Proc. nº 615/2012
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Abril de 2014
Descritores:
- Audiência de interessados
- Aposentação
- Pensionistas de sobrevivência
- Subsídio de residência
SUMÁRIO:
I - A realização da audiência de interessados só se imporá se, apresentado o pedido à Administração, ele tiver tido um desenvolvimento tramitacional com vista à recolha de elementos indispensáveis à decisão. Nisso consiste a instrução de que fala o art. 93º do CPA.
II - Tal formalidade mostra-se imprescindível nos casos de actividade discricionária, pois aí o papel do interessado pode revelar-se muito útil, decisivo até, ao sentido do conteúdo final do acto. Mas, noutros casos em que é vinculada a actividade administrativa, a audiência pode degradar-se em formalidade não essencial se for de entender que outra não podia ser a solução tomada face à lei.
III - Tanto o objecto, como o âmbito pessoal da lei nº 2/2011 estão inexoravelmente definidos no art. 1º e 2º. Ela aplica-se aos trabalhadores dos serviços da Administração Pública vivos, em efectividade de funções, aposentados ou desligados do serviço para efeito de aposentação (art. 7º, 10º, nº1; 12, nº1) e nenhum dos direitos ali regulados tem algo que ver com o regime da sobrevivência dos seus familiares.
IV - Ainda que se pensasse que tal direito não precisaria de ali estar previsto por ser o sucedâneo do direito à pensão de aposentação e, portanto, recebendo deste as suas melhores virtudes jurídicas, nem por isso os pensionistas de sobrevivência poderiam ter acesso ao subsídio de residência tal como o não teriam os seus cônjuges aposentados se vivos fossem que hajam transferido para a CGA a responsabilidade pelo pagamento das respectivas pensões de aposentação.
Proc. nº 615/2012
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
A, residente em Macau, na XXXX, recorre contenciosamente do despacho do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças de 1/03/2012 que, na sequência de recurso hierárquico, confirmou o despacho da Directora dos Serviços de Finanças de, que à recorrente indeferiu o requerimento de atribuição de subsídio de residência.
Na sua petição, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1. Por acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 1/03/2012, exarado na Informação n.º 042/NAJ/LRB/2012 e notificado a coberto do Ofício n.º 202/NAJ/LRB/2012, foi indeferido o abono do subsídio de residência ao ora recorrente, que havia sido requerido ao abrigo do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
2. Constituiu objecto do recurso hierárquico necessário o despacho da Directora da DSF proferido em 11/08/2011.
3. O pedido formulado nesse recurso consistiu na anulação do acto da Directora da DSF de 11/08/2011.
4. A entidade recorrida delimitou o objecto do recurso hierárquico ao despacho da Directora da DSF de 20/07/2011, exarado na informação n.º 052/DCP/2011.
5. A entidade recorrida decidiu por referência a um acto administrativo que não foi impugnado pelo recorrente e sobre um pedido que não foi por si formulado.
6. O acto recorrido não se pronunciou sobre os factos e fundamentos da decisão da Directora da DSF de 11/08/2011, veiculada através do Ofício n.º 4504/SAP/DDP/DCP/2011, de 9/09/2011.
7. As referências ao acto de 20/07/2011 e à informação n.º 052/DCP/2011 são insusceptíveis de serem qualificadas como um mero lapso, porque a motivação do acto objecto do recurso hierárquico constante do Ofício n.º 4504/SAP/DDP/DCP/2011 é substancialmente distinta da que sustenta o acto de 20/07.
8. A pronúncia da entidade recorrida sobre fundamentos e objecto diverso dos delimitados no recurso hierárquico necessário, apresentado pelo recorrente em 1/11/2011, equivale à inexistência dos elementos a que aludem as alíneas d) e f) do n.º 1 do artigo 113.º do CPA.
9. A falta de elementos essenciais que caracterizam o acto administrativo apresenta-se como uma ilegalidade considerada intolerável pela ordem jurídica, conduta administrativa que é sancionada pelo legislador com a nulidade, de aço r dom a cláusula geral constante do n.º 1 do artigo 122.º do CPA.
10. O recorrente nunca se pronunciou no procedimento de 1.º grau, que culminou com o acto da Senhora Directora dos Serviços que naquele procedimento indeferiu o pedido formulado pelo recorrente.
11. A violação do direito de audiência do recorrente, imposto pelos artigos 10.º e 93.º e seguintes, ambos do CPA, consubstancia vício de forma determinante da invalidade do acto recorrido, conducente à sua anulação.
12. A falta de audiência, naquele procedimento, da APOMAC, organismo representativo dos trabalhadores aposentados e pensionistas, detentora de legitimidade para esse efeito, ao abrigo do n.º 1 do artigo 55.º do CPA, viola o disposto no artigo 10.º do mesmo Código, que adicionalmente assegura a intervenção das Associações que defendam os interesses dos interessados, quando envolvidos em procedimentos administrativos, violação de lei que fere de invalidade o acto recorrido, devendo por isso ser anulado.
13. A dispensa da audiência de interessados prevista no artigo 97.º do CPA exige uma decisão devidamente fundamentada nesse sentido.
14. Não existe no procedimento administrativo qualquer decisão da Senhora Directora da DSF, que dispense a audiência de interessados, e respectiva fundamentação, pelo que a decisão da entidade recorrida que sancionou tal actuação ofende a regra do artigo 97.º do CPA, o que consubstancia vício de violação de lei conducente à anulabilidade do acto recorrido.
15. A Lei n.º 2/2011 expressamente afastou o critério de residência como condição para a atribuição do subsídio previsto no seu artigo 10.º.
16. Essa decisão consta do Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano Financeiro de 2011, na área da. Administração e Justiça e da Nota Justificativa que acompanhou o ante-projecto da Lei n.º 2/2011.
17. O abono do transporte para Portugal ao abrigo do DL n.º 14/94/M, não impede ao recorrente o acesso ao direito previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
18. O artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 afastou expressamente o critério da residência em Macau como requisito para a concessão do subsídio previsto nessa norma, pelo que o acto recorrido, fazendo depender a atribuição do subsídio ao critério de residência em Macau, viola o disposto naquela regra, o que o torna anulável por vício de violação de lei.
19. A entidade recorrida indeferiu a atribuição do subsídio de residência com fundamento nos DL nºs 14/94/M, 38/95/M e 96/99/M, diplomas que em Macau executavam o DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, que definiu várias componentes para o denominado processo de integração, para aferir dos requisitos de acesso a um direito previsto em legislação da RAEM - a Lei n.º 2/2011.
20. A faculdade de transferir a responsabilidade do pagamento das pensões para a CGA para aqueles que exerceram funções na administração pública do Território de Macau e se aposentaram antes de 19 de Dezembro de 1999, decorreu do Ponto VI do Anexo I da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, assinado em Pequim em 13/04/1987.
21. Na Declaração Conjunta a Parte Chinesa só se responsabiliza pelo pagamento das pensões de aposentação e de sobrevivência dos trabalhadores da administração pública que se aposentassem depois de 19 de Dezembro de 1999.
22. A Parte Portuguesa assegurou o pagamento das pensões aos aposentados de Macau até 19/12/1999 pelo DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, com a consequente regulamentação no Território de Macau, através do DL n.º 14/94/M, do DL n.º 38/95/M e do DL n.º 96/99/M.
23. Havendo aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA que permaneceram em Macau, o DL n.º 38/95/M e o DL n.º 96/99/M concede-lhes o direito ao subsídio de residência, mesmo quando tenham exercido total ou parcialmente os direitos conferidos pelo n.º 3 do artigo 17.º DL n.º 14/94/M, maxime o direito de transporte.
24. Transferiu-se a responsabilidade pelo pagamento de pensões de pessoas que permaneceram como aposentados de Macau após 20 de Dezembro de 1999 com todos os direitos inerentes a essa condição, salientando-se o acesso a assistência médica e medicamentosa: os cuidados de saúde.
25. Foi regulada a forma de pagamento das suas contribuições para efeitos de acesso aos cuidados de saúde, nos termos do regime geral em vigor à data da transferência da pensão de aposentação para a CGA, a efectuar directamente junto dos Serviços de Saúde de Macau, por iniciativa de cada um dos interessados.
26. Situação que ainda hoje se mantém para todos os aposentados, independentemente de terem ou não transferido a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA e de terem ou não accionado o direito a transporte para Portugal enquanto direito conexo.
27. Não resulta da legislação invocada no acto recorrido nem dos respectivos preâmbulos que os aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA e receberam o abono de transporte não beneficiam do subsídio de residência porque a lei os considerava residentes de Portugal.
28. Mesmo que o recorrente não estivesse abrangido pelo direito ao subsídio de residência previsto naqueles diplomas, a aferição dos pressupostos de acesso a esse mesmo direito definido, ex novo, na Lei n.º 2/2011, só pode ser feita com base na previsão do artigo 10.º desta Lei, única lei vigente na matéria no ordenamento jurídico da RAEM.
29. O acto recorrido, aferindo dos pressupostos ao subsídio requerido com base nos DL nºs 14/94/M, 38/95/M e 96/99/M, incorre em violação do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, vício que o invalida.
30. O DL n.º 96/99/M eliminou do n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 38/95/M o limite temporal para o acesso dos aposentados ao subsídio de residência bem como a condição de os mesmos residirem em Macau.
31. A alínea b) do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, abandona o requisito da prévia existência do direito ao subsídio de residência, no momento da transferência das pensões para a CGA, permitindo que os aposentados que reunissem as condições previstas no artigo 203.º do ETAPM beneficiassem daquele direito, mesmo que anteriormente o não detivessem.
32. Se o legislador apenas pretendesse eliminar o limite temporal fixado, bastaria proceder à alteração do n.º 2 do artigo 3.º do DL n.º 38/95/M, eliminando a referência a 19/12/1999, mantendo a restante redacção da norma.
33. A expressão “mantido”, no corpo do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, não comporta qualquer referência ao passado.
34. A expressão “mantido”, no corpo do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M, afirma que o direito, em abstracto, permanece no ordenamento jurídico da RAEM, englobando aqueles que não estavam a beneficiar do abono mas que a ele pretendiam aceder, seja pela primeira vez, seja na sequência de uma interrupção de pretérito.
35. Os SAFP emitiram Parecer, em Fevereiro de 2002, afirmando que são aposentados de Macau, para todos os efeitos legais segundo o regime jurídico fixado pelas normas legais aplicáveis, aqueles que transferiram a responsabilidade do pagamento das suas pensões para a CGA.
36. O Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade aqui recorrida, decidiu em 24/07/2001, ser legal que os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento da sua pensão para a CGA tivessem direito ao subsídio de residência, de acordo com um parecer da sua assessoria jurídica elaborado em 23/07/2001.
37. Os SAFP, em Maio de 2011, através do ofício n.º 1105120001/DIR, defenderam que o pessoal abrangido pelo DL n.º 96/99/M continua a beneficiar do regime de residência previsto na Lei n.º 2/2011, desde que não esteja abrangido por nenhuma das situações indicadas no n.º 2 do seu artigo 10.º.
38. Não existe qualquer obrigação de continuidade no acesso ao subsídio de residência a coberto da legislação de 1994, 1995, 1999 e 2011.
39. A ausência de Macau num determinado período temporal ou o exercício do direito a transporte ao abrigo do artigo 17.º do DL n.º 14/94/M, não fazem decair o critério de residência para efeitos de acesso ao direito ao subsídio.
40. A entidade recorrida acolheu como fundamento da sua decisão um parecer jurídico que se pronuncia sobre a questão da residência em Macau, matéria regulada na Lei n.º 8/1999.
41. A Lei n.º 8/1999 apenas exige que aqui se tenha residência legalmente consentida, presumindo residentes de Macau os portadores de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM, como é o caso do ora recorrente.
42. O acto recorrido sustenta que o recorrente fixou residência em Portugal, sem que conste no procedimento qualquer documento que demonstre o que alega, em sentido inverso do dever estabelecido no n.º 1 do artigo 86.º do CPA.
43. O acto recorrido afasta, implicitamente, a qualidade de residência que a Lei n.º 8/1999 lhe confere, enquanto titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, para efeitos de atribuição de um direito previsto na legislação da RAEM.
44. O acto recorrido traduz que o pensionista que se ausente da RAEM, no âmbito de um processo de integração que admite o transporte por conta do território em função de uma intenção de residência em Portugal, fica impedido de voltar a residir em Macau e usufruir dos direitos que as leis lhe conferem, por isso lhe retirando o direito ao subsídio de residência, que a Lei n.º 2/2011 lhe concede.
45. Do acto recorrido resulta que a ausência de Macau numa determinada situação ao abrigo de legislação soberana portuguesa condiciona a percepção de um abono geralmente concedido a quem se inclua nas classes inactivas da administração pública de Macau e que aqui permaneça, o que é ilegal, na medida em que o princípio básico do estatuto dos residentes de Macau não pode ser restringido na sequência de uma ausência, ainda que temporária, encontrando-se por isso o acto recorrido ferido de violação de lei, por ofensa aos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999, o que o torna anulável.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs entendam por bem suprir, se requer:
1. a declaração de nulidade do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 1/03/2012, exarado na Informação n.º 042/NAJ/LRB/2012, e notificado ao recorrente a coberto do ofício n.º 202/NAJ/LRB/2012, pela ausência de elementos essenciais a que alude o n.º 1 do artigo 122.º do CPA,
ou, caso assim não se entenda,
2. a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 1/03/2012, exarado na Informação n.º 042/NAJ/LRB/2012, e notificado ao recorrente a coberto do ofício n.º 202/NAJ/LRB/2012, que indeferiu ao ora recorrente a atribuição do subsídio de residência, nos termos consentidos pelo artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC:
a) em vício de violação de lei do artigo 97.º do CPA e em vício de forma por preterição da audiência do interessado, imposta pelo artigo 93.º do mesmo Código;
b) em vício de violação de lei por ofensa ao artigo 10.º da Lei n.º 2/2011;
c) em vício de violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que os diplomas em que se sustentou a decisão recorrida não impunham que o direito ao subsídio de residência se encontrasse constituído na esfera jurídica do recorrente à data da entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, nem este diploma exige qualquer outro requisito que não os previstos no seu artigo 10.º;
d) em vício de violação de lei por ofensa aos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 8/1999».
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Na sua contestação, a entidade recorrida limitou-se a defender genericamente a improcedência do recurso.
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O recorrente apresentou alegações facultativas, reiterando a posição assumida na petição inicial.
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A entidade recorrida, também apresentou alegações facultativas, que concluiu do seguinte modo:
«I. O que está em causa no presente recurso é o despacho do SEF de 1 de Março de 2012, exarado na Informação n.º 042/NAJ/LRB/2012, sendo os fundamentos da decisão os vertidos na própria informação.
II. No âmbito de actos discricionários a Administração decide pela conveniência ou não do deferimento de uma pretensão do particular. E se para tanto se funda em informação fornecida por outra entidade, esta deve ser levada ao conhecimento do particular, sendo a audiência prévia formalidade essencial indispensável.
III. Já não quando no procedimento o particular haja manifestado tudo o que havia para dizer em relação a todas as questões importantes à decisão e a todas as provas produzidas. Deste modo a audiência prévia torna-se numa desnecessidade e a omissão desta formalidade aparece como simples remédio para prevenir actos inúteis, tempo perdido e gastos escusados.
IV. São os fundamentos de facto e de direito constantes da decisão que podem ser impugnados contenciosamente, ou a sua inexistência ou inadequação, e não a sua proveniência.
V. O legislador estabeleceu nas alíneas a) e b) do artigo 97.º do CPA as condições cuja verificação permite, de per se, dispensar a audiência prévia.
VI. A aposentação é privativa de quem tem uma relação jurídica de emprego público com a Administração, diferentemente do que acontece com os pensionistas de sobrevivência. São duas figuras jurídicas distintas, fundadas em factos jurídicos dissemelhantes - relação laboral e morte, respectivamente - que compreende regimes e conjuntos de direitos distintos.
VII. Inexiste mudança de posição da entidade recorrida quanto à percepção pelos pensionistas de sobrevivência de subsídio de residência. Nunca tiveram direito à sua percepção. Além disso ao decidir, fundamentadamente, pode sempre a Administração fazê-lo adequando-se à realidade coeva.
Termos em que, por não se verificar nenhum dos vÍcios arguidos pelo recorrente, deve o recurso ser declarado improcedente mantendo-se a decisão recorrida»
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
«Pese embora na “Informação” 042/NAJ/LRB/12 de 17/2/12 (fls 2 e sgs do instrutor apenso) se faça menção correcta ao nome do recorrente e respectiva pretensão, o certo é que na indicação do objecto do recurso hierárquico se identifica como acto primário, alvo do escrutínio “o despacho da Sra Directora da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) de 20/7/2011 lavrado na informação nº 52/DCP/2011 de 20/7/2011 que indeferiu a pretensão a subsídio de residência da ora recorrente”, menção, aliás, mantida nos pareceres, quer da Coordenadora do NAJ, quer da Directora da DSF, nos quais o acto aqui em causa se estribou e aderiu.
Ora, a verdade é que o acto primário, assim identificado, não respeita ao recorrente, já que, como bem o próprio identificou no seu recurso hierárquico e é confirmado pelo constante do instrutor (fls 26), o acto de indeferimento de que foi alvo a sua pretensão pela DSF se reporta a 11/8/2011, vertido sobre Informação 059/DCP/2011, dessa mesma data.
Conhecendo-se a existência de numerosos casos similares, motivo por que, aliás, na “Informação” referida em 1 o lugar se expressa ser “...lícito esperar que todos os recursos venham a merecer idêntica decisão, com base na fundamentação ora expendida”, aceitamos que se possa tratar de lapso no procedimento técnico.
Só que, não se pode escamotear que cada caso é um caso, com as suas especificidades e características (no caso, por exemplo, estará em causa situação de pensionista e não de aposentado), sendo que, a entidade recorrida, ao estribar-se a anuir, sem reservas, às informações a pareceres que lhe foram submetidos, acabou por decidir hierarquicamente sobre matéria e com fundamentos não correspondentes ao acto primário que o recorrente submetera a escrutínio.
Donde, constatando-se ter aquela agido com manifesto erro sobre o objecto do recurso hierárquico, vício de conhecimento primordial, dada a prejudicialidade relativamente aos restantes, afigurar-se-nos merecer, por tal via, provimento o presente recurso contencioso. ».
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e cumpra desde já conhecer.
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III – Os Factos
1 - O recorrente é viúvo de aposentada B, recebendo a pensão de sobrevivência pela CGA desde Dezembro de 2007 (fls. 23 do p.a.)
2 - O recorrente apresentou em 23/05/2011 uma declaração para efeitos de atribuição do subsídio mensal de residência, previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 (fls. 20 do p.a.).
3 - A Directora dos Serviços de Finanças indeferiu o requerimento por despacho de 11/08/2011 (fls. 26 do p.a., 2 dos autos e 4 do apenso “traduções”).
4 - Desse despacho a recorrente apresentou recurso hierárquico para o Secretário para a Economia e Finanças (fls.53 e sgs. dos autos).
5 - Foi lavrada a Informação nº 42/NAJ/LRB/12 pelo jurista da DSF, nos com o seguinte conteúdo:
«Questão prévia
Insere-se o presente recurso muna série, que versa a mesma questão de facto, a decidir no âmbito de mesma legislação. A motivação consiste no indeferimento da pretensão a receber subsídio de residência, nos termos da Lei n.º 2/2011, apresentada por aposentados da Caixa Geral de Aposentações (CGA).
A questão de fundo, é a de saber se os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento das pensões de reforma para a CGA, e beneficiaram do direito a transporte de pessoas e bens para Portugal, na condição de ai fixarem residência, ao abrigo do estipulado nos n,” 3 e 4 do artigo 17.º do DL 14/94/M, face ao disposto no n.º 1 do artigo 10º da Lei 2/2011, passam a ter direito a receber subsídio de residência, uma vez que deixou de constar neste normativo a condição de residência na RAEM.
Entendem os recorrentes que sim. Eliminada a exigência de residência, a condição estabelecida no DL 14/94/M deixaria de operar e portanto podem começar a receber subsídio de residência.
A Administração assim não entendeu e indeferiu todos os pedidos. Na verdade, sendo aposentados da CGA e, presumidamente, residentes em Portugal, estão completamente desligados da Administração da RAEM. Excepcionalmente, por considerações de ordem social e justiça social, aos aposentados da CGA que 'decidiram manter a residência em Macau, não usufruindo das passagens previstas no DL 14/94/M, foi mantido o direito a subsídio de residência. Como melhor se explica infra.
Inconformados com a decisão, recorreram hierarquicamente, apresentando todos os recursos a mesma argumentação de fundo. Assim sendo, foi um primeiro recurso apreciado e submetido a decisão superior, com a proposta de indeferimento. Atendendo à identidade da questão de fundo e do enquadramento jurídico, a decisão final deve ser a mesma para todos os recorrentes.
Superiormente, foi decidido proceder a uma reavaliação da questão. Efectuada a reavaliação, não se encontraram fundamentos legais na legislação actualmente em vigor, para alterar o sentido decisão. Procedeu-se, quiçá, a uma melhor explanação dos fundamentos da proposta de indeferimento.
Veio esta a merecer a concordância superior. Pelo exposto, é lícito esperar que todos os recursos venham a merecer idêntica decisão, com base na fundamentação ora expendida.
Recurso hierárquico necessário.
Deu entrada a 1 de Novembro de 2011 nestes Serviços recurso hierárquico necessário, interposto por A, e aí melhor identificado, do indeferimento da pretensão a subsídio de residência apresentado pelo recorrente.
Objecto do recurso
Constitui objecto do presente recurso o despacho da Sr.11 Directora da Direcção dos Serviços de Finanças, (DSF) de 20/07/2011 lavrado na informação n.º 52/DCP/2011, de 20/07/2011, que indeferiu a pretensão a subsídio de residência da oro recorrente.
O Senhor Secretário para a Economia e Finanças é a entidade competente para decidir, nos termos do disposto no artigo 153.º e no n.º 2 do artigo 156.º ambos do Código do Procedimento Administrativo.
Dos factos
1. O ora recorrente apresentou uma declaração para efeito de atribuição de subsídio de residência nos termos do artigo 10.0 n. º 1 da Lei n. º 2/2011, a que juntou cópias do BIRP, do cartão de pensionista da Caixa Geral de Aposentações (CGA), caderneta bancária e recibo da CEM.
2. A 20/07/2011 foi elaborada a informação n.º 052/DCP/2011, na qual foi exarado despacho da Sr.” Directora da DSF da mesma data.
3. Foi notificado o recorrente, através do ofício n.º 4504/SAP/DDP/DCP/2011 de 9/09/2011 da impossibilidade de proceder à atribuição do subsídio de residência visado.
4. Consta do procedimento que o recorrente exerceu o seu direito a transporte para Portugal, nos termos do n.º 3 e ss. do artigo 17.º do Decreto-Lei 11.º 14/94/M de 23 de Fevereiro.
Apreciação do recurso
O recorrente assaca ao despacho da Sr.ª Directora supra mencionado, o acto administrativo em causa, três vícios:
I. Vício de forma, por preterição da audiência prévia
II. Vício de violação de lei - artigo 10.º da Lei n.º 2/2011
III. Vício de violação de lei - artigos 2.º, 4.º,5.º e 7.º da Lei 8/1999
I. Sobre o pretenso vício de forma
1. Começa-se por analisar o vício de forma, uma vez que a confirmar-se a razão do recorrente o acto é anulável, ex vi do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), independentemente da conformidade ou não do seu conteúdo com a Lei.
2. Tem o recorrente absoluta razão quando diz que não foi chamado a pronunciar-se oralmente ou por escrito e que inexistem, in casu, os motivos elencados no artigo 96.º do CPA em que tal formalidade é dispensável.
3. Já não quando cita o aresto do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo 234/2003. Na própria citação constante do ponto 21 do recurso, diz-se “...nas circunstâncias concretas do caso...”, E, no caso, trata-se de um procedimento sancionatório, onde, é óbvio, a audição do interessado configura-se nos moldes de um direito de defesa, de contraditar. O que aqui não se aplica.
4. Cabe aqui dizer que, se a cada pretensão dos particulares fosse a Administração obrigado a promover audiências, os serviços ficariam paralisados. Importantes como são, o direito que assiste aos particulares de serem ouvidos, artigo 10.º do CPA, não é um direito absoluto. Pelo que o legislador previu as situações em que a audiência é dispensável.
5. Crucial para aferir da eventual preterição desta formalidade essencial, é o disposto no artigo 97.º do CPA (sublinhados nossos):
Artigo 97.º
(Dispensa de audiência dos interessados)
O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
6. A questão é de saber se o interessado já se pronunciou ou não sobre as questões que importem ao procedimento.
7. Ora quando o interessado apresentou a declaração que consta do procedimento, todos os elementos pertinentes à decisão ficaram expressos.
8. Aliás, o recorrente não faz menção, nas suas doutas alegações, de qualquer elemento que pudesse ter carreado para o procedimento, que tivesse a virtualidade de alterar o sentido da decisão ou habilitar a uma melhor apreciação e decisão.
9. Compreende-se o equívoco do recorrente. A Administração bastou-se com uma declaração, acompanhada com cópias de documentos para iniciar o procedimento. Tivesse o recorrente apresentado um requerimento, claro se tomaria a inexistência da necessidade da audiência.
10. Porque, reitera-se, não é necessário que para todos os requerimentos se tenha de socorrer de audiência do interessado. No caso trata-se, apenas, de aplicar o que dispõe Lei ao pedido do interessado, concessão de subsídio de residência ao abrigo do estipulado no artigo 10.º da Lei 2/2011, sendo conhecidos todos os dados jurídicos relevantes. Como prevê o artigo 97.º a) do CPA. Sendo certo que, ainda que se pretendesse dever a mesma ter sido observada, a sua preterição jamais teria carácter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.
11. Pelo que soçobra a argumentação do recorrente.
12. Em conclusão, inexiste qualquer preterição de audiência prévia.
II. Vício de violação de lei - artigo 10.º da Lei n.º 2/2011
1. Entende o recorrente que o artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 deve ser interpretado literalmente. Para o que interessa ao caso, atribui subsídio de residência a todos os reformados, com as únicas excepções contidas no seu n.º 2.
2. Por lapso, no ponto 42 refere o recorrente o Decreto-Lei n.º 35/95/M, quando queria dizer Decreto-Lei n.º 38/95IM. E faz uma interpretação de palie do articulado no n.º 2 do seu artigo 3.º Vejamos todo o texto deste número:
2. Os pensionistas que têm direito a subsídio de residência, nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, após a transferência da respectiva pensão para a CGA mantêm esse direito, até 19 de Dezembro de 1999, enquanto residirem no território de Macau, sendo o pagamento efectuado pela Direcção dos Serviços de Finanças.
3. Quer o recorrente concluir deste número que o termo “mantêm” apenas quer dizer que o direito, em abstracto, permanece no ordenamento jurídico da RAEM.
4. Não se consegue acompanhar o raciocínio do recorrente. Do texto retira-se que:
a) quem tem nos termos do ETAPM direito a subsídio de residência - condição prévia;
b) depois de transferirem a pensão para a CGA
c) mantêm esse direito
d) na condição de continuarem a residir em Macau
É óbvio que quem tem direito a subsídio de residência nos termos do ETAPM e que não transferiu a pensão para a CGA continua a ter esse direito. A norma pretende regular a situação dos que, tendo direito a subsídio de residência, transferiram a pensão para a CGA.
5. E para estes determina que, na condição de continuarem a residir em Macau, esse direito será mantido, até 19 de Dezembro de 1999.
6. Se bem se entende o alcance que o recorrente quer retirar desta norma, ela significaria que o direito a subsídio de residência, permanece no ordenamento da RAEM, pelo que, quando se alteram os pressupostos da sua concessão, como o faz a Lei n.º 2/2011, apenas há que cuidar da verificação destes novos pressupostos para conceder o direito.
7. Diga-se de passagem, que esta norma foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 96/99/M.
8. Supõe o recorrente, mal, que ausência de Macau, ou o uso do direito consagrado no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M, não põe em causa o critério de residência, pelo que, a todos os reformados agora residentes em Macau, se deve aplicar directamente o estipulado no Lei n.º 2/2011.
9. Para clarificar a situação, urge fazer uma recapitulação mais completa da situação jurídica em questão.
10. O Decreto-Lei n.º 14/94/M de 23 de Fevereiro veio regulamentar a aplicação no então Território de Macau do Decreto-Lei 357/93 de 14 de Outubro - legislação da República Portuguesa - No artigo 2.º define-se o seu âmbito de aplicação. Na alínea b) refere-se ao pessoal que reuna condições de transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações. É neste pessoal que se integra o recorrente.
11. Reza o 17.º, sob a epígrafe Direitos, na parte que nos interessa, (sublinhados nossos):
3. Ao pessoal a quem tenha sido autorizada a transferência das respectivas pensões para a CGA é mantido o direito a:
a) Transporte para Portugal por conta do Território;
…
4. O direito a transporte referido neste artigo compreende o transporte de pessoas, o transporte e desalfandegamento de bagagens e de veículo ligeiro de passageiros, bem como os respectivos seguros, sendo o seu exercício condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal.
12. Ou seja, define o conteúdo do direito, e tuna condição para o seu exercício: fixação de residência em Portugal Como consequência, aos aposentados que fizessem a transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações e exercerem o direito a transporte, a Lei presumia que tivessem fixado residência em Portugal.
13. De outro modo, considerava que tinham deixado de residir em Macau. E daí retirava as consequência no que tange ao subsídio de residência: deixavam de poder usufruir desse direito, atento o facto de não terem residência em Macau, para esse efeito.
14. Posteriormente, veio o Decreto-Lei n.º 38/95/M esclarecer no seu artigo 3.º, que para os pensionistas que tendo transferido a sua pensão para a CGA, tinham direito a subsídio de residência, nos termos do ETAPM, isto é, que residiam em Macau, e enquanto aqui residissem, lhes era assegurado o subsídio de residência, até 19/12/1999.
15. Por exclusão de partes, os outros, como é óbvio, que não residiam em Macau, por terem beneficiado do direito a transporte, continuavam a não ter esse direito. Note-se que tudo se passa durante a Administração Portuguesa, São aposentados da Administração Portuguesa, que optaram por receber as suas pensões pela Caixa Geral de Aposentação de Portugal e que usufruíram do direito a transporte para Portugal, porque aí iam fixar residência. A ligação ao então Território de Macau deixava, em termos legais de existir. Passaram a ser aposentados de Portugal.
16. Ainda mais tarde, o Decreto-Lei n.º 96/991M veio prolongar esse direito no tempo. Retirou o limite temporal anteriormente estabelecido, 19/12/1999. Mais esclarecedor é, no entanto, o preâmbulo:
...parte significativa destes aposentados e pensionistas (da CGA mas que se tinham mantido em Macau, sem exercer o direito a transposte) tencionam continuar a residir em Macau para além de 19 de Dezembro de 1999, mantendo a condição de arrendatários de moradias do Território, bem como o acesso ao subsidio de residência. Assim, o Governo de Macau não pode alhear-se da questão humana e social, atendendo à idade avançada da maior parte destes cidadãos, à dificuldade destes encontrarem alternativas de residência compatíveis com a pensão auferida, assim como ao desenraizamento provocado pelo abandono da sua residência habituai e da comunidade circundante.
17. O presente diploma visa, por questões humanas e sociais, portanto excepcionalmente, garantir aos aposentados e pensionistas que tinham transferiram a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA, a manutenção dos referidos direitos
18. O conjunto dos pensionistas da CGA continuou a compreender duas classes: os que tinham mantido a residência em Macau, e os que, tinham utilizado o direito de transporte para Portugal Os primeiros viram estendido esse direito no tempo. Os segundos, continuaram a ser considerados como não residentes em Macau, para o efeito de pagamento de subsídio de residência.
19. Aliás, o preâmbulo deste normativo é bem explícito. Trata-se de proteger os reformados que, apesar de o serem pela CGA, por manterem a residência em Macau, devem ser auxiliados.
20. Os outros estão afastados dos cuidados da Lei. O Decreto-Lei 14/94/M operou um corte.
21. A remissão para o ETAPM, feito no artigo 1.º do Decreto-Lei 96/99/M, tem por âmbito de aplicação, por pressuposto, a classe de reformados da CGA que mantiveram a sua residência em Macau.
22. Significa que nãoé a exigência de residir em Macau plasmada no artigo 203.º n.º 1 do ETAPM que aqui opera em primeiro lugar. A que opera em primeiro lugar é a referida, contida no Decreto-Lei 14/94/M.
23. Após satisfazer esse requisito, é que passam a operar os pressuposto do artigo 203.º do ETAPM.
24. Chegados a 2011, a Lei 2/2001 revogou a norma referida no ponto anterior.
25. Mas não revogou a primeira exigência estabelecido no Decreto-Lei 14/94/M. E por isso esta continua a operar.
26. E é por força deste normativo que, os pensionistas da CGA, que beneficiaram do direito a transporte, não têm direito a subsídio de residência.
27. A Lei n.º 2/2011 não criou um direito ex novo para estes aposentados. Alargou o âmbito dos beneficiários, com a supressão da restrição da posse de habitação própria livre de encargos e a residência.
28. Importa esclarecer que não se trata, como diz o requerente, de uma espécie de “trato sucessivo”. Do que se trata é de determinar o regime jurídico a que está sujeito o requerente. E da continuidade do sistema jurídico da RAEM, como consta do artigo 8.º da Lei Básica.
29. Acresce que este entendimento está conforme com o facto do recorrente, embora residente permanente da RAEM, só agora vir requerer o subsídio em causa. Se se tratasse de mera questão de residência, sempre teria tido direito ao subsídio.
30. Fica assim demonstrada a inexistência de violação da Lei 2/2011 pelo acto em crise.
III. Do vício de violação de lei - artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei 8/1999
1. Com o devido respeito, que é muito, não se acompanha a argumentação do recorrente no que concerne à violação da Lei 8/1999.
2. É que em todo o procedimento nunca foi posto em causa o estatuto de residente da RAEM do recorrente.
3. Como supra se referiu, a lei considerou que, o exercício do direito ao transporte para Portugal é condicionado à decisão de fixação de residência em Portugal.
4. E preciso é convir que a norma faz sentido. Tudo o conteúdo do direito, transporte de pessoas, bens, seguros, entre outros, é compreensível visando a finalidade de fixação de residência fora da, agora, RAEM.
5. Nunca como um prémio.
6. Os termos em que está redigida a norma não implicam qualquer consideração sobre o estatuto de residente ou não. O recorrente foi e é livre de estabelecer residência onde melhor lhe aprouver, de acordo com as leis locais.
7. O que o lei fez foi condicionar um direito. Exercido o direito, considera a lei que a condição foi satisfeita e retira daí as devidas consequências. Para os efeitos que a lei pretende regular.
8. Não é nada de novo. Como exemplo, o artigo 5.º do ETAPM diz:
Artigo 5.º
(União de facto)
1. Aqueles que não sendo casados ou, sendo-o, se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens e vivam, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges são havidos como cônjuges para efeitos do presente diploma.
9. Não se trata de uma alteração ao Código Civil então vigente. Apenas para efeitos de aplicação do estatuto, se criou uma regra se restringe o seu âmbito de aplicação ao estatuto. B que tem consequências, pacificamente aceites.
10. Repete-se não se descortina lugar algum onde se tenha posto em causa o estatuto de residentes do recorrente. Como supra se demonstrou, nem isso é necessário.
11. Pelo que não pode haver qualquer violação da Lei 8/1999, quando ela nunca foi considerada, nem sequer tida em conta, no procedimento que se concluiu com a acto administrativo sub judice.
結論 Conclusão
當上訴人向當局遞交含作出決定的所有資料的申請書時,就不存在忽略預先聽證的形式瑕疵,因為《行政程序法典》第九十七條a項規定,當作出決定的所有資料已被提供時,免除預先聽證,這就如本個案。肯定上訴人沒有可證明預先聽證的任何理由或資料附入程序。除此之外,即使不是這樣理解,忽略絕沒有無效的特徵,因為採取的決定是唯一可依法而行的決定。
Quando o recorrente apresenta um requerimento à Administração onde constam todos os elementos pertinentes à tomada de uma decisão, inexiste vício de forma por preterição de audiência prévia, uma vez que o artigo 97.º alínea a) do CPA, dispensa a audiência prévia quando, como no caso, todos os elementos atinentes à decisão [â foram fornecidos. Sendo certo que o recorrente não aduz qualquer razão 011 elemento a carrear para o procedimento que pudesse justificar a audiência prévia. Além disso, ainda que assim se não entendesse, a preterição jamais teria carácter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.
正如第14/94/M號法令第十七條第三款和第四款的明確規定,上訴人是依照在葡萄牙定居的條件,才能行使運輸人和物往葡萄牙的權利。為此,上訴人不列入第96/99/M號法令範圍內,因為這項法令僅適用已將退休金和撫卹金責任轉往退休事務管理局且已決定留居澳門的退休人士。這項法令澄清及擴展了載於第14/94/M號法令的1999年12月19日房屋津貼日期的權利。為此,第2/2011號法律不適用於上訴人,因為這項法律僅擴展了受惠人的範圍,而這些受惠人不是因第14/94/M號法令而被排除的人士。為此,沒有違反第2/2011號法律。
O recorrente, ao ter exercido o direito a transporte de pessoas e bens para Portugal, consagrado no artigo 17.º nºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 14/94/M, fê-lo, na condição de fixação de residência em Portugal como é claramente expresso nessas normas. Por isso fica excluído do âmbito de aplicação do Decreto-Lei 96/99/M, uma vez que este apenas se aplica aos reformados que, tendo efectuado a transferência da responsabilidade das pensões de aposentação e sobrevivência para a Caixa Geral de Aposentações, tinham decidido permanecer em Macau. Este decreto veio clarificar e estender o direito a subsídio de residência para lá da data de 19/12/1999, que constava do Decreto-Lei n.º 14/94/M. Pelo que ao recorrente é inaplicável a Lei n.º 2/2011. Esta apenas alarga o âmbito de beneficiários, de entre os que, não foram excluídos pelo Decreto-Lei n.º 14/94/M. Pelo que não houve violação da Lei n.º 2/2011.
在作出有關行為的程序中,上訴人的居民身份沒有被考慮,故沒有違反法律的瑕疵,尤其是第8/1999號法律第二條、第四條、第五條和第七條規定。法律為着本身規定的目的,才制定上訴人留居葡萄牙方得行使運輸權的條件。第14/94/M號法令、被上訴批示及依該批示完成的程序等均沒提及上訴人有否居民身份。
Não existe vício de violação de lei, nomeadamente dos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 7.º da Lei 8/1999, quando em parte nenhuma do procedimento que conduziu à prolacção do acto sub judice, se desconsiderou o estatuto de residente do recorrente. É a lei que condiciona o exercício ao direito a transporte do recorrente à fixação de residência em Portugal, para os efeito que a própria lei visa disciplinar. Não se pronuncia nem o Decreto-Lei n.º 14/94/M, nem o despacho recorrido, nem c procedimento que culminou nesse despacho sobre o estatuto de residente ou não do recorrente»(fls. 2 a 17 do p.a.)
6 - O Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho datado de 1/03/2012:
«Indefiro o recurso; mantenho a decisão recorrida» (fls. 2 do p.a. e fls 45 dos autos).
***
IV - O Direito
1 – Vício de erro nos pressupostos de facto
O recorrente na sua petição inicial, naquilo a que chamou de “questão prévia”, veio ao processo dar conta de o acto sindicado do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças ter tomado a decisão aqui sindicada alicerçado numa fundamentação que lhe não dizia respeito, pois o parecer em que ele se fundou aludia a uma informação (nº 052/DCP/2011) que, por seu turno, tinha que ver com um acto primário da Directora dos Serviços de Finanças de 20/07/2011 relativo a outro interessado.
Face a esta discrepância, entende o recorrente que o acto em apreço é nulo.
O próprio digno Magistrado do MP se inclina para considerar que o acto sob censura é inválido também por tal motivo.
Esta “questão prévia”, que foge aos cânones clássicos da tábua dos vícios, parece-nos mais consentânea com um vício de erro nos pressupostos. Quer dizer, o acto teria partido do pressuposto (inverídico) de que estava a analisar o recurso de um interessado, quando na verdade não estava em causa no procedimento.
Porém, sob pena de excessivo rigor formal, não cremos que princípios gerais como os da economia e celeridade e “pro actione”, que privilegiam o conhecimento do mérito, não devam ser aqui considerados, tanto mais que estamos perante um caso flagrante de actuação administrativa de carácter vinculado.
É verdade que a Informação nº 042/NAJ/LRB/12 chegou a definir o objecto do recurso hierárquico como sendo o acto da directora de 20/07/2011 lavrado sobre a Informação nº 52/DCP/2011 (ver fls. 4 do p.a.).
Todavia, é para nós muito claro que esse é um daqueles exemplos em que as vantagens de uma tecnologia deslumbrante e maravilhosa nem sempre deixam o utilizador das máquinas imune aos riscos das facilidades que ela oferece. O que se passou, por certo, foi um “copy paste” não perfeito, numa negligência que não se pode deixar de perdoar, face às centenas de casos iguais, ou muito semelhantes, que assoberbaram a Administração em matéria de subsídio de residência. O técnico jurista terá deixado escapar a circunstância de aquele parágrafo (fls. 4 do p.a.) não se referir a este recorrente (nem a data da decisão da Exma Directora é a mesma, nem a informação lhe diz respeito), mas a um outro.
Todavia, isso não faz enfermar a decisão final de um vício substancial, se as situações são basicamente iguais ou muito próxima. Aliás, todas as Informações emitidas nesse âmbito têm um conteúdo que se vai replicando de uns para outros dos interessados recorrentes.
De resto, se a fundamentação se repetiu neste tipo de processos porque a todos por igual era aplicável, e se também esta Informação concreta não deixou, ainda assim, de precisar muito bem que o caso a “informar” era o do recorrente A, não se vê que aquela simples anomalia inquine a decisão final. Isto é, não se aceita de ânimo leve que a fundamentação do acto fosse diferente, caso aquele parágrafo ali não estivesse, tal-qualmente não acolhemos a ideia de que a decisão tomada não se destinasse a este recorrente.
Portanto, não se pode tomar a parte pelo todo. O elemento anómalo (parte) tanto é tolerável, como não tem força suficiente para aniquilar todo o longo e restante conteúdo informativo. Assim, do mesmo modo, deve ser tido como desprezível, enquanto fonte de invalidade do acto final.
Improcede, pois, este vício.
*
2- Do vício de forma por falta de audição prévia
Defende a recorrente que o acto deveria ter sido precedido de audiência de interessados, nos termos do art. 97º, al. a), do CPA.
Entremos rapidamente na análise do vício. A audiência prévia constitui uma importante fase procedimental, por representar o momento em que a Administração realiza já uma ideia, tem já concebido o sentido provável de como vai ser a decisão a tomar, veiculando-a ao interessado para que ele mesmo possa manifestar-se sobre ela, aceitando-a ou, tendo-a por ilegal ou injusta, apresentando subsídios em ordem a fazer a Administração alterar o rumo da projectada solução administrativa sobre o caso concreto. Esta formalidade visa, pois, dotar a Administração do maior conjunto de elementos necessários à decisão, para que ela não venha a sofrer de algum vício que, nesse momento, a Administração não esteja, porventura, a vislumbrar. Portanto, tem esse duplo fim: assegurar o direito de contradição e defesa do interessado e procurar induzir a entidade administrativa a uma decisão acertada sob todos os pontos de vista. Por isso, ela é geralmente considerada formalidade essencial, cuja omissão pode levar à anulação do acto, salvo nos casos (de criação legal) de inexistência (art. 96º, do CPA) ou de dispensa (art. 97º do CPA). ou, ainda, nas situações (de criação doutrinal/jurisprudencial) de actividade vinculada em que a posteriori se venha a concluir que a falta da diligência em nada interferiu, nem podia interferir, com a validade do acto em virtude de o respectivo conteúdo decisório, em caso nenhum, não poder ser outro.
Todavia, o Código de Procedimento Administrativo, no seu art. 93º, faz depender a necessidade de audiência da existência prévia de uma acção procedimental instrutória (“…concluída a instrução…”). Quer isto dizer que a realização da audiência só se imporá se, apresentado o pedido à Administração, ele tiver tido um desenvolvimento tramitacional com vista à recolha de elementos indispensáveis à decisão. Nisso consiste a instrução. Na verdade, o conceito de “instrução” integra toda a actividade administrativa destinada a captar os factos e dados relevantes para a decisão final, nela se incluindo informações, pareceres e realizações de diligências, necessários à prolação de tal decisão1. Daí que não seja sequer necessário proceder à formalidade em causa se, após o requerimento do interessado a Administração, o decide sem efectuar tais diligências instrutórias2.
É bom que se diga, por outro lado, que além dos casos de inexistência e de dispensa já referidos, nem sempre a omissão da formalidade conduz à invalidade do acto. Referimo-nos agora às situações (de criação doutrinal/jurisprudencial) de actividade vinculada em que a posteriori se venha a concluir que a falta da diligência em nada interferiu, nem podia interferir, com a validade do acto em virtude de o respectivo conteúdo decisório, em caso nenhum, não poder ser outro. Sem dúvida que a formalidade se mostra imprescindível nos casos de actividade discricionária, pois aí o papel do interessado pode revelar-se muito útil, decisivo até, ao sentido final do acto. Mas, noutros casos em que é vinculada a actividade administrativa, a audiência pode degradar-se em formalidade não essencial se for de entender que outra não podia ser a solução tomada face à lei3, caso em que se acciona o princípio do aproveitamento do acto administrativo.).
Ora, no caso em apreço, duas são as circunstâncias que obstam à procedência do vício.
A primeira é esta: se o recorrente acomete o acto primário, ou de 1º grau, parece claro que a circunstância de serem cerca de 150 os processos administrativos desencadeados por outros tantos aposentados permite formar a ideia de existência de processos em massa, o que levaria a entidade administrativa a não ter que efectuar a audiência. Assim o permite a 1ª parte da alínea c) do art. 96º do CPA.
A segunda é a seguinte: se a insurgência do recorrente é contra o acto administrativo impugnado (o acto do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças), então já estamos num procedimento de 2º grau4. Na medida em que o interessado teve oportunidade de se manifestar contra a bondade jurídica do acto decisório de 1º grau, desferindo-lhe os golpes que muito bem entendeu certeiros e pertinentes, os fundamentos que nesse sentido invocou haverão de ser avaliados pela entidade competente para a prática do acto secundário. Ou seja, aquilo que pode ter faltado no 1º grau do procedimento veio a ser suprido no próprio procedimento de 2º grau (recurso hierárquico), o que permitiria ao órgão decisor ficar inteirado das razões manifestadas pelo interessado no sentido de uma decisão diferente da recorrida, acolhendo-as ou rechaçando-as. Por isso se diz que a audiência de interessados apenas se refere ao acto final do procedimento de 1º grau e não às decisões ulteriores tomadas em sede de impugnação administrativa5.
Portanto, pelas razões apontadas, improcede este vício.
*
3 – Do vício de violação de lei: art. 10º da Lei nº 2/2011
Insurge-se, desta vez, o recorrente contra a tese que fez vencimento no seio da Administração quanto ao conceito de “pensionista”. Para a recorrente, a lei não estabelece qualquer distinção entre beneficiários que recebem uma pensão de aposentação e aqueles que recebem uma pensão de sobrevivência.
Dito isto assim desta maneira, e se por comodidade apelarmos às regras da semântica, parece que a recorrente não pode deixar de ter razão. Ou seja, afirmar que um pensionista é o beneficiário de uma pensão, tanto valerá para os casos em que a pensão é de sobrevivência, como para aqueles em que ela é de aposentação.
Aliás, o próprio artigo 275º do ETAPM, integrado no mesmo Título V (“Da aposentação e sobrevivência”) vai ao encontro da tese da recorrente, na medida em que, ao referir-se à prova de vida a ser feita pelos “pensionistas”, tanto está, obviamente, a contemplar os aposentados, como aquelas pessoas que estejam a receber a pensão de sobrevivência (art. 271º).
Outrossim, não podemos rechaçar a posição da recorrente no que concerne à génese material da pensão de sobrevivência. Quer dizer, a pensão de sobrevivência é fruto de um reconhecimento vazado na lei aos familiares do trabalhador da Administração Pública em razão dos descontos que ele efectuou “para a pensão de sobrevivência” (art. 271º do ETAPM).
Por conseguinte, estamos, quanto a isso, de acordo com a recorrente. Daí para a frente, o enunciado da tese da recorrente é que já carece de correcção. Em boa verdade, se um aposentado é um pensionista e se esta qualidade jurídica também a tem o beneficiário da pensão de sobrevivência, constituirá silogismo preguiçoso a afirmação de que o pensionista de sobrevivência é aposentado, porque não são uma e a mesma coisa. Aposentado é o funcionário; pensionista de sobrevivência é, como a semântica de novo nos ensina, o familiar sobrevivo ao funcionário subscritor falecido. A pensão de sobrevivência só existe por causa do funcionário (aposentado ou em condições de vir a ser no momento da sua morte).
Ao pensionista sobrevivo, chamemos-lhe assim, para melhor diferenciação dos conceitos, acode a Administração com uma prestação pecuniária que lhe acautele uma “sobrevivência” condigna, numa aproximação possível à compatibilidade com o nível de vida que o funcionário, antes do seu decesso, lhe proporcionava. Ao aposentado, a prestação pecuniária visa garantir a continuação da qualidade de vida de que beneficiava enquanto trabalhador no activo, recompensando-o pelo esforço que durante todo o tempo de serviço dedicou à função pública.
Mas, precisamente por se constatar essa diferenciação na causa e no fim da atribuição destas pensões, também assim haverá que estabelecer a necessária distinção que a própria teleologia da Lei impõe.
Por outro lado, a circunstância de o trabalhador do activo efectuar descontos para a pensão de sobrevivência não o torna senhor de um direito à pensão. Ele, com a sua contribuição material, é apenas o garante de um direito futuro às pessoas que comprovem a relação de familiaridade capaz de lhes conferir a qualidade de titulares hábeis (art. 271º, nº3, ETAPM). Em nossa opinião, não é seu (do trabalhador) o direito a esse tipo de pensão, ao contrário do que parece sustentar a recorrente. Não é.
Mas ainda que fosse, nem por isso a solução haveria de ser diferente. Com efeito, não seria assim, eventualmente, se a pensão de sobrevivência fosse o resultado da aplicação de um coeficiente sobre um “quantum” que também cobrisse o valor de um subsídio que tivesse feito já parte em vida do direito do subscritor, por exemplo, o valor de subsídio de residência. Nessa hipótese, porventura o discurso poderia ser outro e haveria de passar por averiguar se o direito ao subsídio havia sido adquirido pelo trabalhador da Administração ainda em vida. Só que, de acordo com o art. 271ºdo ETAPM, a pensão de sobrevivência apenas incide sobre o valor da pensão de aposentação (nº1), pelo que qualquer solução que pretenda anexar estas prestações não tem o mais leve apoio literal.
De resto, sem precisarmos de ir mais longe na análise interpretativa do diploma de 2011 (Lei nº 2/2011), a verdade é que tanto o objecto, como o âmbito pessoal da lei estão inexoravelmente definidos no art. 1º e 2º. O que está sob a sua alçada previsional é o regime do “prémio de antiguidade”, do “subsídio de residência” e “subsídio de família” dos “trabalhadores dos serviços públicos da RAEM” (art. 1º) providos no regime de nomeação provisória ou definitiva ou em comissão de serviço e, bem assim, no regime de contrato de além do quadro, de assalariamento ou individual de trabalho (art. 2º).
Atente-se: este diploma, no seu âmbito pessoal, aplica-se aos trabalhadores dos serviços da Administração Pública vivos: em efectividade de funções, aposentados ou desligados do serviço para efeito de aposentação (art. 7º, 10º, nº1; 12, nº1). Nada do corpo de normas do diploma decorre, tampouco faz presumir, sequer, que nele esteja disciplinado qualquer direito que emane do falecimento do trabalhador, como é pressuposto, por exemplo, no direito que envolve a pensão de sobrevivência. Nenhum daqueles direitos ali regulados tem algo que ver com a sobrevivência dos familiares do trabalhador da Administração. Isso é seguro.
Portanto, se nele não está contemplado o regime de atribuição da pensão de sobrevivência, nem expressa, tampouco implicitamente, cremos não ser possível fazer-se a extensão do direito que o art. 271º confere aos respectivos beneficiários, de molde a torná-los simultaneamente titulares do subsídio de residência. E é por isso que o invocado art. 17º, nº3, al. c), do DL nº 14/94/M, de 23/02 se mostra imprestável como suporte da tese da recorrente. Isto é, o facto de o pessoal previsto no preceito continuar (nº3) ter direito a “acesso a cuidados de saúde mediante o pagamento da respectiva contribuição” (sic) não pode de modo nenhum significar que, por inerência, passem a dispor do direito ao subsídio de residência, porque são realidades jurídicas distintas assentes em diferentes pressupostos.
De resto, e se o que moveu a interessada recorrente na formulação do pedido foi o direito que viu consagrado no art. 10º da referida Lei nº 2/2011, e se esse direito apenas é concedido “nos termos da presente lei” (nº1), então parece certo que o não pode ter ela, que não é “trabalhadora dos serviços públicos em efectividade de funções, aposentada ou desligada do serviço para efeito de aposentação”. Ou seja, não pode ser judicialmente reconhecido aos familiares desses trabalhadores um direito ao subsídio que o legislador não quis atribuir. Acolher a posição da recorrente é ir muito para além do espectro da norma.
E, se isto é assim, damos por fechado o tema para concluir que nem sequer o elemento que começou por erigir sobre a largueza que entreviu no termo “pensionista” a defende na honra do seu enunciado. Realmente, se nem esse elemento literal faz parte do preceito, absolutamente irrelevante se torna a abrangência indiscriminada com que a recorrente defendeu a significância da palavra. Ou seja, ainda que o art. 10º tivesse eventualmente criado um direito novo, certamente dele não podia beneficiar a recorrente por não figurar expressamente no elenco dos beneficiários nele previstos: os aposentados.
Improcedem, pois, as citadas conclusões.
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4 – Do erro nos pressupostos de facto e de direito
A recorrente aduz este vício baseado na circunstância de o acto se ter referido à circunstância de o direito não estar constituído na sua esfera à data da entrada em vigor da Lei nº 2/2011.
Bem. Antes de mais, a invocação deste vício parece-nos desfocada, pois se estamos ante uma actuação administrativa vinculada, o que conta é saber se os pressupostos de facto e de direito em que o acto se fundou são verdadeiros. Sendo-o, o acto teria obedecido à lei, tê-la-ia respeitado: Não o sendo, então o vício perderia autonomia com essa designação (mais consentânea com uma actuação discricionária da Administração) e, em vez dele, a anulação impor-se-ia a título de violação de lei.
Mas, enfim, independentemente disso, agora o que interessa é ver se essa fundamentação do acto obedece às premissas da norma, para que se possa tirar a devida conclusão a propósito do acerto da sua aplicação.
Ora, não há dúvida que o art. 203º do ETAPM nunca lho reconheceu nessas circunstâncias. A recorrente, sabe-lo bem, pois nunca o recebeu até à saída da lei nº 2/2011.
É claro que lei posterior não estaria impedida de criar um direito que antes inexistisse. Podia muito bem fazê-lo, sim, para este caso. E se este argumento o chamamos à colação é apenas por uma razão de ordem histórica, não para fundamentar o indeferimento acobertado numa lei posterior, mas para integrar a situação num ambiente contextual. Esse foi, aliás, também o sentido da fundamentação incluída no acto e por isso não se pode dizer que o vício do “erro nos pressupostos de facto e de direito” invocado na alínea c), do pedido formulado na petição inicial ou na mesma alínea c) do pedido integrado nas alegações facultativas, possa vingar.
Quer dizer, a razão para a não aplicação da lei nº 2/2011 não foi a circunstância de o art. 203º do ETAPM também não ter anteriormente reconhecido este direito. Nem foi fundamento do acto, nem é fundamento do presente aresto. Se também o convocamos a nossa intenção é apenas a de ilustrar um quadro legal de continuidade num certo ambiente restritivo, isto é, no sentido da exclusão dos pensionistas de sobrevivência do âmbito pessoal de incidência normativa ao longo do tempo. Nada mais do que isso.
Neste capítulo, vem a recorrer trazer à colação argumentos que, em sua óptica, servem como revelação da errada forma como foram interpretadas certas disposições de diversos diplomas, como é o caso do DL nº 14/94/M, de 23/02, DL nº 38/95/M, de 7/08 e do DL nº 96/99/M, de 29/11.
Não cremos, porém, que esta invocação tenha qualquer eficácia invalidante, face ao que atrás se disse sobre o objecto e âmbito pessoal da Lei nº 2/2001. Com efeito, se nem a sua situação objectiva, nem a sua qualidade pessoal, cabem na previsão legal dos destinatários bafejados com o direito ao subsídio, não se crê que interesse possa ter para si qualquer fundamentação que pudéssemos manifestar a propósito de outros recorrentes que sejam efectivamente pensionistas aposentados.
De qualquer maneira, ainda que se pensasse que tal direito não precisaria de ali estar previsto por ser o sucedâneo do direito à pensão de aposentação e, portanto, recebendo deste as suas melhores virtudes jurídicas, nem por isso lhe poderíamos reconhecer razão. Em tal hipótese, valeria a fundamentação vertida em arestos anteriores deste TSI referentes ao subsídio pedido pelos aposentados, para os quais remetemos, datados de 27/02/2014, Processos nº 339/2012, 317/2012, de 6/03/2014, Proc. nº 357/2012, 358/2012, de 27/03/2014, Processos nºs 310/2012, 316/2012, 332/2012, 335/2012, 333/2012, entre outros, onde o assunto acabou por merecer a devida atenção.
Efectivamente, como resulta destes acórdãos, em termos que de uma maneira ou outra confluem no mesmo resultado negatório da pretensão, a Lei nº 2/2011 nunca se aplica aos requerentes que tenham requerido a transferência da pensão para Portugal antes da transferência da administração para a República Popular da China, precisamente no pressuposto indiscutível de se terem aposentado antes dessa data (19/12/1999), circunstância que a Lei em causa já por assente definitivamente, tanto em termos implícitos, como explícitos, face ao teor dos arts. 1º e 10º.
É, aliás, o que resulta, a título de exemplo, do acórdão do TSI, de 27/02/2014, Proc. nº 339/2012, cujo conteúdo, na parte aplicável, aqui fazemos nosso para ao presente servir de fundamentação ad remissionem, mas do qual, por comodidade e economia, aqui nos limitamos a transcrever o respectivo sumário:
«I -…; II…; III - Transpira do art. 98º da Lei Básica que a RAEM apenas garante o pagamento das pensões aos funcionários que tenham mantido o vínculo funcional e adquirido posteriormente à transferência da administração o direito à aposentação. IV - Se a Lei nº 2/11 tem por destinatários/beneficiários os trabalhadores dos serviços públicos da RAEM, maior evidência não pode haver no sentido de que não pode o legislador ter pensado nos trabalhadores que se aposentaram ao serviço da Administração Pública do Território de Macau (portanto, até 19/12/1999) para efeito da atribuição do subsídio de residência, independentemente do local de residência. V - Qualquer interpretação que se queira fazer do art. 10º daquela Lei atentaria contra o comando do art. 98º referido, se nele se descortinasse o asseguramento indistinto do subsídio de residência a todos os aposentados, independentemente do momento da aposentação».
Neste sentido, o vício tem que improceder, necessariamente.
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No sentido, também, de que a Lei nº 2/2011 não pode abranger os beneficiários de pensão de sobrevivência, podemos ver os Acórdãos deste TSI de 3/04/2014, nos Processos nºs 533/2012, 562/2012, 946/2012, 820/2010, 535/2012, 556/2012, 786/2012, 944/2012, entre outros.
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De tudo o que se disse resulta a sucumbência do presente recurso.
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V - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 4 UC, com ¼ de procuradoria.
TSI, 24 de Abril de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Mai Man Ieng
1 Ver no direito comparado: Ac. STA de 18/01/2001, Proc. nº 046766,25/10/2001, Proc. nº 046934; 28/11/2001, Proc. nº 046586, 16/02/2006, Proc. nº 0684/05, entre outros.
2 Ac. STA, de 16/02/1994, Proc. nº 32.033, in Apêndice ao DR, Vol. II, págs. 1158 e segs.; de 30/11/2011, Proc. nº 0983/11.
3 Ac. deste TSI de 21/07/2011, Proc. nº 344/2009; do STA de 16/02/2006 cit; também Ac. 25/06/2008, Proc. nº 0392/08, 11/05/2011, Proc. nº 833/10.
4 Esta distinção vem estabelecida por Freitas do Amaral, Curso De Direito Administrativo, Vol. II, pag. 311 e 336.
5 Neste sentido, no direito comparado, Ac. STA de 24/04/1996, Proc. nº 37432; de 9/06/1998, Proc. nº 039004; de 15/10/1998, Proc. nº 036508; 22/04/1999, Proc. nº 42386.
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