “ordem processual pública” se chega a reconhecer-se às partes o direito de submeterem o litígio a uma arbitragem que o julgue de acordo com recurso à equidade (art. 3º, DL nº 26/96/M, de 11/06), em que, como é sabido, não se observam critérios de legalidade estrita.

IV - Para efeitos do art. 1200º, nº1, al. f), do CPC, do ponto de vista formal, a ordem pública é o conjunto de valores, princípios e normas que se pretende sejam observados em uma sociedade. Do ponto de vista material, ordem pública é a situação de fato ocorrente em uma sociedade, resultante da disposição harmónica dos elementos que nela interagem, de modo a permitir um funcionamento regular e estável, que garanta a liberdade de todos.

V - Por isso, é de entender que “ordem pública” é conceito que aparece, portanto, mais associado a uma ideia de respeito pelos direitos substantivos e pelas posições substantivas individuais e menos relativizado a direitos processuais.





Proc. nº 66/2013

Acordam No Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
“A Limitada”, com sede na Alameda XX, nº XX, Edif. XX, XXº, “XX”, Macau, requereu a revisão de sentença proferida por tribunal arbitral do exterior de Macau em que foram partes a requerente e “Companhia de B, SA”.
Fê-lo nos seguintes termos:
1.º
Requerente e Requerida assinaram, em 2 de Outubro de 1995, um contrato para publicação da revista de bordo dos aviões da Requerida, denominada “C”, com a duração de 6 (seis) anos (doc. nº 1, que se protesta juntar);
2.º
Em 23 de Julho de 1998, contudo, a requerida rescindiu o contrato supra referido.
3.º
Por força da clausulado deste contrato, para a resolução das questões emergentes da sua execução, previa-se o recurso a um Tribunal Arbitral em Singapura;
4.º
O que aconteceu através do Proc. nº 10953/BWD/SPB/JNK do Tribunal Arbitral Internacional da Câmara de Comércio Internacional.
5.º
Em 7 de Março de 2002, foi proferida “Sentença Arbitrar”, nos termos do documento que se junta e se dá por integralmente reproduzida e traduzida para todos os efeitos legais (doc. nº 2).
Assim sendo,
6.º
Não havendo dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a sentença, nem sobre a inteligibilidade da decisão (alínea a) do nº 1 do art. o 1200º do C.P.C.);
7.º
Tendo a decisão já transitado em julgado há muito (alínea b) do citado artigo);
8.º
Tendo sido proferida por tribunal competente por força do disposto no art. o 29º do C.P.C. (alínea c) do citado art.º e doc. nº 2 que se protesta juntar);
9.º
Não havendo lugar à invocação de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau (alínea d) do citado artigo);
10.º
Não se verificando qualquer irregularidade de citação ou de violação dos princípios do contraditório ou da igualdade das partes, até porque, conforme consta da decisão, a requerida participou activamente no julgamento da questão (alínea e) da citado artigo); e
11.º
Não contendo, finalmente, a decisão a rever e confirmar qualquer conteúdo que conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública;
Então,
12.º
Mostram-se preenchidos os requisitos necessários à revisão da sentença proferida pelo Tribunal Arbitral Internacional da Câmara de Comércio Internacional, em Singapura.
*
Na contestação, a requerida suscitou a irregularidade do mandato judicial por parte da requerente e, quanto ao fundo, defendeu que o pedido não pode ser deferido, em virtude de o resultado da decisão arbitral ser manifestamente incompatível com a ordem pública de Macau.
*
Respondeu a requerente à matéria da contestação em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
*
O digno Magistrado do MP não se opôs ao deferimento do pedido.
E o tribunal, na oportunidade, procedeu a diligências instrutórias.
*
Cumpre decidir.
***
II - Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
*
Do mandato judicial
Na sua contestação, a requerida veio suscitar a irregularidade do mandato, por entender que a contestação foi junta quatro meses depois da apresentação do requerimento inicial e por não respeitar o comando dos arts. 235º, nº 3, do Código Comercial e 66º do Código do Notariado.
Não tem razão. Quanto ao primeiro aspecto, o controlo do tempo pertence ao juiz do processo. Repare-se que, face à conclusão que o titular do processo foi feita no dia 11 de Março, logo ele lavrou despacho a mandar apresentar procuração com expressa ratificação do processado. Dando-se a notificação por verificada três dias depois da expedição do ofício, logo, em 15 desse mês, então foi dentro do prazo que a requerente veio com um pedido aos autos no sentido de lhe ser concedido um prazo adicional de 30 dias, por razões que explicou (fls. 117). Ora, se o despacho que se lhe seguiu foi no sentido de dar satisfação ao solicitado, para o que se fixou o prazo pretendido (fls. 118), a apresentação da procuração em 13 de Maio foi tempestiva, atendendo à data da expedição do aviso de notificação (10/04/2013) e ao disposto no art. 201º, nº2, do CPC.
Quanto ao segundo fundamento, vale a pena sublinhar o seguinte.
De acordo com os estatutos da sociedade (cfr. 165-167 e apenso “traduções”), o administrador goza de poderes de representação da sociedade, mesmo em tribunal (art. 6º, nº1). Entre esses poderes caberá, certamente, o de constituir procurador forense, tal como até latamente pode emergir do art. 6º, al. j), dos mesmos estatutos. Na verdade, essa designação de “representante da sociedade” pela administração tanto haverá de servir para a constituição de, por exemplo, um advogado, através de procuração, para agir em juízo, ou a outrem sem essa qualidade jurídica para a representar numa venda, por exemplo.
Por outro lado, se o art. 235º do Código Comercial prevê a constituição de procuradores para a prática de determinados actos ou categoria de actos pela sociedade, a verdade é que essa é uma faculdade (“…. a sociedade pode, mediante autorização da assembleia geral ou do conselho de administração…»), que não exclui os poderes próprios do administrador. Ou seja, dali não resulta que a constituição de procurador judicial (representação voluntária) seja necessária e unicamente da competência da sociedade.
E dito isto, fica pelo caminho a necessidade que o art. 66º do Código do Notariado plasma no sentido das menções a incluir no instrumento notarial de procuração. Trata-se, de resto, de um preceito aplicável, basicamente, aos instrumentos notariais emitidos em Macau. Por outro lado, a procuração em causa é emitida no exterior e vem autenticada pela entidade notarial competente através da respectiva “apostille”, (art. 50º, nº3 e 128º, do Cod. Not.) e a que não foi imputada nenhuma falsidade.
Daí que se não nos afigure existir qualquer irregularidade.
*
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III - Os Factos
1 - Requerente “A Limitada” e Requerida, “B Company Ltd”, assinaram em 2 de Outubro de 1995 um contrato para publicação da revista de bordo dos aviões da Requerida, denominada “C”, com a duração de 3 anos a contar de 2/10/1995, embora renovável por um prazo adicional de 3 anos desde que o preço previsto na cláusula 7 não fosse aumentado em mais de 50% e o número de exemplares da revista durante o prazo inicial de cinco anos de vigência não fosse inferior em média a 10 000 (doc. fls. 102-111);
2 - Por força do clausulado deste contrato, para a resolução das questões emergentes da sua execução, previu-se o recurso a um Tribunal Arbitral em Singapura;
3 - Em 23 de Julho de 1998, a Requerida enviou uma carta à Requerente nos seguintes termos:
“ 1. A presente crise e retracção económica na Ásia afectou fortemente a B a partir do último trimestre de 1997.
2. Como resultado das alterações à situação económica, a B tem vindo a acumular prejuízos desde Novembro do ano passado.
3. Não é provável que esta turbulência económica venha a cessar em breve. A administração ordenou uma campanha de cortes nos custos da empresa de forma a sobreviver a este turbilhão.
4. Por ordem da administração da empresa e do nosso director comercial, suspendemos muitas operações não rentáveis e alugamos em “wet lease” uma aeronave à D de forma a reduzir os nossos custos operacionais.
5. Tivemos que cortar o volume dos nossos serviços de bordo de forma a poupar nos custos e desta forma, foi-nos ordenado suspender a produção da C que infelizmente tem vindo a ser publicada com prejuízo desde a sua primeira edição.
6. A administração da empresa decidiu suspender a publicação a partir da 17a edição, de Agosto de 1998.”
4 - Em 23/03/2000, a requerente formulou o seguinte pedido de arbitragem:
“Exmos Senhores
PEDIDO DE ARBITRAGEM
Actuamos em nome de A Limitada, também conhecida como A Limited domiciliada em XXº Andar XX Building, XX XX Street, Central, Hong Kong, uma companhia constituída em Macau.
Surgiu um litígio entre o nosso cliente e a B Company Limited, sita em XX Avenida XX, Edif. XX XXº andar, Macau (“XX”), uma companhia constituída em Macau.
Em 2 de Outubro de 1995, foi celebrado um contrato entre o nosso cliente e a B (“o Contrato”) relativo à produção de uma revista de bordo conhecida como “C” pelo nosso cliente para a B. É anexada uma copia do acordo.
A cláusula 3 do contrato define que este durará por um período de 3 anos com início em 2 de Outubro de 1995 e que, no termo do período de 3 anos, o contrato vigorará por um período seguinte de 3 anos na condição de que os honorários (como definido na cláusula 7 do contrato), não tenham aumentado mais do que 50 por cento e que o número de exemplares da publicação, por número, durante o período inicial de 5 anos do contrato tenha atingido, em média, não menos do que 10.000.
A cláusula 17 do contrato define que o contrato será regulado e feito de acordo com as leis de Macau. A cláusula 18 do contrato define que, em caso de litígio, este será resolvido de acordo com as regras de arbitragem da Câmara Internacional de Comércio (ICC) em Singapura. A arbitragem deverá ser dirigida por um árbitro contratado pelo ICC que deverá ser fluente em Inglês.
Por carta da B para o nosso cliente, datada de 23 de Julho de 1998 (copia junta), a B informou o nosso cliente que desejava suspender a produção da Publicação após a edição de Agosto de 1998, apesar das condições relativas à renovação do Contrato terem sido cumpridas no que diz respeito à cláusula 7 do Contrato, os honorários tenham subido apenas 23,3% e a Publicação em média não atingiu menos de 10.000 exemplares.
Páginas 3 e 4:
Por causa da ruptura do contrato pela B, o nosso cliente perdeu o montante de US$1.250,00 e HK$2.180.838,72, discriminados do seguinte modo:
Descrição
US$
a.
Trabalho executado por E Limited, segundo as instruções do nosso cliente relativo às edições da Publicação de Outubro e Dezembro de 1998
US$ 1250,00
Descrição

b.
Perda relativa à edição de Agosto de 1998
HK$234.852,72
c.
Trabalho realizado por F, segundo instruções do nosso cliente, relativo a um artigo sobre a Expo 98 em Lisboa, que se pretendia fosse publicado em ambas as publicações de Outubro e Dezembro de 1998 e despesas de comunicação
HK$ 12.262,00
d.
Prejuízos relativos ao fim do contrato de arrendamento datado de 15 de Dezembro de 1997 como resultado da ruptura
HK$ 192.000,00
f.
Indeminzação da ruptura ao Sr G, designer senior da Publicação, como consequência da ruptura
HK$ 40.724,00
e
Danos pagáveis ao Sr H como resultado da ruptura, relativos ao fim de um contrato a termo certo, com termo em 1 de Outubro de 2001
HK$ 1.701.000,00


HK$ 2.180.838,72
O nosso cliente propõe que o Sr I, um membro do painel de árbitros acreditados do Centro Internacional de Arbitragem de Singapura seja indicado como arbitro. Junta-se uma cópia do curriculum vitae do Sr I. Por meio duma carta para a B, datada de 29 de Fevereiro de 2000 (copia junta), solicitámos a confirmação da B relativamente à proposta do nosso cliente. Uma cópia do curriculum vitae do Sr I foi também enviada à B. A B não respondeu à proposta do nosso cliente. Com base no artigo 8(3) das Regras de Arbitragem do ICC, requeremos que confirmem a designação do Sr I, como o único arbitro nesta matéria ou que contratassem outra pessoa conveniente para ser o arbitro.
O nosso cliente também propôs que os procedimentos de arbitragem fossem iniciados em Singapura e que os mesmos fossem conduzidos em Inglês. Segundo o Contrato, o debate deverá ser determinado pelas leis de Macau e os procedimentos deverão ser conduzidos segundo as regras de arbitragem da ICC.
Juntamos um cheque de US$2.500 a vosso favor, sendo o pagamento adiantado relativo às despesas administrativas.
Com os nossos cumprimentos.
(assinatura)
J”.
5 - O Tribunal Arbitral Internacional da Câmara de Comércio Internacional, no Processo nº 10953/BWD/SPB/JNK, proferiu a seguinte decisão (tradução do documento de fls. 53 a 95 dos autos):
“A LIMITADA A.K.A. A LIMITED
(Macau, China)
contra
B COMPANY LIMITED (Macau, China)
O presente documento é uma cópia certificada do original da decisão arbitral em conformidade com as Regras do Tribunal Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI)
Tribunal Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional
Processo nº 10953/BWD
Arbitragem de acordo com as regras de arbitragem CCI de 1998
entre
A LIMITADA, ou A LIMITED (Macau, China)
Requerente - Contra-requerida [ReConvinda]
e
B COMPANY LIMITED (Macau, China)
Requerida - Contra-requerente [Reconvinte]
Decisão
Fundamentação do Processo
1. O litígio objecto desta arbitragem surge em resultado de um contrato para a produção da revista oficial de voo da B (o Contrato), celebrado entre a Requerente e a Requerida a 2 de Outubro de 1995.
2. A cláusula 18 do Contrato prevê que:
“Se qualquer eventual litígio entre as partes sobre o cumprimento do presente contrato não for resolvido, por meio de consultas amigáveis, no prazo de sessenta (60) dias após o início das deliberações, ou outro prazo mais longo que as partes venham a acordar por escrito, então, não obstante outras disposições do presente contrato, as partes devem resolver o litígio em Singapura, de acordo com as normas de arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI)...”
3. Quando surgiu o litígio relativamente ao presente Contrato; a Requerente deduziu um Pedido de Arbitragem, através de carta de 24 de Março de 2000 entregue pelos seus solicitadores à Câmara de Comércio Internacional (CCI). Prevê a Cláusula 18(2):
“deverá haver um (1) árbitro, fluente na língua inglesa, nomeado pela CCI”.
4. A Requerente propôs então que o litígio fosse decidido pelo Sr. I, membro de uma equipa de acreditados árbitros do Centro Internacional de Arbitragem de Singapura.
5. Através de carta datada a 26 de Abril de 2000, a Requerida respondeu ao pedido da Requerente para Arbitragem pela CCI. A Requerida rejeitou a proposta da Requerente para que o Sr. I fosse o único árbitro da questão com base de que o mesmo não detinha quaisquer conhecimento ou experiência nas leis de Macau.
6. Através de cartas datadas de 3 de Maio de 2000 e 24 de Maio de 2000, respectivamente, enviadas pela CCI, as partes foram informadas que se as mesmas não chegassem a acordo sobre a identidade do único árbitro, o Tribunal Internacional de Arbitragem (TIA), iria nomear um árbitro. Através de uma carta datada de 15 de Junho de 2000, ambas as partes foram informadas de que K fora nomeado único árbitro pelo TIA, após proposta do Comité Nacional de Singapura.
7. Em consequência dessa esta nomeação, exerço funções de único árbitro no litígio entre as partes do Contrato.
8. A jurisdição da arbitragem estabelecida pelas partes na Cláusula 18 do Contrato foi a de Singapura. O processo de arbitragem foi conduzido de acordo com as Regras de Arbitragem da CCI que entraram em vigor a 1 de Janeiro de 1998 (As regras da CCI). De acordo com a Cláusula 17 do Contrato a lei aplicável é a de Macau. Em cumprimento da Cláusula 18(1) do Contrato o processo foi conduzido na língua inglesa e todos os materiais escritos em português foram submetidos ao tribunal de arbitragem devidamente traduzidos em inglês por ou através dos representantes legais das partes.
9. A seguinte documentação escrita foi submetida ao Tribunal e à mesma se faz referência nesta Decisão:
a) Resumo das alegações da Requerente;
b) Resumo das alegações da Requerida; e
c) Traduções em inglês do Código Civil de Macau e outra legislação relevante.
10. Uma reunião preliminar entre o Tribunal, as partes, e os seus representantes, ocorreu no Centro de Arbitragem Internacional de Hong Kong a 14 de Agosto de 2000. Nesta reunião preliminar participaram, para além da minha pessoa, os representantes da Requerente (L e M), e os representantes legais da Requerente (N e J, Hong Kong), a representante da Requerida (O) e os representantes legais da Requerida (P e Q da firma Y Advogados, Macau).
11. Os seguintes articulados foram entregues pelas partes:
a) O pedido de arbitragem da Requerente, com data de 24 de Março de 2000;
b) A réplica da Requerida e a respectiva reconvenção, com data de 1 de Junho de 2000;
c) A réplica da Requerente à reconvenção, com data de 12 de Julho de 2000;
d) A alteração da réplica à reconvenção, com data de 14 de Agosto de 2000;
Directivas
12. Através das Directivas (1) com data de 14 de Agosto de 2000, o Tribunal Arbitral estabeleceu as directrizes e o calendário para a apresentação e entrega de documentos, permuta de declarações das testemunhas, investigação, e outras matérias interlocutórias. Algumas destas directrizes foram modificadas por outras directrizes posteriores.
Audição e Testemunhas
13. A audição da arbitragem teve lugar no R Club em Singapura, entre 12 e 15 de Março de 2001. Na audição, a Requerente foi representada por N (agora S Hong Kong) e a colega T. L, presidente da Requerente, foi a representante da Requerente. A Requerente apresentou cinco testemunhas, nomeadamente, o próprio L, H, U, V e W de W (perito legal). A Requerida foi representada por X e Q da firma Y Advogados, Macau. A Requerida apresentou quatro testemunhas, O, Z, V e AA (perito legal).
14. V não participou na audição, e a Requerente não requereu que o mesmo fosse interrogado.
15. No primeiro dia da audição (12 de Março de 2001), a Requerida fez um pedido verbal para obter uma ordem que garantisse que os custos fossem suportados pela Requerente. Eu indeferi o pedido com base em que, não se verificando circunstâncias especiais, não é comum que um tribunal arbitral internacional o faça, particularmente quando o tribunal fica situado num local que não tem qualquer ligação com qualquer das partes. A tardia do pedido foi também tida em consideração.
16. Na conclusão da audição, a 15 de Março de 2001, instruí as partes que permutassem todos os documentos adicionais por mim especificados até ao dia 26 de Março de 2001. A Requerida deveria entregar traduções em inglês mais exactas das relevantes disposições estatutárias até ao dia 26 de Março de 2001. A Requerente deveria comentar as traduções mais exactas até ao dia 2 de Abril de 2001. A Requerente deveria entregar ao Tribunal todas as traduções acordadas das disposições estatutárias até ao dia 9 de Abril de 2001. Ambas as partes deveriam permutar resumos em inglês das jurisprudências em que baseiam a sua causa até ao dia 26 de Março de 2001. Ambas as partes deveriam comentar sobre os resumos em inglês das jurisprudências entregues pela outra parte até ao dia 2 de Abril de 2001. A Requerente deveria entregar ao Tribunal todas as traduções acordadas dos resumos em inglês de relevantes jurisprudências até ao dia 9 de Abril de 2001. As partes deveriam elaborar e entregar as alegações finais por escrito até ao dia 14 de Abril de 2001. As alegações finais deverão tratar de factos, direito, responsabilidade e quantificação de prejuízos. As partes serão livres para preparar e entregar outras alegações finais só em resposta às alegações finais originais até 28 de Abril de 2001. Outras alegações finais deveriam incluir alegações de custos, incluindo documentos comprovativos das despesas reclamadas.
Outras Directivas e Resposta a alegações
17. A pedido das partes algumas destas datas foram alteradas, tendo como resultado que as últimas alegações foram entregues a 25 de Julho de 2001 pela Requerente e a 26 de Julho de 2001 pela Requerida.
18. Após ter revisto as alegações finais das partes, verifiquei que estas não abordavam certas matérias. Encetei então correspondência com as partes para dirigir as suas atenção para tais matérias. As últimas respostas às minhas questões foram providenciadas a 14 de Janeiro de 2002 pela Requerida e a 15 de Janeiro de 2002 pela Requerente.
Fundamentação dos Factos
19. A Requerente é uma sociedade constituída em Macau cuja actividade comercial inclui a produção de revistas para companhias aéreas e venda da publicidade incluída em tais publicações.
20. A Requerida é uma sociedade constituída em Macau que opera uma companhia de transportes aéreos baseada em e a operar a partir do Aeroporto Internacional de Macau. A sua principal fonte de receita é o transporte de passageiros entre Taiwan e a China continental.
21. Por volta de Junho de 1995, a Requerida convidou várias empresas para concorrerem a um contrato para publicação de uma revista de bordo para a Requerida. Em Setembro de 1995, a Requerida anunciou às empresas concorrentes que a primeira emissão da revista de bordo deveria ficar pronta a tempo do voo inaugural da Requerida, marcado para 9 de Novembro de 1995.
22. A Requerente e a Requerida encetaram então uma série de negociações. A Requerente escreveu duas vezes à Requerida: a primeira foi a 7 de Setembro de 1995, e a segunda a 22 de Setembro de 1995. Cada uma das cartas continha propostas, de (entre outras coisas) o número de páginas a publicar e o número possível de páginas reservadas à publicidade, o conteúdo da publicação, estimativas de venda e objectivos publicitários. Através desta correspondência, a Requerente foi a única concorrente que aceitou a data limite de 9 de Novembro para a edição inaugural.
23. As partes celebraram um contrato para a produção da revista de bordo oficial da B (doravante, a Publicação, ou “C”) a 2 de Outubro de 1995. O contrato dispunha que a Requerente editasse a Publicação em representação da Requerida. Isto seria conseguido através da publicação de seis edições bimensais [dois em dois meses] por ano durante um período de três anos a contar de 2 de Outubro de 1995. A primeira edição seria a Novembro de 1995.
24. A Cláusula 3(1) prevê que:
“o presente contrato permanece em vigor (sujeito às disposições da Cláusula 3(2) e 12) por um prazo de três anos, a contar de 2 de Outubro de 1995”
25. A Cláusula 3(2) prevê que:
“Quando terminar o prazo previsto na cláusula 3(1) o presente contrato permanecerá em vigor (sujeito ao previsto na Cláusula 13), por um prazo adicional de três anos, desde que (i) o preço previsto na Cláusula 7 não seja aumentado em mais de 50 por cento; e (ii) o número de exemplares da Publicação publicadas em cada edição durante o prazo inicial de cinco anos de vigência do presente contrato tenha sido em média não inferior a 10,000”.
26. A Cláusula 7 prevê, entre outras coisas, os preços a pagar pela produção da Publicação, ou seja, os custos de publicação.
27. A Cláusula 12 prevê a rescisão do contrato a qualquer altura contra pré aviso e quando se tenham verificado certos requisitos.
28. A Cláusula 13 prevê a forma como as notificações e outras comunicações deverão ser entregues às respectivas partes. As disposições relevantes desta cláusula são as seguintes:
“ (1) Qualquer notificação ou outra comunicação requerida ou autorizada pelo presente contrato a ser feita ou entregue por qualquer das partes à outra parte deve ser devidamente feita e entregue por escrito e:
[métodos de entrega]
(2) As notificações e outras comunicações enviadas da forma prevista na Cláusula 15(1) serão consideradas feitas e entregues:
[prazo de entrega]
29. Entre Novembro de 1995 e Junho de 1998 saíram 16 edições da Publicação.
30. A 23 de Julho de 1998, a Requerida enviou uma carta à Requerente nos seguintes termos:
“ 1. A presente crise e retracção económica na Ásia afectou fortemente a B a partir do último trimestre de 1997.
2. Como resultado das alterações à situação económica, a B tem vindo a acumular prejuízos desde Novembro do ano passado.
3. Não é provável que esta turbulência económica venha a cessar em breve. A administração ordenou uma campanha de cortes nos custos da empresa de forma a sobreviver a este turbilhão.
4. Por ordem da administração da empresa e do nosso director comercial, suspendemos muitas operações não rentáveis e alugamos em “wet lease” uma aeronave à D de forma a reduzir os nossos custos operacionais.
5. Tivemos que cortar o volume dos nossos serviços de bordo de forma a poupar nos custos e desta forma, foi-nos ordenado suspender a produção da C que infelizmente tem vindo a ser publicada com prejuízo desde a sua primeira edição.
6. A administração da empresa decidiu suspender a publicação a partir da 17a edição, de Agosto de 1998.”
31. A 24 de Julho de 1998, a Requerente enviou uma contestação à Requerida negando à Requerida o direito de rescindir o contrato de tal forma. A Requerente concluía que o contrato era de seis anos e perguntava qual a compensação que a Requerida pagaria à Requerente pela “suspensão antecipada [do Contrato]”.
32. A 6 de Agosto de 1998, a Requerida confirmaria a posição já afirmada na carta que enviara à Requerente a 23 de Julho de 1998 e reiterava que não renovaria o Contrato nem pagaria qualquer indemnização, alegando as seguintes razões:
Primeiro, o Contrato era por um prazo de três anos, mas renovável no final desse prazo. A Requerida não teria a obrigação de o renovar, e tinha entregue a notificação adequada de que não seriam necessárias outras edições da Publicação.
Segundo, a Requerente tinha cessado a sua actividade comercial em Macau porque o seu endereço em Macau estava desocupado. Ao abrigo da Cláusula 1(d) do Contrato este facto constituía justa causa para a rescisão.
Terceiro, a crise económica tinha reduzido a capacidade e disposição da Requerida para continuar a relação contractual.
Quarto, o Contrato foi celebrado assumindo que a Requerente seria “auto sustentável após os primeiros 2 anos de actividade”.
33. A 7 de Agosto de 1998, a Requerente respondia às afirmações da Requerida na carta de 6 de Agosto de 1998.
34. A 13 de Agosto de 1998, a Requerente escreveu ao seu Director Executivo, Sr. H, suspendendo as suas funções a partir de 31 de Agosto de 1998, dependendo das negociações com a Requerida.
35. A 3 de Setembro de 1998, a Requerente escreveu à Requerida para dizer que a Requerente estava disposta a tentar manter a publicação da C, e que não tinha recebido quaisquer materiais da Requerida para a edição de Outubro.
36. As partes encetaram em troca de correspondência numa tentativa de resolver o assunto amigavelmente. Nesta correspondência a Requerente apresentou reivindicações das perdas alegadamente sofridas em resultado da rescisão antecipada e ameaçava recorrer à arbitragem se as reivindicações não fossem satisfeitas amigavelmente. Como não foi conseguido acordo em relação às suas reivindicações, a Requerente formulou o seu pedido de Arbitragem a 24 de Março de 2000.
Pedido de Arbitragem
37. No seu pedido de Arbitragem, a Requerente contendeu que a Cláusula 3 deveria ser interpretada como sendo o contrato celebrado por um prazo de 6 anos.
38. A Requerente argumentava que o Contrato era para vigorar por um prazo de três anos com início a 2 de Outubro de 1995 e que, após terminar esse prazo, o Contrato continuaria por um prazo de mais três anos desde que se verificassem as duas condições previstas na Cláusula 3(2)(i) e 3(2)(ii). Não se disputa se as condições previstas na Cláusula 3(2)(i) e 3(2)(i) foram ou não cumpridas, i.e. o preço referido na Cláusula 7 só foi aumentado em 23,3% (e por isso menos de 50%), e a circulação da C não teve uma tiragem média inferior a 10.000 exemplares.
39. A Requerente sustenta assim que a Requerida violou o Contrato quando escreveu à Requerente a 23 de Julho de 1998 para informar que suspenderia a produção da Publicação após a edição de Agosto de 1998 (sendo esta a última edição da Publicação no final do prazo inicial de três anos).
40. Durante a audição, a Requerente fez a alegação adicional de que a referência à Cláusula 13 na Cláusula 3(2) era um erro material e que a referência correcta seria a Cláusula 12.
41. A Requerente sustenta assim que sofreu prejuízos com a acção da Requerida no valor de US$1,250.00 (HK$9,671.25) e HK$2,180,838.72, que compreende o seguinte:
[Reivindicações]
Reivindicação (a): Trabalho efectuado pela E Limited, por instruções da Requerente, relativamente à Publicação de Outubro e Dezembro de 1998. Montante: HK$9.671,25
Reivindicação (b): Lucros cessantes da edição de Agosto de 1998. Montante: HK$234.852,72
Reivindicação (c): Trabalho feito por e despesas com comunicações devidas a um colaborador, F, por instruções da Requerente, relativamente a um artigo a publicar na Publicação de Outubro ou Dezembro de 1998. Montante: HK$ 12.262,00
Reivindicação (d): Prejuízo que resultou do arrendamento de instalações pela Requerente, a 15 de Dezembro de 1997, para acomodar a produção da Publicação, e a necessidade de pagar o restante das rendas apesar da cessação da produção da Publicação: HK$192.000,00. Montante: HK53.150,00*.
(* No primeiro dia da audição, a Requerente alegou verbalmente perante o Tribunal Arbitral de que estava preparada para reduzir esta reivindicação para HK$53.150,00)
Reivindicação (e): Indemnização por despedimento paga a um dos editores da Publicação, Sr. G, como resultado do incumprimento. Montante: HK$40.724,00.
(f) Indemnização a pagar ao Sr. H pela rescisão do seu contrato de trabalho com a Requerente (Contrato FVR), em resultado do incumprimento. Montante: HK$1. 701.000,00.
42. NC
43. NC
Contestação da Requerida
44. Os seguintes parágrafos (45 a 66), resumem a defesa apresentada pela Requerida na sua contestação.
Renovação não automática do contrato
45. A Requerida nega que a Cláusula 3 preveja a renovação automática do Contrato por um período de três anos desde que as duas condições se verificassem. O Contrato deve ser interpretado prever que só haveria renovação:
(a) Com o consentimento de ambas as partes, porque prevê a possibilidade de entrega de aviso prévio de não renovação do Contrato;
(b) Se ambas as condições da Cláusula 3(2) se verificassem;
(c) Se não fosse entregue uma notificação escrita de rescisão de acordo com a Cláusula 13 do Contrato;
(d) Verificando-se o espírito e o objectivo do Contrato, ou seja, que a Publicação fosse rentável.
46. Através da entrega do aviso prévio de rescisão a 23 de Julho de 1998, confirmada por outra carta enviada a 6 de Agosto de 1998, a Requerida rescindiu o Contrato de acordo com os seus termos.
47. O Contrato, se interpretado da forma reclamada pela Requerente, violaria a lei de Macau porque o Requerente estaria a agir de má fé ou em abuso dos seus direitos.
Rescisão por incumprimento da Requerente
48. A Requerente agiu em incumprimento do Código Civil de Macau e dos termos do Contrato.
49. Antes da assinatura do Contrato a Requerente forneceu informações deturpadas à Requerida, induzindo-a assim em erro. Induzida desta forma a Requerida assinou o Contrato. Assim, a Requerida tem fundamentos válidos para rescindir o contrato ao abrigo das leis de Macau, em particular o Artigo 245, conjugado com o Artigo 431 do Código Civil de Macau.
50. As alegadas informações deturpadas estão contidas em duas cartas enviadas pela Requerente a 7 de Setembro de 1995 e 22 de Setembro de 1995, antes da assinatura do Contrato.
51. A carta de 7 de Setembro enviada pela Requerente declara que “a experiência editorial e experiência publicitária à escala mundial dos nossos executivos pode contribuir de forma positiva para estabelecer a imagem da B e conduzir a sua revista de bordo a uma posição de auto suficiência”. Na proposta anexa, entre outras coisas, indicava que cada edição poderia ter, como “objectivo”, 24 páginas de publicidade. Cada página de publicidade poderia gerar receitas na ordem de HK$24.000,00. O custo anual de produção seria de HK$1.972.800,00. Os lucros seriam distribuídos numa base de 50:50.
52. Por estes números, juntamente com o plano de que haveriam seis edições por ano, dois em dois meses, os lucros para cada uma das partes seriam de HK$741.600,00 (de acordo com os cálculos da Requerida).
53. Na carta da Requerente de 22 de Setembro, a proposta anexa era semelhante à proposta anexa à carta de 7 de Setembro, mas o custo anual da publicação tinha sido revisto para HK$2.093.352,00.
54. Dos números da segunda proposta, a Requerida calcula que cada uma das partes obteria um lucro de HK$741.600,00 desta actividade. Além disso, nesta segunda proposta, havia lucros projectados para 1997 e 1998.
55. A Requerente declarava também que “o nosso objectivo é conseguir um nível de publicidade que, numa primeira fase, cobrirá os custos de publicação e que, numa segunda fase, será uma actividade rentável tanto para a B como para a A”, e que “(a Requerente está) na melhor das condições para obter bons níveis de publicidade. A nossa equipa de vendas é bastante internacional e eficiente. Os nossos agentes de publicidade em (vários países) foram escolhidos por serem os melhores nas suas áreas de influência”.
56. No conteúdo destas cartas encontram-se as informações deturpados fornecida pela Requerente à Requerida. Tendo a Requerida cometido um erro relativamente às circunstancias que rodearam a sua decisão de celebrar o Contrato, reserva-se o direito de rescindir o Contrato ao abrigo dos Artigos 245 e 431 do Código Civil de Macau.
O montante de HK$741.600,00, como lucro estimado para cada uma das partes de acordo com a segunda proposta da Requerente, calculado pela Requerida na página 9 da sua Resposta ao Pedido de Arbitragem (e citado no parágrafo 54 supra), está incorrecto e o montante deveria ser HK$681.324,00.
Direito à Rescisão nos Termos do Contrato
57. A Cláusula 12 prevê, (entre outras coisas) que:
“ (1) Qualquer uma das partes tem direito a rescindir o presente Contrato a qualquer altura através de notificação à outra parte, quando se verifiquem qualquer um dos seguintes eventos:

(d) Se a outra parte cessar substancialmente de desenvolver a actividade ou ameaçar cessar substancialmente a actividade”.
58. Desde Agosto de 1998 que a Requerente cessou de desenvolver todas as suas operações e actividade comercial em Macau.
59. A Requerida tinha assim o direito, de acordo com a Cláusula 12, de rescindir o Contrato através da carta de 6 de Agosto de 1998 enviada à Requerente.
Direito à Rescisão por relevante alteração das circunstâncias
60. NC
61. A Requerida celebrou o Contrato com base de que as economias da Ásia prosperariam e se manteriam em condições saudáveis e dinâmicas durante a validade do Contrato.
62. A crise asiática de 1997 significou que houve uma alteração anormal das circunstâncias que fundamentaram a celebração do Contrato pela Requerida, pelo que a Requerida tinha direito a rescindir o Contrato.
Simulação de Contratos (Sham Contracts)
63. Em caso do Tribunal Arbitral vir a concluir que a Requerida violou o Contrato, a Requerida descarta ainda quaisquer responsabilidades com os seguintes fundamentos.
Contratos Simulados
64. A Requerida alega que os seguintes contratos foram simulados (ou seja, os contratos são falsos):
(a) O arrendamento das instalações pela Requerente a 15 de Dezembro de 1997 para albergar a produção da Publicação (o subarrendamento).
(b) O Contrato FVR com data de 4 de Novembro de 1995, entre o Sr. H e a Requerente, relativamente ao emprego ou contratação pela Requerida (como alterado no contrato de emprego suplementar com data de 1 de Setembro de 1996).
Assim, a Requerida não é responsável pelos prejuízos alegados pela Requerente em resultado destes contratos simulados.
Justa causa para rescindir o Contrato FVR.
65. Em qualquer caso, a rescisão do Contrato entre a Requerente e a Requerida constitui justa causa para a demissão do Sr. H das suas funções, ao abrigo da Lei Laboral de Macau, que prevê justa causa como fundamento para a demissão de um empregado. Esta é assim uma razão adicional pela qual a Requerida não deve ser responsabilizada por quaisquer reivindicações feitas pelo Sr. H em resultado da rescisão do Contrato FVR.
Reconvenção
66. A Requerida reclama também o saldo de HK$462.932,30 da caução inicial adiantada pela Requerida para cobrir os custos de produção da Publicação (após deduzidos os custos da edição de Agosto de 1998 da Publicação do total do depósito inicial de HK$697.785,00).
Compensações Reivindicadas
67. Em resumo, a Requerente procura as seguintes conclusões: (a) A Requerida faltou ao cumprimento do Contrato e por isso é responsável pela indemnização da Requerente pelos montantes reclamados no pedido e pelas despesas legais da Requerente.
(b) A Requerida não rescindiu o Contrato de uma forma válida e não tem direito à devolução reclamada ou qualquer devolução reclamada pela Requerida em virtude de se ter verificado alteração às circunstâncias.
(c) A Requerente deve creditar a Requerida pelo montante de HK$341.644,50, que é o verdadeiro saldo do depósito entregue pela Requerida, que deverá ser deduzido dos montantes que o Tribunal Arbitral determinar serem devidos à Requerente.
68. A Requerida pretende as seguintes satisfações:
(a) Uma declaração de que a Requerida tinha direito a rescindir o Contrato e por isso não é responsável pelo pagamento de qualquer compensação à Requerente, excepto pelo reembolso à Requerente dos custos com a Publicação de Agosto de 1998.
(b) Uma decisão que negue todas as reivindicações feitas pela i Requerente, com excepção dos custos da publicação de Agosto de 1998.
(c) Confirmação pelo Tribunal de que o subarrendamento foi simulado (falso) e é por isso nulo e inválido.
(d) Se o Tribunal decidir que o subarrendamento não é nulo e inválido, uma confirmação de que a reivindicação de renda seja até ao montante de HK$84.000,00 somente e não HK$192.000,00 como pretende a Requerente na sua reivindicação, porque a Requerente só tinha direito a arrendar por sete meses (sendo este o prazo restante do arrendamento principal) e não 16 meses.
(e) Uma confirmação do Tribunal de que o Contrato FVR celebrado pela Requerente foi simulado (falso) e é por isso nulo e inválido.
(f) Se o Tribunal não considerar o Contrato FVR nulo e inválido, uma confirmação de não ser a Requerida responsável pelo pagamento de indemnização à Requerente porque o Sr. H é culpado judicialmente de evasão fiscal ao Governo de Macau.
(g) Se o Tribunal não considerar o Contrato FVR nulo e inválido, uma decisão que a Requerida não é responsável pelo pagamento de qualquer indemnização à Requerente por incumprimento do contrato devido à aplicação da Lei Laboral em vigor em Macau.
(h) Em caso de a Requerida ser mesmo assim responsável pelo pagamento de indemnização à Requerente pelo Contrato FVR, a atribuição do montante de HK$1.140.000,00 (porque o Sr. H seria indemnizado pela perda de salário de HK$30.000,00 por mê pelo período restante de 38 meses ao abrigo do Contrato FVR apenas) e não HK$1.701.000,00 como pretendido pela Requerente na sua reivindicação.
(i) Em função da Reconvenção, uma decisão em favor da Requerida, pelo saldo do depósito inicial que pagou à Requerente após a dedução dos custos da publicação de Agosto de 1998, calculada da seguinte forma:
Depósito HK$697.785,00
Deduzir: custos da edição de Agosto de 1998 HK$234.852,72
Saldo a favor da Requerida HK$462.932,28
A Requerida reivindica ainda juros sobre este saldo a contar de 7 de Agosto de 1998.
(j) Decisão sobre todos os custos da CCI, e com os advogados da Requerida, e outros custos relacionados com a Arbitragem, que a Requerida estima na ordem dos HK$ 100.000,00.
(k) Se o Tribunal considerar que a Requerida violou o contrato, uma decisão em favor da Requerida pelos montantes restantes do depósito inicial após a dedução dos montantes atribuídos à Requerente e uma determinação de que os custos com a CCI sejam divididos em partes iguais.
Questões
69. As específicas questões apresentadas ao Tribunal Arbitral estabelecidas nos Termos de Referência são as seguintes.
69.1 Deveria ter sido dado aviso prévio devidamente entregue de acordo com a Cláusula 13 do Contrato antes do contrato ser renovado por mais um período de três anos?
69.2 É ou não válido o aviso prévio de rescisão ou de “não renovação” do Contrato pela Requerida?
69.3 Terminou ou não o Contrato após o período inicial de três anos, ou foi automaticamente renovado por um prazo adicional de 3 anos uma vez cumpridas as duas condições da Cláusula 3(2)?
69.4 Foram ou não cumpridas as condições previstas na Cláusula 3(2) do Contrato?
69.5 Será que a renovação do Contrato a pedido da Requerente constituiria abuso de direito segundo a definição do Artigo 326 do Código Civil de Macau e também violação dos princípios de boa fé incorporados no Regime jurídico de Macau, se a revista viesse a ser não rentável?
69.6 A revista era ou não um negócio não rentável?
69.7 Terá a Requerida direito a fundamentar no Artigo 245 e Artigo 431 do Código Civil de Macau a decisão de rescindir o Contrato em consequência das projecções feitas pela Requerente antes da celebração do Contrato?
69.8 Se a Requerente deixasse de desenvolver a sua actividade em Macau, daria isso o direito à Requerida de rescindir o Contrato de acordo com a Cláusula 12(1) do Contrato?
69.9 A Requerida tinha ou não direito a alegar o Artigo 431 do Código Civil de Macau relativamente à mudança de circunstâncias referida nos parágrafos 4.1 até 4.15 da Contestação da Requerida ao Pedido de Arbitragem de 1 de Junho de 2000, no qual a Requerida fundamentou a decisão de rescindir o Contrato?
69.10 Se a Requerida for considerada culpada pelo incumprimento do Contrato, será que a Requerente tem direito a todos os montantes que reclama na sua reivindicação, e se não, que montantes?
69.10A. Podem ou não ser considerados simulados, de acordo com definição dada pelo Artigo 232 do Código Civil de Macau: (i) os contratos de subarrendamento celebrados entre a Requerente e a A Limited (Hong Kong) e (ii) o contrato de trabalho entre a Requerente e o Sr. H?
69.10B O Sr. H, na qualidade de director, detinha ou não poderes para obrigar a Requerente na altura da celebração do alegado simulado contrato de subarrendamento?
69.10C Encontra-se o despedimento do Sr. H abrangido na Lei de Macau pelo conceito de justa causa para demissão?
69.10D Será que o Artigo 44 da Lei Laboral de Macau, no que respeita a justa causa para despedimento, se sobrepõe aos termos do contrato de trabalho alegadamente simulado?
69.11 A quanto, se a alguma coisa, tem direito a Requerida, se for achada procedente a sua Reconvenção.
69.12 Se uma parte vier a ser considerada culpada perante a outra, que juros, se for o caso, devem ser pagos pela parte culpada?
69.13 A quem, por quem, e qual o montante ou proporção dos custos desta arbitragem e da adjudicação, e dos custos e despesas das partes, a serem pagos?
Conclusões
69.1 Deveria ter sido dado aviso prévio devidamente entregue de acordo com a Cláusula 13 do Contrato antes do contrato ser renovado por mais um período de três anos?
69.1.1 As cláusulas a serem consideradas são as Cláusulas 3(1), 3(2) e 13, que se encontram reproduzidas nos parágrafos 24, 25 e 28, supra. Entendo ser intenção do Contrato, dependendo do cumprimento das duas condições estabelecidas na Cláusula 3(2), ser automaticamente renovado sem necessidade de aviso prévio por qualquer das partes. Chego a esta conclusão pelas seguintes razões:
- As palavras utilizadas na Cláusula 3(2) são claramente nesse sentido.
- A necessidade de aviso prévio levantaria a questão: aviso prévio por qual das partes? Se qualquer das partes pudesse renovar o Contrato, implicaria também que qualquer das partes poderia escolher não renovar o Contrato, dando lugar a um conflito irreconciliável em que uma das partes poderia notificar a renovação e a outra parte notificar a não renovação.
- A Cláusula 13 descreve apenas o método de entrega de avisos prévios contratuais quando tal for necessário. Não cria por si mesma a obrigatoriedade de aviso prévio.
- O argumento de que a referência à Cláusula 13 na Cláusula 3(2), deve ter um qualquer significado, pode ser contrariado pelo argumento de que a referência é um erro tipográfico, e o que se desejava de facto era fazer referência à Cláusula 12. O último argumento faz muito mais sentido do que o primeiro. Se as partes tivessem a intenção de que o aviso prévio fosse condição para a renovação, eu teria esperado que eles o afirmassem expressamente. Não concebo que a obrigatoriedade de aviso prévio se destinasse a operar como termo implícito da referência à Cláusula 13. Por outro lado, se as partes tivessem intenção de se referir à Cláusula 12 em vez da Cláusula 13, isto faria sentido, uma vez que o direito de renovação ficaria então sujeito à classificação de rescisão antecipada nas situações descritas na Cláusula 12.
- Estou convicto da minha conclusão pelo facto de a Cláusula 13(2) conter um claro erro quando se refere à Cláusula 15(1), quando esta cláusula não existe. Parece assim que das alterações introduzidas resultaram erros nas referências a cláusulas em várias partes do Contrato.
69.1.2 Considero que a minha interpretação é consistente com as relevantes disposições do Código Civil de Macau, nomeadamente Artigo 228, 244, 229 e 231 (que se encontram em Anexo A a esta decisão).
69.2 É ou não válido o aviso prévio de rescisão ou de “não renovação” do Contrato dado pela Requerida?
69.2.1 Considerando as minhas conclusões na interpretação da Cláusula 3(2), concluo que o aviso prévio de rescisão ou não renovação do Contrato entregue pela Requerida a 23 de Julho de 1998, constitui violação de contrato. De facto, a carta de 23 de Julho não se expressava sequer em termos de rescisão ou não renovação do Contrato; pretendia suspender a produção da Publicação após a edição de Agosto Nem o Contrato nem a legislação de Macau prevê a suspensão das obrigações contratuais de qualquer das partes No entanto, ambas as partes trataram aquela carta como rescisão de Contrato e o caso tem sido discutido nessa base.
69.3 Será que o Contrato terminou após o período inicial de três anos ou foi automaticamente renovado por um prazo adicional de 3 anos, uma vez cumpridas as duas condições da Cláusula 3(2)?
69.3.1 À luz das minhas conclusões supra, o Contrato deveria ter sido automaticamente renovado por um período adicional de três anos, tendo-se verificado o cumprimento das duas condições previstas na Cláusula 3(2). No caso, o Contrato foi rescindido prematuramente.
69.4 Foram ou não cumpridas as condições da Cláusula 3(2) do Contrato?
69.4.1 As duas condições eram:
- Que o preço da Requerente não aumentasse em mais de 50%; e
- Que o número de exemplares da Publicação produzidos por edição, durante o prazo inicial de cinco anos do Contrato, em média, não fosse inferior a 10.000 exemplares.
69.4.2 É fundamentação comum:
- A frase “prazo inicial de cinco anos” da Cláusula 3(2) é um erro, e deveria dizer “prazo inicial de três anos; e
- As duas condições foram cumpridas.
69.5 Será que a renovação do Contrato, a pedido da Requerente, constituiria abuso de direito segundo a definição do Artigo 326 do Código Civil de Macau e também violação dos princípios de boa fé incorporados no Regime jurídico de Macau, se a revista viesse a ser não rentável?
69.5.1 O artigo 326 prevê o seguinte: (Abuso do direito) “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
69.5.2 Da forma como a questão se coloca assume-se que seria necessário. o aviso prévio da Requerente para a renovação do Contrato. Pelas razões anteriormente apresentadas, considero que o Contrato teria sido automaticamente renovado se não fosse o pedido de rescisão da Requerida. No entanto, vou abordar esta questão tendo apenas em conta a pergunta de se o Contrato deveria continuar em vigor mesmo que se verificasse não ser rentável (independentemente de ser ou não necessário o pré aviso de renovação).
69.5.3 Não se deslumbra qualquer disposição no Contrato que requeira que a Publicação alcançe qualquer nível de rentabilidade. Embora a Cláusula 7(4) preveja a partilha equitativa dos lucros entre as partes, essa Cláusula não implica por si só que a continuidade do Contrato estaria dependente da sua rentabilidade. Todas as principais companhias aéreas têm revistas de bordo e é certamente uma interpretação possível que a Requerida estava preparada para subsidiar a publicação mesmo que não fosse rentável, uma vez que a publicação servia outros propósitos para além de render lucros à Requerida.
69.5.4 O resumo em inglês da jurisprudência II-2 no Sumário de Jurisprudências da Requerida (relativamente à aplicação do Artigo 326), reza que:
“O abuso do direito deve ser estruturado e fundamentado em factos que... revelem um manifesto e clamoroso excesso, ofensivo dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
69.5.5 As provas não estabeleceram que:
- A rentabilidade o fosse o principal ou único objectivo deste empreendimento; ou
- Que a publicação estivesse condenada a não ser rentável durante o prazo renovado do Contrato.
69.5.6 Nestas circunstâncias, não vejo fundamentos para aplicação do Artigo 326 aos factos em apreço.
69.6 A revista era um negócio não rentável?
69.6.1 À luz das minhas conclusões supra, esta pergunta é irrelevante, mas já respondi parcialmente a esta questão no parágrafo 69.5.5, supra.
69.7 Terá a Requerida direito a fundamentar no Artigo 245 e Artigo 431 do Código Civil de Macau a decisão de rescindir o Contrato em consequência das projecções feitas pela Requerente antes da celebração do Contrato?
69.7.1 Os Artigos 245 e 243 dispõem o seguinte:
245: “ (Erro sobre a base do negócio) Quando o erro recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, o negócio pode ser anulado ou modificado de acordo com o disposto no Artigo 431, aplicável com as necessárias adaptações”.
431: “ (Condições de admissibilidade) 1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior”.
69.7.2 Não existe prova clara de terem sido dadas pela Requerente quaisquer informações deturpadas anteriores ao contrato. Nenhuma foi mencionada na carta de 23 de Julho. A Requerida baseia-se nas cartas de 7 e 22 de Setembro de 1995, submetendo as suas propostas para o Contrato, e certas estimativas de lucro contidas nessas propostas. No entanto, a prova é que a Requerente declinou expressamente incluir garantia de lucros no contrato, e os números mencionados nas propostas são descritos claramente como estimativas e objectivos a alcançar. As testemunhas da Requerente testeficaram sobre a razão porque aquelas estimativas e objectivos não foram alcançados, argumentando essencialmente que as acções da própria Requerida e a falta de apoio contribuíram para a quebra de receitas de publicidade. Não me é devido fazer qualquer especificação dessas alegações. Basta dizer-se que:
- Estimativas e metas são sempre pressupostos.
- Não ficou demonstrado de que tais pressupostos tenham sido cumpridos.
- Não há prova de que tais pressupostos tenham sido feitos de forma precipitada.
Pelo que a Requerente não pode ser responsabilizada por não se terem alcançado as estimativas e metas.
69.7.3 Para além disso, o Artigo 245 só se aplica a erros sobre matérias de facto que existiam na altura em que foram apresentadas. Concluo que as propostas são informações (se é que as são) sobre matérias de opinião ou factos futuros, e que nem uma nem outra estão previstas no Artigo 245.
69.7.4 Mais ainda, a Cláusula 15 do Contrato prevê que:
“15 Forma de Contrato
O presente Contrato constitui a totalidade do acordo entre as partes e exclui qualquer outro acordo ou entendimento alcançado na data ou antes da data da sua celebração entre as partes, quer verbal quer escrito.”
69.7.5 Os termos desta cláusula providenciariam uma resposta a qualquer defesa baseada em alegadas informações deturpadas.
69.7.6 Não vejo que o Artigo 431 possa ajudar na decisão de questões relacionadas com alegadas informações deturpadas, mas considerarei os seus efeitos sobre uma outra questão.
69.8 Se a Requerente deixasse de desenvolver a sua actividade em Macau, daria isso o direito à Requerida de rescindir o Contrato de acordo com a Cláusula 12(1) do Contrato?
69.8.1 A Cláusula 12(1) do Contrato dispõe:
“12. Resolução
(1) Qualquer das partes tem o direito a resolver o presente Contrato a qualquer altura através da notificação da outra parte quando se verifique qualquer um das seguintes circunstâncias:
...
(d) Se a outra parte deixar substancialmente de exercer a sua actividade ou ameaçar de deixar substancialmente de exercer a sua actividade.”
69.8.2 Prova existe que a Requerente originalmente operava a partir de Macau e Hong Kong mas, a partir de 1997, a Requerente mudou a maior parte das suas operações diárias de Macau para Hong Kong, embora tivesse mantido um escritório em Macau.
69.8.3 O Contrato não requer que a Requerente desenvolva a sua actividade em Macau: Só requer que a produção e a entrega de um certo número de exemplares da Publicação periodicamente. Não se disputa que esta obrigação não tenha sido cumprida.
69.8.4 Concluo assim que a Cláusula 12(1)(d) não justifica a resolução do Contrato pela Requerida.
69.9 A Requerida tinha ou não direito a alegar o Artigo 431 do Código Civil de Macau relativamente à mudança de circunstâncias referida nos parágrafos 4.1 até 4.15 da Contestação da Requerida ao Pedido de Arbitragem de 1 de Junho de 2000, no qual a Requerida fundamentou a decisão de rescindir o Contrato?
69.9.1 O principal argumento da Requerida é o da crise económica asiática que se iniciou no segundo semestre de 1997, considerada uma alteração às circunstâncias dentro do teor do Artigo 431.
69.9.2 Prova existe de que a Requerida teve lucros em 1997, apresentou prejuízos em 1998, e retornou aos lucros em 1999.
A exposição da Requerida, ao abrigo do Contrato, era limitada ao orçamento acordado, e as somas envolvidas na produção da Publicação eram relativamente baixas em relação às contas de perdas e lucros da Requerida.
69.9.3 A crise económica asiática tem sido mencionada em muitos litígios como justificação para o incumprimento de obrigações contratuais. Não tenho conhecimento de algum caso em que essa defesa tenha tido sucesso, nem nenhum dos representantes das partes me chamou a atenção para um desses casos, apesar do meu pedido ao representante da Requerida de me dar a conhecer algum caso em que a Requerida tenha tido sucesso perante qualquer juízo com base nesta defesa. Mesmo que uma crise financeira possa, em certas circunstancias, traduzir-se numa alteração de circunstâncias dentro do significado atribuído pelo Artigo 431, não considero que, nos factos em apreço, esse princípio seja aplicável.
69.10 Se a Requerida for considerada culpada pelo incumprimento do Contrato, será que a Requerente tem direito a todos os montantes que reclama na sua reivindicação, e se não, que montantes?
69.10.1 Concluo que a Requerida faltou ao cumprimento do Contrato. Consideram-se agora os montantes devidos pelo incumprimento.
69.10.2 Adicionalmente às matérias listadas nos Termos de Referencia incluídos neste título, outras reivindicações da Requerente devem ser abordadas e este é o local conveniente para o fazer.
E Ltd: 9.671,25
69.10.3 Este foi um montante pago pela Requerente à E Ltd. por trabalhos executados por indicação da Requerente relativamente às edições de Outubro e Dezembro da Publicação. A Requerida não contesta as instruções de pagamento, mas contesta que a Requerente poderia ter terminado os serviços da E imediatamente após ter recebido a carta da Requerida a 23 de Julho de 1998, cessando assim o trabalho na edição de Outubro e Dezembro; alternativamente, pelo menos o trabalho na edição de Dezembro deveria ter cessado. Assim a Requerida nega responsabilidade pelo montante da factura de US1.250,00 ou alternativamente contesta que deveria só ser responsável por 50% dessa factura.
69.10.4 É de notar que, nas suas alegações verbais finais o representante legal da Requerida concedeu que, se a carta de rescisão fosse considerada ilegal, não disputaria a sua responsabilidade por esta parte da reivindicação. Seja como for, vou procurar defendê-la considerando as suas alegações finais.
69.10.5 A Requerente argumenta que de acordo com o contrato celebrado com a E, eram necessários três meses para a rescisão dos seus serviços. O Sr. L explicou que o plano de trabalhos para a Publicação foi elaborado antes do inicio do ano. Assim, era razoável que a E começasse a trabalhar em futuras edições muito antes da data de publicação. Além disso, mesmo que fossem dados três meses de pré aviso imediatamente após o dia 23 de Julho, a E teria o direito de continuar a trabalhar durante o período de pré aviso e a ser remunerada por esse trabalho.
69.10.6 Por isso, considero que a Requerente tem o direito a reivindicar o pagamento integral de HK$9.671,25. (pagamento em moeda de Hong Kong de uma factura em dólares americanos).
Lucros Cessantes na edição de Agosto de 1998 da Publicação: HK$234.852,72
69.10.7 Este montante não é contestado pela Requerida, mas foi acordado entre as partes que este montante seja tratado como preço a pagar ao abrigo da cláusula 7, ou seja, custos de produção, pela Requerida à Requerente pela edição de Agosto de 1998 (e não lucros cessantes).
69.10.8 Considero assim que a Requerente tem direito a reivindicar o montante de HK$234.852,72.
F: HK$12.262,00
69.10.9 Este foi o montante pago pela Requerente a F pelo trabalho feito pela mesma por instrução da Requerente relativamente a um artigo sobre a Expo 98, em Lisboa, que se pretendia publicar na edição de Outubro ou Dezembro da Publicação, bem como pelos custos com comunicações previstos no contrato assinado com ela.
69.10.10 Este foi outro item que foi inicialmente aceite pela Requerida nas suas alegações verbais finais, mas nas suas alegações finais escritas a Requerida manteve a sua objecção a esta reivindicação com bases semelhantes à sua objecção à reivindicação E. Mais uma vez, é claro que a Sra F emitiu uma factura por este montante e que foi pago. Como o plano para a Publicação para 1998 foi estabelecido antes de Janeiro de 1998, é razoável que se assuma que a Sra F tinha feito a maior parte do trabalho no artigo sobre a Expo até 23 de Julho de 1998, uma vez que o artigo se destinava à edição de Outubro ou Dezembro, e teria que ser entregue dois meses antes da data de publicação. Em qualquer caso, o seu contrato era por período fixo de um ano, e não podia ser rescindido antes do final de 1998.
69.10.11 Por isso considero que a Requerente tem direito a reivindicar o montante de HK$12.262,00.
G: HK$58.374,00
69.10.12 Este foi o montante pago pela Requerente a G como compensação pela rescisão do Contrato. O Sr. G era um dos principais grafistas da Publicação, e o seu nome aparece no cabeçalho da Publicação.
69.10.13 Prova existe de que ele tinha sido originalmente contratado pela A Ltd de Hong Kong (a empresa mãe da Requerente) com o único objectivo de trabalhar na Publicação. Ele foi assim destacado para trabalhar para a Requerente. Não havia outra colocação para ele após a rescisão do Contrato, e por isso foi removido pela empresa de Hong Kong e foi-lhe paga a compensação devida, de acordo com as leis de Hong Kong. Foi isto o declarado no testemunho de L, que não foi seriamente contestado no inquérito pelo representante legal da Requerida.
69.10.14 Embora o contrato de trabalho com o Sr. G tenha sido rescindido pela empresa de Hong Kong, a Requerente teve que eventualmente reembolsar a empresa de Hong Kong pelos montantes pagos ao Sr. G. As perdas da Requerente resultaram claramente da errónea rescisão do Contrato pelo Requerida.
69.10.15 A Requerida argumenta que o pagamento de compensações deveria ser regulado pelas leis de Macau, mas eu rejeito esse argumento, uma vez que o seu contrato de trabalho foi celebrado com a empresa de Hong Kong, e as circunstâncias do Contrato mostram que as leis de Hong Kong se aplicam a esse contrato.
69.10.16 Considero assim que a Requerente tem direito a reivindicar o montante de HK$58.374,00.
69.10A Podem ou não ser considerados simulados, de acordo com definição dada pelo Artigo 232 do Código Civil de Macau: (i) o contrato de subarrendamento celebrado entre a Requerente e a A Limited (Hong Kong) e (ii) o contrato de trabalho entre a Requerente e o Sr. H?
69.10A.1 O Artigo 232 prevê o seguinte:
“ (Simulação) 1. Se, por acordo entre declarante e declaratório, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo”.
69.10.A.2 Um contrato simulado, segundo o Artigo 232, é aquele em que não se pretende cumprir pelas partes desse contrato, mas foi celebrado por outras razões, ou seja, para enganar terceiros. Não existe prova que fundamente a alegação de que o contrato de subarrendamento fosse um desses contratos simulados. De facto, prova há que o contrato foi celebrado com terceiros para fins de produzir a Publicação.
69.10.A.3 Do mesmo modo, enquanto existe controvérsia sobre se a Requerida deve ser responsabilizada a compensar a Requerente pelas reivindicações do Sr. H ao abrigo do seu contrato de trabalho (ou de serviços) com a Requerente, prova há que o contrato original foi celebrado a 4 de Novembro de 1995, e a alteração ao contrato que aumentava o salário do Sr. H ocorreu a 1 de Setembro de 1996. Ambas as datas são bem anteriores à data da carta da Requerida de 23 de Julho de 1998, e nem o Sr. L nem o Sr. H poderiam prever que o Contrato seria prematura e erroneamente rescindido.
69.10.A.4 O argumento apresentado pela Requerida é que:
- Nenhum experiente executivo de uma sociedade concordaria em empregar um director executivo por um prazo de seis anos ininterruptos.
- O Sr. H não apresentou nenhuma reivindicação contra a Requerente por compensações que lhe sejam devidas pela rescisão do contrato.
69.10.A.5 Aceito as explicações apresentadas pelo Sr. L e pelo Sr. H de que o último exigiu como condição prévia para a sua contratação um contrato ininterrupto de seis anos porque precisaria de planear a sua vida, e que o Sr. L se sentiu obrigado a concordar com esta condição porque o Sr. H tinha sido a causa efectiva do contrato para a produção da C. A falta de uma acção do Sr. H contra a Requerente reflecte simplesmente a situação de que o Sr. L lhe pediu para que esperasse pelo resultado da arbitragem antes de proceder com alguma acção. Apesar do Sr. H ser pai do Sr. L, não existe prova de que os documentos contratuais entre o Sr. H e a Requerente não tivessem a intenção de ter um integral efeito legal.
69.10A.6 Assim que não considero que este contrato (e a sua alteração) tenham sido simulados.
69.10B. O Sr. H, na qualidade de director, detinha ou não poderes para obrigar a Requerente na altura da celebração do alegado simulado contrato de subarrendamento?
69.10B.l O Sr. H, na qualidade de Director Executivo da Requerente, teria poderes para obrigar a Requerente em assuntos rotineiros tais como subarrendamentos. De qualquer forma, a prova é clara que o Requerente aprovou e confirmou a contratação do subarrendamento.
69.10B.2 Estas duas perguntas surgiram da reclamação da Requerente no montante de HK$192,000.00 compensação a ser paga pela Requerente à A Ltd de Hong Kong (como acima dito, a Requerente é subsidiária da empresa de Hong Kong) pela rescisão do subarrendamento celebrado entre a Requerente e a empresa de Hong Kong, uma vez que a Requerente não tinha utilidade para o espaço arrendado após a rescisão do Contrato.
69.10B.3 No início da audição, a Requerente alterou a sua reivindicação para HK$53.150,00, soma que foi de facto debitada à Requerente pela empresa de Hong Kong pela rescisão do subarrendamento. A Requerida não contestou o montante desta reivindicação alterada.
69.10C Está o despedimento do Sr. H abrangido pela Lei de Macau sob o conceito de justa causa para demissão?
69.10C.l A disposição relevante na Lei Laboral de Macau (Decreto Lei no.: 24/89/M de 3 de Abril de 1989) (o Estatuto) encontra-se em Anexo B no final desta Decisão.
Contrato de Trabalho ou Contrato de Prestação de Serviços
69.10C.2 Uma questão preliminar surge em saber se o contrato FVR é um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços, uma vez que a legislação referida supra só se aplica a contratos de trabalho. A Requerida contende que é um contrato de trabalho (quase equivalente a um contrato de prestação serviços segundo o direito inglês - Common Law), enquanto a Requerente defende que é um contrato de prestação de serviços (quase equivalente a um contrato para serviços segundo o direito inglês).
69.10C.3 O Artigo 1079 do Código Civil de Macau define assim um contrato de trabalho (ou de emprego):
1. [A] Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
2. O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.
69.10C.4 O Artigo 1080 do Código Civil de Macau define assim o contrato de prestação serviços:
“Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
69.10C.5 Eu considero que o Contrato FVR é um contrato de trabalho. Os seus termos são consistentes com os de um contrato normal para contratação de gestores (deixando de parte as condições que dizem respeito à rescisão, que vamos debater mais à frente). O Sr. H foi contratado como Director Executivo da Requerente, e não existem razões para assumir que ele fosse outra coisa mas Director Executivo, que é normalmente uma posição de empregado numa empresa, em vez de “freelance” contratado.
O valor da compensação ao Sr. H pela cessação do salário.
69.10C.6 Considerando que este é um contrato de trabalho, o próximo ponto é se o Sr. H tem direito ao saldo total do seu salário pelo restante não cumprido dos seis anos do seu contrato.
69.10C.7 A Requerida argumenta que o conceito de justa causa se aplica neste caso. Invoca a legislação aplicável do Artigo 43(1) do “Estatuto”, que prevê a rescisão sem compensação quando houver justa causa. Invoca que o Artigo 44(1)(c) se aplica neste caso; alternativamente, o conceito de justa causa é muito amplo, de que os parágrafos (a) a (c) do Artigo 44(1) são simples exemplos, e que a rescisão do Contrato [entre as partes] constitui justa causa.
69.10C.8 Como outra alternativa, a Requerida baseia-se no Artigo 47 da Lei Laboral de Macau e argumenta que a reivindicação do Sr. H deveria ser limitada pelo Artigo 47(2) a 15 dias de aviso prévio ou salário em lugar do aviso prévio. Alternativamente, deveria ter direito a um prazo razoável de aviso prévio (o que significa no caso do Sr. H), três meses de salário.
69.10C. 9 A Requerente baseia-se nas seguintes disposições contidas no Contrato FVR:
“Período de Emprego e Compensação
Este contrato de trabalho é válido por um prazo fixo a partir da de hoje até 1 de Outubro de 2001. Este contrato de trabalho não pode ser rescindido. Se a empresa pretender rescindir o seu contrato de trabalho, a empresa terá de pagar como compensação, o equivalente à soma de salários entre a data de cessação do contrato de trabalho e o dia 1 de Outubro de 2001”.
69.10C.10 A Requerente contende assim que o Sr. H tem direito legalmente ao salário integral pelo período restante do contrato de trabalho, e o Artigo 5, que prevê que o “Estatuto” [Lei Laboral] não se aplica em prejuízo de condições de trabalho mais favoráveis independentemente da origem de tais condições, sobrepõe-se às determinações gerais relacionadas com a compensação por rescisão previstas no “Estatuto”.”
69.10D Será que o Artigo 44 da Lei Laboral de Macau, no que respeita a justa causa para despedimento, se sobrepõe aos termos do contrato de trabalho alegadamente simulado?
69.10D.1 No meu ponto de vista aplica-se aqui o princípio de justa causa, de forma que o Sr. H não tem direito a ser indemnizado pela Requerente pela rescisão do seu contrato. Opto por este ponto de vista pelas seguintes razões.
a) De acordo com os termos do Contrato FVR e as provas, o único propósito da contratação do Sr. H pela Requerente era desenvolver e promover a Publicação. Uma vez que o direito a publicar a Publicação foi extinto, mesmo que de forma ilícita, deixou de existir legalmente, com efeito, algo para o Sr. H fazer para a Requerente. As condições que ditaram a relação de trabalho alteraram-se, passando-se por isso à aplicação do Artigo 44(1)(c).
b) O Professor AA, testemunha da Requerida especializada em legislação de Macau, apresentou provas de que o conceito de justa causa é virtualmente único a Macau e, embora tenha sido criticado por ser demasiado favorável à posição do empregador, permanece obrigatório na Lei Laboral de Macau, sobrepondo-se às determinações de quaisquer termos contratuais, bem como às determinações do Artigo 5, no.: 1 (permitindo condições mais favoráveis do que as previstas na Lei do Laboral serem adoptadas no contrato de trabalho). O Sr. W, a testemunha especializada da Requerente, discorda do ponto de vista do Professor AA, mas eu considero os argumentos do Sr. W menos convincentes.
c) Reconheço que existe desacordo entre os dois especialistas nesta matéria, mas eu prefiro o ponto de vista do especialista da Requerida por fazer mais sentido para mim no contexto do Artigo 44(1)(c), do que o ponto de vista oposto, ou seja, de que esta determinação só se aplica quando as condições contratuais do contrato de trabalho tenham sido alteradas, possivelmente por algum factor externo, tais como legislação. Mesmo que eu aceitasse esse argumento, parece não existir razão para distinguir em princípio entre (i) um factor externo tal como legislação introduzida que altere os termos do contrato de trabalho em detrimento do empregador, e (ii) um factor externo tal como a Requerida que, pela sua rescisão do contrato, alterou efectivamente as condições do Contrato FVR. Neste caso, a Requerente não pode agora requerer que o Sr. H trabalhe na Publicação e a Requerente também não tem poderes para requerer que o Sr. H trabalhe em qualquer outra coisa. Parece-me por isso que em qualquer das interpretações se aplicará o Artigo 44(1)(c).
d) Também tenho tendência a aceitar o ponto de vista do Professor AA de que o Artigo 44 é uma determinação absolutamente mandatória, que foi introduzida em Macau por razões de política pública, e por isso se sobrepõe a disposições contratuais expressas do Contrato FVR.
69.10D.2 Reconheço que o ponto de vista do Professor AA criaria uma aparente diferença anómala entre a reivindicação da Requerente pela compensação paga ao Sr. G e a compensação alegadamente devida ao Sr. H. No entanto, tal diferença pode dever-se ao facto de que a reivindicação do Sr. G se rege pela lei de Hong Kong enquanto a reivindicação do Sr. H se rege pela lei de Macau.
69.10D.3 Não obstante os meus pontos de vista supra, decidi não tirar conclusões específicas sobre esta matéria, mas em vez disso, ordenar que a Requerida deva indemnizar a Requerente em função de qualquer sentença que venha a ser proferida contra a Requerente em favor do Sr. H. Faço-o para que o Sr. H não fique limitado por qualquer decisão minha. Da mesma forma, se:
- Eu rejeitar esta reivindicação da Requerente;
- O Sr. H decide encetar uma acção contra a Requerente por perdas e danos pelo incumprimento do contrato nos tribunais de Macau (se esse direito' não tiver prescrito); e
- Os ditos tribunais concluam em seu favor apesar da minha decisão.
Então a Requerente virá a ter prejuízos em resultado do incumprimento do contrato pela Requerida t para os quais não terá solução.
69.10D.4 Não vejo qualquer impedimento para a Requerente em resultado da minha decisão de indemnização. Se não atribuísse tal indemnização, estaria a rejeitar esta reivindicação da Requerente por compensação pelas razões supra. Com a minha decisão, deixo que a Requerente tenha a opção de contestar qualquer reclamação do Sr. H e reclamar indemnização da Requerida.
69.10D.5 Para assegurar que os argumentos de justa causa são inteiramente ventilados nos tribunais de Macau a indemnização deverá ser em termos que dêem à Requerida a oportunidade de colocar perante os tribunais de Macau os argumentos que me foram apresentados. O Artigo 272 do Código do Processo penal de Macau prevê o lítisconsórcio do seguinte modo:
“O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.”
69.10D.6 Assim que disponho que a Requerida indemnize a Requerente pelas reivindicações que possam vir a ser invocadas pelo Sr. H por prejuízos em resultado da ilícita rescisão do seu contrato de trabalho pela Requerente em resultado da ilícita rescisão do Contrato. A indemnização será no entanto sujeita à chamada da Requerente da Requerida para intervir em cumprimento do previsto no Artigo 272 do Código do Processo Civil de Macau.
69.10D.7 Esta é uma medida correctiva que pode ter o mesmo efeito de que se eu tivesse rejeitado esta reivindicação. Se o Sr. H aceitar o meu ponto de vista de que o princípio da justa causa o vai deixar sem fundamentos legais para agir contra a Requerente, então ele não encetará qualquer acção que possa implicar a necessidade de indemnização. Se, no entanto, ele não aceitar o meu ponto de vista, então ele fica livre para encetar uma acção nos tribunais de Macau e se o tribunal discordar com o meu ponto de vista apesar das alegações da Requerida, seria certo que a Requerente fosse indemnizada contra qualquer sentença que tivesse sido proferida em favor do Sr. H, da mesma forma que eu dispus o reembolso dos montantes que a Requerente teve que pagar (embora indirectamente) a G pela sua reivindicação na rescisão do seu contrato de trabalho.
69.10D.8 Também considero minha competência a questão de dispor tal indemnização. Esta questão não é determinada pela legislação em sede da arbitragem porque a medida saneadora a dispor é uma questão processual em vez de pertencer ao âmbito da lei substantiva.
Como a sede desta arbitragem é Singapura, a Secção 12(4)(a) da Lei da Arbitragem Internacional de Singapura (Cap. 143A) é relevante. Esta disposição reza:
“Um tribunal arbitral pode decidir as reparações ou compensação que poderia ser disposto pelo Tribunal Superior se o litígio tivesse sido submetido a processo civil nesse tribunal”.
O Tribunal Superior de Singapura detém claros poderes para ordenar uma indemnização, assim que eu detenho os mesmos poderes.
69.11 A quanto, se alguma coisa, tem direito a Requerida, se for achada procedente a sua Reconvenção?
69.11.1 Não se contestou se a Requerida pagou à Requerente o montante de HK$697,785.00, como depósito por conta de custos de publicação a serem incorridos pela Requerente.
69.11.2 A Requerida alega que os custos de publicação da edição de Agosto de 1998 da Publicação (que reconhece ser da sua responsabilidade) atingiram os HK$234.852,72. A Requerida reclama por isso a devolução de HK$697.785,00 - HK$234.852,72 = HK$462.932,30 (que matematicamente deveria ser de facto HK$462.932,28).
69.11.3 A Requerente reclama que o montante de HK$697.785,00 era parte de um total de HK$3.796.573,92 pagos pela Requerida para cobrir as despesas totais de publicação da Requerente no período inicial de três anos. A Requerente contende ainda que o total das despesas editoriais da Publicação para o período de Outubro de 1995 a Agosto de 1998 foram de facto HK$3.454.929,42. Assim, deduzindo as despesas de facto do montante pago em conta, resulta num montante a devolver de HK$341.644,50, que deveria ser descontado dos montantes devidos pela Requerida à Requerente pela ilícita rescisão do Contrato.
69.11.4 Como nenhuma das partes apresentou na audição qualquer prova substantiva para fundamentar a sua respectiva contestação, questionei as partes sobre este assunto após a entrega das alegações finais. A Requerente eventualmente concordou com os números apresentados pela Requerida.
69.11.5 Consequentemente, concluo que existe um montante de HK$462.932,28 devido pela Requerente à Requerida, sujeito às reivindicações da Requerente contra a Requerida.
69.12 Se uma parte vier a ser considerada culpada perante a outra, que juros, se for o caso, devem ser pagos pela parte culpada?
69.12.1 A Requerente não reclamou pagamento de juros, nem no seu Pedido de Arbitragem nem nas sua Contestação à Reconvenção. No entanto, nas suas Alegações Finais, reclama juros sobre os montantes devidos pela Requerida. A Requerida desde o início, na sua Reconvenção, reclamou o pagamento de juros.
69.12.2 Embora a questão seja algo controversa, sou de opinião que, em arbitragens internacionais a questão dos juros é determinada:
- Quanto a quem tem direito aos mesmos: pela lei em efeito sobre o litígio; e
- Quanto à taxa a aplicar: pela lei na sede da arbitragem.
69.12.3 A lei em vigor em Macau, prevê no seu Artigo 795 o seguinte: “795. (Obrigações pecuniárias) 1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.”
Ambas as partes concordam de que os juros são reclamáveis ao abrigo da lei de Macau.
69.12.4 A sede da arbitragem é Singapura. A Secção 12(1) da Lei Civil de Singapura (Capítulo 43) prevê o seguinte:
“Poderes dos tribunais para decidir os juros a pagar sobre débitos e compensações
12. - (1) Nos processos julgados em qualquer tribunal para o reembolso de débitos ou compensações, o tribunal poderá, se julgar oportuno, dispor que seja incluído no montante que foi adjudicado na sentença, os juros devidos à taxa que considerar oportuna sobre a totalidade ou qualquer parte da dívida ou compensação pela totalidade ou parte do período entre a data quando ocorreu a causa da acção e a data da sentença”.
69.12.5 A Secção 12(4) da Lei Internacional de Arbitragem de Singapura (capítulo 143A) prevê que um tribunal arbitral:
“(a) pode adjudicar reparações ou indemnizações que poderiam ser dispostas pelo Tribunal Superior em litígios que fossem sujeitos a processo civil nesse tribunal;
(b) Pode adjudicar juros (incluindo juros compostos) sobre a totalidade ou qualquer parte de um montante que -
(i) seja adjudicado a qualquer parte, pela totalidade ou parte do período até à data da decisão... ”
69.12.6 A taxa de juro é assim discricionária.
69.13 A quem, por quem, e qual o montante ou proporção dos custos desta arbitragem e da adjudicação, e dos custos e despesas das partes, a serem pagos?
69.13.1 Concluo que a Requerida deve pagar à Requerente os seguintes montantes:
E HK$ 9.671,25
Preço / custo da edição de Agosto 1998 HK$234.852,72
F HK$12.262,00
G HK$58.374,00
Subarrendamento em Hong Kong HK$53.150,00
Total HK$368.309,97
69.13.2 Concluo também que a Requerente deve pagar à Requerida o montante de HK$462.932,28.
69.13.3 Embora a notificação das reivindicações da Requerente tenha sido entregue na correspondência que precedeu o Pedido de Arbitragem, isso sucedeu no contexto de um possível acordo e eu prefiro considerar que a reivindicação foi formalmente feita quando o Pedido de Arbitragem foi entregue à Requerida. O Pedido tem a data de 24 de Março de 2000, mas foi recebido pela CCI a 27 de Março e recebido pela Requerida (envidado pela CCI) a 31 de Março. A Reconvenção da Requerida foi apresentada na sua Contestação ao Pedido de 1 de Junho de 2000, e foi recebida pela Requerente (enviada pela CCI) a 12 de Junho de 2000.
69.13.4 Segundo o que se pratica em Singapura, adjudico juros de 6% ao ano sobre a reivindicação procedente, bem como sobre a Reconvenção procedente. A reivindicação procedente de HK$ 368.309,97 será assim passível de um juro de 6% a contar de 1 de Abril de 2000 até 12 de Junho de 2000, ou seja o montante de HK$4.407,64. Após esta data, a reivindicação procedente seria amortizada pela Reconvenção procedente de HK$462.932,28, ou seja um saldo de HK$90.214,67 (HK$462.932,28 - HK$368.309,97 - HK$ 4.407,64). As partes, nas suas alegações finais concordaram em amortizar as suas respectivas reivindicações uma contra a outra.
69.13.5 Portanto, adjudico juros a favor da Requerida sobre o saldo do montante de HK$90.214,67, à taxa de 6% ao ano, desde 12 de Junho de 2000 até ao seu pagamento.
69.13.6 Chega-se agora à questão dos custos, que devo resolver ao abrigo do Artigo 31 das Regras da CCI. Adjudiquei sobre a reivindicação da Requerente, e sobre a reconvenção da Requerida. Embora a maior parte do processo tenha estado relacionada com a reivindicação principal, no entanto o resultado é que a adjudicação sobre a Reconvenção excede a adjudicação sobre a reivindicação principal. Em todas as circunstâncias tenho decidido que as partes devem suportar os seus próprios custos legais e despesas, devendo suportar em partes iguais os custos e despesas com a arbitragem.
Sentença Arbitral
Decido e ordeno o seguinte:
a) A Requerente é adjudicada e a Requerida intimada a pagar à Requerente o montante de HK$368.309,97.
b) A Requerente é adjudicada os juros sobre o montante de HK$368.309,97 à taxa de 6% ao ano a contar de 1 de Abril de 2000 até 12 de Junho de 2000, ou seja o montante de HK$4.407,64.
c) A Requerida é adjudicada e a Requerente é intimada a pagar à Requerida, o montante de HK$462.932,28 relativamente à Reconvenção, subtraído dos montantes adjudicados à Requerente segundo as alíneas a) e b), supra.
d) A Requerida é adjudicada juros sobre o saldo de HK$90.214,67, à taxa de 6% ao ano, a contar de 12 de Junho de 2000 até à data de pagamento.
e) A Requerida deve indemnizar a Requerente por qualquer sentença final em favor de H pronunciada em Macau contra a Requerente pela ilícita rescisão pela Requerente do seu contrato de trabalho celebrado a 4 de Novembro de 1995 (alterado pela carta da Requerente de 23 de Julho de 1998), como resultado da ilícita rescisão pela Requerida do Contrato, sendo condição que a Requerente deve, dentro de sete dias da entrega do processo instituído por H, chamar a Requerida a intervir em tal processo em cumprimento do Artigo 272 do Código do Processo Civil de Macau.
f) Cada uma das partes deve suportar os seus próprios custos e despesas legais.
g) Os honorários, custas e despesas do Tribunal de Arbitragem Internacional e seu expediente ascendem ao montante de US$31.000,00 será suportado em partes iguais por ambas as partes.
Proferida e outorgada pelo meu punho a 7 de Março de 2002
K (sd.)
Único Árbitro
(selo: Certificado de Cópia autêntica - asso A. Fry. CCI - Tribunal de Arbitragem)
Anexo A
Tradução [em Inglês] dos Artigos 228, 229, 231 e 240 do Código Civil de Macau
Artigo 228 (Sentido normal da declaração)
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Artigo 229 (Casos duvidosos)
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
Artigo 231 (Integração)
1. Na falta de norma supletiva, e não estando estabelecido pelas partes o processo de preenchimento das lacunas da declaração negocial, esta deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.
2. Em casos excepcionais a norma supletiva poderá ceder perante a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, quando seja essa a solução imposta pelos ditames da boa fé.
Artigo 244 (Erro de cálculo ou de escrita)
O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.
Anexo B
(Tradução [em inglês] da Lei Laboral de Macau - Decreto Lei 24/89/M de 3 de Abril de 1989)
1. (Objectivo do diploma)
1. -----
2. O presente diploma define os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e trabalhadores residentes. para além de outros que se encontrem ou venham a ser estabelecidos em diplomas avulsos.
2. (Conceitos)
a) ----
b) Trabalhador, aquele que, usufruindo do estatuto de residente em Macau, coloque à disposição de um empregador directo, mediante contrato, a sua actividade laboral, sob autoridade e direcção deste, independentemente da forma que o contrato revista e do critério de cálculo da remuneração, que pode ser dependência do resultado efectivamente obtido;
c) ----
d) Condição de trabalho, todo e qualquer direito, dever ou circunstância, relacionados com a conduta e actuação dos empregadores e dos trabalhadores, nas respectivas relações de trabalho, ou nos locais onde o trabalho é prestado;
5. (Princípio do mais favorável)
1. O disposto no presente diploma não prejudica as condições de trabalho mais favoráveis que sejam já observadas e praticadas entre qualquer empregador e os trabalhadores ao seu serviço, seja qual for a fonte dessas condições mais favoráveis.
2 ----
6. (Prevalência de regimes convencionais)
São, em princípio, admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei.
43. (Cessação da relação de trabalho)
1. Ocorrendo justa causa, qualquer das partes pode pôr termo à relação de trabalho, não havendo lugar ao pagamento de indemnizações.
2. Constitui, em geral, justa causa qualquer facto ou circunstância grave que torne praticamente impossível a subsistência das relações de trabalho.
3. Pode ainda ser posto termo à relação de trabalho, sem lugar a aviso prévio ou pagamento de indemnização, nos seguintes casos:
a) Por mútuo acordo do trabalhador e do empregador;
b) Quando a relação de trabalho foi estabelecida para o desempenho de tarefas concretas entretanto realizadas;
c) Quando a relação de trabalho foi estabelecida para o desempenho de tarefas ocasionais ou sazonais;
d) Quando a relação de trabalho é estabelecida por um período inferior a um ano, salvo se já tiver sido objecto de três prorrogações.
44. (Justa causa de rescisão por iniciativa do empregador)
1. Constituem justa causa para o empregador rescindir a relação de trabalho, entre outros, os seguintes factos:
a) A conduta culposa do trabalhador que viole os deveres emergentes do presente decreto-lei e do contrato;
b) A qualidade do trabalho prestado;
C) Alteração das condições em que a relação de trabalho foi acordada, desde que relevante.
2. A invocação de justa causa que venha a revelar-se insubsistente, torna o despedimento ilegítimo e sujeito às consequências decorrentes da lei.
47. (Denúncia unilateral)
1. A todo o tempo, independentemente da razão que o fundamente tanto o empregador como o trabalhador podem pôr termo à relação de trabalho, desde que cumpram os prazos mínimos de aviso prévio constantes dos números seguintes.
2. Se a iniciativa da denúncia pertencer ao empregador, o prazo a observar será de 15 dias para os trabalhadores que mantenham com o empregador uma relação contínua de trabalho superior a três meses.
3. Se a iniciativa da denúncia pertencer ao trabalhador, o prazo a observar será de 7 dias para os trabalhadores que mantenham com o empregador uma relação contínua de trabalho superior a três meses.
4. Sempre que a iniciativa da denúncia pertencer ao empregador, e para além do cumprimento do aviso prévio previsto no n.O 2, será devida ao trabalhador uma indemnização rescisória, cujo montante, limitado ao máximo consignado no n.o 5, será estabelecido da forma seguinte:
a) O equivalente a 7 dias de salário, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre três meses a um ano;
b) O equivalente a 10 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre um a três anos;
c) O equivalente a 13 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre três a cinco anos;
d) O equivalente a 15 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre cinco a sete anos;
e) O equivalente a 16 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre sete a oito anos;
f) o equivalente a 17 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre oito a nove anos;
g) O equivalente a 18 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre nove a dez anos;
h) O equivalente a 20 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração superior a dez anos.
5. O valor máximo da indemnização por denúncia unilateral do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, salvo o disposto no artigo seguinte, é limitado a 12 vezes o valor do salário mensal do trabalhador à datada denúncia, qualquer que se verifique ser a duração da respectiva relação de trabalho.
6. Para efeitos de cálculo da indemnização referida nos n.º 4 e 5, o valor do salário mensal não poderá ser superior a 10 000 patacas (*), actualizável anualmente, por portaria do Governador, de acordo com a evolução das condições económicas entretanto verificada
(*1) O Despacho no.: 12/96/M de 22/01 do Chefe do Executivo de Macau, que entrou em vigor em Janeiro de 1996, aumentou o montante máximo de salário mensal para fins de computação da compensação previstas no Artigo 47, para MOP14.000,00.
48 (Denúncia sem razão válida nem aviso prévio)
1. Nos casos em que o empregador ponha termo à relação de trabalho com alegação de justa causa, que se venha a verificar ser insubsistente, é obrigado ao pagamento ao trabalhador de uma indemnização de montante igual ao dobro da prevista no n.o 4 do artigo anterior.
2. Se o trabalhador não cumprir, total ou parcialmente, o prazo do aviso prévio, pagará ao empregador, a título de indemnização, o valor da retribuição correspondente ao período do aviso prévio em falta” (cfr. fls. 6-51 e 53-95)
6 - H intentou no Tribunal Judicial de Base de Macau acção declarativa com processo ordinário contra a ora requerente “A Limitada” pedindo a condenação desta no valor de HK$ 2.295.828,00 e juros em consequência da alegada rescisão por parte da ré do contrato que o unia a esta.
7 - No âmbito desse processo, foi proferida sentença nesse tribunal no dia 19 de Abril de 2007, cujo conteúdo decisório abaixo se transcreve (cfr. fls. 184-192 e rectificação de fls. 193):
«DECISÃO
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a acção e decide:
a) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de HK$1.748.250 (Um milhão setecentos e quarenta e oito mil e duzentos e cinquenta dólares de Hong Kong) que o A. deixou de receber da R., o equivalente a 37 (trinta e sete) meses de retribuição, desde 1/09/1998 a 1/10/2001.
b) Acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal, desde a citação da presente acção até ao integral pagamento.
c) Absolver a R. do pedido no que respeitante aos juros vencidos desde 31/08/98 até 26/03/02.».
***
III - O Direito
Na sua contestação, a entidade requerida manifestou a sua oposição à revisão, em virtude de se estar, em sua opinião, perante um caso de decisão arbitral manifestamente incompatível com a ordem pública estabelecida no ordenamento jurídico da RAEM.
E isto por três razões:
1ª - Por o tribunal arbitral ter proferido uma decisão de tipo “non liquet”, já que condenou a requerida na medida do “quantum” em que ela viesse a ser condenada no processo instaurado no TJB contra si pelo contratado L, apesar de na sua fundamentação ter considerado que o pedido da arbitragem carecia de fundamento legal;
2ª - Por, ao assim proteger o Sr. H, que não era sequer parte do processo, ter atentado conta a ordem pública da RAEM. O tribunal deveria ter decidido apenas com base em critérios de legalidade e não já com base em critérios de oportunidade estranhos às partes;
3ª - Por, de acordo com aquele “non liquet”, não ser possível uma decisão de mérito que exclua, nem os juízos dos tribunais de Macau quanto ao mérito da acção interposta pelo Sr. H, nem a própria intervenção da requerida nessa acção.
*
Vejamos, então, se se verificam aqui os requisitos previstos no citado artigo 1200º do CPC.
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
*
De todos os requisitos que povoam o preceito transcrito, constata-se que apenas foi colocado em crise o constante da alínea f), do nº1. Será, então, essa a nossa tarefa: ver se a impugnante tem razão.
Como é sabido, neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira revidenda satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vem questionada, portanto, a ordem pública. Em nossa opinião, porém, sem êxito.
Vejamos as razões.
Entende-se por ordem pública aquele conjunto de normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, portanto, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos1. E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau (Ac. TSI, de 7/11/2002, Proc. nº 104/2002).
Podemos encontrar afloramentos do respeito pela ordem pública, quer no art. 20º do Código Civil, com um campo de referência vocacionado para a aplicação de normas exteriores a Macau, ou até mesmo no art. 273º, nº2, do mesmo diploma, quando aplicado aos negócios jurídicos que possam ser nulos. Mas não só.
A “ordem pública” surge, a maior parte das vezes, associada a algo muito próximo da segurança pública e dos objectivos a ela associados. Trata-se, nesse caso, de uma locução que, nesse caso, tem por fundamento definitório um interesse fundamental da sociedade, portanto um interesse geral, que se pode manifestar pela importância na prevenção dos danos sociais à tranquilidade (manutenção da ordem na rua, nos lugares públicos, etc.), da segurança (prevenção de acidentes, defesa contra catástrofes, prevenção de crimes, etc.), salubridade (águas, saneamentos, etc.). Segundo o Prof. AB, “ordem pública” é o “conjunto das condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício dos direitos das pessoas” e que, segundo o mesmo autor, aparece conexa com a segurança interna2.
Pois seja. Mas, a bem dizer, não há uma só ordem pública. Há várias, ainda que o conceito seja utilizado indistintamente ou chamado à colação de uma maneira abrangente e sem preocupação restritiva. Existe uma ordem pública de segurança, uma ordem pública na saúde, uma ordem pública na salubridade, etc. Depende do contexto.
Em termos gerais, do ponto de vista formal, a ordem pública é o conjunto de valores, princípios e normas que se pretende sejam observados em uma sociedade. Do ponto de vista material, ordem pública é a situação de fato ocorrente em uma sociedade, resultante da disposição harmónica dos elementos que nela interagem, de modo a permitir um funcionamento regular e estável, que garanta a liberdade de todos.
Por isso, é de entender que “ordem pública” é conceito que aparece, portanto, mais associado a uma ideia de respeito pelos direitos substantivos e pelas posições substantivas individuais e menos relativizado a direitos processuais. Note-se que não estamos a dizer que as questões processuais sejam desprezíveis, mas o que nos parecem claro é que, salvo em casos pontuais em que estejam em causa direitos fundamentais - como por exemplo, o próprio direito de defesa na sequência do direito à citação (mas isso já constitui um requisito expresso que não pode escapar à atenção do julgador: cfr. art. 1200º, nº1, al. e), CPC) - não haverá na generalidade dos casos razão para se dizer que se tenha afrontado a “ordem pública” sempre que os preceitos processual da ordem jurídica da RAEM não tenham sido aplicados no caso concreto.
Aliás, parece razoável entender-se que não pode ter maior desvalor a ideia de um atropelo a normas de direito adjectivo quando ela vem de uma decisão arbitral, do que quando procede de uma decisão judicial proferida no seio do ordenamento jurídico-constitucional local. Isto é, uma decisão que no plano arbitral possa afrontar princípios de direito adjectivo não pode ter maior descrédito do que uma decisão judicial que no seio interno de um ordenamento os afronte também. E nunca se viu dizer que uma sentença que, por exemplo, seja nula por um dos vários motivos possíveis (cfr. art. 571º, CPC) atente contra a ordem pública.
De resto, nem se pode sequer invocar uma eventual “ordem processual pública” se chega a reconhecer-se às partes o direito de submeterem o litígio a uma arbitragem que o julgue de acordo com recurso à equidade (art. 3º, DL nº 26/96/M, de 11/06), em que, como é sabido, não se observam critérios de legalidade estrita.
Serve isto para dizer que eventual aparente atropelo a uma regra do direito interno de Macau concernente ao direito processual dificilmente pode ser selado com o carimbo de uma ofensa à ordem pública.
*
Não concordamos que a circunstância de o tribunal arbitral ter dito, a certa altura da decisão que, na opinião do árbitro, a cessação do contrato que ligava o Sr. H à requerente assentaria em justa causa e que não haveria lugar a indemnização, atente contra a ordem pública se, afinal, acabou por reconhecer ao dito “trabalhador” direito a indemnização (pontos 69.10 D.1 e 69.10.3). Isto porque, como ele mesmo justificou, achou que detinha competência, face à Lei da Arbitragem Internacional (12-A; cap. 34(A)), para fixar uma indemnização (ponto 69.10C.8). A disposição prescreve que “Um tribunal arbitral pode dispor as reparações ou compensação que poderiam ser dispostas pelo Tribunal Superior se o litígio tivesse sido submetido a processo civil nesse tribunal”.
E será que pode ver-se aí alguma incongruência? Talvez sim, desde que se ache que o próprio árbitro, se colocado no papel de julgador no tribunal civil, entendesse (como pareceria ser o caso) que o trabalhador Sr. H não teria direito a compensação. Talvez não, se for de entender que a condenação não é absoluta e imperativa, na medida em que a faz depender da própria condenação na acção cível dos tribunais de Macau. E mesmo que fosse de entender aí alguma flagrante incongruência, não seria ela mais do que uma contradição entre fundamentos e decisão, o que, segundo o nosso direito, não seria mais do que causa de nulidade (cfr. art. 571º do CPC), mas nunca motivo para se falar em perigo de lesão da ordem pública.
Temos, portanto, dúvidas a esse respeito. Talvez seja ousada a condenação decidida na arbitragem, a qual, segundo cremos - e com o devido respeito o dizemos3 -, poderá até assentar numa má interpretação da referida disposição legal por parte daquele árbitro. Efectivamente, parece-nos que a disposição transcrita apenas permitirá ao árbitro decidir aplicar a indemnização que ele prognosticar que o próprio tribunal civil fixaria se o caso lhe fosse submetido (o que pressupõe uma análise do caso, do ponto de vista substantivo). E temos até dúvidas que ela legitimasse a condenação de alguém (a requerida “B”) a pagar a quem não era sequer parte na arbitragem.
Em todo o caso, se essa for, como é, uma questão de ordem adjectiva/processual, que não contende com nenhum dos factores que este Tribunal tem que obrigatoriamente sindicar nos termos do art. 1200º do CPC, então, não cremos que se possa falar aqui de qualquer violação da ordem pública que impeça a revisão. E sobretudo tendo em conta que a decisão arbitral, afinal de contas, na sua parte decisória “lava as mãos” como Pilatos, num exercício de remissão para a sentença (condenatória ou absolutória) do Tribunal de Macau, relegando para este a última palavra sobre o assunto, então cremos que não há o perigo de invasão da ordem pública defendida pela RAEM.
*
E se isto se argumenta nos termos acabados de expor, não vemos razão para pensar de modo diferente relativamente aos restantes fundamentos que a contestante elege para sustentar a violação da ordem pública.
Antes de mais nada, a circunstância de não ter fixado nenhum “quantum” indemnizatório não significa um “non liquet”. Nesse aspecto o paralelismo com a condenação no pagamento de indemnização a fixar em liquidação de sentença parece-nos flagrante e jamais se viu alguém defender que esse mecanismo afronte a ordem pública da justiça. Significa, antes, que o tribunal arbitral se preocupou em não se imiscuir na discussão de uma questão e de um valor indemnizatório para cujo arbitramento não dispunha de elementos precisos. Neste sentido, o que ele fez foi prudente.
Reconheceu ao trabalhador Sr. H o direito a indemnização que o tribunal da RAEM viesse a reconhecer-lhe em sede processual própria por considerar que ela constituía parte do valor indemnizatório a que a requerente tinha direito em virtude da cessação do contrato que a ligava à “B”. Não vinculou obrigatoriamente a requerida ao pagamento de indemnização ao empregado; submeteu essa condenação à condição suspensiva derivada do efeito que a sentença do tribunal de Macau viesse a produzir entre as partes no processo que nele viesse a ser instaurado. Isto significa, pois, que o tribunal arbitral não ultrapassou ou não se sobrepôs aos tribunais de Macau; pelo contrário, relegou para eles a decisão última no que respeita à cessação da relação contratual estabelecida entre a requerente e o Sr. H e aos efeitos indemnizatórios dela decorrentes.
Assim, a decisão que o tribunal da RAEM viesse a tomar quanto a isso sempre se adequaria à sentença arbitral, quer ela fosse de condenar a entidade patronal do Sr. H, quer ela fosse de a absolver do respectivo pedido.
E para decidir como decidiu, compreendemos que não tivesse que estar presente na arbitragem o empregado Sr. H, porque o litígio não lhe dizia directamente respeito, ainda que indirectamente houvesse reflexos na sua esfera jurídico-económica.
Posto isto, não parece que estejamos perante um caso de ofensa à ordem pública de Macau, nem que a decisão revidenda tivesse ofendido a autonomia ou as competências e atribuições dos tribunais da RAEM.
Dito isto, e sem mais delongas, somos a entender que não procede a impugnação.
*
E porque se nos afigura que todos os outros requisitos do art. 1200º do CPC aqui se mostram verificados, nada obsta ao deferimento da pretensão.
***
IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Internacional da Câmara Internacional de Comércio de 7 de Março de 2002 no Proc. nº 10953/BWD/SPB/JNK, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pela requerida.
TSI, 13 de Março de 2014


_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)

_________________________
Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
2 Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira da Cultura; Cfr. tb. Ac. TSI, de 18/10/2012, Proc. nº 127/2012. O Ac. do STA de 06/04/1992, Proc. nº 029379 definiu a ordem pública como sendo “o conjunto de condições que permitem o desenvolvimento da vida social com tranquilidade e disciplina, de modo que cada indivíduo possa desenvolver a sua actividade sem terror ou receio”.
3 Não podemos deixar de sublinhar mais uma vez que não podemos entrar na análise de mérito da sentença da arbitragem. Portanto, os argumentos que aqui aduzimos devem ser entendidos apenas no âmbito da percepção da existência ou não de alguma violação da ordem pública da RAEM.
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