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Processo nº 208/2014 Data: 11.04.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.



SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.



O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 208/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 67 a 75 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).


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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 77 a 80).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, considerando também que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 87).

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Nada obstando, passa-se a decidir.

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Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 19.07.2013, foi, A, natural de TOI SAN (R.P.C.), sem residência fixa em Macau e ora recorrente, condenado na pena de 1 ano e 9 meses de prisão pela prática de 1 crime de “roubo”;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.M. em 17.12.2012, e em 17.02.2014, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 17.09.2014;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar ao seio da sua família, em TOI SAN.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 17.12.2012, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2013, Proc. nº 177/2013, de 25.04.2013, Proc. nº 213/2013 e o de 20.06.2013, Proc. n.° 350/2013).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido afirmativo deve ser a resposta.

Vejamos.

Já aquando do seu julgamento, confessou o ora recorrente que cometeu o crime de “roubo” pelo qual foi condenado por se encontrar “desorientado”, após perder todo o dinheiro que tinha no jogo, (assim tendo ficado “provado”).

Nesta conformidade, sendo que era “primário” antes da condenação em questão, arrependido que também está em relação à sua conduta – cfr., cartas pelo recorrente remetidas aos autos – e tendo o apoio da sua família, (que o tem visitado), viável se nos afigura o juízo de prognose favorável; (cfr., al. a) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M.).

Por sua vez, (e não se olvidando o tipo de crime cometido, mas) tendo em conta o período da pena que já cumpriu, (1 ano e 4 meses), e que ainda lhe falta cumprir, (cerca de 5 meses), cremos também que se pode dar como verificado o pressuposto da alínea b) do n.° 1 do mencionado art. 56° se ao recorrente for fixado o dever de não regressar a Macau no período que lhe falta cumprir e estiver em liberdade condicional; (cfr., art. 50° do C.P.M.).

Assim, em face das expostas considerações, verificados estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1, alíneas a) e b) do C.P.M., resta decidir pelo provimento do presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar procedente o recurso, concedendo-se a pretendida liberdade condicional e fixando-se ao recorrente o dever de não regressar a Macau enquanto se encontrar em tal situação processual.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Sem tributação.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500,00.

Oportunamente, e para os efeitos tidos por convenientes, remeta-se cópia do presente acórdão ao C.P.S.P..

Notifique e registe.

Macau, aos 11 de Abril de 2014
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (vencido, nos termos da declaração ora junta).


Declaração de voto ao Acórdão de 11 de Abril de 2014 do
Tribunal de Segunda Instância no
Processo n.º 208/2014
Discorda o signatário da decisão feita no Acórdão hoje proferido por este Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos recursórios penais n.o 208/2014, por entender que seria de louvar a decisão recorrida de não concessão da liberdade condicional, atentas as elevadas exigências da prevenção geral do crime de roubo, quando praticado por um indivíduo, tal como o recluso ora recorrente, na qualidade de trabalhador não-residente em Macau, depois de ter perdido dinheiro nos jogos de fortuna e azar, contra uma senhora solitariamente transeunte em via pública às duas horas e tal da manhã em Macau, ainda que o agente do crime não tenha tido aqui antecedentes criminais e tenha confessado integralmente e sem reservas os factos na audiência de julgamento então realizada, confissão essa que não deveria relevar para a formação de juízo de valor em sede da decisão da liberdade antecipada, já que ele, após praticado o roubo, foi perseguido e finalmente apanhado por outrem.
Macau, 11 de Abril de 2014.
O primeiro juiz-adjunto, Chan Kuong Seng
Proc. 208/2014 Pág. 12

Proc. 208/2014 Pág. 11