Recurso nº 933/2010
Data: 3 de Abril de 2014
Assuntos: - Acidente de viação
- Crime de ofensa grane à integridade física por negligência
- Medida de pena
- Insuficiência de matéria de facto provada
- Danos de Lucros cessantes
- Danos morais
SUMÁRIO
1. Em princípio, caso a pena de prisão aplicada ao recorrente fosse fixada dentro da moldura legal, a intervenção do Tribunal de recurso nesta área limitar-se-ia a censurar ao critério de aceitabilidade nos termos do princípio de proporcionalidade e de adequação, tendo em conta todos os factos assentes e ponderando todos os factores previstos no artigo 65º do CPM.
2. Não se afigura ser manifestamente excessiva e desproporcional a pena de 2 anos de prisão, apesar da suspensão, contra a moldura legal de um ano e um mês a 3 anos de prisão (crime do artigo 142° n° 3, art.º 138º, al. c) do Código Penal com a gravação nos termos do n° 1 do artigo 66° do Código de Estrada).
3. O Tribunal incorreu no vício de insuficiência de matéria de facto provada quando não investigou e pronunciou-se sobre as questões levantadas na sua contestação e os documentos juntos aos autos o Pedido de Indemnização Cível.
4. Quando o sinistro em discussão no presente acidente de viação foi simultaneamente de viação e de trabalho, e a Recorrente tinha procedido ao pagamento de MOP$677.194,08 relativo às prestações em espécie e em dinheiro devidas pela reparação dos danos emergentes do acidente, nos termos da apólice de seguros contra acidentes de trabalho e doenças profissionais, cumpre o Tribunal decidir sobre esta matéria, decidir nomeadamente sobre o direito de sub-rogação à seguradora que tinha assumida a responsabilidade de indemnização conforme a apólice de seguros contra o acidente de trabalho e profissão.
5. Os factos comprovativos à existência do pagamento pela apólice de seguros contra o acidente do trabalho não são incompatíveis com os factos provados, enquanto se limitou a remeter aos factos não provados os factos não compatíveis com os factos provados, omitindo-se a investigar nela, incorreu na falta de investigação.
6. Decidida esta questão de reenvio, não obsta o conhecimento das restantes questões não incompatíveis, quando o Tribunal com o novo julgamento, limitando-se a apurar a existência do pagamento e consequente desconto da indemnização fixada ou a fixar a seguir.
7. O dano de lucro cessante, se traduziria em perda de salário ou em perda de capacidade de ganho, pressupõe que, no momento da lesão, o lesado tinha o direito a uma percepção patrimonial que se frustrou, ou seja “a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho”.
8. A indemnização desta parte opera-se no recebimento uma só vez, sendo contabilizada com a multiplicação do coeficiente de desvalorização, coeficiente este que seria fixado equitativamente, tendo em conta os números dos anos reclamados.
9. À esta perda, o sinistrado não chegou a receber até agora, por virtude da pendência do processo, a fixação da indemnização desta parte deve ponderar estes factores, pelo modo a subir o coeficiente da desvalorização.
10. A indemnização pelos danos morais, que se destina a reparar o sofrimento, lesão de interesses de ordem espiritual sempre dependente do quantum doloris (grau de sofrimento físico e psíquico), será atribuída ao padrão de equitativo do julgador.
O Relator,
Recurso n° 933/2010
Recorrentes: A
Companhia de Seguros B, S.A.R.L.
(B保險有限公司)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
O arguido A respondeu nos autos do Processo Comum Colectivo nº CR1-06-0006-PCC perante o Tribunal Judicial de Base.
O ofendido assistente C deduziu o pedido de indemnização cível contra a Companhia de Seguros B, S.A.R.L. e o arguido a pagar ao ofendido C a indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor total de MOP$3.969.812,00, bem assim as custas e procuradoria.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal proferiu sentença decidindo:
a) Condenar o arguido A pela prática, em autoriza material e na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência, p. e p. pelo art.º 142º, nº 3, art.º 138º, al. c) do Código Penal e art.º 66º, nº 1 do Código da Estrada, na pena de prisão de 2 anos, e de uma transgressão de trânsito, p. e p. pelo art.º 31º, nºs 1 e 3 da Lei do Trânsito Rodoviário (sic), na multa de MOP$300,00, com a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 2 anos e 6 meses;
b) Condenar o arguido na suspensão da validade da licença de condução pelo período de 1 ano. (art.º 73º, nº 1, al. a) do Código da Estrada)
c) Mais, condenar a Companhia de Seguros B, S.A.R.L. e o arguido a pagarem ao assistente C a indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de MOP$2.149.903,60 (a Companhia de Seguros B, S.A.R.L. apenas suporta MOP$1.000.000,00 da indemnização e o valor restante é suportado pelo arguido), acrescido de juros legais contados a partir da data do trânsito em julgado do presente acórdão até integral e efectivo pagamento. Segundo a situação ulterior do assistente, a futura indemnização deste vai ser novamente determinada na execução do acórdão.
Com esta decisão não concordou, recorreu o arguido A e o demandado cível Companhia de Seguros B SARL, para esta instância, alegando respectivamente o seguinte:
A:
1. A sentença de que ora se recorre enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro na aplicação da Lei (art.º 400º nº 1 e nº 2 alínea a) do C.P.P.M.);
2. Tendo ficado provado que o arguido é primário e que confessou todos os factos por que vinha acusado, a pena de dois anos de prisão a que foi condenado afigura-se excessiva uma vez que consubstancia dois terços do máximo legalmente previsto nos artigos 138º e 142º nº 3 do Código Penal;
3. Por outro lado, e salvo o devido respeito o Colectivo errou na contabilização efectuada a título de perca de rendimentos atribuída ao ofendido.
4. Na verdade, deveriam ter sido aplicadas ao caso vertente as regras estabelecidas na alínea c) ponto 4º do nº 1 do art.º 47 do Decreto-Lei nº 40/95/M de 14 de Agosto, segundo as quais a indemnização por lucros cessantes do ofendido seria contabilizada através do seu salário-base multiplicado pelo coeficiente de desvalorização (neste caso 70%) o que daria lugar ao montante de MOP$4.900,00.
5. E, uma vez que o ofendido tinha, na altura do acidente, mais de 45 anos de idade, este valor será multiplicado por 96 vezes obtendo-se, assim, um valor total de MOP$470.400,00, valor este que lhe deverá ser atribuído a este título.
6. Por último, o valor encontrado pelo douto colectivo a título de danos não patrimoniais é demasiado elevado face aos valores correntemente atribuídos em situações semelhantes, sendo que o mesmo é até substancialmente superior ao valor que é habitualmente concedido a título do “dano morte”.
7. Este montante deverá ser reduzido para uma quantia que se situe à volta das MOP$450.000,00, atendendo à situação económica do lesado e aos danos sofridos.
8. Ao atribuir o valor de MOP$800.000,00 a título de danos morais a douta sentença recorrida não fez uma aplicação criteriosa dos artigos 487º e 496º do Código Civil, pois atribuiu uma indemnização que excedeu o dano causado.
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Excelências, deve, pelas apontadas razões, ser julgado procedente o presente recurso.
Companhia de Seguros B, S.A.R.L.:
1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização ao Demandante Cível por danos patrimoniais e não patrimoniais no montante do MOP$2.149.903.
2. Salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido encontra-se inquinado do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provado relativamente ao montante seguro pela apólice em virtude da qual se operou a transferência de responsabilidade civil do sinistro em causa (art. 400º nº 2 al. a) do Código de Processos Penal).
3. Tal vício ocorre quando o tribunal a quo tiver omitido a investigação de algum ou alguns factos integrantes do objecto do processo ou do tema probandum no processo.
4. Ora, conforme foi alegado pelo Recorrente na sua Contestação e consta dos documentos 1 a 19 juntos com esta e dos documentos 2 a 5 juntos com o Pedido de Indemnização Cível, o sinistro em discussão nos presentes autos foi simultaneamente de viação e de trabalho.
5. Tendo a Recorrente procedido ao pagamento de MOP$677.194,08 relativo às prestações em espécie e em dinheiro devidas pela reparação dos danos emergentes do acidente em discussão nos presentes autos, nos termos da apólice de seguros contra acidentes de trabalho e doenças profissionais.
6. Assim, nos termos do disposto no art. 58º do D.L. nº 40/95/M, e aplicando tal disposição mutatis mutandis à situação em causa nos autos, necessariamente teria de ser concedido o direito de sub-rogação à Recorrente, agora não entre seguradoras, mas sim entre as apólices activadas pelo sinistro em discussão nos autos.
7. Desarte, os montantes despendidos pela Recorrente ao abrigo da apólice de seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais seriam cobertos pela apólice de seguro automóvel pela qual se opera a transferência de responsabilidade cível resultante do acidente de viação que é simultaneamente de trabalho.
8. Assim, a apólice nº LFH/MPC/2003/003962, no montante de MOP$1.000.000,00, deverá cobrir o montante despendido pela Recorrente a título de reparação dos danos emergentes pelo acidente de trabalho, sendo que, após tal débito, a referida apólice cobrirá, relativamente ao acidente de viação em discussão nos presentes autos o montante de MOP$322.805,92 (MOP$1.000.000,00 – MOP$677.194,08 = MOP$322.805,92).
9. Pois que tais factos, porque constantes tanto do petitório apresentado pelo Demandante Cível, como da Contestação da Recorrente, constituem tema probandum do presente processo. Assim, olvidando-se de escrutinar tais factos, o Tribunal a quo negou à Recorrente o direito de sub-rogação que lhe assiste enquanto responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho.
10. A indemnização arbitrada pelo Acórdão agora aposto em crise, a título de lucros cessantes pela perda de vencimentos até a idade de reforma é uma duplicação da prestação em dinheiro devida pela Incapacidade Permanente Parcial diagnosticada e ressarcida ao Demandante Cível no âmbito do proc. nº CV1-04-0004-LAE.
11. Tratando-se de uma indemnização que tem por origem o mesmo dano, a perda da capacidade de ganho, que já havia sido ressarcido por outro meio, é vedado pelo Direito a sua cumulação.
12. Pelo que o douto Tribunal a quo apenas poderia ter decidido no sentido de negar ao Demandante Cível a indemnização a título de lucros cessantes correspondentes aos salários que o Demandante viria a auferir até a idade de 65 anos, não fosse o sinistro em causa.
13. Subsidiariamente, cabe sempre salientar, que no cálculo de tal indemnização deveria o douto Tribunal a quo ter em consideração a sua previsibilidade (art. 558º nº 2 do Código Civil), em particular a capacidade do Demandante Cível poder manter o posto de trabalho durante os 16 anos que ainda restariam até à sua reforma, bem como a potencialidade de um tal pagamento, de tão elevado, poder consubstanciar-se num situação de enriquecimentos sem causa (art. 467º e seguintes do Código Civil).
14. Por último, cabe referir que o douto Tribunal a quo não associou à sua decisão a prática de um prudente arbítrio ao arbitrar a quanto de MOP$800.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, com base na incapacidade, desconforto e sofrimento vividos pelo Demandante em virtude do acidente em discussão nos autos.
15. Pois que, considerando as concretas circunstâncias em ocorreu sinistro em discussão nos presentes autos e confrontando-as com os valões atribuídos pela jurisprudência do Venerando Tribunal de Segunda Instância, dever-se-á concluir que, objectivamente, o quantum indemnizatório em causa não deverá ultrapassar o montante de MOP$450.000,00.
16. Tendo o douto Acórdão recorrido, ao seguir tal orientação, violando o disposto nos artigos 487º e 489º nº 3 do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. certamente suprirão, deverá o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta.
O Ministério Público limitou-se a responder ao recurso interposto pelo arguido A, respeitante à parte penal, pugnando pelo provimento do recurso, por ter entendimento a dosimetria penal ter sido algo exagerado, não obstante a aplicação da suspensão da mesma.
Nesta instância, o Digno Procurador-Adjunto apresentou o seu douto parecer que se transcreve o seguinte:
Está em causa, relativamente à parte criminal, o recurso interposto pelo arguido (sendo que apenas nessa parte nos cumpre emitir parecer).
Nesse âmbito, controverte-se apenas a bondade da pena aplicada.
O recorrente pretende que a mesma seja reduzida para um quantum “nunca… superior a um ano de prisão.”
E o nosso Exmº Colega pronuncia-se em termos concordantes, chamando à colação as circunstâncias que militam em benefício do arguido.
Acompanhamos, em relação a essas circunstâncias, as suas judiciosas considerações.
Mas há que ter em conta, também, que o limite mínimo abstracto da pena aplicável corresponde, in casu, a 1 ano e 1 mês de prisão.
Daí que a respectiva medida concreta não possa deixar de ter uma redução menos acentuada.
Deve, em conformidade, na parte em questão, ser concedido parcial provimento ao recurso do arguido.
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juíze-Adjuntos.
Cumpre-se decidir.
À matéria de facto, foi dada assente a factualidade, que consta das fls. 367 a 368 dos autos.1
Há dois recursos respectivamente interpostos pelo arguido e a Companhia de Seguros B SARL, que levantando as seguintes questões:
Para o arguido A, por um lado, afigura-se excessiva a pena de dois anos de prisão a que foi condenado; por outro, a contabilização efectuada a título de perca de rendimentos atribuída ao ofendido deve ser aplicada as regras estabelecidas na alínea c) ponto 4º do nº 1 do art.º 47 do Decreto-Lei nº 40/95/M de 14 de Agosto, segundo as quais a indemnização por lucros cessantes do ofendido seria contabilizada através do seu salário-base multiplicado pelo coeficiente de desvalorização (neste caso 70%); por último, o valor encontrado pelo douto colectivo a título de danos não patrimoniais é demasiado elevado, de modo a considerar adequada a indemnização pelo “dano morte” à volta das MOP$450.000,00.
Para a Companhia de Seguros de Macau:
Por um lado, o acórdão do Tribunal a quo inquinou o vício de insuficiência de matéria de facto para a decisão de direito, quando tiver omitido a investigação de algum ou alguns factos integrantes do objecto do processo ou do tema probandum no processo, tais cimo os factos comprovativos de que, conforme a sua contestação e os documentos 1 a 19 juntos com esta e dos documentos 2 a 5 juntos com o Pedido de Indemnização Cível, o sinistro em discussão nos presentes autos foi simultaneamente de viação e de trabalho, devendo, uma vez que ter a Recorrente procedido ao pagamento de MOP$677.194,08 relativo às prestações em espécie e em dinheiro devidas pela reparação dos danos emergentes do acidente em discussão nos presentes autos, nos termos da apólice de seguros contra acidentes de trabalho e doenças profissionais, teria de ser concedido o direito de sub-rogação à Recorrente, operando-se a transferência de responsabilidade cível resultante do acidente de viação que é simultaneamente de trabalho;
Por outro, a indemnização arbitrada pelo Acórdão, a título de lucros cessantes pela perda de vencimentos até a idade de reforma é uma duplicação da prestação em dinheiro devida pela Incapacidade Permanente Parcial diagnosticada e ressarcida ao Demandante Cível no âmbito do proc. nº CV1-04-0004-LAE;
Ainda por outro, e subsidiariamente, no cálculo de tal indemnização deveria o douto Tribunal a quo ter em consideração a sua previsibilidade (art. 558º nº 2 do Código Civil), em particular a capacidade do Demandante Cível poder manter o posto de trabalho durante os 16 anos que ainda restariam até à sua reforma, bem como a potencialidade de um tal pagamento, de tão elevado, poder consubstanciar-se num situação de enriquecimentos sem causa (art. 467º e seguintes do Código Civil);
Por último, o Tribunal a quo não associou à sua decisão a prática de um prudente arbítrio ao arbitrar a quanto de MOP$800.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, com base na incapacidade, desconforto e sofrimento vividos pelo Demandante em virtude do acidente em discussão nos autos.
Vejamos.
1. Medida de pena
Na graduação judicial das penas em consequência do julgamento, o Tribunal ponderou todas as circunstâncias constantes dos autos conforme as regras da medida da pena previstas nos artigos 40º, 45º e 65º do Código Penal de Macau.
Sendo certo e como sempre consideramos, o Tribunal ponderará os elementos disponíveis para a determinação da pena conforme a regra referida no artigo 65º do CPM, de harmonia com a “Teoria da margem da liberdade” segundo a qual a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, e determinada em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites2, esta liberdade atribuída ao julgador na determinação da medida da pena não é arbitrariedade, é antes, uma actividade judicial juridicamente vinculada, uma verdadeira aplicação de direito.3
Em princípio, caso a pena de prisão aplicada ao recorrente fosse fixada dentro da moldura legal, a intervenção do Tribunal de recurso nesta área limitar-se-ia a censurar ao critério de aceitabilidade nos termos do princípio de proporcionalidade e de adequação, tendo em conta todos os factos assentes e ponderando todos os factores previstos no artigo 65º do CPM.
In casu, tendo embora provado que o arguido ora recorrente era primário e confessou sem reserva todos os factos da acusação, não se afigura ser manifestamente excessiva e desproporcional a pena de 2 anos de prisão, apesar da suspensão, contra a moldura legal de um ano e um mês a 3 anos de prisão (crime do artigo 142° n° 3, art.º 138º, al. c) do Código Penal com a gravação nos termos do n° 1 do artigo 66° do Código de Estrada), ponderando as circunstâncias das lesões causadas ao sinistrado e outros elementos constantes dos autos, bem assim a prognose do quadro geral do arguido resultante do julgamento na primeira instância, sob princípios da imediação e da oralidade.
Improcede-se assim o recurso nesta parte.
2. Insuficiência da matéria de facto provada
Nesta parte, a Seguradora recorrente impugnou a decisão pelo vício de insuficiência por ter omitido a investigação de algum ou alguns factos integrantes do objecto do processo, nomeadamente para resolver as questões levantadas na sua contestação e os documentos juntos aos autos o Pedido de Indemnização Cível: o sinistro em discussão nos presentes autos foi simultaneamente de viação e de trabalho.
Tem razão.
Conforme o que foi alegado pelo Recorrente na sua Contestação e consta dos documentos 1 a 19 juntos com esta e dos documentos 2 a 5 juntos com o Pedido de Indemnização Cível, o sinistro em discussão nos presentes autos foi simultaneamente de viação e de trabalho, ao que a Recorrente tinha procedido ao pagamento de MOP$677.194,08 relativo às prestações em espécie e em dinheiro devidas pela reparação dos danos emergentes do acidente, nos termos da apólice de seguros contra acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Ainda por cima, o demandante de indemnização cível pediu que se descontava a parte recebida da seguradora nos autos do acidente do trabalho.
Não obstante estes termos processuais ocorridos, o Tribunal a quo limitou-se a remeter para os factos não provados todos os restantes factos articulados no pedido de indemnização cível e na contestação que não se encontravam compatíveis com os factos provados.
Sabe-se que os factos comprovativos à existência do pagamento pela apólice de seguros contra o acidente do trabalho não são incompatíveis com os factos provados, devendo assim o Tribunal, quer dos factos não provados ou provados quer na sua fundamentação da decisão, pronunciar essa questão, como lhe cumpre apreciar, de que “o sinistro em discussão nos presentes autos foi simultaneamente de viação e de trabalho”. Com essa omissão da referência, podemos concluir que o Tribunal nem sequer ligar com esta questão, omitindo-se a investigar nela, pois, como nos autos que se sugere, invocar-se-ia a aplicação do disposto no artigo 58º do D.L. nº 40/95/M, quando ocorrer o acidente simultaneamente de viação e do trabalho, e teria de ser concedido o direito de sub-rogação à seguradora que tinha assumida a responsabilidade de indemnização conforme a apólice de seguros contra o acidente de trabalho e profissão.
Incorreu efectivamente no vício de insuficiência da matéria de facto provado previsto no artigo 400° n° 2 al. a) do Código de Processo Penal, por ter falta a investigação do objecto do processo. E perante este vício verificado, o tribunal de recurso não lhe é possível supri-lo, sem mecanismo da renovação de prova, que carece um prévio pedido.
Impõe-se assim o reenvio do processo, só da parte do pedido de indemnização cível, nos termos do artigo 418° do Código de Processo Penal, a proceder pelo Colectivo a compor pelos juízes que não tinha anteriormente intervenção no julgamento nos presente autos, para apurar os todos os factos comprovativos de o acidente ser simultaneamente de viação e do trabalho e resolver todas as questões de que lhe cumpria conhecer, e tomar nova decisão em conformidade, nomeadamente decidir o desconto da parte que foi efectivamente procedido o pagamento a título de seguros contra o acidente do trabalho e profissão.
Decidida esta questão de reenvio, cremos não obsta o conhecimento das restantes questões, pois, o Tribunal com o novo julgamento, limitando-se a apurar a existência do pagamento e consequente desconto da indemnização fixada ou a fixar a seguir.
Então continuemos.
3. Danos pelos lucros cessantes.
O dano patrimonial surge ou na forma de damnum emergens (diminuição efectiva do património) ou de lucrum cessans (frustração de um ganho).
Está em causa este último: o dano de lucro cessante. Este conceito, que se traduziria em perda de salário ou em perda de capacidade de ganho, pressupõe que, no momento da lesão, o lesado tinha o direito a uma percepção patrimonial que se frustrou, ou seja “a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho”.4
A indemnização desta parte opera-se no recebimento uma só vez, sendo contabilizada com a multiplicação do coeficiente de desvalorização, coeficiente este que seria fixado equitativamente, tendo em conta os números dos anos reclamados.
Tinha o sinistrado 49 anos de idade quando foi despedido após o acidente e por causa do acidente, em Julho de 2005, momento a parte do qual deveria ser contado o dano de lucros cessantes pela perda da capacidade de ganho, até à idade de 65 anos, sumindo-se 16 naos.
À esta perda, o sinistrado não chegou a receber até agora, por virtude da pendência do processo, a fixação da indemnização desta parte deve ponderar estes factores, pelo modo a subir o coeficiente da desvalorização, cremos ser adequado fixar em 85%.
Tinha salário de MOP$7000, a suma da perda de salário a título de lucros cessantes multiplicando o 85%, equivale ao MOP$1.142.400,00.
Procedem os recursos esta parte.
4. Danos morais
O princípio geral constante do artigo 562º do Código Civil (actual artigo 556) consiste em quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, devendo ainda, ao lado dos danos patrimoniais sofridos, ressarcir os danos não patrimoniais, que pela sua gravidade, a aferir segundo o critério do julgador, mereçam a tutela do direito são sempre ressarcíveis.
Trata-se do pretium doloris (ou “dinheiro da dor”) destinado a reparar o sofrimento, lesão de interesses de ordem espiritual sempre dependente do quantum doloris (grau de sofrimento físico e psíquico).
A indemnização será atribuída ao padrão de equitativo do julgador. O apelo a critérios de equidade tem em vista a encontrar no caso concreto a solução mais justa - aquele é sempre uma forma de justiça. Como diz o Prof. Castanheira Neves a "equidade - exactamente entendida não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um momento essencial de juridicidade.5
A jurisprudência também não deixa de acompanhar este entendimento, entende-se que há que procurar, através de um juízo de equidade entendia como a « justiça do caso concreto », ficcionando uma quantificação dos dores sofridas e assim neutralizando o sofrimento do ofendido.
Nesta conformidade o acórdão recorrido computou em $800.000,00 patacas o dano não patrimonial do lesado. Trata-se de montante que não peca pelo exagero, afigurando-se ser equilibrado na ponderação de um quadro de lesões constantes das fls. 78 e 80 dos autos, ou seja a consequente inconveniência causada por virtude da 3 operações tanto de fractura de costelas como da parte de quadril que ficou necrose e do uso do hip falso esquerdo.
Improcede o recurso nesta parte.
Da suma de, todos estes montantes fixados, com o restante montante que não constituiu o objecto do presente recurso, deve descontar a parte a apurar no novo julgamento já ordenado com o reenvio do processo.
Ponderado resta decidir.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em:
- Negar provimento ao recurso do arguido.
- Quanto à parte do pedido de indemnização cível, procedendo parcial dos recursos, com o reenvio do processo para novo julgamento nos exactos termos acima consignados.
Custas da parte penal pelo arguido e da parte cível pelo vencido a final.
RAEM, aos 3 de Abril de 2014
_________________________
Choi Mou Pan
(Relator)
_________________________
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(Mantendo o que venho entendendo em matéria de “indemnização dos danos não patrimoniais”, e sem se olvidar que os montantes para tal devem reflectir os índices da inflação, sou de opinião que se podia reduzir o quantum fixado).
_________________________
Chan Kuong Seng
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Tem seguinte versão chinesa:
- 於2003年5月3日,早上約6時許,嫌犯A駕著車牌號碼ME-XX-X6輕型汽車在XX大馬路行駛,方向由XX街向XX酒店,車上載著其兩名朋友D和E。
- 當時,受害人C也駕駛著車牌號碼MC-XX-X3重型電單車在上述路面左邊車道上、及在嫌犯前方行駛。
- 當駛近XX前地時,由於車速過高,嫌犯A駕駛的車汽車突然失控打滑,於是嫌犯急忙扭軚,欲控制車輛,這時,汽車的右邊車身撞向受害人C所駕駛的電單車,使受害人連人帶車翻倒地上,及在馬路上翻滾。
- 接著,嫌犯所駕駛的車輛繼續失控撞向設置在道路上的三個交通符號及一枝鐵柱,最後,車輛撞向海邊的石礐後才停下。
- 這次碰撞,造成受害人C受到本案卷第80頁臨床法醫學意見書所記載及驗明的傷害,其傷患符合《刑法典》第138條c)項所規定的嚴重損害,使其長期患病超過三十日,有關傷勢被視為全部轉錄到本控訴書內。
- 這次交通意外亦造成上述公共道路上的物品損毀的金額為澳門幣二千四百零八元。
- 在意外發生時,正在下微雨,路面濕滑,交通密度普通。
- 嫌犯以過高速度行駛,故其車輛不能在可用及可見空間停下及避開在正常情況可以預見的任何障礙物。
- 嫌犯不小心駕駛及沒提高警覺,以避免交通意外發生。
- 嫌犯亦明知上述行為會被法律所不容及制裁。
- 嫌犯為收銀員,月薪為澳門幣8,000元。
- 嫌犯未婚,需供奉母親。
- 嫌犯毫無保留地承認全部事實,為初犯。
- 輔助人C於意外發生前於XX保安物業管理有限公司任巡更(由2001年5月4日上任直至2005年7月31日止),收取月薪澳門幣7,000元。
- 是次交通意外,導致輔助人損失澳門幣5,103.60元的醫療費用。
- 另外,亦導致輔助人不良於行,因此,共損失澳門幣800元的交通費。
- 輔助人於2005年7月分遭受解僱時為49歲,月薪為澳門幣7,000元,意外除導致遭受傷殘外更使其失去了一份穩收入的工作,按現時一般平均退休年齡65歲計算,輔助人如非遇上交通意外,以解僱前的收入$7,000元計(還未計算通脹),其到65歲時應可獲得之總收入達澳門1,344.000元(16年x 12月=192月x$7,000元=$1,344,000元)。
- 載於卷宗第127至139頁之民事賠償請求第17條、第18條、第25條、第26條、第27條及第31之事實。
- 由編號ME-XX-X6的車輛造成的交通事故所引起的第三者民事責任已透過編號LFH/MPC/2003/0XXXX2之保險單轉移予B保險有限公司。
未經證明之事實:
- 載於民事請求及答辯狀其餘與已證事實不符重要之事實,尤其是:
- 載於卷宗第127至139頁之民事賠償請求第23條、第24條及第30條之事實。
事實之判斷:
- 本合議庭綜合分析了嫌犯在審判聽證中對被歸責的事實作出完全及毫無保留的自認、證人F在審判聽證所作之證言、山頂骨科醫生G及H醫生詳細講述了輔助人之傷勢、在審判聽證中審查之交通意外現場之交通圖、相片、輔助人之醫療報告,以及其他證據後認定上述已證事實。
2 Citam-se para todos os Ac. do TSI de 3 de Fevereiro de 2000 do Processo nº 2/2000, de 15 de Junho de 2000 do processo nº 96/2000.
3 Ac. do TSI de 3 de Fevereiro de 2000 do Processo nº 2/2000.
4 Cfr. Prof. Voz Serra, in “Obrigação de Indemnização”, BMJ.84-12.
5 Vide Dario de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., pág. 505 e seg.s
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TSI –933/2010 Página 24