Processo nº 157/2014
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 30/Abril/2014
Assunto: Suspensão de deliberação social
Impugnação da matéria de facto
SUMÁRIO
- A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outras situações, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa.
- Reapreciada e valorada a prova de acordo com o princípio da livre convicção, se não conseguir chegar à conclusão de que a prova carreada aos autos pela requerente da providência cautelar, a quem compete o ónus de prova, ser suficiente para permitir a alteração da resposta dada à matéria de facto, deve ser negado provimento ao recurso.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 157/2014
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 30/Abril/2014
Recorrente:
- A Limited (Requerente)
Recorrida:
- B Limitada (Requerida)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Limited deduziu procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberação social junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM contra B Limitada, pedindo que se decrete a suspensão da execução da suposta deliberação tomada na reunião da Assembleia Geral realizada em 30 de Maio de 2013, na parte relativa à remuneração e indemnização dos directores executivos da sociedade requerida.
Por decisão proferida pelo Tribunal a quo, foi indeferida a providência requerida pela recorrente, com fundamento na caducidade, precisamente por ter aquela sido deduzida fora do prazo legalmente previsto.
Inconformada com a decisão, dela vem a requerente recorrer para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
A. Dos factos que o tribunal a quo deu por provados, - e que aqui se dão por reproduzidos, - importa o que, sob a parágrafo L., afirma que «A proposta de deliberação da remuneração para os directores executivos da sociedade requerida foi colocada à discussão das sócias e submetida a subsequente votação, tendo a sócia C votado favoravelmente, enquanto a requerente se absteve de manifestar o seu sentido de voto.»
B. Com efeito, tal asserção permitiu ao Tribunal a quo concluir pela extemporaneidade do requerimento de suspensão de deliberação social, apresentado que foi mais de dois meses após a data da realização da reunião da assembleia geral, que teve lugar em 30 de Maio de 2013.
C. Contudo, e como igualmente se deu por provado, «Só em 6 de Agosto de 2013 tomou a Requerente conhecimento da versão definitiva da acta» (parágrafo W. dos factos provados).
D. Só com a recepção da versão definitiva da acta, em 6 de Agosto, teve a Requerente e ora Recorrente conhecimento de que a mesma incluía a título definitivo a suposta deliberação sobre a remuneração dos directores executivos.
E. Razão pela qual, só a partir da data de 6 de Agosto de 2013 poderia começar a correr o prazo de 10 dias para requerer a suspensão da putativa deliberação, - donde dever concluir-se pela sua tempestividade.
F. Como refere a decisão recorrida, a matéria que gera mais controvérsia entre as partes é a de saber se no dia 30 de Maio de 2013 foi efectivamente submetida à votação a proposta de fixação das remunerações para os directores executivos, sendo certo que nenhuma das testemunhas depôs sobre esta questão.
G. Portanto, a decisão a quo formulou o juízo supra transcrito (parágrafo L. dos factos provados), no sentido de que houve votação (do ponto 2. Da ordem de trabalhos a respeito da remuneração dos directores executivos) com base, pura e simplesmente, na força probatória da acta, - percurso intelectivo que, com o devido respeito, se afigura viciado, através de um raciocínio circular, consubstanciando autêntico erro de julgamento. Pois o mesmo é dizer que a acta é verdadeira por que relata a verdade, e relata a verdade porque é verdadeira!...
H. Aparentemente a livre convicção do Tribunal a quo formou-se tão só a partir do seguinte aspecto mínimo: «No nosso entender, os correios electrónicos a fls. 44 a 57 não têm a virtualidade para demonstrar que durante a assembleia geral não houve uma votação». E porquê? Porque «seria de esperar que o representante da requerente suscitasse logo a falsidade no seu correio electrónico de 28 de Junho de 2013, o que não aconteceu.»
I. A isto há a rebater que quando a ora Recorrente produziu o aludido correio electrónico de 28 de Junho de 2013 ainda não tinha sido confrontada com a acta, mas sim com um seu «rascunho» - como, aliás, se deu por provado na douta sentença (cfr. parágrafo R.: «Em correio electrónico do mesmo dia, 28 de Junho de 2013, o secretário confirmou expressamente que a minuta da acta que anexara à sua comunicação anterior (de 25 de Junho) era tão só um rascunho da acta, (…)»)
J. Ademais, perante tal «rascunho» da acta, a Recorrente imediatamente objectou «por constatar que a mesma não reflectia fielmente as discussões havidas e as votações tomadas na assembleia» [não sublinhado no original], (cfr. parágrafo P. dos factos provados).
K. Donde se constata não corresponder inteiramente à realidade, e, portanto, não ser admissível a conclusão da sentença recorrida de que o representante da requerente não suscitou logo a falsidade no seu correio electrónico de 28 de Junho de 2013.
L. Pois então, quando o representante da Recorrente no tal correio electrónico de 28 de Junho objectou porque, nomeadamente, o «rascunho» da acta não reflectia fielmente as votações tomadas (parágrafo P. dos factos provados) que quer significar senão isso mesmo? i.e., que a acta é falso?! É esse o sentido próprio do contexto semântico do documento. Pois dizer que a minuta da acta não reflecte as votações tomadas é o mesmo que dizer que a mesma é falsa!
M. Quando o meritíssimo juiz a quo segue diferente via de raciocínio está, julga-se com o devido respeito, a extravasar do que lhe é admitido segundo o princípio da livre convicção na apreciação da prova. Pois, se o facto da votação ou não da deliberação sobre a remuneração dos directores executivos, só com base nos documentos pôde formular um juízo.
N. E no que aos documentos concerne, para além do aludido email de 28 de Junho de 2013, bastamente citado na sentença, no qual a Recorrente objectou por a minuta da acta não reflectir fielmente as discussões havidas e as votações tomadas, também no seu correio electrónico de 9 de Julho de 2013, a fls., o representante da Recorrente se referiu ostensivamente à proposta de deliberação da remuneração dos directores executivos, indiciando muito claramente que, - certamente em consequência das tais discussões havidas e que a minuta não reflectiu fielmente! (cfr. novamente a parágrafo P. dos factos provados), - não foi posta à votação.
O. Efectivamente, atente-se que no referido email, o representante da Recorrente refere-se de modo ostensivo (por 5 [cinco] vezes), a «proposta» (“proposals”, “proposal”, “proposed”), e nunca a «deliberação» ou «votação»! Tal facto, por persistente, bem demonstra que não houve deliberação, não tendo a questão da remuneração da direcção passado de mera proposta (não votada).
P. Portanto, se a douta sentença recorrida se sustentou nos documentos para formular um juízo indiciário, não se percebe como o formulou no sentido de que as objecções da Recorrente não passaram de meras, embora constantes, «oposições».
Q. De sublinhar que em face das tais «oposições» da Recorrente (que são, obviamente, bem mais do que oposições) a Recorrida, essa sim, nunca se insurgiu! Nunca veio asseverar claramente que a minuta da acta ou a acta eram verdadeiras (senão já em sede judicial).
R. Em vez disso, o que se sabe é que veio admitir que a minuta apresentada quase um mês após a realização da reunião da assembleia geral era mero «rascunho».
S. Apesar disso, após outro mês transcorrido, veio apresentar à Recorrente um facto consumado: afinal, o «rascunho» tornou-se definitivo!
T. Tal situação – que conforme se exarou nos factos provados (cfr. parágrafo V.), gerou na Recorrente «confusão, resultante da discrepância das afirmações destes» [ambos os directores executivos da Recorrida], - configura conduta desleal, típica de venire contra factum proprium, defraudadora da confiança gerada na Recorrente.
U. Perante o cenário descrito, o normal e expectável era – ao nível indiciário e no contexto jurídico-processual de uma providência cautelar, - que o Tribunal julgasse plausível e, portanto, indiciariamente provado, que a acta é falsa – porque não reproduz fielmente as discussões havidas e as votações tomadas (parágrafo P. dos factos provados), - e assim a considerasse destituída de valor probatório.
V. Efectivamente, a conduta dos seus redactores, que deram o dito por não dito, é bem mais de molde a gerar suspeição do que confiança sobre a veracidade da acta.
W. Portanto, a douta decisão recorrida errou ao considerar provado que que a proposta de remuneração para os directores executivos da sociedade requerida foi colocada à discussão das sócias e submetida a subsequente votação (fls. 222).
X. Admite-se, obviamente, que ficou provado que a proposta de remuneração para os directores executivos da sociedade requerida foi colocada à discussão das sócias. Contudo, já não se admite, por tudo o supra exposto, que foi submetida a subsequente votação.
Y. Daí que, reafirma-se, o representante da Recorrente de imediato tenha refutado a minuta da acta porque esta não reflectia fielmente as discussões havidas e as votações tomadas (parágrafo P. dos factos provados).
Z. E não se diga ser irrelevante a objecção da Recorrente, na medida em que detendo a outra sócia (C) posição maioritária na sociedade requerida (B), sempre poderia fazer aprovar qualquer deliberação a que se propusesse. Pois, embora sendo certa, esta não é verdadeiramente a questão.
AA. A questão é que a ora Recorrente só em 6 de Agosto de 2013 tomou conhecimento da acta da reunião, e só por via da acta ficou a saber que havia sido votada deliberação sobre a remuneração da direcção executiva. Ora, querendo reagir sobre uma deliberação que sempre julgou não ter sido aprovada, porque não passara de mera proposta que não chegou a ser posta à votação na reunião de 30 de Maio de 2013, só a partir de 6 de Agosto poderia tê-lo feito!
BB. Portanto, tudo se passou como se a putativa deliberação fosse tomada em 6 de Agosto de 2013, pelo que os presentes autos de providência cautelar de suspensão de deliberação social só a partir dessa data poderiam ter sido intentados, pelo que são tempestivos, uma vez que respeitaram o termo legal de 10 dias. Só neste contexto se pode entender a correspondência trocada entre as partes após 30 de Maio de 2013, e a respeito da redacção da acta da reunião.
CC. Senão atente-se na seguinte hipótese: imagine-se que, num rebate de consciência, os directores executivos da requerida, que em representação da sócia C alegadamente votaram a deliberação em crise, sobre as suas próprias remunerações (no âmbito do ponto 2 da ordem de trabalhos), decidissem, em resultado das objecções da Recorrente, corrigir a minuta da acta, para que nesta passasse a constar não ter havido votação sobre o ponto 2 da ordem de trabalhos?!... Isto, em respeito pela verdade, é o que deveria ter acontecido.
DD. Ao invés, sucedeu que fizeram do tal «rascunho» um “facto consumado” que, com o beneplácito da douta sentença recorrida, foi transformado em “verdade”. Mas, o valor probatório da acta não pode considerar-se valor inexpugnável, especialmente em situações como a presente, em que as únicas pessoas presentes foram os representantes das sócias, não se encontrando ninguém mais na sala.
EE. Ora, sem quaisquer testemunhas, e apenas com base em documentos onde uma sócia se insurge contra a acta e a outra sócia diz que se trata apenas ainda de um rascunho, que depois vem dar por definitivo, não se percebe como continuar a atribuir-lhe tão elevado valor probatório. Pois, em face dos aludidos documentos (a correspondência electrónica tricada entre as partes) o que deveria era admitir-se, ainda que indiciariamente, não estar provado que a acta retrate fielmente a realidade do que ocorreu na respectiva reunião e, portanto, ainda que indiciariamente, considerá-la falsa.
FF. A não ser assim, caímos num cenário kafkiano, em que a Recorrente antes de 6 Agosto não reagiu porque estava na expectativa de que a acta fosse, na sua versão final, diferente. Não tinha, portanto ainda razões para reagir. Quando finalmente lhe é comunicada a versão definitiva da acta, já não pode reagir porque … deveria tê-lo feito antes de conhecer a acta!
GG. É este problema circular idêntico e intimamente ligado à circularidade do raciocínio (portanto, viciado) da decisão a quo, conforme supra referido.
HH. O risco é a prepotente supremacia da acta, pela possibilidade da tomada de decisões fraudulentas e impunes.
*
Notificada para responder, apresentou a requerida resposta mas foi ordenado o seu desentranhamento por ter sido apresentado fora do prazo.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
A requerida é uma sociedade comercial por quotas, de responsabilidade limitada, cujo objecto social consiste no exercício de actividades relativas à publicação de listas telefónicas, exploração dos bancos de dados que lhe são afins e prestação de serviços de internet, e outras actividades relacionadas, incluindo operações de comércio externo. (A)
São sócios da sociedade requerida a requerente, A LIMITED, titular de uma quota social no valor nominal de MOP$2.940.000,00 (dois milhões novecentas e quarenta mil patacas), correspondente a 49% do capital social, e a C LIMITADA, por sua vez titular de uma quota no valor nominal de MOP$3.060.000,00 (três milhões e sessenta mil patacas), correspondente a 51% do capital social da requerida. (B)
Nos termos dos respectivos estatutos, a administração e gestão dos negócios da requerida, e a sua representação, competem a um conselho de administração, ou direcção, composto por sete membros, eleitos pela assembleia geral, sendo dois deles directores executivos. (C)
Em 30 de Maio de 2013, pelas 12 horas, teve lugar a assembleia geral ordinária, anual, da sociedade requerida, no local da sua sede social, presidida pelo director executivo da requerida, senhor D que nesta assembleia geral interveio na qualidade de representante à assembleia geral nomeado pela sócia C, e secretariada pelo também director executivo, senhor E que interveio na qualidade de secretário nomeado para o efeito pelos sócios. (D)
Com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponte 1 – Aprovação das contas do exercício de 2012, conforme proposta da direcção;
Ponte 2 – Aprovação da remuneração dos membros da direcção. (E)
Ambas as sócias, C e A, se fizeram validamente representar na aludida reunião da assembleia geral. (F)
Posto a votação, o ponto 1 da ordem de trabalhos foi aprovado, sem o voto favorável da ora requerente, A, por aguardar informação adicional respeitante às contas do exercício de 2012. (G)
No que ao ponto 2 da ordem de trabalho concerne, em sede de discussão, foi expressa pela C a opinião de que era razoável estabelecer uma remuneração para os directores executivos, senhores D e E, em montante similar ao anteriormente pago aos mesmos directores (ao abrigo de contrato de trabalho), apresentando como justificação a boa performance da sociedade. (H)
Sequentemente, foi proposto pela C aprovar a remuneração mensal para cada um dos mencionados directores executivos, no montante de MOP$100.000,00 (cem mil patacas), acrescido de outros benefícios, nomeadamente fiscais. (I)
Foi igualmente proposto pela C que as aludidas remunerações se tornassem efectivas a partir das datas dos términos dos respectivos contratos de trabalho, ao abrigo dos quais os mencionados directores executivos têm vindo a ser retribuídos, i.e., com início em 1 de Setembro de 2013 para o director executivo, senhor E; e com início em 1 de Janeiro de 2014 para o director executivo, senhor D. (J)
Por último, foi proposto pela C que os mencionados directores, nomeados ou em funções por tempo indeterminado, recebessem uma compensação nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 387º do Código Comercial, caso viessem a ser destituídos sem justa causa. (K)
A proposta de deliberação da remuneração para os directores executivos da sociedade requerida foi colocada à discussão das sócias e submetida a subsequente votação, tendo a sócia C votado favoravelmente, enquanto a requerente se absteve de manifestar o seu sentido de voto. (L)
Relativamente ao ponto 2 da ordem de trabalhos, foi também votada, por unanimidade, a proposta de manutenção da remuneração anual dos directores não executivos, no montante de MOP$12.000,00 (doze mil patacas). (M)
Após a realização da mencionada reunião ordinária da assembleia geral não foi imediatamente elaborada a respectiva acta. (N)
Em 25 de Junho de 2013, cerca de um mês após a realização da reunião da assembleia geral, o secretário enviou por correio electrónico a minuta da aludida acta à sócia ora requerente. (O)
Em 28 de Junho de 2013, em resposta ao secretário, e também por correio electrónico, a requerente objectou relativamente à minuta da acta, por constatar que a mesma não reflectia fielmente as discussões havidas e as votações tomadas na assembleia. (P)
Na mesma comunicação electrónica a requerente solicitou ao secretário que confirmasse que a aludida minuta era apenas um rascunho da acta, e que esta não havia sido ainda formalmente lavrada no livro de actas. (Q)
Em correio electrónico do mesmo dia, 28 de Junho de 2013, o secretário confirmou expressamente que a minuta da acta que anexara à sua comunicação anterior (de 25 de Junho) era tão só um rascunho da acta, e solicitou à requerente que apresentasse os seus comentários e propostas de revisão para consideração. (R)
Consequentemente, em 9 de Julho de 2013, a requerente endereçou ao secretário novo correio electrónico, onde, em síntese, reclamava da
(i) desproporção da distribuição de lucros em favor da C, em detrimento da sócia A;
(ii) por via da proposta unilateral da C em estender, por tempo indeterminado, pagamentos da Requerida B aos próprios directores da C em valores cujo total é aproximadamente 24 (vinte e quatro) vezes superior aos lucros de exercício da sociedade;
(iii) propondo, por sua vez, que, em alternativa, os pagamentos passassem a ser feitos através do mecanismo apropriado da distribuição de dividendos, ou reembolsos de suprimentos ou prestações suplementares aos sócios, na proporção das respectivas participações sociais; e, bem assim;
(iv) que as propostas de remuneração fossem revistas/votadas por membros da direcção que não estivessem em posição de conflito de interesses, levando em conta os lucros da sociedade, com distribuição apropriada em função das respectivas participações sociais; para concluir propondo, ainda, que,
(v) em razão da seriedade do assunto, nenhuma resolução sobre a matéria deveria constar na acta, de modo a propiciar às partes envolvidas mais tempo para obterem um compromisso/decisão razoável. (S)
Em anexo a esta comunicação electrónica, a requerente remeteu ao secretário a sua proposta de redacção da acta. (T)
Em 2 de Agosto de 2013, a requerente obteve uma resposta ao aludido correio electrónico, desta feita subscrita pelo senhor D, que declarou que os aludidos comentários não haviam sido incluídos na acta, porquanto a versão inicial da mesma tinha sido inscrita no livro de actas, em «finais de Junho», com a justificação de que tinham necessitado de a apresentar nos Serviços de Finanças, juntamente com a declaração para efeitos de imposto. (U)
Em 5 de Agosto de 2013 a requerente manifestou a ambos os directores executivos a sua confusão, resultante da discrepância das afirmações destes, e solicitou, a título de urgência, cópia da acta em questão, na sequência do que, em 6 de Agosto de 2013 foi, por correio electrónico do secretário, remetida à Requerente cópia da referida acta (fls. 62 a 63 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (V)
Só em 6 de Agosto de 2013 tornou a Requerente conhecimento da versão definitiva da acta. (W)
A acta narra, em síntese, que, ao abrigo do ponto 2 da ordem de trabalhos, foi proposta e votada – com a abstenção da ora Requerente, - a remuneração líquida para cada director executivo, D e E, no montante mensal de MOP$100.000,00 (cem mil patacas), acrescida da assumpção por parte da Requerida de todas as taxas e encargos relacionados de natureza fiscal, tendo o pagamento das aludidas remunerações início, respectivamente, em 1 de Janeiro de 2014 e 1 de Setembro de 2013, obrigando-se, por fim, a Requerida, em caso de destituição, a compensar os mesmos directores executivos em indemnização, nos termos previstos no art.º 387º, n.º 3, do Código Comercial. (X)
Como justificação da mesma deliberação, consta que foi considerado razoável determinar uma remuneração equiparável àquela já anteriormente paga aos mencionados directores, tendo em conta a boa performance da sociedade. (Y)
Finalmente, manteve-se a remuneração anual de MOP$12.000,00 para cada um dos directores não executivos. (Z)
A mencionada deliberação foi, ainda nos termos da aludida acta, votada com o voto favorável da sócia C, representada pelos senhores D e E. (AA)
As contas auditadas relativas aos exercícios de 2011 e 2012 indicam um lucro líquido de MOP$507.000,00 e de MOP$152.000,00, respectivamente. (BB)
*
É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
*
Nos presentes autos recursórios, a requerente ora recorrente vem impugnar a decisão da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, alegando ter havido erro na apreciação da prova, pedindo que se dê como não provado o facto constante da alínea L) dos factos provados.
Encontra-se provado na alínea L) o seguinte:
“A proposta de deliberação da remuneração para os directores executivos da sociedade requerida foi colocada à discussão das sócias e submetida a subsequente votação, tendo a sócia C votado favoravelmente, enquanto a requerente se absteve de manifestar o seu sentido de voto.”
Insurge-se a requerente ora recorrente contra a decisão da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, entendendo que outra deveria ter sido a decisão do Tribunal face à prova documental junta aos autos.
In casu, defende a recorrente que, atento o teor dos diversos e-mails trocados entre os representantes da recorrente e da recorrida, se demonstra ter havido erro na apreciação da prova quando se afirmou que a proposta de remuneração para os directores executivos da sociedade requerida foi colocada à discussão das sócias e submetida a subsequente votação, mas na realidade não foi assim que ocorreu.
Vejamos.
Fundamentou a decisão da matéria de facto nos seguintes termos:
“A convicção do tribunal relativamente aos factos indiciariamente demonstrados resultou dos documentos juntos, nomeadamente as fls. 44 a 63, do depoimento das testemunhas, bem como da confissão do requerente e da falta de oposição por banda da requerida (artigo 405º nº 1 ex vi art. 330º do CPC).
A matéria que gera mais controvérsia entre as partes é a de saber se no dia 30 de Maio de 2013 foi efectivamente submetida à votação a proposta de fixação das remunerações para os directores executivos. As matérias vertidas nos artigos 17 e 18 da p.i. foram expressamente impugnadas pela requerida.
Nenhuma das testemunhas depôs sobre esta questão.
Por um lado, a requerente confessa que a aprovação da remuneração dos membros da direcção constou da ordem de trabalhos. Por outro lado, resulta do documento constante de fls. 17 a 18 dos autos – cópia da acta de “Annual General Meeting of Shareholders” datada de 30 de Maio de 2013 – que fora efectivamente posta à votação e aprovada relativamente à fixação das remunerações para os directores executivos.
Ademais, analisada a minuta da acta, constante de fls. 58 e 59 dos autos, a qual foi enviada ao representante da requerente por correio electrónico em 25 de Junho de 2013, o texto original da mesma foi no sentido de que a proposta das remunerações para os directores executivos foi efectivamente aprovada.
Tendo em conta os factores acima expendidos e atenta a função probatória da acta, sem prova no sentido contrário, devemos ter como verdadeira a narração constante da acta.
No nosso entender, os correios electrónicos a fls. 44 a 57 não têm a virtualidade para demonstrar que durante a assembleia geral não houve uma votação. Após recebida a minuta da acta, o representante da requerente, em 28 de Junho de 2013 limitou-se a referir que o rascunho da acta não reflectia as oposições e considerações expostas pelo mesmo durante a assembleia geral. Ora, se realmente não tivesse tido votação e aprovação da matéria da causa – o que significava que o teor do rascunho da acta é falsificado, seria de esperar que o representante da requerente suscitasse logo a falsidade no seu correio electrónico de 28 de Junho de 2013, o que não aconteceu. Por outro lado, tanto quanto se colhe das trocas dos correios electrónicos entre as partes, conseguimos verificar apenas as constantes oposições da requerente a respeito das remunerações a atribuir aos directores executivos, mas já não encontramos outros elementos que sejam suficientes para ilidir aqueles que a acta indica ter acontecido. No fundo, as constantes oposições da requerente não significam que não houve votação na reunião, até porque no caso de haver efectivamente votação e aprovação da proposta, a requerente também podia continuar a manifestar a sua discordância sem isto afectar a validade da deliberação já tomada.”
Como se disse, a recorrente vem impugnar a matéria de facto vertida na alínea L) a qual foi dada como provada pelo Tribunal a quo, sustentando a sua tese com base na prova documental junta aos autos, fundamentalmente, nos e-mails trocados entre os representantes das requerente e requerida, uma vez que a prova testemunhal oferecida não revelou grande relevância.
Dispõe o artigo 629º, nº 1 do Código de Processo Civil que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância: a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599º, a decisão com base neles proferida; b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso vertente, uma vez que nenhuma das testemunhas depuseram sobre aquela questão, fica logo afastada a questão de reapreciação da prova testemunhal; aliás, também não está em causa a apresentação de documento novo superveniente.
Nem se trata daquela situação em que os elementos fornecidos pelo processo imponham decisão diversa que não possa ser contrariada por quaisquer outras provas, tal como acontece no caso em que é junto aos autos documento que faça prova plena.
Sendo assim, resta-nos a questão de saber se, de acordo com todos os elementos de prova que serviram de base à decisão do Tribunal a quo, sendo neste caso concreto a prova documental junta aos autos, se deve alterar a decisão do Tribunal a quo no respeitante à matéria de facto vertida na alínea L).
Entende a recorrente que a resposta seria afirmativa, se se tivesse prestado maior atenção ao conteúdo dos e-mails trocados entre as partes em litígio.
Argumentando ainda que, como só tomou conhecimento da versão definitiva da acta em 6 de Agosto de 2013, só nessa altura é que teve conhecimento de que a mesma incluía a suposta deliberação sobre a remuneração dos directores executivos.
Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a tese da recorrente.
Uma coisa é ter havido (ou não) votação e deliberação da proposta, outra é ter acesso à acta da reunião.
No fundo, são duas realidades distintas.
Em boa verdade, admite-se ter havido votação e deliberação mesmo que a acta não tenha sido elaborada a tempo.
Como bem entendeu o Tribunal a quo, a questão que gera maior controvérsia entre as partes é a de saber se no dia 30 de Maio de 2013 foi efectivamente submetida a votação a proposta de fixação das remunerações para os directores executivos.
Alega a recorrente que não e insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo, negando ter havido votação do ponto 2 da ordem de trabalhos a respeito da remuneração dos directores executivos.
Contudo, como tal facto foi impugnado pela recorrida, incumbe à recorrente a prova do mesmo, por se tratar de um facto constitutivo do direito alegado.
O Tribunal a quo considerou ter havido votação da proposta, fundamentando a sua convicção com recurso à cópia da acta da reunião da Assembleia Geral datada de 30 de Maio de 2013 constante de fls. 61 a 63 (verifica-se aqui um lapso de escrita quando se escreveu fls. 17 a 18), nela se comprovou que a proposta das remunerações para os directores executivos foi votada e aprovada, embora com voto de abstenção da requerente.
E entendeu ainda que de acordo com o teor dos diversos e-mails trocados entre as partes, não logrou a recorrente provar que durante a Assembleia Geral não houve lugar a votação.
Salvo o devido respeito por melhor entendimento, entendemos que a prova documental carreada aos autos tem o efeito de conduzir ao mesmo resultado a que o Tribunal a quo chegou.
Em primeiro lugar, resulta da cópia da acta de “Annual General Meeting of Shareholders”, datada de 30 de Maio de 2013, que a proposta de fixação das remunerações para os directores executivos da requerida foi efectivamente submetida à votação durante a reunião da Assembleia Geral, enquanto a requerente se absteve de manifestar o seu sentido de voto – “Point 2 – C considered it was reasonable to set the remuneration of the Executive Directors, Mr. D and Mr. E, in a similar amount to the one previously paid to the mentioned Directors, taking into account the good performance of the Company. It was resolved, with the favourable vote of C and with A abstaining, to approve the net remuneration for each Executive Director, Mr. D and Mr. E, of MOP$100.000,00 per month…” – sublinhado nosso
Trata-se de um documento que está sujeito à livre apreciação do Tribunal.
Concluída a elaboração da minuta da acta, foi a mesma remetida à requerente, tendo esta respondido à recorrida, por e-mail e com data de 28 de Junho de 2013, que não constavam da minuta da acta as objecções nem as considerações expostas pela requerente durante a reunião de 30 de Maio de 2013 – “In their current form the drafts do not accurately reflect our objections and concerns on certain key items raised during the meetings. We will send our comments and proposed revisions shortly.”
Contrariamente ao que afirmou a recorrente, somos da opinião de que, de acordo com o sentido da frase redigida em inglês no respectivo e-mail de 28 de Junho, e com base na qual se deu por provado a alínea P) da matéria de facto - “do not accurately reflect our objections and concerns on certain key items raised during the meetings” – a recorrente nunca chegou a suscitar qualquer tipo de falsidade ou objecção sobre as “votações tomadas na assembleia”, no fundo, admitiu-se ter havido votação e deliberação nessa reunião em 30 de Maio de 2013.
Por estas razões, julgamos que não logrou a recorrente convencer este Tribunal que só em 6 de Agosto de 2013, altura em que a recorrente tomou conhecimento da versão definitiva da acta da reunião, é que ficou a saber que havia sido votada deliberação sobre a remuneração da direcção executiva.
Entendemos ainda que, se porventura não tivesse sido realizada a votação e deliberação da referida proposta, quando a requerente foi confrontada, pela primeira vez, com a minuta da acta, deveria ter apercebido da alegada “putativa” deliberação e suscitar logo essa questão junto da recorrida, mas não foi isto que aconteceu, uma vez que a requerente apenas limitou-se a referir que a minuta da acta não reflectia fielmente as objecções e considerações por ela expostas durante a reunião de 30 de Maio de 2013 (“do not accurately reflect our objections and concerns on certain key items raised during the meetings”), e não chegou a pôr em causa o facto de que a proposta não teria sido submetida a votação e deliberação.
Acresce ainda que não obstante se constatar posteriormente algumas trocas de e-mails entre as duas partes, mas não passaram de meras oposições da recorrente no tocante à questão de remunerações a atribuir aos seus directores executivos.
Como se referiu na decisão recorrida, e bem, o facto de existir constantes oposições da requerente não significa necessariamente que não houve votação na reunião, até porque mesmo havendo votação e aprovação da proposta, a requerente podia ainda manifestar constantemente a sua discordância, mas isto não afectava a validade da deliberação tomada, como é o caso.
Finalmente, se seguisse o raciocínio da recorrente e considerasse falsa a acta, então não se compreenderia qual seria a razão que teria levado a recorrida a praticar tal acto, mormente forjando a aprovação daquela deliberação, se a sócia C LIMITADA, titular de uma quota maioritária correspondente a 51% do capital social da requerida, sempre poderia fazer aprovar qualquer deliberação a que se propusesse.
Nestes termos, não cremos que só com a recepção da versão definitiva da acta é que a recorrente passa a ter conhecimento que a mesma incluía a alegada votação ou deliberação.
E era falso dizer que antes de 6 de Agosto de 2013, a recorrente não tinha ainda razões para reagir porque estava na expectativa de que a acta fosse, na sua versão final, diferente.
Como acima se referiu, o facto de não ter acesso à acta da reunião não significa que não houve lugar a votação e deliberação.
De facto, tendo a requerente sido devidamente representada na reunião da Assembleia Geral realizada em 30 de Maio de 2013, logo que teve conhecimento da deliberação tomada nesse mesmo dia, já tinha condições para requerer a suspensão daquela deliberação social, bem como solicitar à administração o fornecimento da cópia da acta em que a deliberação foi tomada.
Contudo, tendo a presente providência sido deduzida em 16 de Agosto de 2013, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a providência solicitada com fundamento na caducidade.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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Macau, 30 de Abril de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
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Processo 157/2014 Página 27