Processo nº 597/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 08 de Maio de 2014
ASSUNTO
- Destituição do cargo de administrador
SUMÁRIO
- As faltas do Requerido às reuniões do Conselho de Administração nunca podem constituir como justa causa da destituição do seu cargo de administrador, se a impossibilidade ou dificuldade do funcionamento da sociedade não resulta das referidas faltas.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 597/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 08 de Maio de 2014
Recorrente: A (Requerente)
Recorrido: B (Requerido)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 15/12/2010, julgou-se procedente a oposição ao pedido de suspensão e improcedente o pedido de destituição de titulares de órgãos sociais e, em consequência, revogou-se a decisão de suspensão do Requerido B e absolveu-se o mesmo do pedido de destituição do cargo de administrador da Sociedade de Investimento Imobiliário C, SA.
Dessa decisão vem recorrer a Requerente A na parte que diz respeito à improcedência do pedido de destituição do cargo de administrador do Requerido B, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Em 09/11/2009 o Tribunal suspendera o Recorrido por violação do dever de zelo.
2. Estão provados os factos os constantes do ponto 1 das Alegações.
3. O Tribunal considerou acertadamente que a eventual violação de regras formais na convocatória de reuniões do conselho de administração não eximiria o administrador do seu dever de zelar pela vida social estando fazendo-se apresentar em reuniões.
4. O Tribunal conclui que é "indiscutível que um dos deveres dos administradores é participar nas reuniões do conselho de administração. Do mesmo modo se afigura indiscutivel que a falta às reuniões configura violação daquele dever".
5. Todavia, conclui no sentido de que o litígio entre sócias e o bloqueio da assembleia geral implicam que o conselho de administração também não poderia funcionar e que, por isso, a falta do Recorrido às reuniões respectivas (e a não convocação de reuniões) se justifica (fls. 18 da Sentença).
6. O art. 463º, nº 2 do C.Com. estipula que um accionista pode requerer ao tribunal a destituição de qualquer administrador com fundamento em justa causa.
7. A relação do gerente com a sociedade e os sócios é de natureza contratual (conforme jurisprudência e doutrina citadas).
8. A justa causa de destituição nãopressupõe a culpa do administrador, ainda que esta também a possa determinar" (jurisprudência citada).
9. O que releva, antes demais, é a violação dos deveres a que está adstrito, ou seja, a ilicitude do facto.
10. Apesar de a culpa não ser um requisito da justa causa, o comportamento culposo do administrador pode, por si, constituir justa causa de destituição. Apesar de não ser exigível, funciona contra o administrador a presunção de culpa, estabelecida no Código Civil, presumindo-se culpado de quaisquer violações dos deveres a que está adstrito (jurisprudência citada).
11. A ilicitude da conduta postula "uma violação, por acção ou omissão, de deveres legais ou contratuais", "e, portanto, um incumprimento", mais particularmente "dos deveres inerentes à gerência" (jurisprudência e doutrina citadas).
12. É dever do administrador compareceràs reuniões do Conselho de Administração (art. 467º, nºs 1 e 3), bem como convocar tais reuniões (art. 467º/2, do C.Com.).
13. Os artigos 19º e 21º dos Estatutos da sociedade ditam que é seu dever "A gestão de todos os negócios e interesses da sociedade e, bem assim, a sua representação", tal como orientar a vida da sociedade e assegurar a sua representação.
14. A justa causa de destituição pode resultar ainda das consequências que a conduta tem ou poderá vir a ter para os interesses da sociedade (jurisprudência).
15. A Jurisprudência cita várias categorias de situações, qualquer delas suficiente para justificar a destituição.Uma é que a conduta omissiva do Requerido afecte "a relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe".
16. Outra é "qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação".
17. Outra assenta na ideia de inexigibilidade, constituindo justa causa de destituição "qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual", ou seja, a "violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a relação contratual".
18. Uma quarta categoria de situações é "todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim".
19. Por fim, é-o também "toda a circunstância que torne contrário aos interesses do mandante o prosseguimento da relação jurídica".
20. A destituição o Recorrido não lhe provocará qualquer prejuízo: não é remunerado, nem exerce já de facto as funções de administrador da sociedade.
21. Não existe no caso um direito especial à gerência do Recorrido que mereça ser tutelado, nemo Recorrido não alegou qualquer prejuízo pessoal.
22. O Tribunal não aderiu aos argumentos d~ recorrido, que considerou não provados.
23. As justificações do recorrido são contraditórias: ou faltou às reuniões porque não sabia que tinham sido convocadas, ou sabia da sua realização e faltou intencionalmente para evitar (como alega) que os outros administradores prejudicassem a sociedade. Ele não podia saber e não saber das reuniões: faltar porque não sabia da sua realização e faltar porque não queria ir a reuniões que sabia se iriam realizar.
24. Para convocar reuniões, não são necessárias assinaturas de dois membros do Conselho de Administração, se este for constituído por número igualou inferior a cinco membros (art. 467º, nº 2, do Cód. Com.). Trata-se de norma imperativa, pois está em causa a boa gestão e o controlo da vida societária.
25. Assim, as convocatórias não foram irregulares. Mas mesmo que o tivessem sido.tal seria relevante numa acção de anulação de deliberações sociais, mas não é relevante para aferir da violação do dever de zelo pelo então presidente do CA.
26. As irregularidades formais não o impediam de estar presente, nem de sanar essas irregularidades e convocar ele mesmo reuniões regulares. Este argumento não tem fundamento para um administrador zeloso e de boa fé.
27. Quanto ao argumento de que as convocatórias foramintencionalmente enviadas para a morada errada para que o Recorrido faltasse às reuniões: (i) o Réu confessou e juntou aos autos a recepção de faxes e emails a convocá-lo para várias reuniões, o que prova que sabia das reuniões e que não era essa a intenção de quem o convocou (se não queriam que ele soubesse, não lhe escreviam a contar); (ii) foi expressamente revelado em audiência por testemunhas do Recorrido que este confessou ter recebido convocatórias; (iii) os administradores não são a sócia Recorrente e não agiram através de advogado, tendo-se limitado a enviar a carta para a morada para que sempre enviaram; (iv) de facto, as convocatórias foram enviadas para a morada que o Recorrido deu para efeitos de registo comercial, a sua morada oficial de administrador: art. 35º, nº 1, al. c), do CRC (Cód. Reg. Comercial), para permitira sua notificação (art. 183º do CPC), pois o registo destina-se a dar publicidade e conferir segurança jurídica (art. 1º do CRC).
28. Assim, se não recebeu alguma das convocatórias, isso deveu-se a culpa sua, pelo que estas, enquanto declarações negociais que são, tornaram-se eficazes ao chegar à morada para onde foram enviadas: art. 216º/2, do CC.
29. Se não actualizou a morada o registo comercial da sociedade, é mais um sinal de negligência na condução dos assuntos do interesse societário.
30. O Recorrido alega que os outros administradores pretendiam constituir hipotecas ruinosas e confessar ou desistir de acções judiciais, a fim de prejudicar a sociedade.
31. Os Estatutos estabelecem que o quórum deliberativo para estas matérias é a unanimidade dos 3 administradores. Assim, se quisesse evitar que os outros administradores contraíssem empréstimos, constituíssem hipotecas e confessassem ou desistissem de acções bastaria ir à reunião e votar contra.
32. Faltando à reunião haveria deliberações aprovadas por unanimidade dos presentes, ainda que não por unanimidade dos administradores. Estando presente, não haveria nem unanimidade de administradores, nem dos presentes na reunião.
33. Ademais, essas acusações são falsase foram dadas como não provadas.
34. Foi confessado na Oposição que a sócia D e a anterior sócia E (que a D substituiu) têm por objectivo vender o terreno, não construir. Crê-se que o Recorrido faltou para evitar que fossem praticados actos para aproveitamento do contrato de concessão, por serem matérias cuja aprovação se basta com a maioria do voto dos administradores e que ele só poderia evitar faltando às reuniões (o quórum de funcionamento exige a unanimidade de presenças).
35. Com esta condutao Recorrido pretendia desvirtuar os Estatutos e transformar a regra da maioria em regra da unanimidade.
36. As suas faltas às reuniões dificultaram, ou impossibilitaram, o cumprimento do Contrato de Concessão.
37. O Tribunal alega, a fls. 1327, que o que impede e dificulta todo o exercício da actividade social não é a ausência do Recorrido nas reuniões do conselho de administração, mas o litígio entre as sócias. Trata-se de matéria conclusiva pelo que pode ser discutida em sede de recurso.
38. Um litígio entre sócias não justifica que o presidente do conselho de administração deixe de comparecer a reuniões e de as convocarao longo de, pelo menos, um ano, quando a sociedade está em risco de perda do seu único activo.
39. Os códigos comerciais e os Estatutos das sociedades servem precisamente (também) para permitir a gestão da vida societária na pendência de conflitos, evitando que a vida societária não fique paralisada sempre que as sócias não se entendem.
40. Os litígios disputam-se em sede própria. Entre sócias, esses litígios disputam-se na Assembleia Geral e em Tribunal. Relativamente aos administradores, os problemas e litígios enfrentam-se em reuniões do conselho de administração.
41. A solução para os conflitos não passa pela inércia ou alheamento. Os deveres dos administradores não cedem em situação de conflito de sócias. Tal não resulta do Código Comercial, dos Estatutos, da jurisprudência ou da doutrina.
42. De resto, bastaria que o recorrido votasse contra qualquer tentativa de confessar acções para que as deliberações respectivas não fossem aprovadas. A hipoteca que incide sobre o terreno foi outorgada pelo Recorrido, como consta dos autos.
43. Consta no despacho de suspensão de 09/11/2009 que "Um dos deveres dos administradores é o dever de zelo que impõe que cuidem das questões sociais"; "Afigura-se indiscutível quer a ausência prolongada sem qualquer explicação e causando dificuldade ou impossibilidade do exercício da actividade societária configura violação do dever de zelo e ... que pode causar avultados prejuízos".
44. Como resulta dos factos não provados na Sentença, o Recorrido não apresentou qualquer explicação para as suas faltas ao conselho de administração, nem existe qualquer justificação objectiva para o ter feito.
45. O Réu é advogado e experiente administrador de empresas, tendo agido com culpa.
46. Existe ilicitude, como o Tribunal afirma, a qual só pode ser afastada por causa justificativa, assente em factos concretos dados como provados no processo, o que não sucedeu no caso em apreço.
47. A sócia A intentou duas acções de indemnização e uma acção de destituição contra o Recorrido, a sócia D intentou uma acção crime contra ele:uma sócia quer vê-lo destituído, outra sócia quer vê-lo condenado.
48. O Recorrido não reúne, pois, condições societárias para se manter no Conselho de Administração, devendo ser destituído.
*
O Requerido respondeu à motivação do recurso da Requerente, nos termos constantes a fls. 1412 a 1431 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso interposto.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Foi considerada como provada a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. O Requerido é membro do Conselho de Administração da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A., com sede em Macau, XXX, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel de Macau sob o n.º XXX.
2. A sociedade tem dois outros administradores, que são os Srs. F e G.
3. A Requerente é accionista da sociedade C, sendo titular de 31,27% do capital social.
4. São ainda accionistas da sociedade C a sociedade H, Lda, com 68% do capital social, e os Srs. I e J, titulares, respectivamente, de 0,145% e 0,127% do capital social.
5. O Requerido não esteve presente nas reuniões do Conselho de Administração que tiveram lugar em 29 de Março, 04 de Abril, 06 de Junho e 25 de Julho, sempre de 2009.
6. Não esteve presente em oito sessões de trabalho, destinadas à preparação das quatro reuniões do Conselho de Administração de 2009, que tiveram lugar nos dias 14 de Março, 29 de Março, 19 de Abril, 4 de Maio, 19 de Junho, 6 de Julho, 10 de Julho e 25 de Julho.
7. Não compareceu pessoalmente às reuniões nem indicou representante.
8. O Requerido reside em Hong Kong, a pouco mais de uma hora de viagem do local onde se realizaram as reuniões.
9. Os outros dois administradores, um reside um nos Estados Unidos da América e outro no Japão.
10. No ano de 2009 o Requerido não convocou reuniões do conselho de administração da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A..
11. O único activo da sociedade C é o direito resultante da concessão por arrendamento do terreno designado por lote 4 da Zona A, dos Lagos Nam Van, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXX (B8K, 79) e inscrito a favor da executada C sob o n.º XXX do Livro XXX, fls. 86.
12. Foi decretado o arresto desse bem.
13. Encontram-se pendentes várias acções judiciais contra a sociedade.
14. Numa dessas acções, uma acção executiva a correr termos neste Tribunal Judicial de Base sob o n.º CV3-08-0055-CEO para cobrança de uma dívida da sociedade que atinge actualmente um valor de cerca de HK$650,000,000.00 (seiscentos e cinquenta milhões de Hong Kong dolares) e que se encontra na fase de convocação de credores foi penhorado, em parte por conversão do referido arresto, o único activo da sociedade.
15. E estão pendentes várias outras acções judiciais nas quais a sociedade é ou demandante ou demandada e que têm por objecto questões relevantes para a vida social, a saber, os Processos n.ºs CV3-08-0055-CEO-B; CV3-08-0079-CAO; CV3-08-0061-CAO;CV3-08-0061-CAO-A;CV2-08-0067-CAO; e CV3-09-0074-CAO.
16. A situação é especialmente grave porque vários despachos judiciais, tanto do Tribunal Judicial de Base, como do Tribunal de Segunda Instância, decidiram que a sociedade C litiga em situação de incapacidade judiciária por irregularidade de representação, e consequente falta de patrocínio judiciário.
17. O Requerido sabe que o bem que constitui o único activo da sociedade corre sérios riscos de se perder.
18. O prazo de aproveitamento do empreendimento constante da cláusula terceira do contrato de concessão referido supra, celebrado entre a sociedade C e o Governo da RAEM, terminou, nos termos da cláusula quinta, em 18 de Agosto de 2008, foi prorrogado, com pagamento de multa elevada, nos termos da cláusula sexta, por mais 120 dias, isto é, até 16 de Dezembro de 2008, mas mesmo este prazo suplementar já expirou.
19. O que pode levar à caducidade do contrato de concessão e consequente perda do direito resultante dessa concessão, sem direito a qualquer indemnização, tudo nos termos da cláusula décima, nº 1, al. 1), e nºs 2 e 3 do Contrato.
20. Trata-se de um bem de valor muito elevado, situado no centro de Macau, na zona dos Lagos Nam Van, avaliado, antes da crise financeira, em cerca de HK$1,000,000,000.00 (mil milhões de Hong Kong dólares).
21. O artigo 25º, nº 1, dos Estatutos da sociedade C estabelece, em matéria de quorum constitutivo, que “as deliberações do Conselho de Administração só serão válidas se se encontrarem presentes ou representados todos os seus membros”.
22. O artigo 25º, nº 2, dos estatutos da sociedade estipula, em sede de quorum deliberativo, que as deliberações relativas a grande parte dos actos de administração (incluindo a representação, em juízo e fora dele, e a disposição ou oneração de bens) “só serão válidas quando tomadas por unanimidade dos votos de todos os administradores”.
23. E o respectivo artigo 23º, nº 1, alínea b), estabelece que na grande parte dos casos a sociedade só fica obrigada pela “assinatura conjunta de três administradores”.
24. O Requerido recebeu um "e-mail" em 28/02/2008 convocando-o para reunião do conselho de administração da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A. a ter lugar em 04/03/2009 ou 29/03/2009 e um "fax" em 04/04/2009 convocando-o para reunião do mesmo órgão a ter lugar em 19/04/2009 ou 04/05/2009.
25. Quer o e-mail, quer o fax foram subscritos por apenas um dos membros do conselho de administração da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A.
26. O que impede parte e dificulta todo o exercício da actividade social da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A. é a situação de estrema litigiosidade entre as sócias desta (a Requerente e H, Limitada)
27. Tal situação de litigiosidade é impossibilitante da formação de consensos sobre as questões da vida societária e impossibilitante da formação de maiorias necessária à tomada de deliberações sociais, quer da assembleia geral, quer do conselho de administração.
28. O que impede parte e dificulta todo o exercício da referida actividade social não é a ausência do requerido nas reuniões do conselho de administração agendadas para o ano de 2009 nas quais, os administradores daquela sociedade não tinham condições materiais para deliberar sobre as matérias constantes das convocatórias devido ao litígio e falta de consenso entre as sócias da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A.
29. O Requerido foi presidente da mesa da assembleia geral da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A. em 05/11/2009.
30. A Requerente e H, Limitada estão desde, pelo menos, Março de 2008 decididas a usar todos os meios ao seu alcance para se excluírem reciprocamente do poder de decidir os destinos da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A. de que são sócias detendo, em conjunto, mais de 99% do capital social.
*
III – Fundamentação
O Tribunal a quo julgou improcedente o pedido de destituição do cargo de administrador do Requerido B pela forma seguinte:
“ Dispõe o Código de Processo Civil, no art° 1270° nºs:
1. Nos casos em que a lei prevê a destituição judicial de titulares de órgãos sociais, ou dos representantes comuns de contitulares de participação social, deve o requerente justificar o pedido de destituição.
2. Se for requerida a suspensão do cargo, o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após a realização das diligências necessárias.
Dispõe o CCom. no seu art°. nº 2 que: "Podem um ou mais accionistas, titulares de acções correspondentes a 10% do capital, requerer ao tribunal a destituição de qualquer administrador, a qualquer momento, com fundamento em justa causa".
O mecanismo que, para lá das deliberações dos sócios tomadas em assembleia geral, a lei reserva aos accionistas para obterem a suspensão e a destituição do cargo dos administradores depende da existência de justa causa para o efeito.
O que seja justa causa da destituição não vem especificado, mas prende-se com o desempenho do cargo de acordo com os deveres a ele inerentes. Há-de exigir-se, porém, não uma violação mínima e "ad nutum", mas uma violação com uma dimensão reveladora de equilíbrio com a sanção máxima de destituição e devendo essa violação ser enquadrada na vida societária e ter em consideração a motivação que lhe subjaz e as condições concretas que a rodeiam. Terá de concluir-se por um consistente grau de exigibilidade que o administrador tivesse tido comportamento alternativo respeitador dos deveres do cargo. A justa causa há-de ser encontrada na ponderação global de todas as circunstâncias relevantes que rodeiam o incumprimento do dever do administrador.
Afigura-se acertado afirmar que um administrador zeloso, especialmente se for presidente do conselho de administração, não recusa o cumprimento do seu dever por razões formais, nem essa inobservância formal justifica a falta ao cumprimento. Porém, a ponderação que há-de ser feita à razão formal do incumprimento só pode ser no sentido de amenizar a censura pela violação, embora não a excluindo, como se disse. Mas nunca poderá ser ponderada contra o administrador incumpridor no sentido de aumentar o grau de censura que lhe deve ser dirigido pela sua violação.
Ora, no caso dos autos, não se tendo provado que as convocatórias foram feitas na forma legal e estatutária; não se tendo provado que o requerido as recebeu; tendo-se apenas provado que duas delas foram subscritas por um administrador que não era presidente do conselho de administração e recebidas pelo requerido através de e-mail e fax, quando os estatutos exigiam que fossem subscritas por dois deles e tendo-se provado que as sócias que detêm a quase totalidade do capital social da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A. se encontravam então, assim como hoje, em intenso litígio, aberto e irrevogável, destinado à eliminação recíproca do comando dos destinos da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A. e à defesa dos "ataques alheios", não se vê que a actuação do requerido mereça a censura de justa causa de destituição, por se admitir que um administrador normalmente zeloso e diligente também não comparecesse, ou não lhe fosse exigível que comparecesse, nas reuniões do conselho de administração assim convocadas e com suspeita de se destinarem a favorecer, não a Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A., mas uma das suas sócias. A certeza ou a convicção fundada com razoabilidade que nada daquelas reuniões poderia sair em beneficio da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A., mas apenas eventualmente em beneficio de uma das sócias contendoras na sua estratégia rumo ao domínio, apenas conhecida das próprias, poderia aconselhar um administrador normal a não comparecer enquanto as sócias não se entendessem, sem que isso atingisse o grau de censura que, em juízo de equilíbrio, justifique a destituição. Refira-se, porém, que nada nos autos aponta para que fosse essa a motivação do requerido, mas era necessário que se demonstrasse que não havia essa possibilidade.
Embora isso não tenha sido alegado, não pode deixar de considerar-se, com vista a apreender a justa causa, que, mesmo que a falta de um administrador, cause falta de quorum de funcionamento, pode ser a única forma de defender os interesses da sociedade se as sócias "representadas" no conselho de administração, através dos respectivos administradores, tiverem estratégias que apenas perseguem os seus interesses e não os da sociedade, às vezes de forma "suicida" para a sociedade.
Afigura-se indiscutível que um dos deveres dos administradores é participar nas reuniões do conselho de administração. Do mesmo modo se afigura indiscutível que a falta às reuniões configura violação daquele dever. Porém, no período em causa (de Março a Julho de 2009), a falta do requerido, assim com a falta de convocação de reuniões durante ano de 2009 (quando já se tinham rompido as negociações e tinha sido resolvido o contrato celebrado com vista a transferir as acções da C, SA ainda não transferidas e havia terminado o entendimento entre a requerente e a “D”, sem esperança de grande utilidade em tais reuniões enquanto as sócias não findem os seus desígnios fratricidas), afigura-se que não atinge a gravidade pressuposta pela norma que oferece a justa causa como critério de decisão para a destituição do cargo de administrador. Seria até algo ingénuo o requerido se se convencesse que o conselho de administração poderia contornar o bloqueio da assembleia geral.
Não se vê que a participação do requerido na presidência da mesa da assembleia geral possa configurar qualquer violação dos deveres de administrador. Assim como não se vê que a queixa crime apresentada contra o requerido pela "D", no âmbito da luta que a opõe à "A" seja reveladora da justa causa de destituição. Não se pode esquecer que as "Jades" se adjectivam reciprocamente de pouco escrupulosas na escolha dos meios para atingir os seus fins.
Em conclusão, da matéria de facto provada não resulta a existência de justa causa de destituição do requerido do cargo de membro do conselho de administração.”.
Não se nos afigura que a decisão recorrida mereça de alguma censura ou reparação tendo em conta a factualidade provada e não provada, especialmente, ficado provado que:
1. O que impede parte e dificulta todo o exercício da actividade social da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A. é a situação de estrema litigiosidade entre as sócias desta (a Requerente e H, Limitada)
2. Tal situação de litigiosidade é impossibilitante da formação de consensos sobre as questões da vida societária e impossibilitante da formação de maiorias necessária à tomada de deliberações sociais, quer da assembleia geral, quer do conselho de administração.
3. O que impede parte e dificulta todo o exercício da referida actividade social não é a ausência do Requerido nas reuniões do conselho de administração agendadas para o ano de 2009 nas quais, os administradores daquela sociedade não tinham condições materiais para deliberar sobre as matérias constantes das convocatórias devido ao litígio e falta de consenso entre as sócias da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A.
4. A Requerente e H, Limitada estão desde, pelo menos, Março de 2008 decididas a usar todos os meios ao seu alcance para se excluírem reciprocamente do poder de decidir os destinos da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A. de que são sócias detendo, em conjunto, mais de 99% do capital social.
E não se provaram que:
1. O Requerido não tem qualquer actividade na administração da sociedade C desde meados de 2008.
2. Nem antes das reuniões e sessões de trabalho comunicou que não iria estar presente ou pediu alteração de datas.
3. Nem depois justificou as faltas ou perguntou se as reuniões e sessões de trabalho se tinham realizado ou quais os assuntos tratados.
4. Em consequência da constante ausência do Requerido, as reuniões do Conselho de Administração passaram a ser convocadas com a devida antecedência por e-mail, fax e carta registada para duas datas consecutivas, com 15 dias de intervalo.
5. O Requerido ignorou completamente todas as convocatórias que lhe foram dirigidas por e-mail, fax e carta registada e ignorou as reuniões do Conselho de Administração.
6. Para além de faltar às reuniões do Conselho de Administração, desde há mais de um ano que o Requerido não pratica qualquer acto societário conhecidos do Conselho de Administração ou revela por qualquer outra forma interesse pela vida da sociedade.
7. O Requerido não tomou qualquer iniciativa para se inteirar dos assuntos da sociedade, para ajudar a determinar-lhe um rumo, para discutir um assunto social ou para auxiliar na ou com a prática de um qualquer acto material do interesse da sociedade.
8. Requerido nunca procurou contactar o fiel depositário nomeado a propósito do arresto, nem nunca respondeu às tentativas de contacto e de cooperação feitas pelo fiel depositário.
9. O Requerido não manifesta qualquer interesse em ajudar a resolver ou sequer em conhecer as várias acções pendentes contra a Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A.
10. O Requerido não praticou quaisquer actos no sentido de intervir ou assistir a sociedade na intervenção nestas acções judiciais, revelando objectivamente um total desinteresse sobre o seu destino.
11. O Requerido nada faz, mantendo uma total inactividade social.
A Requerente, ora Recorrente, não impugnou a decisão da matéria de facto.
Assim sendo e uma vez que ficou provado que “O que impede parte e dificulta todo o exercício da referida actividade social não é a ausência do Requerido nas reuniões do Conselho de Administração agendadas para o ano de 2009 nas quais, os administradores daquela sociedade não tinham condições materiais para deliberar sobre as matérias constantes das convocatórias devido ao litígio e falta de consenso entre as sócias da Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A.”, as faltas do Requerido às reuniões do Conselho de Administração nunca podem constituir como justa causa da destituição do seu cargo de administrador, em virtude de que a impossibilidade ou dificuldade do funcionamento da sociedade não resulta das referidas faltas.
Por outro lado, não se provaram os factos constitutivos da falta do dever de zelo no desempenho das funções de administrador por parte do Requerido alegados pela Requerente.
Pelo exposto e sem necessidade de demais delongas, o recurso não deixará de se julgar improcedente.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pela Requerente.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 08 de Maio de 2014.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
20
597/2011