Processo nº 775/2013
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 10/Abril/2014
Assunto: Absolvição do pedido
SUMÁRIO
- Tendo-se limitado a apreciar na decisão recorrida um dos pedidos formulados na petição inicial, com fundamento na sua inviabilidade, a acção nunca pode terminar com a absolvição de todos os pedidos, e a consequente extinção da instância.
- Ainda que se conclua pela inviabilidade de um dos pedidos, mas não tendo o mesmo sido indeferido no despacho liminar, com fundamento na sua manifesta improcedência, e encontrando-se os autos ainda na fase dos articulados, em regra, tanto o conhecimento das excepções e nulidades processuais suscitadas nos articulados, como a apreciação dos pedidos, só podem ter lugar quando terminar esta fase processual, isto é, no momento em que se procede a saneamento e preparação do processo.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 775/2013
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 10/Abril/2014
Recorrente:
- A, Limitada
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, Limitada, Autora no processo de acção ordinária a correr termos no Tribunal Judicial de Base da RAEM, inconformada com a decisão que absolveu os Réus do pedido, vem interpor o presente recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
- Entende o douto Tribunal a quo que nos presentes autos de Acção Ordinária que a julgou improcedente por considerar que o pedido formulado pela A. padece de um vício de erro na forma de processo, por entender que a alteração do título modificativo da propriedade horizontal do Edifício B poder ser feita mediante deliberação tomada pela unanimidade de condóminos de todo o condomínio.
- Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende a autora, ora recorrente, que a Mma Juíz a quo, da forma como decidiu, fez uma errada aplicação das normas legais aplcáveis in casu.
- Porque a Mma Juiz a quo não conheceu o pedido principal formulado pela A. que consistia em ser declarada titular do direito de propriedade da área de estacionamento do edifício B, por a ter adquirido por usucapião.
- O modo para formular o pedido para A. ser reconhecida titular do direito de propriedade da área de estacionamento do edifício B é a acção declarativa de simples apreciação prevista no artigo 11º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil.
- Portanto, não existe um erro na forma de processo, conforme a Mma Juiz “a quo” mencionou no despacho que absolveu os réus do pedido.
- Mesmo que tivesse havido um erro na forma do processo conforme estipula o artigo 145º do Código de Processo Civil, o despacho o proferir pela Juiz “a quo” deveria ter sido o de indeferimento liminar ou absolvição da instância.
- Logo, o modo que a recorrente utilizou para que o Tribunal “a quo” a reconhecesse como titular do direito de propriedade da área de estacionamento do edifício B por usucapião nos termos do artigo 1221º do Código Civil, é a acção declarativa de simples apreciação prevista nos termos do artigo 11º n.º1 alínea a) do Código de Processo Civil.
- Deverá o Venerando Tribunal de Segunda Instância, anular o despacho de absolvição dos réus do pedido e mandar a acção dos presentes autos prosseguir os seus termos e incidentes até ao final.
Concluindo, pede que se dê provimento ao recurso, e em consequência, ordenando-se o prosseguimento dos respectivos termos processuais até final.
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Cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Assente está a seguinte factualidade que interessa para a decisão do recurso:
A 29 de Setembro de 2010, a recorrente intentou uma acção declarativa na forma ordinária contra todos os condóminos e residentes no Edifício B, pedindo que se declare a Autora titular do direito de propriedade da área de estacionamento do edifício B, e se condene os Réus a reconhecerem esse direito e a deliberarem, em assembleia geral expressamente convocada para o efeito, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, por forma a que a área do estacionamento do mencionado edifício passe a constituir uma fracção autónoma.
Por despacho de 01.02.2011, foi ordenada a citação dos Réus.
Ainda na fase de citação, proferiu o Tribunal a quo, a 23.04.2013, o seguinte despacho:
“Nos presentes autos, a A, Limitada, vem intentar contra todos os condóminos e residentes no Edifício B, que se encontram mencionadas na relação, com excepção da fracção autónoma R do rés-do-chão, em virtude desta pertencer ao gerente da sociedade A, C, pedindo que a A. deve ser declarada titular do direito de propriedade da área de estacionamento do Edifício B, condenando-se os RR. a reconhecerem esse direito e a deliberarem, em assembleia geral expressamente convocada para o efeito, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, por forma a que a área do estacionamento do mencionado edifício passa a constituir uma fracção autónoma. Foi junta a certidão do registo predial do prédio a fls. 95 e ss., não foi registada a área de estacionamento na constituição da propriedade horizontal na certidão do registo predial.
Foi ordenada a citação.
Nos termos dos artigos 1315º e 1321º do CC
Artigo 1315º
(Objecto da propriedade horizontal)
1. Podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do condomínio ou para a via pública.
……
Artigo 1321º
(Modificação do título)
1. O título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado mediante deliberação tomada pela unanimidade dos condóminos de todo o condomínio, ou excepcionalmente do respectivo subcondomínio, nos termos da alínea e) do artigo 1367º, devendo essa deliberação, em qualquer dos casos, constar de documento com as respectivas assinaturas reconhecidas; a inobservância do disposto nos artigos 1314º e 1315º importa a nulidade da deliberação e a aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto no n.º 3 do artigo 1316º.
2. Se faltar a unanimidade, mas a proposta de modificação houver obtido o voto favorável de condóminos que representem, pelo menos, dois terços do valor total do condomínio ou do subcondomínio, consoante os casos, pode solicitar-se ao tribunal o suprimento do acordo dos restantes condóminos.
3. O suprimento referido no número anterior nunca será dado em violação do disposto na lei ou de interesses ponderosos dos condóminos que não deram o seu consentimento.
4. No que diga respeito aos elementos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo anterior, a regra da unanimidade prevista no n.º 1 é substituída pela da maioria representativa do valor.
5. As modificações do título constitutivo relativas à destinação das partes comuns ficam sujeitas ao regime fixado no artigo 1334º; ao mesmo regime ficam sujeitas as modificações relativas à destinação das partes próprias, com a diferença de que dependem também do acordo dos respectivos titulares.
Compulsados melhor os elementos dos autos, algumas pessoas, alegadamente residentes do prédio referido faleceram. Após nova análise da petição inicial, a A. não deve formular o pedido na presente acção, porque nos termos do artigo 1321º, n.º 1 do CC, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado mediante deliberação tomada pela unanimidade dos condóminos de todo o condomínio. A A. pode tentar conseguir a sua pretensão na assembleia dos condóminos ou através de outros meios legais, e não através da presente acção. Tendo em conta o princípio da economia processual e o artigo 87º do CPC, determino a cessação da citação. Pelo exposto, absolvo os RR. do pedido (artigo 429º, n.º 1, al. b) do CPC).
Custas pela A.
Não se mostra necessário conhecer do requerimento formulado a fls. 1409.
Fique sem necessidade o conhecimento ou decisão de outras questões.
Notifique e D. N.”
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É esta a decisão recorrida.
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É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
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Entende o Tribunal a quo que nos termos do nº 1 do artigo 1321º do Código Civil, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado mediante deliberação tomada pela unanimidade dos condóminos de todo o condomínio, podendo assim a Autora ora recorrente tentar conseguir a sua pretensão na assembleia dos condóminos ou através de outros meios legais, e não deve formular o pedido nesta acção, razão pela qual decidiu absolver os Réus do pedido, nos termos do artigo 429º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil.
Segundo a recorrente, entende que o Tribunal a quo só se pronunciou sobre a segunda parte do pedido formulado que consistia na modificação do título da propriedade horizontal do edifício B, e não conheceu do pedido principal formulado pela Autora que consistia em ser declarada titular do direito de propriedade da área de estacionamento do edifício B por a ter adquirido por usucapião, cuja acção segue os termos do processo declarativo na forma ordinária.
Acresce ainda que, mesmo que tivesse havido erro na forma de processo, deveria ter sido proferido apenas despacho de indeferimento liminar ou de absolvição de instância.
Vejamos.
A questão que se coloca neste recurso é saber se a decisão de absolvição dos Réus do pedido foi correctamente proferida.
No caso vertente, decidiu o Tribunal a quo absolver os Réus do pedido, nos termos do artigo 429º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, por entender que a Autora não devia formular o pedido nesta acção, antes devia recorrer a outros meios legais para lograr a sua pretensão, designadamente através de tomada de deliberação em assembleia dos condóminos.
Preceitua o nº 1 do artigo 429º do Código de Processo Civil de Macau que, terminada a fase dos articulados, o juiz deve proferir despacho saneador destinado a conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais (alínea a)), ou, conhecer do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais prova, a apreciação do pedido ou dos pedidos ou de alguma excepção peremptória (alínea b)).
Neste último caso, tanto pode o Tribunal condenar o réu no pedido como pode absolvê-lo do pedido.
Diz-se condenação do réu no pedido quando a sentença dá total ou parcialmente acolhimento ao pedido do autor, e absolvição do réu do pedido quando a sentença, pronunciando-se sobre o mérito da causa, rejeita o pedido do autor na acção.
No caso sub judice, embora não se tenha exprimido de forma muito clara, mas atentos os fundamentos legais aí expostos na decisão, crê-se que o Tribunal a quo teria absolvido os Réus do pedido com fundamento na inviabilidade da pretensão da Autora, porventura no tocante à questão de fundo.
Na presente acção, a Autora formulou dois pedidos:
- Pedido de reconhecimento da Autora como titular do direito de propriedade da área de estacionamento do edifício B, e
- Pedido de condenação dos Réus a reconhecerem esse direito e a deliberarem, em assembleia geral expressamente convocada para o efeito, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, por forma a que a área do estacionamento do mencionado edifício passe a constituir uma fracção autónoma.
De facto, o Tribunal a quo limitou-se a apreciar o segundo pedido e decidiu, com fundamento na sua inviabilidade, absolver os Réus do pedido.
E em relação ao primeiro pedido? Nada se pronunciou.
Daí que, mesmo que considere inviável o segundo pedido, a acção nunca pode terminar com a absolvição de todos os pedidos, e a consequente extinção da instância.
Na verdade, no tocante ao primeiro pedido, a Autora formulou contra os Réus pedido de aquisição de titularidade do direito de propriedade da área de estacionamento por efeito de usucapião, e correcta está a forma de processo utilizada pela Autora, para além de que o Tribunal a quo nunca se pronunciou sobre o mérito da causa, mal andou o Tribunal a quo ao absolver os Réus desse pedido.
No que concerne ao segundo pedido, importa salientar que, ainda que se conclua pela inviabilidade do pedido, mas não tendo o mesmo sido indeferido no despacho liminar, com fundamento na sua manifesta improcedência, e encontrando-se os presentes autos ainda na fase dos articulados, em regra, tanto o conhecimento das excepções e nulidades processuais suscitadas nos articulados, como a apreciação dos pedidos, só podem ter lugar quando terminar esta fase processual, isto é, no momento em que se procede a saneamento e preparação do processo.
Pelo que se disse, sem necessidade de delongas considerações, julgamos procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, devendo a acção prosseguir os seus ulteriores termos processuais se outro fundamento não há que impeça o seu andamento.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente A, Limitada, revogando-se a decisão recorrida, devendo a acção prosseguir os seus ulteriores termos processuais se outro fundamento não há que impeça o seu andamento.
Sem custas nesta instância.
Registe e notifique.
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Macau, 10 de Abril de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
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Processo 775/2013 Página 12