Proc. nº 562/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 08 de Maio de 2014
Descritores:
-Prova
- Princípio da imediação e da livre apreciação da prova
- Indemnização
- Equidade
SUMÁRIO:
I - O princípio da livre apreciação da prova não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc. Portanto, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao trabalho do julgador, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser consumada.
II - Atingido pelo infortúnio da paraplegia em virtude um acidente num jogo de diversão, é de aceitar que a vida desse indivíduo muda radicalmente desde esse instante. Tudo para ele é mais sombrio e triste, a infelicidade invade-o, as relações sentimentais alteram-se, extinguem-se outras, mudam-se comportamentos e atitudes, sofre-se, enfim, pelas mais variadas causas. Isso é notório.
III – De acordo com as regras da prudência, o bom senso prático, a criteriosa ponderação das realidades da vida e a equidade (art. 489º, do C.C.), é aconselhável que a indemnização a arbitrar nem se torne forma de enriquecimento, nem seja uma miserabilista maneira de mitigar a dor e o sofrimento.
Proc. nº 562/2013
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
“A, S.A.”, com morada na Alameda Dr. Carlos d`Assumpção, nº XXX, Edif. XXX, XXº andar, NAPE, Macau, intentou no TJB contra “B Lda”, com morada na Rua de Pequim, nº XXX, Edif. Comercial XX, XXº andar, acção declarativa com processo ordinário pedindo a condenação da ré no pagamento de Mop$ 4.900.896,97 e juros, a título de devolução, por sub-rogação, da indemnização que pagou a um turista pelos danos sofridos num acidente ocorrido no “River of Fire” existente no interior do vulcão do parque “Macau Fisherman`s Wharf” em Macau.
*
Na contestação, a ré excepcionou a ilegitimidade parcial da autora e, bem assim, a sua própria, invocou a prescrição do direito e requereu ainda o incidente de intervenção principal de “XXX Equipment Co. Limited” e, por impugnação, pediu a sua absolvição do pedido.
*
A matéria de excepção foi decidida desfavoravelmente à excepcionante no despacho saneador, tendo o processo prosseguido a sua normal tramitação até à sentença, que julgou parcialmente procedente a acção e condenou a ré a pagar as importâncias de Mop$ 422.726,12 e Mop$ 750.999,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente e juros de mora.
*
A ré interpôs recurso da sentença (fls. 712), no que foi seguida pela autora, que subordinadamente também recorreu (fls. 718).
*
A ré “B” concluiu as suas alegações de recurso do seguinte modo:
«a) O presente recurso tem por objecto a douta sentença de fls. 698 e segs., na qual foi a ora recorrente condenada a pagar à seguradora recorrida as quantias de MOP422.726,12 e de RMB882.705,00 a título de danos patrimoniais, (2) MOP750.000,00, como compensação por danos não patrimoniais, e (3) juros legais calculados nos termos consagrados no acórdão do TUI de 2 de Março de 2011.
b) Quantias reivindicadas pela seguradora, porque vem sub-rogada nos direitos da vítima de um acidente ocorrido em Janeiro de 2006, no percurso denominado River of Fire, no interior do parque de diversões Fishermens Wharf, concebido e construído pela ora recorrente, mas cuja propriedade e operação eram da sociedade Macau Fisherman's Wharf Companhia de Investimento Internacional, S.A.
c) Um exame atento da prova carreada para os autos demonstra que a ora recorrente não pode ser responsabilizada pelo ressarcimento dos danos reivindicados pela autora.
d) É pacífico na doutrina e jurisprudência que a obrigação de indemnizar prevista no artigo 477.º do Código Civil depende do preenchimento de cinco pressupostos: o facto voluntário do agente, a sua ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o primeiro e este último.
e) A ora recorrente, de boa fé, não nega a ocorrência do acidente descrito nos autos, a existência de danos, o nexo de causalidade entre um e outros, e a ilicitude destes últimos.
f) No entanto, não poderá ser imputada à ora recorrente qualquer conduta ou omissão por parte da ora recorrente, a qual mereça censura e possa dar origem a uma obrigação de indemnizar como o faz a douta sentença recorrida, a qual refere a suposta falha dos seus funcionários em se aperceberem atempada mente de uma anomalia no funcionamento do percurso de diversões denominado River of Fire, dentro do complexo Fishermans Wharf, a qual causou o capotamento da jangada onde seguiam a malograda XX e seu filho, provocando-lhes os ferimentos descritos nos autos.
g) A ora recorrente, apesar de ter concebido e construído o River of Fire, não é sua proprietária, antes o sendo a sociedade Macau Fishermans Wharf - Companhia de Investimento Internacional, S.A..
h) Sendo certo que os funcionários da ora recorrente se encontrava no complexo Fishermans Wharf quando se deu o acidente, a autora não logrou provar qual a natureza concreta da relação (contratual) que pudesse existir entre a B e a proprietária/operadora do complexo, que justificasse tal presença, nem o âmbito das obrigações da ora recorrente no contexto dessa relação.
i) O Tribunal a quo deu por provado que no dia da ocorrência do acidente, eram os funcionários da ora recorrente quem se responsabilizava pela fiscalização e manutenção do River of Fire, mas não provado qual o âmbito dos concretos deveres implícitos em tal “fiscalização” para a ora recorrente, sendo certo que a “manutenção” nada terá a ver com a “operação”.
j) Por essa via, o Tribunal a quo conclui que competia aos funcionários da ora recorrente aperceberem-se da ocorrência do acidente, não o tendo evitado, estando obrigados a isso.
k) Só que esta conclusão do tribunal a quo não tem, salvo o muito e devido respeito, qualquer apoio na prova produzida sobre aqueles factos, a qual consistiu, essencialmente, em depoimento testemunhal, já que não se encontram nos autos quaisquer documentos ou contratos que comprovem quais as tarefas que cometiam à ora recorrente no contexto de tal “fiscalização”,
I) E a prova testemunhal demonstra que as obrigações da ora recorrente se limitavam à fiscalização pontual do bom funcionamento, à reparação de avarias após indicação da operadora/proprietária e à manutenção, não só do River of Fire, como de outros equipamentos dentro do complexo Fishermans Wharf.
m) Aliás, o pessoal da ora recorrente estava relegado para um escritório provisório, que servia de oficina e de sala de descanso, que não era a sala de controlo do River of Fire;
n) E onde, apesar de existir equipamento de televisão onde podia ser visionado o percurso do River of Fire, e também ali se encontrar um mecanismo para a sua paragem em caso de emergência, não ficou provado que a ora recorrente tivesse a obrigação de ali manter pessoal em permanência a vigiar o complexo, para acudir de imediato a qualquer ocorrência.
o) Se acontecesse alguma emergência, eram os trabalhadores da Macau Fishermans Wharf que paravam o River of Fire, não competindo à ora recorrente a fiscalização das operações.
p) Os sensores instalados no River of Fire, os quais asseguravam o seu bom funcionamento eram monitorizados a partir da sala de controlo que ali existia, onde se encontravam exclusivamente funcionários da Macau Fishermans Wharf, proprietária do complexo.
q) Por tudo isto, e não estando a ora recorrente envolvida directamente, nem nas operações do River of Fire, nem na sua fiscalização, nem lhe competindo vigiar em permanência o seu funcionamento, não cabia àquela aperceber-se de incidentes nem parar o sistema de imediato, aquando da ocorrência de uma emergência, como conclui, mal, a douta sentença recorrida.
r) Ficou dado como provado que o acidente que vitimou a infeliz XX ocorreu quando uma jangada do River of Fire ficou encravada num rolante transversal à saída de uma rampa e o sistema que controlava o andamento e impulsionava as jangadas não parou, empurrando outras três contra a retaguarda da primeira, sendo que a última, onde seguia a vítima, acabou por capotar.
s) Naquele local, as jangadas em impulsionadas por uma correia.
t) E existia um sensor à entrada da rampa, o qual accionava um mecanismo automático para não permitir que mais de uma jangada entrasse no desnível.
u) Só que este sensor, por razões que não foram apuradas, avariou-se, deixando entrar mais de uma jangada na rampa, o que, conjugado com o encravamento de uma delas, veio a provocar o acidente.
v) O River of Fire foi sujeito a extensos testes pela ora recorrente, antes de ser aberto ao público, tendo sido certificado como estando em condições de funcionar.
w) Além disso, após a abertura, era o conjunto sujeito a inspecções e testes diários, sendo que, no dia do acidente não se detectou qualquer avaria.
x) Foi descoberto depois da ocorrência que o fundo da jangada que bloqueou o canal de navegação se descascou por ter sido fabricada de forma defeituosa, sendo que tal defeito não era passível de ser encontrado com uma mera inspecção visual.
Y) Factores que não dependem nem resultam de qualquer acção ou omissão da ora recorrente, que seja passível de censura - não sendo, por isso, possível fazer o nexo entre a conduta (activa ou omissiva) do agente e o dano, tanto mais que esta não tinha obrigação de monitorizar em permanência o funcionamento do River of Fire, nem está provado que estava obrigada a fazer mais inspecções do que aquelas que efectivamente foram realizadas.
z) Por tudo isto, não se vislumbra de que forma existe, para a ora recorrente a responsabilidade de indemnizar.
aa) Impugnando-se as respostas aos quesitos 19.º, 20.º e 22.º, na parte em que fazem referência à ora recorrente e/ou aos seus funcionários.
bb)A douta sentença recorrida viola o estipulado no artigo 477.º do Código Civil, devendo ser a ora recorrente absolvida da totalidade do pedido.
cc) Subsidiariamente, e mesmo que alguma responsabilidade pelo acidente ocorrido no River of Fire em Janeiro de 2006 possa vir a ser assacada à ora recorrente, nunca esta poderá ser condenada nos termos em que o foi.
dd) Em primeiro lugar, sendo certo que ficaram provados, por via documental e testemunhal os factos que constam das respostas aos quesitos 1.º, 2.º, 3.º,4.º, 5.º, 6.º, 7.º e (parcialmente) 8.º, contesta-se o que consta das respostas aos quesitos 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 29.º, 30.º, 31.º, 36.º, 37.º e 38.º.
ee) Da prova produzida, não existe qualquer informação que permita concluir o que ficou provado nestes últimos quesitos, já que nenhuma das testemunhas acompanhou em permanência a XXX desde o momento em que esta teve alta do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, em 13 de Fevereiro de 2006.
ff) Sendo que os médicos que testemunharam não fizeram qualquer prognóstico quanto à evolução do seu quadro clínico desde aí.
gg)Apenas em Julho de 2007, a XXX recebeu no hospital uma visita de um funcionário da autora, o qual não é médico.
hh)Tendo verificado que aquela precisava de alguém que a amparasse para se levantar da cama, mas nada mais.
ii) Quanto à prova documental de fls. 45, a qual data de Fevereiro de 2007, esta afirma que a XXX, está em recuperação.
jj) Sendo certo que o documento de fls. 48, o qual se refere à necessidade de contratação de uma pessoa para prestar assistência a doente, é um mero formulário em branco, o qual não está preenchido, nem sequer assinado.
kk) Assim, salvo o muito e devido respeito, não tem o Tribunal a quo como aferir se efectivamente a XX ficou paralisada de forma permanente da cintura para baixo, que esteja impedida de se cuidar no seu dia-a-dia para o resto da vida, esteja incontinente, se continua a precisar da ajuda de outras pessoas para trocar fraldas, que precise de passar o resto da vida numa cadeira de rodas, que tivesse necessidade de contratar um auxiliar para si e para o seu filho ou que esteja incapacitada para trabalhar.
ll) Por isso, não poderia o Tribunal a quo dar como provado como deu os factos que constam das respostas aos quesitos 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 29.º, 30.º, 31.º, 36.º, 37.º e 38.º, sendo que a parte final do quesito 8.0 deveria ter sido qualificada com a data em que a XX teve alta do Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
mm) Quanto aos montantes de MOP193.825,00 em despesas médicas efectuadas em Macau e de RMB134.705,00 em gastos com cuidados médicos no Continente Chinês, o Tribunal a quo não poderá condenar a ora recorrente nestes montantes, porque também ficou provado que estes foram pagos, em parte, pela proprietária do River of Fire, a Sociedade “Macau Fisherman's Wharf - Companhia de Investimento Internacional S.A.”, a qual reembolsou à lesada o total de HKD150.000,00, equivalentes a MOP154.500,00.
nn) Assim, mesmo que a ora recorrente tenha de pagar à autora, ora recorrida, algum montante a titulo de reembolso de despesas médicas da XX, sempre terá o dispendido de ser reduzido na medida em que já foi pago por outrem, sendo que não há nos autos qualquer prova de que a proprietária do Fishermans Wharf haja, por sua vez, sido reembolsada pela ora recorrida.
oo) A douta sentença recorrida violou, por esta via, o artigo 556.º do Código Civil, já que a sub-rogante não tem direito a perceber de novo o montante que já recebeu, e nem o terá a sub-rogada, ora recorrida, sob pena de existir enriquecimento sem causa, devendo absolver-se parcialmente a ora recorrente desta parte do pedido, ao qual deverá ser deduzido o dito reembolso.
pp)Quanto ao suposto dispêndio de RMB28.000,00 pela XX com a contratação de duas empregadas, a autora não logrou provar de forma nenhuma qual o nexo de causalidade entre esses factos e o acidente, e a matéria não é objecto de nenhum depoimento testemunhal.
qq) Estes factos apoiam-se apenas no que foi alegado no artigo 27.º da petição inicial, que foi em tempo impugnado pela ora recorrente, sendo que não existem sequer documentos nos autos que suportem a despesa invocada, e no alegado pela ora recorrida no artigo 28.º da sua p.i., suportado nos documentos de fls. 105 a 108, os quais são meros papéis sem qualquer valor probatório, cuja relevância foi impugnada pela ora recorrente e nem sequer se mostram devidamente datados nem assinados.
rr) Assim, na ausência de prova de efectiva existência do dispêndio alegado e da sua conexão com os eventos descritos nos autos, não poderá o reembolso da despesa de RMB28.000,00 com supostas contratações de auxiliares ou empregados ser exigida à ora recorrente, sendo que os factos que constam das respostas aos quesitos 30.º e 31.º não se podem dar como provados e, mesmo que o sejam, o que não se admite, ainda assim não está provado o nexo de causalidade necessário à responsabilização da ora recorrente pelo seu ressarcimento.
ss) Afigura-se assim que a douta sentença recorrida violou o artigo 477.º do Código Civil, porque não está provada a despesa e, mesmo que o estivesse, também não ficou provado qualquer nexo de causalidade com o acidente dos autos, devendo ir a ora recorrente totalmente absolvida desta parte do pedido.
tt) Relativamente à suposta despesa de MOP228.901,12, com deslocações e alojamento da família da vítima, mencionada na parte final da douta sentença recorrida, esta corresponde ao que ficou determinado nas respostas aos quesitos 27.º e 28.º, apesar de nestes últimos constar a quantia de MOP221.513,72, pelo que terá de ser a primeira corrigida para este último valor.
uu)Mas a resposta ao mesmo quesito 28.º diz que este montante foi adiantado pela Macau Fisherman's Wharf - Companhia de Investimento Internacional, S.A., pelo que tais despesas não foram suportadas pela XX, nem pelos seus familiares, e nem tão pouco há prova nos autos de a autora, ora recorrida, ter pago tal montante, pelo que esta não o pode reivindicar neste processo, nem a ora recorrente pode ser condenada ao seu pagamento.
vv) Nesta parte a douta sentença recorrido voltou a violar o artigo 556.º do Código Civil, devendo ser a ora recorrente totalmente absolvida deste pedido ou, subsidiariamente, caso assim não se considere, deve a quantia ser corrigida para o que consta da resposta ao quesito 28.º.
ww) Vem depois a ora recorrente condenada a pagar à autora RMB720.000,00, devido à suposta contratação futura pela XX de uma empregada durante 30 anos, ao custo de RMB2.000,00 por mês, mas tal responsabilidade também não pode ser assacada à ora recorrente, porque não ficou provado que aquela tenha necessidade do auxílio de quem quer que seja para cuidar de si, já que não existe nos autos informação rigorosa nem completa sobre a sua evolução clínica após ter tido alta do Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
xx) Mesmo que se tenha por bom que tal auxílio será necessário, o que não se admite, sempre este será um dano futuro, o qual é apenas ressarcível se for certo, o que in casu não acontece, porque, mesmo que se verifique tal necessidade, existe sempre a possibilidade de a XX beneficiar da assistência de algum familiar, ou de ser auxiliada por empregada que já tenha contratado anteriormente ao acidente, e, nestas circunstâncias, a sua situação patrimonial não se alterará.
yy) As despesas com tal contratação serão sempre futuras, uma vez que não existe nos autos prova da efectiva contratação de tal auxiliar, e incertas, já que não há prova da sua necessidade como consequência directa e necessária dos danos causados pelo acidente de Janeiro de 2006 no River of Fire.
zz) Acresce que, ainda que exista tal certeza de a XX precisar de contratar um terceiro para a ajudar no seu dia-a-dia, o que de forma alguma se admite, o valor salarial referido na resposta ao quesito 38.º é totalmente arbitrário, e não tem qualquer suporte fáctico que não seja o alegado pela autora no artigo 32.º da sua p.i., e nem tem qualquer suporte documental.
aaa) Por isso, a douta sentença recorrida viola, nesta parte, o artigo 477.º e o n.º 2 do artigo 558.º do Código Civil, devendo absolver-se a ora recorrente da totalidade do pedido nesta parte.
bbb) Quanto ao montante de MOP750.000,00, arbitrado como compensação por danos não patrimoniais, afigura-se que a sua quantificação é excessiva, perante a matéria (não) provada nos autos e os usos do Tribunal.
ccc) Não há qualquer prova nos autos de que a paralisia que afectou a XX após o acidente fosse permanente ou que ainda persista na presente data, impugnando-se o que se diz a esse respeito nas respostas aos quesitos 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 36.º, 37.º e 38.º.
ddd) A compensação dos danos não patrimoniais deve fixada equitativamente, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
eee) Ao contrário do que ficou dito na douta sentença recorrida, não existe prova nos autos de que a ora recorrente tivesse qualquer responsabilidade pelas operações ou pela fiscalização da operação do River of Fire, antes lhe competindo apenas supervisionar o funcionamento do ponto de vista mecânico, acudir a avarias a pedido da operadora Macau Fishermans Wharf, e efectuar a respectiva manutenção.
fff) O Tribunal a quo concluiu que o acidente ocorreu depois de o sensor que não devia permitir que mais de uma jangada entrasse numa rampa do River of Fire não ter funcionado, por razões não apuradas e o fundo de uma jangada se ter descascado devido a um defeito de fabrico, fazendo com que esta se encravasse no topo da dita rampa e provocasse um engarrafamento, o qual fez com que as jangadas que se lhe seguiam, entre as quais aquela onde seguiam as vítimas do acidente, capotassem.
ggg) Sendo que também ficou provado que o defeito de fabrico da jangada não poderia ser detectado visualmente, e só foi encontrado após se terem realizado exames laboratoriais ao material que a compunha.
hhh) Não ficou provado que o acidente tivesse acontecido devido a uma concepção inadequada do River of Fire por parte da ora recorrente.
iii) Ficou provado que o River of Fire, antes de abrir ao público no início de Janeiro de 2006, foi submetido a extensos testes, com e sem carga, realizados pela ora recorrente, tendo-se verificado que não tinha qualquer anomalia.
jjj) E depois de entrar em funcionamento, foi inspeccionado e testado diariamente antes da sua abertura, incluindo no dia do acidente, não se encontrando qualquer falha ou avaria.
kkk) Por outras palavras, o problema a que se refere a resposta ao quesito 59.º deu-se depois de tal inspecção e teste, em momento não apurado, e por causas que se desconhecem.
lll) E, ao contrário do que vem concluído na douta sentença recorrida, apesar de tanto os funcionários da ora recorrente como os da proprietária/operadora do River of Fire poderem parar manualmente as jangadas em caso de emergência, nenhum depoimento testemunhal ou prova documental nos autos demonstra que a ora recorrente estivesse obrigada a fiscalizar as operações e a manter pessoal seu, em permanência, a vigiar o andamento das jangadas.
mmm) Assim, a culpa da ora recorrente será inexistente, como acima se arguiu, ou, caso assim não se entenda, o que aqui apenas se contempla por dever de patrocínio, será sempre diminuta, porque quem teria efectivamente obrigação de garantir a segurança dos utilizadores do River of Fire será a proprietária/operadora Macau Fishermans Wharf - Sociedade de Investimento Internacional, S.A ..
nnn) Perante este circunstancialismo, a pouquíssima culpa da ora recorrente, mesmo que exista, ditará necessariamente a redução drástica da compensação arbitrada por danos não patrimoniais, a qual deve ser atribuída em termos muito menos generosos do que o foi.
ooo) Nesta parte, a douta sentença recorrida violou o artigo 487.º do Código Civil, ex vi n.º 3 do artigo 489.º do mesmo diploma, devendo a douta sentença recorrida ser alterada na parte da determinação da compensação por danos não patrimoniais, absolvendo-se a ora recorrida do pedido ou, subsidiariamente, arbitrando-se um montante inferior, mais equitativo e conforme às circunstâncias do caso.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser totalmente revogada a douta sentença recorrida, absolvendo-se a ora recorrente do pedido, ou, subsidiariamente, ser tal revogação parcial, condenando-se a ora recorrente em apenas parte do pedido, com as demais consequências legais, desta forma se fazendo a já costumada JUSTIÇA!».
*
A autora respondeu a esse recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias.
«I. Vem o Recurso a que ora se responde interposto da decisão proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que condenou a Ré a pagar à Autora as quantias de MOP$422.726,12 e RMB882.705,00 a título de danos patrimoniais e bem assim a quantia de MOP$750.000,00 a título de danos não patrimoniais.
II. Entende a Recorrente que um exame atento à prova carreada para os autos demonstra que a ora Recorrente não pode ser responsabilizada pelo ressarcimento dos danos reivindicados pela Autora, o que, salvo o devido respeito, que é muito, não pode proceder.
III. Defende a Recorrente que das passagens das gravações das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento, as respostas aos quesitos 19º, 20º e 22º mereciam resposta diferente “na parte em que fazem referência à ora recorrente e/ou aos seus funcionários.”
IV. Vindo ainda contestar as respostas dadas aos quesitos 9º, 10º, 11º, 12º, 29º, 30º, 31º, 36º, 37º e 38º argumentando que da prova produzida não existe qualquer informação que permita concluir o que ficou provado nestes últimos quesitos, já que nenhuma das testemunhas acompanhou em permanência a XX desde o momento em que esta teve alta do Centro Hospitalar Conde de Sao Januário em 13 de Fevereiro de 2006, sendo que os médicos que testemunharam não fizeram nenhum prognostico quanto à evolução do seu quadro clínico desde ai.
V. Os fundamentos de prova indicados pela Recorrente para a modificabilidade da decisão facto assentam nos critérios de convicção do julgador na apreciação da prova produzida.
VI. Segundo o princípio da livre apreciação das provas estatuído no art. 558º, nº 1 do CPC, o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido.
VII. No que respeita ao julgamento da matéria de facto em 2ª Instância, é jurisprudência uniforme que o princípio da livre apreciação das provas, ou do julgamento livre, não pode ser subvertido pela garantia do duplo grau de jurisdição, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de “ensaio” do verdadeiro julgamento a efectuar pelo Tribunal de 2ª Instância.
VIII. Na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que não podem ser transpostos para a gravação da prova, e factores que não são racionalmente demonstráveis, de tal modo que a função do Tribunal de 2ª Instância deverá circunscrever-se a apurar da razoabilidade da convicção probatória do Tribunal a quo face aos elementos que lhe são apresentados.
IX. Assim, e ao contrário do alegado pela Recorrente, dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento resulta não só que a Recorrente estava directamente evolvida na operacionalidade do River of Fire, mas também que era responsável pela sua fiscalização e manutenção, facto que não é impugnado pela Recorrente em sede de conclusões de recurso.
X. No presente caso, os depoimentos das testemunhas, permitiram provar que (i) os funcionários da Ré e da Macau Fisherman's Wharf não se aperceberam atempadamente do que estava a acontecer no jogo, (ii) não tendo impedido que o barco que transportava a XX e o seu filho continuasse a seguir em frente, bem como não impediram que o respectivo barco viesse a embater no barco da frente e acabasse por virar, (iii) tendo o acidente acontecido igualmente pelo facto de os funcionários da R. e da Macau Fisherman's Wharf não terem conseguido verificar atempada mente que um dos barcos estava parado e diligenciado, imediatamente, pela paragem do jogo de diversões em causa.
XI. Não bastaria assim à ora Recorrente invocar os depoimentos das testemunhas prestados em sede de audiência de julgamento, e livremente apreciados pelo douto Tribunal a quo, para abalar a convicção desse Tribunal e lograr obter uma resposta diversa aos quesitos 19º, 20º e 21º, e assim destruir o entendimento do Tribunal que, com base em tais depoimentos, ficou convencido que “competia à Ré a gestão e manutenção do jogo “River of Fire” em Macau Fisherman's wharf, apenas cabendo aos funcionários desta efectuar o controlo da máquina operacional no sentido de por as jangadas em movimento” (cfr. fundamentação da matéria de facto).
XII. O Tribunal a quo foi claro ao decidir que “de acordo com a prova produzida em audiência, a ideia retirada pelo Colectivo, ao dar a sua decisão, era o seguinte: competia a Macau Fisherman's Wharf efectuar a operação do jogo, no sentido de ligar e desligar a máquina, colocando as jangadas em movimento, enquanto era da responsabilidade da Ré proceder aos trabalhos de fiscalização e manutenção, no sentido de averiguar todos os dias se o sistema (de jogo de diversões) estava em boas condições de funcionamento, e se havia problema tinha obrigação de proceder atempadamente a sua reparação” (cfr acórdão que decide sobre a reclamação contra a decisão sobre a matéria de facto apresentada pela Recorrente).
XIII. Dos autos não resultam elementos que permitam fazer vingar a tese que a Recorrente ora defende, ou seja, que inexistiu uma falha por banda dos seus trabalhadores e dar uma resposta diferente aos sobreditos quesitos.
XIV. Atentas as atribuições da Recorrente, cujos funcionários estavam no local do acidente porquanto eram responsáveis pela fiscalização e manutenção do jogo, por aquela concebido e construído (cfr. resposta aos quesitos 13º e 18º) difícil é defender que a mesma não tinha obrigações decorrentes de tais atribuições.
XV. Não tendo os funcionários da Recorrente se apercebido atempada mente do que estava a acontecer no jogo e não tendo impedido que o barco que transportava a XX e o seu filho continuasse a seguir em frente e acabasse por virar, o que sucedeu por não terem conseguido verificar atempadamente que um dos barcos estava parado e diligenciado, imediatamente, pela paragem do jogo de diversões em causa, é de concluir que a Ré omitiu os seus deveres de vigilância, havendo por isso obrigação de indemnizar por banda da Recorrente.
XVI. São inatacáveis também as respostas dadas pelo douto Tribunal a quo às respostas dadas aos quesitos 9º, 10º, 11º, 12º, 29º, 30º, 31º, 36º, 37º e 38º.
XVII. Como resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto “através dos relatórios médicos juntos aos autos, conjugados com os depoimentos prestados por médicos na audiência, o Colectivo ficou convencido que o acidente no Macau Fisherman's Wharf causou ferimentos graves a uma turista oriunda da China Continental, tendo a mesma ficado, em consequência, paralisada permanentemente.”
XVIII. Tendo sido provado ainda, por documentos, que depois de ter alta do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, foi internada já no próprio dia no Hospital da China Continental, a qual só teve alta no dia 10 de Abril de 2006 e depois passou a ser novamente internada noutro Hospital da China até 2007, para continuar com tratamentos.
XIX. Da conjugação da prova de tais factos com as regras de experiência comum, critério de julgamento aceite como meio de resolução das questões de facto, é possível retirar a conclusão que tendo a Ofendida fracturado a 9ª vértebra toraccica e sofrido lesões nos nervos que lhe causaram uma paralisada na metade inferir do corpo (cfr. resposta ao quesito 8º), paralisia que subsistia um ano e meio após o acidente, a mesma seria irreversível.
XX. Assim, a Ofendida ficou impedida de se auto cuidar no seu dia-a-dia, (cfr. resposta ao quesito 9º), ficou incontinente e necessitando de usar fraldas para adultos (cfr. resposta ao quesito 10º), e da ajuda de terceiros para trocar essas fraldas (cfr. resposta ao quesito 11º), necessitando de passar o resto da sua vida a andar de cadeiras de rodas em virtude dessa paralisia (cfr. resposta ao quesito 11º), pelo que se viu na contingência de contratar uma auxiliar a fim de cuidar da sua vida do dia-a-dia (cfr. resposta ao quesito 29º), a quem terá de pagar a quantia mensal de RMB$2.000.00 por mês (cfr. resposta ao quesito 30º), necessidade que se manterá nos próximos 30 anos (cfr. resposta ao quesito 37º e 38º), e ficando ainda incapacitada para trabalhar (cfr. resposta ao quesito 36º).
XXI. Face a todos os elementos probatórios de que dispõem os autos, podemos concluir que a decisão do julgamento da matéria de facto mostra-se assim inatacável, inexistindo qualquer fundamento para que a mesma seja alterada nos termos pretendidos pela Recorrente.
XXII. A sentença recorrida é por isso inatacável, devendo ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na integra a decisão recorrida.
Nestes termos e nos mais em Direito consentidos que V.Exas. muito doutamente suprirão, se requer que seja o presente recurso julgado integralmente improcedente, com a consequente confirmação da Sentença recorrida,
Assim se fazendo a desejada, JUSTIÇA!».
*
No recurso subordinado, a autora, nas respectivas alegações (fls. 787 a 813) formulou as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso apresentado da decisão proferia a fls 691 e seguintes, nos termos da qual foi a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de MOP$422.726.12 (quatrocentas e vinte e duas mil setecentas e vinte e seis patacas e doses avos) e RMB 882.705.,00 (oitocentos e oitenta e dois mil, setecentos e cinco renminbis) a título de danos patrimoniais e ainda a quantia de MOP$750.000.00 (setecentas e cinquenta mil patacas) a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros legais calculados nos termos consagrados no acórdão do TUI de 2 de Março de 2011.
II. Como causa de pedir nos presentes autos, a ora Recorrente invocou o facto de ter ficado sub-rogada nos direitos de indemnização que lhe foram transferidos pela Ofendida XX sobre a Recorrida, pelas lesões e prejuízos sofridos em decorrência do acidente ocorrido no dia 3 de Janeiro de 2006 no jogo de diversões electrónicos River of Fire que se encontrava instalada no interior do vulcão do Macau Fisherman's Wharf, nos precisos termos em que tal é admitido pelo artigo 583º do Código Civil.
III. Alegou a ora Recorrente que, em virtude do contrato de seguro que mantinha em vigor com a Macau Fisherman's Wharf Companhia de Investimento Internacional S.A, e titulado pela apólice de seguro nº P-LG-XX-0000XX-X, chegou a um acordo com a Ofendida XX para que a mesma pudesse ser ressarcida o mais rapidamente possível (cfr. alínea O) dos Factos Assentes), tendo em 31 de Julho de 2007 e para cumprimento do aludido acordo pago o montante total de RMB$3.800.000,00 (cfr. resposta ao quesito 40º), nascendo o direito da ora Recorrente precisamente do facto de ter pago à Ofendida XX a aludida indemnização.
IV. O douto Tribunal a quo entendeu que se encontravam comprovados os factos atinentes à sub-rogação, e portanto que a ora Recorrente adquiriu os direitos pertencentes à credora originária, isto é, a Ofendida XX, tendo posteriormente analisado se a Ofendida teria efectivamente direito a receber uma indemnização em virtude dos factos ocorridos no dia 3 de Janeiro de 2006 no sobredito no jogo de diversões denominado River of Fire.
V. Resultou do entendimento douta mente sufragado na sentença recorrida que, em face da factualidade provada, a responsabilidade pelo acidente em causa nos presentes autos pertence à Ré, ora Recorrente, daí decorrendo a sua obrigação de indemnizar, no caso a ora Recorrente, porquanto sub-rogada nos direitos da Ofendida.
VI. A douta decisão ora posta em crise deveria ter incluindo no quantum indemnizatório arbitrado uma indemnização pelo dano biológico sofrido pela Ofendida.
VII. Tem a jurisprudência dos Tribunais desta Região entendido que mesmo que alguém não exerça um trabalho - por conta própria ou alheia - seja porque tem rendimento de outra natureza, como de propriedade fundiária ou intelectual ou de capitais - seja porque não tem quaisquer rendimento e vive a cargo de outrem, sempre terá direito a ser indemnizado pela incapacidade permanente para o trabalho em geral, porque a sua capacidade permanente para trabalhar, para realizar uma actividade física ou espiritual foi afectada de forma definitiva e permanente. Foi um activo que ficou privado para sempre e deve ser indemnizado nos termos gerais” (neste sentido veja-se Ac. TUI nº 20/2007).
VIII. Da jurisprudência resulta que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui um dano ressarcível, quer haja ou não afectação da capacidade de ganho do lesado, dano esse que impõe um ressarcimento autónomo.
IX. Entende-se assim que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional, determinante de consequências negativas ao nível da sua actividade geral e que se traduz numa maior dificuldade para a execução com normalidade e regularidade das tarefas diárias, justifica a sua indemnização no âmbito do dano patrimonial.
X. Atenta a factualidade dada por provada, e atento o entendimento que tem vindo a ser seguido pela jurisprudência, é com mediana clareza que se conclui que a Ofendida tem um dano biológico, um dano presente, decorrente da sua nova condição física e das dificuldades na utilização do seu corpo e no desenvolvimento de actividade pessoais em geral daí resultantes, resultando previsível a maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que vinha desempenhando com regularidade.
XI. O facto de a Ofendida ter sofrido de fractura cominutiva da 9ª vértebra torácica e lesão dos nervos, o que a deixou paralisada na metade inferior do corpo, e dependente de uma cadeira de rodas (cfr resposta ao quesito 8ºe 12º), impedindo-a de se auto-cuidar no seu dia-a-dia (cfr resposta ao quesito 9º), estando incontinente e necessitando de usar fraldas para adultos (cfr. resposta ao quesito 10º), precisando da ajuda de outros para trocar essas fraldas (cfr. resposta ao quesito 11º), sendo que, caso não tivesse sofrido o mencionado acidente poderia trabalhar até aos 65 anos de idade (resposta ao quesito 36º), quando na realidade necessitará para o futuro, e durante 30 anos, de alguém que cuide dela na vida do dia-a-dia. (resposta ao quesito 37º), levaram a que a Autora acordasse em pagar-lhe uma indemnização no montante global de RMB$3.800.000,00.
XII. Em face do entendimento jurisprudencial que tem vindo a ser seguido pelos Tribunais Superiores, ao não ter arbitrado a aludida indemnização pela dano biológico (dano emergente) sofrido pela Ofendida em virtude do acidente ocorrido no dia 3 de Janeiro de 2006 no jogo de diversões electrónicos River of Fire que se encontrava instalada no interior do vulcão do Macau Fisherman's Wharf e que se traduz na afectação da sua condição física e da sua capacidade de ganho, o douto Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 477º, 556º, 558º, 560º, 583º e 587º, nº 1 do Código Civil,
XIII. Devendo assim a decisão recorrida ser nesta parte revogada e substituída por outra que, por entender que a Ofendida teria de ser indemnizada pelo dano biológico sofrido, condene a Ré a pagar à Autora quantum indemnizatório a esse título determinado segundo o juízo temperador da equidade a que alude o nº 6 do artigo 560º do Código Civil e considerando as especificidades do caso em concreto.
Assim se fazendo JUSTIÇA!».
*
A este recurso respondeu a ré, em cujas alegações apresentou as conclusões que seguem:
«a. O presente recurso subordinado tem por objecto a douta sentença de fls. 698 e segs., na qual já foi a ora recorrida condenada a pagar à recorrente as quantias de MOP422.726,12 (quatrocentas e vinte e duas mil, setecentas e vinte e seis patacas e doze avos) e RMB882.705,00 (oitocentos e oitenta e dois mil, setecentos e cinco renminbis), a título de danos patrimoniais, MOP750.000,00 (setecentas e cinquenta mil patacas), como compensação por danos não patrimoniais, e juros legais calculados nos termos consagrados no acórdão do TUI de 2 de Março de 2011;
b. Sendo que a recorrente vem sub-rogada nos direitos da vítima de um acidente ocorrido em Janeiro de 2006, no percurso denominado River of Fire, no interior do parque de diversões Fishermens Wharf, concebído e construído pela ora recorrida, mas cuja propriedade era da sociedade Macau Fisherman's Wharf - Companhia de Investimento Internacional, S.A., cujos funcionários também estavam encarregues da respectiva operação.
c. A recorrente pretende obter, ilegitimamente, uma vantagem a que não tem direito, constituindo a sua pretensão, salvo o devido respeito, uma violação aos princípios do dispositivo e do contraditório, consagrados nos artigos 3.º, 5.º, 212.º, 217.º e 564.º, nº 1 do CPC.
d. Em lado algum da sua petição inicial a ora recorrente requereu a condenação da recorrida no pagamento de compensação por dano emergente biológico, nem sequer no artigo 31.º do seu petitório, porque o que ali vem reivindicado são danos futuros a título de lucro cessante, o que não é o que vem peticionado neste recurso e foi, em qualquer caso indeferido por não ter sido provado, sem qualquer impugnação.
e. A recorrente, com este seu recurso, mais não pretende que emendar a mão, formulando pedido que não fez antes, violando o artigo 5.º do CPC, sendo que, se a douta sentença recorrida tivesse condenado a recorrida em tal quantitativo, teria violado o nº 1 do artigo 564.º do mesmo diploma.
f. Além disso, e porque a ora recorrida nunca foi confrontada com tal pretensão por parte da recorrente, nem sequer pode exercer o seu direito ao contraditório, em violação do artigo 3.º do CPC.
g. Aliás, a recorrente, nas suas alegações de recurso é capciosa ao citar o acórdão n.º 20/2007 do TUI, o qual foi proferido em sede de processo penal, sendo que o demandante cível peticionou em primeira instância indemnização por incapacidade permanente parcial - contexto que é diferente do que se verifica nos presentes autos, os quais têm natureza puramente cível e a pretensão da recorrente não consta da sua p.i. nem de requerimento posterior.
h. Tendo o respectivo pedido sido feito em primeira instância, e sujeito ao contraditório, nada certamente impedirá o Tribunal de o julgar, mas o Tribunal não pode, salvo melhor opinião, em processo cível, arbitrar indemnização não peticionada especificamente, sob pena de violar o já referido n.º 1 do artigo 564.º do CPC;
i. A recorrente não pode, nesta sede, vir agora adaptar o seu pedido aos factos supostamente provados em julgamento, formulando pretensão antes inexistente, sobe pena de violar o artigo 212.º do CPC.
j. Sendo certo que o artigo 556.º do CC consagra a regra geral da obrigação de indemnizar, não o é menos que tal desiderato tem de ser, como vimos, objecto de pedido específico ao Tribunal, o que não sucedeu.
k. Sem o qual não é legítimo o seu arbitramento - aliás, note-se que a ora recorrente, nas suas doutas alegações, nunca cita nem se refere aos factos que alegou na sua petição inicial.
l. A recorrente começa por referir nas suas, aliás doutas, alegações, que o Tribunal a quo indeferiu o pedido referente à perda de rendimentos (lucro cessante) (cfr. primeiro parágrafo a fls. 772), para mais adiante já se referir antes a “…um dano biológico, um dano presente...” (cfr. 2.º parágrafo a fls. 774), questionando depois se “...o douto Tribunal a quo não deveria ter arbitrado indemnização à ora Ofendida pela perda das suas capacidades funcionais...” (cfr. 3.º parágrafo a fls. 774), para concluir que a douta sentença recorrida esteve mal “...ao não ter arbitrado a aludida indemnização pelo dano biológico (dano emergente) sofrido pela Ofendida...” (3.º parágrafo a fls. 775).
m. Afigura-se que o raciocínio da recorrente evolui ao longo das suas alegações, começando em lucro cessante, que corresponde ao pedido que consta do artigo 31.º da p.i., para acabar a referir-se a um dano emergente, não peticionado mas que é, afinal o seu desiderato nesta lide recursiva, e é o que vem referenciado na jurisprudência do acórdão n.º 20/2007 do TUI, o qual consagra que, efectivamente, o dano biológico provocado por acidente de viação, causador de diminuição da capacidade para o trabalho é dano emergente, ao contrário da concomitante perda de rendimento que tal poderá acarretar, a qual será sempre lucro cessante.
n. O que é precisamente o contrário do que acontece nos presentes autos, onde a recorrente pediu o lucro cessante futuro, e não o dano emergente (biológico), sendo que é ela própria que admite e reconhece nas suas alegações de recurso que não ficou provado o que alegara a esse propósito no seu petitório.
o. Por isso, salvo melhor opinião, entra a recorrente em contradição entre o que peticionou e o que requer no seu recurso o qual, por isso, não pode proceder, mantendo-se, neste aspecto, a douta decisão recorrida.
p. Ainda que assim não se entenda, o que aqui apenas se admite por mera cautela de patrocínio, e sem prejuízo do que foi já alegado e contestado pela ora recorrente em sede do seu recurso principal quanto à sentença recorrida (de que este é subordinado), verifica-se que o Tribunal a quo já arbitrou à recorrente MOP750.000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais.
q. A questão do chamado “dano biológico” poderá desdobrar-se em duas vertentes: a sua ressarcibilidade e, caso esta se verifique, a que título tal ocorre.
r. Quanto à primeira, parece ser o entendimento praticamente unânime da doutrina e a jurisprudência que, efectivamente, tais ofensas merecem ser consideradas no cômputo dos danos a ressarcir.
s. Mas o problema levanta-se quanto ao fundamento para que tal aconteça: como dano emergente ou lucro cessante, ou eventualmente ambos, presentes ou futuros, ressarcíveis autonomamente ou não.
t. A jurisprudência dos tribunais portugueses tende a considerar que a indemnização ou compensação pelo dano biológico terá se ser aferida e valorada consoante as circunstâncias concretas de cada caso, mas que, dada a amplitude da definição de dano emergente e lucro cessante, o acrescento de “dano biológico” não traz nada de novo àquilo que era já considerado o dano ressarcível pela doutrina e jurisprudência, não sendo, por isso, autonomizável.
u. A mesma jurisprudência considera ainda que O dano biológico pode ser ressarcido como dano patrimonial, ou compensado, a título de dano moral, mas não nas duas vertentes, simultaneamente, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente.”
v. Por outras palavras, considera-se que o “dano biológico” é ressarcível mas, ou como dano patrimonial (presente ou futuro), ou como dano não patrimonial (dano moral, presente ou futuro), mas não em simultâneo.
w. A douta sentença recorrida, avaliando as circunstâncias do caso concreto, atribuiu à recorrente, no seu prudente arbítrio, uma compensação por dano moral e, por isso, não será legítimo a esta vir pedir, como faz, qualquer outra indemnização com idêntico fundamento.
x. A recorrente, no seu recurso, não impugna tal compensação, e também não vem pedir indemnização por danos futuros (quer na modalidade de dano emergente, quer como lucro cessante), antes reivindica um acréscimo ao quantum indemnizatório atribuído na douta sentença recorrida, a título de dano emergente presente.
y. Verifica-se, por outro lado, que o Tribunal a quo justificou o arbitramento de indemnização não patrimonial na douta sentença recorrida precisamente com os factos que a ora recorrente utiliza em defesa da sua tese de recurso.
z. O processo que correu termos no Tribunal de Última Instância sob o n.º 20/2007, citado pela recorrente, deriva do processo n.º 9/2006 desse Tribunal de Segunda Instância, onde o que se afigura ter sido arbitrado ao ali recorrente (assistente), porque tal lhe foi indeferido em primeira instância terá sido o ressarcimento de dano emergente futuro (e previsível), causado pela perda de capacidade para o trabalho de 70%, em circunstância em que ficou provado que tal incapacidade não provocou diminuição salarial.
aa. E defende, não o que a recorrente pede neste recurso, mas coisa diferente, que é o ofendido, quando existe diminuição da capacidade para o trabalho, mas sem diminuição de retribuição, seja compensado a título de danos não patrimoniais, ou fazer a deslocação de tal dano do plano não patrimonial para o plano patrimonial, e em consequência conduz à revisão do quantitativo da indemnização fixada ao lesado por danos não patrimoniais.
bb. Tendo na douta sentença recorrida já sido considerado e ponderado equitativamente o dano não patrimonial, não haverá aqui, como pretende a recorrente, acrescer ao montante indemnizatório arbitrado nos presentes autos.
cc. O arbitramento de indemnização adicional àquela já atribuída para danos não patrimoniais com fundamento no que se afigura ser o mesmo substrato factual criaria uma situação de enriquecimento sem causa, independentemente do facto de a recorrente, no âmbito da sub-rogação com que age no presente pleito, ter pago à acidentada XX a quantia total de RMB3.800.000,00, a qual é superior ao montante indemnizatório total que lhe é atribuído na douta sentença recorrida.
dd. A ora recorrente terá, porventura, direito a ser reembolsada nestes autos, não na medida do quantitativo que pagou à sinistrada, mas sim com base naquilo que conseguir provar da sua causa de pedir e do quantitativo indemnizatório que lhe for atribuído pelo Tribunal perante tal prova como se o pleito tivesse sido iniciado pela própria sub-rogante XX, servindo aquele quantitativo apenas como limite superior daquilo que poderá reivindicar nos presentes autos.
ee. Por tudo isto, deverá improceder o recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida.
ff. Além disso, consagra o n.º 1 do artigo 558.º do CC a obrigação de indemnizar, não só o prejuízo causado, presente, como o dano futuro, consubstanciado nos benefícios que o lesado deixou de obter por via da lesão, mas o artigo 557.º do mesmo diploma diz que só existe obrigação de indemnizar relativamente aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão.
gg. Defende a ora recorrente no seu, aliás douto, recurso a aplicação do n.º 6 do artigo 560.º do Código Civil, para que o Tribunal ad quem arbitre indemnização por dano biológico, estribando-se na alínea M) dos factos assentes, bem como nas respostas aos quesitos 1.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º,12.º, 36.º e 37.º.
hh. Sem prejuízo da impugnação da resposta a estes quesitos já realizada pela ora recorrida no seu recurso do qual este é subordinado, afigura-se, salvo o muito e devido respeito, que não tem o Tribunal matéria fáctica suficiente para que possa determinar a indemnização almejada pela recorrente, nem com recurso à equidade, porque não existe nos autos nenhuma prova, nem foi quesitado, que a acidentada XX tivesse qualquer capacidade para o trabalho antes do acidente.
ii. A recorrente não alegou nem provou nenhum facto que possa servir de base para a determinação de uma indemnização a título de dano biológico consubstanciador de perda de capacidade para o trabalho, e por isso não é conhecida essa capacidade anteriormente ao acidente relatado no presente processo.
jj. Não se sabe se a ofendida XX teria qualquer tipo de qualificação académica ou profissional, nem, sequer, o seu nível de vida ou situação patrimonial, ou se possuía ou tinha capacidade para exercer um ofício.
kk. Mesmo que o dano perda de capacidade de trabalho seja ressarcível, terá sempre de existir um termo de comparação, uma base de partida, para que o Tribunal possa doutamente arbitrar indemnização a esse título, aplicando o princípio da diferença, à qual, in casu, falta o factor inicial.
ll. O Tribunal ad quem não sabe, nem tem forma de saber, a situação (hipotética) em que a XX se encontraria sem o dano sofrido, porque a ora recorrente não alegou nem provou qualquer facto útil a esse respeito nos presentes autos, apesar das respostas dadas aos quesitos 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 36.º.
mm. O Tribunal não sabe se a XX, por exemplo, não padeceria já, antes do acidente, de alguma deficiência ou incapacidade motora ou psíquica, que a impedisse que ter uma profissão (a qual também não se conhece), nem se porventura faria uma vida activa e normal, e em que grau, concretamente, as consequências do acidente teriam afectado a sua vida e bem estar.
nn. E mesmo que o Tribunal acabe por aplicar o nº 6 do artigo 560.º do CC, afigura-se, salvo o devido respeito, que, pelas mesmas razões, também não conseguirá aferir o valor dos danos com recurso a critérios de equidade, já que a norma impõe que o Tribunal deve determinar o montante dos danos, mas só dentro dos limites que tiver como provados.
oo. In casu, não se conhece o efectivo grau de diminuição das capacidades funcionais da XX causada pelo acidente descrito nos autos, porque não existe qualquer informação provada quanto ao seu nível pré-evento, para se fazer um juízo comparativo.
pp. E, mesmo que se admita que é de arbitrar dano patrimonial futuro como consequência de perda de capacidade para o trabalho, o que não se concede nem será (550 que a recorrente pretende, não estão provados factos que possam estribar a aplicação dos critérios usuais par a determinação de tal quantitativo.
qq. Não se sabe se antes do acidente a XX não teria já algum grau de incapacidade, nem se lhe é conhecida qualquer ocupação, salário ou pormenores da vida diária. E desconhece-se até qual será a esperança de vida das mulheres em Zhuhai.
rr. Por isso, na falta de prova nos autos, afigura-se que, salvo melhor opinião, não será possível, mesmo que assim se pretendesse, arbitrar qualquer indemnização a título de dano emergente ou futuro por dano corporal, nem sequer com recurso a regras de equidade.
ss. Soçobrando, também por aqui o recurso subordinado apresentado pela autora.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser indeferido na totalidade o recurso da autora, com as demais consequências legais, desta forma se fazendo a já costumada JUSTIÇA!»
*
Cumpre decidir.
***
II - Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«A A. é uma Companhia de XX registada em Macau, autorizada a praticar em Macau todas as actividades de seguros, com registo comercial nº XXXXX(so). (A)
De entre a actividade por si explorada, a autora, no dia 30 de Dezembro de 2005 celebrou um contrato de seguros com “Macau Fisherman's Wharf - Companhia de Investimento Internacional, SA.”, que segura todos os acidentes, relacionados com a sua actividade, ocorridos dentro do “Macau Fisherman's Wharf”, cujo valor máximo do seguro de 20 milhões de dólares de HK, apólice se seguro nº P-LG-XX-0000XX-X. (B)
A R. é uma Companhia registada em Macau com registo comercial nº XXXXX, cuja actividade consiste em prestar consultas, planos, concepção, construção, supervisão e gestão do aludido parque temático. (C)
A R., no desempenho da sua actividade, encarregou-se da empreitada dos demais jogos de diversões electrónicos, bem como o “River of Fire” (烈焰激流) no “Macau Fisherman's Wharf”. (D)
Em 3 de Janeiro de 2006, cerca das 11:20 horas, um turista do interior da China, XX, à data com 34 anos de idade, levou o seu filho, XXX, para andar no jogo de diversões electrónicos “River of Fire”que se encontrava instalada no interior do vulcão do “Macau Fisherman's Wharf” (E)
O respectivo jogo de diversões electrónicas consiste em transportar turistas de barco de borracha flutuando num curso de água artificial. (F)
Os utilizadores do “River of Fire” entram através de uma passagem para o interior do “vulcão JJ e embarcam em jangadas circulares, compostas por fibra de vidro, as quais flutuam ao longo de um circuito fechado, dentro do complexo que sustenta o aludido “vulcão”. (G)
O circuito consiste numa trincheira em betão, com secção rectangular, no fundo da qual corre água com alguns centímetros de profundidade, sendo que as jangadas flutuam através da utilização de uma “bóia” insuflada, em tubo de borracha, afixada ao redor da circunferência de cada uma. (H)
As jangadas percorrem o circuito, propulsionadas por uma correia. (I)
Nesse dia e hora, numa das jangadas de borracha verificou-se o “descascar” da placa de fibra de vidro que cobria a parte inferior do seu casco. (J)
O que provocou necessariamente que essa jangada ficasse “encravada” num dos rolantes transversais em aço que atravessam, a dado passo, o percurso das jangadas, ao fundo de uma rampa que estas descem. (K)
O encravamento da referida jangada bloqueou totalmente o canal, e três outras jangadas que se lhe seguiam a alguma distância foram ficando sucessivamente presas atrás da primeira, sendo que a quarta jangada transportava XX e seu filho, XXX, acabando por capotar. (L)
Em consequência XX e XXX foram projectados para fora do barco o que lhes causou ferimentos e determinou o seu transporte e assistência na urgência do Centro Hospitalar Conde S. Januário. (M)
O complexo “Fisherman's Wharf” e, especificamente, o “River of Fire” tinha aberto ao público poucos dias antes do acidente. (N)
Para que XX possa ser ressarcida o mais rapidamente possível, a autora, chegou a um acordo de conciliação com a mesma, com o teor constante do documento junto aos autos a fls. 112 a 115, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (O)
O evento supra aludido causou à XX fractura cominutiva da 9º vértebra torácica e encurvação da medula óssea devido à pressão, fracturas múltiplas das costelas laterais e pneumotórax, contusão do pulmão, laceração aberta da parte inferior do pulmão esquerdo. (1º)
XX foi de imediato sujeita a uma intervenção cirúrgica na urgência do Centro Hospitalar Conde S. Januário. (2º)
E após a operação, foi transferida para a Unidade de Cuidados Intensivos (ICU) desse Centro Hospitalar. (3º)
Depois de estar livre de perigo de vida e o estado de saúde se estabilizar, no dia 18 de Janeiro de 2006, XX foi transferida para o serviço de ortopedia a fim de continuar em observação e tratamento. (4º)
No dia 13 de Fevereiro de 2006, XX teve alta do Centro Hospitalar Conde S. Januário e regressou ao interior da China para tratamento. (5º)
Tendo sido internada no próprio dia no hospital “Nanfang” de Guangzhou, continuando lá com os seus tratamentos. (6º)
XX teve alta do hospital “Nanfang” no dia 10 de Abril de 2006, e foi conduzida ao 5º Hospital subordinado à Universidade de Zhongshan, onde esteve internada até 2007. (7º)
XX, por ter sofrido fractura cominutiva da 9a vértebra torácica e lesão dos nervos, deixou de ter sensibilidade da cintura para baixo, ficando paralisada na metade inferior do corpo. (8º)
O que a impede de se auto-cuidar no seu dia-a-dia. (9º)
Em consequência da perda de sensibilidade na metade inferior do corpo, XX está incontinente e necessita de usar fraldas para adultos. (10º);
Em consequência da perda de sensibilidade na metade inferior do corpo, XX precisa de ajuda de outros para trocar essas fraldas. (11º)
Em virtude do aludido acidente, XX ficou paralisada permanentemente e necessita de passar o resto da sua vida a andar numa cadeira de rodas. (12º)
O jogo de diversões electrónicos “River of Fire” que se encontra instalado no vulcão do “Macau Fisherman's Wharf” foi concebido e construído pela R. (13º)
Este jogo de diversões electrónico tem um sistema para paragem de emergência, em caso de acidente. (14º)
E quando accionado pára a fita transportadora que movimenta a jangada. (15º)
No dia e hora do aludido acidente, o respectivo sensor de detecção de jangadas para paragem de emergência não funcionou. (16º)
E não conseguiu deste modo parar a fita transportadora que movimenta as jangadas. (17º)
No dia da ocorrência do acidente, eram os funcionários da R. quem se responsabilizava pela gestão e fiscalização do respectivo jogo. (18º)
Os funcionários da R. e da Macau Fisherman's Wharf não se aperceberam atempadamente do que estava a acontecer no referido jogo e não impediram que o barco que transportava XX e o seu filho continuasse a seguir em frente. (19º)
Bem como não impediram que o respectivo barco viesse a embater no barco da frente e acabasse por virar. (20º)
O acedente supra aludido aconteceu devido a uma falha dos sensores de emergência do jogo. (21º)
Tendo acontecido igualmente pelo facto de os funcionários da R. e da Macau Fisherman's Wharf não terem conseguido verificar atempadamente que um dos barcos estava parado e diligenciado, imediatamente, pela paragem do jogo de diversões em causa. (22º)
Desde a ocorrência do acidente, até o dia 13 de Fevereiro de 2006, XX enquanto esteve na urgência e hospitalizada no Centro Hospitalar Conde S. Januário, despendeu no total, MOP193. 825, 00. (23º)
O filho de XX sofreu ferimentos leves, tendo despendido MOP4.845,00 de despesas médicas. (24º)
XX gastou RMB118.135,00 no hospital “Nanfang” de Guangzhou para continuar com os tratamentos. (25º)
Durante o período em que XX esteve internada no 5º Hospital subordinado à Universidade de Zhongshan, apenas gastou para a aquisição de fraldas para adultos e de entre outros produtos de higiene o montante de RMB16.570,00. (26º)
O marido da ferida e familiares foram obrigados a deslocarem-se urgentemente de Zhuhai a Macau para acompanhar a ferida, permanecendo em Macau desde 3 de Janeiro de 2006 até 13 de Fevereiro de 2006. (27º)
Tendo gasto, durante este período, em despesas de alojamento e refeições a quantia de MOP221.513,72, valor que foi adiantado pela “Macau Fisherman's Wharf - Companhia de Investimento Internacional, SA.” (28º)
Em face das lesões sofridas XX teve que contratar um auxiliar a fim de cuidar da sua vida do dia-a-dia. (29º)
Tendo a partir de 10 de Abril de 2006 até 9 de Janeiro de 2007 contratado a XXX como auxiliar pelo montantes de RMB2.000, 00 por mês, num total de RMB18.000,00. (30º)
Dado na altura em que a XX teve o acidente, o seu filho tinha apenas 8 anos de idade e dele não conseguia cuidar, foi obrigada, entre 23 de Abril de 2006 e 22 de Fevereiro de 2007, a contratar uma empregada de nome XXX a quem pagou RMB1.000,00 por mês, no total de RMB10.000,00. (31º)
Em 13 de Fevereiro de 2006, a “Macau Fisherman's Wharf Companhia de Investimento Internacional, SA.” ajudou a pagar $100.000,00 dólares de Hong Kong para despesas de hospitalização no hospital “Nanfang” de Guangzhou, tratamentos para recuperação e medicamentos da ferida, convertidas em MOP103.000,00. (32º)
Em 30 de Março de 2006, a “Macau Fisherman's Wharf Companhia de Investimento Internacional, SA.” ajudou a pagar $50.000,00 dólares de Hong Kong de despesas médicas da ferida, convertidas em MOP51.500,00. (33º)
Caso não tivesse sofrido o mencionado acidente a XX poderia trabalhar até aos 65 anos de idade. (36º)
A XX necessitará para o futuro, e durante 30 anos, de alguém que dela cuide na vida do dia-a-dia. (37º)
Com a qual terá de despender pelo menos RMB2.000,00 por mês. (38º)
Em 29 de Maio de 2006, a ferida remeteu uma carta à “Macau Fisherman's Wharf” pedindo uma indemnização no montante superior a 20 milhões a título de danos não patrimoniais, tendo essa carta sido, por sua vez, entregue de imediato à A. (39º)
Para cumprir o acordo celebrado com a XX, a A. através do Banco da China, sucursal de Macau, em 31 de Julho de 2007, pagou-lhe em duas vezes, o montante de RMB1.800.000, 00 e RMB2.000.000,00, no total de RMB3.800.000,00. (40º)
A A., para investigar a realidade do acidente, contratou uma agência notarial de HK “GAB Robins Hong Kong Ltd.”, à qual pagou pelos respectivos serviços o montante de HKD47.000,00/MOP48.410,00. (41º)
Nos meses anteriores todo o sistema do “River of Fire” foi submetido a testes, ao longo de várias horas, com e sem carga. (42º)
A R. colocou o “River of Fire” em funcionamento, primeiro para testar cada um dos seus sub-sistemas. (43º)
Em seguida, foi testado todo o complexo em conjunto, sem carga, e por último, também de forma global, com carga, recorrendo-se à utilização de sacos de areia para simular os utilizadores. (44º)
Após estes ensaios não se verificaram anomalias e o “River of Fire” foi devidamente certificado como seguro e em condições de abrir ao público, sendo subsequentemente entregue ao dono da obra, a “Macau Fisherman's Wharf - Companhia de Investimento Internacional, S.A.” (45º)
Em todos os dias em que esteve aberto ao público, incluindo o dia do acidente, o “River of Fire” foi testado de novo, não se encontrando qualquer defeito ou anomalia. (46º)
Os funcionários da proprietária do complexo eram responsáveis pela operação do jogo, tendo para o efeito, recebido o necessário treino proporcionado pela R. (47º)
O teor de fibra de vidro na base das jangadas utilizadas no “River of Fire” era de 47,5%. (48º)
As camadas de laminado de fibra de vidro nos cascos das jangadas eram demasiado secas, sem resina suficiente que assegurasse a devida aderência entre si e que a camada exterior do material do casco inferior era apenas composta por resina, sem qualquer força estrutural. (49º)
Cerca de metade da secção longitudinal do casco das jangadas era composta apenas por resina. (50º)
O laminado das jangadas em causa não tinha resistência na eventualidade de um impacto. (51º)
Tais defeitos de fabrico, pela sua natureza, não são passíveis de detecção por mera inspecção visual, e foram apenas encontrados, após exames laboratoriais. (53º)
Durante uma inspecção realizada à jangada avariada, imediatamente após o acidente, verificou-se que a “bóia” de flutuação, que circunda a sua parte inferior externa, e que também serve para proteger o material contra embates laterais, se furou e encontrava-se parcialmente esvaziada. (54º)
Entre as 9:00 horas e as 11:19 horas do dia do acidente, o sensor que controla a entrada de jangadas no local onde ficou encravada a jangada “descascada”, deixou de funcionar. (59º)
Este sensor serve para não permitir que mais de uma jangada entre naquela parte do percurso, precisamente para evitar embates. (60º)
A paragem das jangadas pode ser feita manualmente, pelos funcionários de R. e da Macau Fisherman's Wharf (61º).
***
III - O Direito
1 - Do recurso principal
A autora da acção, seguradora da ré, imputando a esta a culpa na produção do acidente ocorrido na “Macau Fisherman's Wharf”, acha-se com direito de, por sub-rogação, exigir o pagamento de uma importância em dinheiro a título de anos patrimoniais e não patrimoniais que pagou directamente à lesada.
A sentença estudou o direito aplicável e chegou à conclusão de que o acidente tinha sido causado por uma avaria no tapete rolante que transportava as jangadas no parque de diversão, que, por ter prendido sem que tal fosse detectado pelo sensor do sistema do jogo, nem pelos funcionários da Macau Fisherman's Wharf, obrigou a jangada onde seguia a lesada e seu filho a capotar, provocando-lhe as graves lesões descritas nos autos.
Entendeu, depois, que os elementos da responsabilidade civil se mostravam verificados (art. 477º do CC) e, nessa medida, reconhecido o direito de sub-rogação à autora, fixou o valor da indemnização a imputar à ré, condenando-a.
*
A recorrente “B” entende que o requisito da culpa da sua parte (dos seus funcionários) não foi dado como provado. Provado, em sua opinião, apenas ficou que os funcionários da proprietária do complexo eram os responsáveis pela fiscalização e funcionamento das operações.
Prossegue a recorrente, dizendo, por outro lado, que se não provou também a factualidade constante das respostas aos quesitos 8º (parcialmente), 9º, 10º, 11º, 12º, 29º, 30º, 31º, 36º, 37º e 38º.
Ou seja, de acordo com as declarações de testemunhas que identifica e mesmo com a prova documental que cita (fls. 45), não poderia o tribunal “a quo” dar como provado que:
- A XX ficou paralisada de forma permanente da cintura para baixo (8º),
- Em resultado dessa paralisia, está impedida de se cuidar no seudia a dia para o resto da vida (9º, 12º, 37º e 38º);
- Está incontinente (10º);
- Continua a precisar da ajuda de outras pessoas para trocar fraldas (11º);
- Precisa passar o resto da vida numa cadeira de rodas (12º);
- Tem necessidade de contratar um auxiliar para si e o seu filho (29º, 30º e 31º);
- Está incapacitada de trabalhar (36º).
Circunstâncias, portanto, que em seu entender sempre deveriam levar o tribunal a reduzir o quantum indemnizatório.
Diz, por outro lado, que ao valor das despesas médicas de Mop$ 193.825,00 e RMB 134.705,00 suportadas pela lesada (factos 23º e 25º/26), ter-se-á esquecido o tribunal de abater o valor do reembolso o provado nos factos 32º e 33º. Portanto, haveria que reduzir ao valor referido as importâncias já adiantadas pela proprietária do empreendimento.
A seguir, acha que não pode ser responsabilizada pelo pagamento de outras despesas invocadas por não se ter provado nem a sua existência (factos 29, 30, 31), nem a sua necessidade (factos 36º, 37º e 38º), ou por se ter demonstrado tê-las já pago a proprietária do complexo (facto 28º).
Finalmente, entende que o valor dos danos não patrimoniais arbitrados (Mop$ 750.000,00), ou não é devido por si, ou é excessivo.
.
Não é isso o que pensa a recorrida. Para si, as declarações prestadas pelas testemunhas não consentem a conclusão que a recorrente alcança no recurso.
*
Vejamos, então.
Efectivamente, se com a 1ª parte do recurso, a recorrente pretende uma verdadeira modificação do julgamento de facto, certo é que os autos não permitem acompanhar a sua tese, pelo menos com o grau de certeza que seria necessário para lhe acudirmos em termos indiscutíveis e inabaláveis. Isto é, os testemunhos a que ela alude e a que fez expressa referência nas suas alegações de recurso, não sendo aptos, definitiva e inquestionavelmente, a dar suporte à sua posição, a verdade é que, como a recorrida refere nas suas contra-alegações, eles mesmos não afastam que nos encaminhemos noutra direcção. Quer dizer, afinal de contas, os testemunhos prestados (e que neste TSI tivemos oportunidade de ouvir) não servem de uma forma decisiva para dar razão à recorrente, na medida em que deles também resulta que a fiscalização não estava a cargo da proprietária da diversão (até por não conhecer o sistema, montado que foi pela ré da acção), mas sim da entidade que a concebeu, construiu e instalou. A fiscalização e manutenção do sistema do jogo de diversão cabia-lhe.
Ora, é certo que o princípio da livre apreciação da prova (art. 558º, do CPC) não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc. Mas, por outro lado, também é certo que a convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Portanto, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao trabalho do julgador, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser feita (Ac. do TSI, de 18/07/2013, Proc. nº 50/2013).
Por isso se diz que, geralmente, o princípio da imediação e da livre apreciação das provas impossibilita o Tribunal de recurso de censurar a relevância e credibilidade que o Tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu (Ac. TSI, de 19/10/2006, Proc. nº 439/2006).
Ora, nós achamos que, face aos dados adquiridos no caso concreto, inclusive a partir da prova testemunhal, a situação apurada nos conduz para uma responsabilização da ré, através dos seus funcionários ali presentes, centrada no controlo e fiscalização do funcionamento em si mesmo do sistema do “River of Fire”.
Eis a razão por que consideramos não ter havido um mau ou errado julgamento da matéria de facto no que a este aspecto respeita.
.
No que respeita ao segundo aspecto do recurso, também ele nos parece que melhor sorte não tem.
Está em causa a alegada falta de demonstração de que a ofendida tivesse ficado paralisada da cintura para baixo e, por conseguinte, a ausência de responsabilidade no pagamento das despesas ocasionadas nos arts. 29º, 30º, 31º, 36º, 37º e 38º da base instrutória.
Efectivamente, o tribunal deu como provada a perda de sensibilidade e paralisia da ofendida da cintura para baixo (facto 8º), paralisia que é permanente (facto 12º).
Mais uma vez, a recorrente não tem razão. E para não voltarmos a repetir o que acima dissemos acerca da imediação e da convicção do julgador, vale a pena transcrever a fundamentação do julgamento feito pela 1ª instância: “A convicção do Tribunal formou-se com base na confrontação do depoimento das testemunhas inquiridas …conjugado com a prova documental junta aos autos. Através da análise dos relatórios médicos juntos aos autos, conjugado com os depoimentos prestados por médicos na audiência, o colectivo ficou convencido que o acidente ocorrido…causou ferimentos graves a uma turista oriunda da China Continental, tendo a mesma ficado, em consequência, paralizada permanentemente” (fls. 661 vº).
Dito isto, o valor que a recorrente confere aos depoimentos testemunhais prestados pelos clínicos citados nas alegações não chega para infirmar a conclusão a que o tribunal chegou. Efectivamente, deles não resulta uma resposta que impossibilite a convicção de que a ofendida tenha ficado permanentemente paralisada. Do conjunto de elementos probatórios resulta, pelo contrário, que a turista chinesa saiu do hospital paralisada, continuou em tratamento hospitalar na RPC paralisada e, a avaliar pelo depoimento de testemunhas, ainda continuava paralisada cerca de ano e meio depois do acidente. Não cremos que para dar uma resposta diferente fosse necessário esperar vinte ou trinta anos a contar com uma evolução favorável, quase tão inexplicável, como milagrosa, ou com um desenvolvimento rápido de um estádio científico e técnico da medicina que permita no futuro recuperar lesões da coluna dorsal e do sistema nervoso como esta.
E se isto se diz da gravidade das lesões, o mesmo se aduz quanto à necessidade, que a própria lógica sustenta, da realização das despesas, tanto decorrentes dos danos imediatos e emergentes (aquilo que gastou por causa do acidente), como os futuros (aquilo que resulta de necessidade de contratar uma pessoa para a ajudar no seu dia-a-dia), para já não falar dos lucros cessantes (aqueles que deixa de auferir devido à sua incapacitação). Tudo, pois, com assento no art. 558º do CC.
E quanto à afirmação da recorrente de que inexiste prova sobre a matéria dos arts. 29º a 31º da BI, ela é contrariada pelos docs. 24 e 25 juntos com a petição inicial, a que o tribunal “a quo” terá dado um relevo que este TSI, face a tudo o já dito, não está em condições de refutar.
Não há, pois, qualquer mau julgamento da matéria de facto a este respeito.
.
Quanto aos factos do arts. 27º e 28º da Base instrutória, sim, parece-nos que a recorrente tem razão. Efectivamente, ficou provada a despesa efectuada em alojamento e alimentação por parte do marido e familiares nas suas deslocações a Macau em visita da lesada. Todavia, o valor quesitado era de Mop$ 228.901,12, mas a prova ficou-se pelo de Mop$ 221.513,72. Houve aqui, portanto, um lapso na sentença que importa corrigir.
Não obstante, nem por isso essa importância pode ser atribuída à autora da acção. É que esses custos foram “adiantados” pela própria proprietária do empreendimento (facto 28º). Quer dizer, na sua esfera não existe actualmente esse prejuízo, uma vez que foi a “Macau Fisher`s Wharf” quem suportou o pagamento e, por isso, não se pode falar aqui em sub-rogação que lhe confira o direito que a este título reclama. Aquele dano foi compensado directamente entre a utente e a proprietária do complexo. Quer dizer, a recorrente não é responsável pela indemnização nesse caso. Não tendo assim procedido, a sentença não pode manter-se por ter violado o disposto no art. 556º do Código Civil.
.
A recorrente acomete a sentença, também, na parte em que por ela se viu condenada a pagar à autora da acção a quantia de RMB 720.000,00, a título de despesas de contratação de uma pessoa encarregada de velar pela lesada durante 30 anos ao custo salarial mensal de RMB 2.000,00, face aos arts. 36º, 37º e 38º da BI. E isto, por não estar demonstrada a necessidade de contratação (e ser, portanto, um dano incerto, meramente eventual), mas também por o seu valor ter sido arbitrário e sem suporte fáctico.
Mas, como já vimos, as razões referentes à necessidade de cuidados e de apoio dão-se por demonstradas, não sendo preciso voltar ao assunto. O tribunal fez o seu juízo em termos que não merecem censura!
Quanto à contratação em si mesma e ao valor indicado, terá sido o tribunal sensível, certamente, aos valores remuneratórios actuais na RPC (que nem sequer achamos elevados, atendendo ao quadro actual do desenvolvimento da economia chinesa), os quais nem sequer tiveram em conta um possível incremento e actualização futura ao longo de uma expectativa de vida de 30 anos (37º). A indemnização ateve-se simplesmente ao valor actual. Nesse sentido, não exorbitou do senso comum, nem da prova concreta.
Não nos parece, portanto, ao contrário do que pensa a recorrente, que tivessem sido violados os arts. 477º e 558º, nº2, do CC.
A indemnização a este título ascende a RMB 882.705,00, correspondente às despesas provadas nas respostas aos arts. 30º e 31º da BI (28.000,00), à despesa referente às respostas nos arts. 36º, 37º e 38º da BI (720.000,00) e às respostas aos arts. 25º e 26º (134.705,00). E em Mop$ será de 193.825,00, conforme resposta ao quesito 23º.
.
Por fim, insurge-se a recorrente contra a compensação pelo dano não patrimonial, no valor fixado de Mop$ 750.000,00, não somente por não ser devido, como também por ser excessivo.
Para além da prova estar feita sobre a incapacidade (não voltemos ao tema), certo é que se tratava de uma mulher jovem (à data do acidente tinha 34 anos de idade), casada e com um filho de 8 anos de idade.
Compreenderá a recorrente, como o compreende e aceita toda a pessoa de mediana sensibilidade para qualquer fenómeno de paraplegia, que a vida do indivíduo atingido pelo infortúnio muda radicalmente desde esse instante. Tudo é mais sombrio e triste, a infelicidade invade-o, as relações sentimentais alteram-se, extinguem-se outras, mudam-se comportamentos e atitudes, sofre-se, enfim, pelas mais variadas causas. Isso sabe-se; é notório.
Neste caso, não há razão para pensar que as coisas se passarão diferentemente. Assim, parece-nos que as regras da prudência, o bom senso prático, a criteriosa ponderação das realidades da vida, aconselham que a indemnização nem se torne forma de enriquecimento, nem seja uma miserabilista maneira de mitigar a dor e o sofrimento1. Achamos, pois, razoável, segundo as regras da equidade (art. 489º do CC) o valor arbitrado na 1ª instância, que, por isso, não nos merece reparo.
**
2 - Do recurso subordinado
Visa este recurso, interposto pela autora da acção, clamar deste TSI por uma revogação da sentença da 1ª instância por não ter atendido na fixação da indemnização um valor pecuniário que servisse para cobrir o dano biológico (dano emergente) sofrido pela lesada que a incapacitou para o trabalho (incapacidade de ganho).
Sem razão, porém, tal como assim o acha também a ré nas suas contra-alegações.
Efectivamente, o que está em causa, ou seja, o objecto do recurso é a sentença, a que se imputam maleitas, ou de ordem adjectiva, ou de ordem jurídico-substantiva.
Ora, isso quer dizer que se a sentença não tivesse resolvido alguma questão que tivesse sido colocada ao tribunal “a quo”, isso corresponderia a uma nulidade por omissão de pronúncia (art. 571, nº1, al. d), do CPC).
Sucede que nem sequer a recorrente subordinada colocou a tónica do seu recurso na omissão de alguma pronúncia que integrasse a referida nulidade, o que nos faz acreditar que nem ela mesmo achou que algo ficou por dizer ou decidir.
Vem isto a propósito do pedido e da causa de pedir da petição inicial. Na verdade, do seu articulado não se alcança que a autora tenha peticionado a condenação da ré no pagamento de compensação por dano emergente biológico.
Portanto, não pode deixar de dizer-se que a sentença fez o que lhe competia: apreciou o pedido de acordo com a causa de pedir da acção. Não condenou a ré em outros danos por tal lhe não ter sido pedido; dessa maneira, observou o comando do art. 563º, nº2, do CPC. E se assim agiu, é porque, noutra perspectiva, apenas conheceu da questão que a parte lhe submeteu à sua apreciação (nº3, cit. art. 563º, do CPC). Tivesse feito diferentemente e estaríamos perante a violação do disposto no art. 564º, nº1, do mesmo Código, segundo o qual o tribunal não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diferente do que se lhe pedir, limites materiais que têm a sua mais directa raiz no princípio do dispositivo, estabelecido no art. 5º do CPC. Ou, então, perante a violação do art. 217º do CPC.
Coisa que, por estarmos em sede recurso cível, é diferente da situação subjacente ao aresto do TUI de 25/04/2007 (Proc. nº 20/2007). Mesmo se considerando o dano biológico indemnizável, para lá dos prejuízos decorrentes da lesão que afecte a capacidade de trabalho e o rendimento futuro (Ac. TSJ, de 2/12/2013, Proc. nº 1110/07; 11/12/2012, Proc. nº 269/06; 31/05/2012, Proc. nº 1145/07; 6/12/2011, Proc. nº 52/06; 20/01/2011, Proc. nº 520/04; 7/07/2009, Proc. nº 3306/08;) a verdade é que de tal nunca falou a autora da acção na pretensão indemnizatória. Surge pela primeira vez no recurso subordinado que apresentou.
De resto, não esqueçamos que estamos no âmbito de uma acção sub-rogatória, em que o tribunal não pode fazer o exercício de apuramento de um dano que em princípio caberia fazer à própria sinistrada invocar no âmbito da acção adequada por si interposta e cuja indemnização fosse capaz de reparar, na medida do possível, a sua esfera pessoal/patrimonial/biológica atingida no presente ou no futuro. Ora, como pode o tribunal nesta acção condenar com uma fundamentação radicada nesse dano, se nem sequer a autora alegou e provou ter pago qualquer indemnização à lesada a esse título de dano biológico?!
Não pode, pois, proceder o recurso nesta parte.
***
IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
a) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela ré, em consequência do que, revogando na respectiva parte e medida a sentença da 1ª instância, se condena a ré no pagamento à autora da importância de Mop$ 193.825,00 e RMB$882.705,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, e da importância de Mop$ 750.000,00, a título de danos não patrimoniais tudo acrescido de juros com juros de mora, a calcular de acordo com a forma definida pelo TUI no seu douto Acórdão de 02/03/2011, tirado no processo nº 69/2010;
Custas em ambas as instâncias pelas partes em função do decaimento.
.
b) Negar provimento ao recurso subordinado interposto pela autora da acção.
Custas deste recurso pela recorrente.
TSI, 08 de Maio de 2014
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Em sentido próximo, ver o Ac. TSI, de 14/11/2013, Proc. nº 622/2013; Ac. TSI, de 1/03/2012, Proc. nº 239/2011, entre outros.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------